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Barbaroi

versão impressa ISSN 0104-6578

Barbaroi  no.39 Santa Cruz do Sul dez. 2013

 

ARTIGOS

 

A experiência da maternidade na velhice: implicações do cuidado ao filho com deficiência intelectual

 

The experience of motherhood in old age: implications of the child care with intellectual disabilities

 

La experiencia de la maternidad en la vejez: implicaciones del cuidado de niños con discapacidad intelectual

 

 

Camila PegoraroI; Luciane Najar SmehaII

ICentro Universitário Franciscano (UNIFRA) - Santa Maria- Rio Grande do Sul - Brasil
IICentro Universitário Franciscano (UNIFRA) - Santa Maria- Rio Grande do Sul - Brasil

 

 


RESUMO

O estudo teve como objetivo conhecer as implicações de cuidar de um filho adulto com deficiência intelectual no contexto em que a mãe já está vivenciando o envelhecimento. Participaram da pesquisa cinco mães com idades entre 69 e 85 anos, com pelo menos um filho com deficiência intelectual, que responderam a uma entrevista semiestruturada. A análise de conteúdo dos relatos, realizada conforme Bardin, revelou que essa vivência é uma experiência desafiadora. Essas mães abdicam do seu lazer, da vida social e do cuidado pessoal em virtude dos cuidados ao filho. Assim, encontram-se isoladas e com sentimentos de abandono e desamparo, bem como receios e dúvidas com relação ao futuro. Percebeu-se que essas mães necessitam de auxílio para ampliar a rede de apoio, o que poderá minimizar as dificuldades próprias da velhice. Por fim, ressalta-se a importância de se criar programas governamentais para atender às necessidades decorrentes do aumento da expectativa de vida da população. Há necessidade da criação de espaços de convivência, onde as pessoas com deficiência intelectual tenham oportunidade de frequentar em grupo sem a presença permanente da mãe.

Palavras-chave: Maternidade. Envelhecimento. Deficiência intelectual.


ABSTRACT

This study aimed at understanding the implications of taking of an adult child with mental disabilities in the context where the mother is already experiencing aging. The participants were five mothers aged between 69 and 85 years old, with at least one child with intellectual disabilities, who answered a semistructured interview. A content analysis of the reports, accordingBardin, revealed that this is a challenging experience. These mothers abandon their leisure, social life and personal care due to child care. Thus, they are isolated and with feelings of abandonment and helplessness, as well as fear and doubts about the future. We conclude that these mothers need help to enlarge the network of support, which may minimize the difficulties of elderly age itself. Finally, we emphasize the importance of government programs to meet the needs coming from the increased life expectancy of the population, as well as the existence of living spaces where people with intellectual disabilities have the opportunity to attend in a group without the permanent presence of the mother.

Keywords: Motherhood. Aging. Intellectual disability.


RESUMEN

El estudio tuvo como objetivo comprender las implicaciones del cuidado de un hijo adulto con discapacidad intelectual en el contexto en el que la madre ya está experimentando el envejecimiento. Los participantes fueron cinco madres de edades comprendidas entre 69 y 85 años, con al menos un hijo con discapacidad intelectual, que respondieron a una entrevista semiestructurada. Un análisis de contenido de los informes, segundo Bardin, reveló que esta experiencia es una experiencia desafiante. Estas madres renuncian a su tiempo libre, la vida social y el cuidado personal debido a la guardería. Por lo tanto, están aislados y con sentimientos de abandono y desamparo, así como los temores y las dudas sobre el futuro. Se observó que las madres necesitan ayuda para ampliar la red de apoyo, que puede reducir al mínimo las dificultades de la vejez en sí. Por último, hacemos hincapié en la importancia de crear programas de gobierno para atender las necesidades derivadas del aumento de la esperanza de vida de la población. Existe la necesidad de crear espacios donde las personas con discapacidad intelectual tienen la oportunidad de participar a un grupo sin la presencia permanente de la madre.

Palabras Clave: Maternidad. Envejecimiento. Discapacidad intelectual.


 

 

Introdução

Apesar de alguns estudos já terem procurado compreender a temática da deficiência intelectual (FERREIRA, 2009; SAVIANI, 2005; NÚÑEZ, 2007), ainda há necessidade de mais pesquisas que possam elucidar o entendimento sobre a maneira como se dá o cuidado de um filho com deficiência intelectual quando a mãe está vivenciando seu próprio envelhecimento. A deficiência intelectual não é um tema novo, já é debatido há bastante tempo. No entanto, a preocupação com as pessoas com deficiência intelectual é recente. Se feita uma comparação com os séculos anteriores, pode-se perceber que, hoje, há conhecimentos mais aprofundados sobre o assunto, mas ainda é um tema que merece muitos estudos para ser mais esclarecedor tanto para a sociedade como para a família que tem um membro com deficiência intelectual. Houve uma evolução no pensamento sobre o assunto bem como na responsabilidade na forma de cuidar, mas ainda não é o bastante. Embora tenham ocorrido avanços em relação aos direitos das pessoas com deficiência, percebe-se que existe, ainda, uma larga distância entre o previsto legalmente e a realidade vivenciada por essas pessoas (GOMES, 2009; KASSAR, 2012).

A pessoa com deficiência intelectual apresenta limitações na capacidade de desempenhar atividades cotidianas que, muitas vezes, acabam sendo desafiadoras para a família e, em especial, para o membro responsável pelo cuidado, que, na maioria das vezes, é a mãe. A maior dificuldade de enfrentar essa situação pode ser por se tratar de algo desconhecido, bem como por se acreditar que nunca iria acontecer essa situação na família. Percebe-se que a família é o primeiro grupo no qual o indivíduo é inserido. Diante disso, não se pode negar a importância dessa instituição (BUSCAGLIA, 1997).

De acordo com Miller (1995), quando a mãe toma conhecimento sobre a deficiência de seu filho, acaba sendo arremessada para o novo papel de mãe. Quando esse filho apresenta alguma deficiência, a mãe geralmente não entende nada a respeito de atrasos do desenvolvimento, pois ela estava preparada para o desenvolvimento normal de seu filho. Em nossa sociedade, geralmente é a mãe quem estará mais próxima do filho. Dessa forma, os cuidados podem representar uma grande responsabilidade para ela (SOUZA e BOEMER, 2003). É provável que os filhos adultos com deficiência precisem de algum tipo de apoio familiar permanente (NÚÑEZ, 2007).

A literatura descreve que, frequentemente, o principal cuidador de uma pessoa com deficiência mental é a mãe (NÚÑEZ, 2007; SCHMIDT e BOSA, 2007). Assim, exercer esse papel, quando se encontra em fase de envelhecimento, pode tornar-se uma tarefa mais árdua e mais vulnerável pelas limitações em que a mãe se encontra em função de sua própria idade. Segundo o Ministério da Saúde (2010), os estigmas negativos, normalmente associados ao processo de envelhecimento, têm como um de seus pilares o declínio biológico, ocasionalmente acompanhado de doenças e dificuldades funcionais com o avançar da idade. Esse envelhecimento é um fenômeno natural e irreversível.

Ainda, conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 2010), no Brasil, é considerada como idosa a pessoa que tem 60 anos ou mais. A partir dessa idade, essas pessoas tendem a apresentar diminuição da capacidade visual e auditiva, diminuição dos reflexos, perda de habilidades e funções neurológicas diminuídas, bem como podem desenvolver algumas doenças. De acordo com as limitações que a mãe, cuidadora de um filho com deficiência intelectual, pode apresentar, a pesquisa pretendeu investigar como se dá o cuidado diante do envelhecimento, quando a mãe necessita ser cuidada e ainda está cuidando do filho.

Assim, a mãe vai se deparar com a realidade de lidar com seu envelhecimento e com a aproximação de sua própria morte, o que acaba ocasionando questionamentos e dúvidas arespeito de seu filho com deficiência intelectual, que precisará dos seus cuidados frequentes e permanentes até os últimos momentos de sua vida (FERREIRA, 2009).

Há um elevado número de pessoas deficientes intelectuais no Brasil. Comparando os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - Censo 2000 para o Censo de 2010, percebe-se que as estatísticas tiveram um declive de 8,3 para 1, 4% de pessoas com deficiência intelectual, mas os dados comprovam que essa população apresenta uma expectativa de vida mais elevada, em que o percentual divulgado é de que 8,6% da população total do país são consideradas idosas e, nesse universo, 573.312 apresentam deficiência intelectual, o que significa, então, 3,82% do total de idosos brasileiros. Assim, este estudo poderá auxiliar no entendimento dessa nova realidade, além de proporcionar meios para que os diversos profissionais envolvidos no tema e as famílias possam preparar-se e organizar-se para viver a fase do envelhecimento de pais e filhos.

Os resultados desta pesquisa contribuem com os estudos no campo da psicologia, ampliando conhecimentos no que se refere a esse novo fenômeno. Além disso, traz benefícios à pessoa com deficiência, bem como a seus familiares. Diante dessas questões, este estudo teve como principal objetivo conhecer as implicações de cuidar de um filho adulto com deficiência intelectual no contexto em que a mãe já está vivenciando o envelhecimento e, mais especificamente, compreender como as mães enfrentam o envelhecimento dos filhos com deficiência intelectual, conhecer as expectativas das mães ao pensar no futuro e identificar quais os recursos que as mães utilizam para preservar sua saúde física e mental, diante da necessidade do cuidado do filho com deficiência.

 

Método

A pesquisa teve um delineamento qualitativo que, conforme Michel (2005), se fundamenta na discussão e correlação de dados interpessoais, na cumplicidade das situações dos informantes, analisados a partir da significação que estes dão aos seus atos.

Participaram da pesquisa cinco mães, na faixa etária de 69 a 85 anos, com, pelo menos, um filho com deficiência intelectual. A escolha e seleção das participantes foi por conveniência. Para preservar suas identidades, foi atribuída a denominação de Mãe 1, Mãe 2, Mãe 3, Mãe 4 e Mãe 5, conforme a ordem com que foram entrevistadas.

 

Tabela 1

 

Para a coleta de dados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas, efetuadas individualmente, com duração de mais ou menos uma hora, e em locais escolhidos pelas participantes. As entrevistas ocorreram entre os meses de agosto e setembro de 2012, sendo gravadas em áudio e transcritas na íntegra. O roteiro semiestruturado apresenta várias questões tais como: Como é cuidar do seu filho com deficiência mental? Qual é seu lazer? Quando seu filho ainda era pequeno, você pensava como ia ser o futuro? Agora é da maneira como você pensava? Como você se sente ao pensar no futuro?

Os dados coletados foram submetidos a uma análise de conteúdo de acordo com Bardin(1977/2010). Essa é uma técnica para a realização do levantamento dos dados, podendo ser realizada a partir de textos, falas e informações já coletados. Aprofunda-se o estudo das informções disponibilizadas pela pessoa e analisa-se a pertinência das responstas, a coerência, bem como a fidedignidade e possíveis distorções e omissões. A partir do levantamento dos dados, foi possível elencar as seguintes categorias: limitações do corpo em virtude da velhice e as dificuldades na atividade do cuidado; percepção do lazer frente à necessidade do filho; rede de apoio; perspectivas com relação ao futuro.

A pesquisa foi encaminhada ao Comitê de Ética, pelo qual foi avaliada. Como o estudo envolve seres humanos, elaborou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foi lido, aceito e assinado pelas participantes de forma voluntária. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Centro Universitário Franciscano, conforme protocolo número: 56025.

 

Discussão de resultados

Limitações do corpo em virtude da velhice e as dificuldades na atividade do cuidado

Envelhecer e adoecer não são sinônimos, mas é inevitável a presença de algumas limitações e enfermidades que surgem com maior frequência nos idosos. Diante disso, são naturais, também, as modificações orgânicas que podem afetar a autoimagem, bem como ocasionar transtornos emocionais mais graves. A velhice é uma etapa do ciclo vital que apresenta características únicas e próprias e acarreta algumas necessidades específicas dessa faixa etária (GATTO, 1996; PONTE, 1996; FONTES et al. 2011). Nessa etapa, o idoso passa por diversas perdas, sendo as mais frequentes as da saúde física, perda do cônjuge, perda do trabalho, bem como a diminuição das capacidades, o que causa um declínio do padrão de vida (EIZIRIK, CANDIAGO E KNIJNIK, 2001; GATTO, 1996; PONTE, 1996).

Com relação a isso, uma entrevistada assim se expressa: [...] a cada dia que eu vou envelhecendo eu percebo que vai ficando mais difícil de cuidar, porque vai exigindo mais de nós e nós cada vez podemos ajudar menos, porque vamos perdendo a paciência e as forças [...]. Mãe 5

A partir dessa fala, fica claro que a tarefa do cuidado, para essa mãe, exige muito da capacidade física, demandando destreza e habilidades, que são afetadas pelas perdas que a faixa etária impõe. De acordo com Núñez (2007), o avanço da idade do cuidador tem como consequência a perda de energias, bem como o surgimento de algumas doenças, o que diminui a capacidade de cuidar do filho.

As perdas que os idosos enfrentam dificultam o atendimento ao filho com deficiência intelectual. Não é apenas isso que dificulta a tarefa do cuidado, mas também as dificuldades na comunicação quando a mãe deverá presumir o que o filho está pretendendo manifestar, considerando-se que, em alguns casos, a pessoa com deficiência intelectual não fala, o que torna o convívio mais trabalhoso; as exigências da memória para atender, ministrar e oferecer medicação ao filho; a necessidade de um estado de alerta constante, em que é necessário estar atento a todas as demandas do dia-a-dia para melhor atendê-lo, o que pode ser percebido na seguinte fala:

[...] eu tenho que estar sempre em cima, bem ou mal, doente ou não, eu tenho que ficar cuidando, às vezes cansa [...]. Mãe 5

É possível perceber, também, que além de um esgotamento físico causado por esta atividade, também há um esgotamento mental. Com relação a isso, Ferreira (2009); Oliveira et al. (2008); e Pegoraro e Caldana (2006) enfatizam que há uma sobrecarga na tarefa do cuidar sobre o cuidador, podendo ser tanto de nível físico, emocional como de ordem econômica. Para Ferreira (2009), a tarefa de cuidar pode ser uma sobrecarga para o cuidador na medida em que este se vê na obrigação de se isolar da vida social para cuidar do filho com deficiência intelectual, ou seja, quando ele necessita de supervisão permanente, por exemplo, para os cuidados básicos, como dar banho, vestir, escovar os dentes, conduzir para atividades fora de casa. Assim, Neri (1993) acrescenta que as perdas que ocorrem nos mecanismos cognitivos, como a memória, também trazem prejuízos na vida diária do idoso.

Apesar de a maioria das mães constatarem dificuldades na atividade do cuidado, uma delas mencionou não constatar, por considerar que sua filha apresenta um comprometimento leve. Em virtude disso, é possível considerar que, quanto maior for a gravidade da deficiência, maior será o nível de exigências na atividade do cuidado, conforme pode ser evidenciado na seguinte manifestação:

[...] é fácil, porque eu acho que não é tão grave assim [...]. Mãe 2

De acordo com a gravidade da deficiência intelectual do filho, Silva e Dessen (2004) e Núñez (2007) apontam que o grau da deficiência determinará o nível de exigências que o cuidador terá ao atender a demanda do filho. Dessa forma, quanto maior for a deficiência, maior será a sobrecarga associada à dependência deste para com sua mãe. Com exceção da Mãe 2, no relato das outras participantes, fica evidente um desgaste físico e emocional por estarem prestando assistência cotidiana ao filho. Pode-se perceber que a atividade do cuidado revela-se uma tarefa árdua e cansativa pelo fato de exigir diariamente, na maioria das vezes, tarefas repetitivas, como dar banho, vestir, vigiar e oferecer a alimentação. O deficiente intelectual trará novas exigências à mãe, tanto de tempo como de gasto de energia física, ficando evidente a sobrecarga por esses deveres (BUSCAGLIA, 1997; NUÑEZ, 2007; OLIVEIRA et al., 2008).

Com a chegada da independência dos filhos com desenvolvimento típico, as mães tendem a se sentirem mais aliviadas pela diminuição da carga do trabalho doméstico e tranquilas com relação às responsabilidades neles depositadas desde o nascimento até o momento que deixam de morar juntos para dar continuidade a sua vida (MARGIS e CORDIOLI, 2001). No entanto, não é o que acontece com as mães deste estudo, para as quais a preocupação tende a aumentar, já que os filhos com deficiência intelectual serão dependentes pelo resto de suas vidas. Assim, Nuñez (2007) reforça que a maioridade dos filhos simboliza independência, mas, para um filho com deficiência intelectual, isso não significa a mesma coisa, já que ele continua dependente de seus pais, muitas vezes, até a morte. Nesse contexto, a preocupação dos pais, ao invés de diminuir, acaba por aumentar. Em relação aos sentimentos das mães frente à rotina de cuidados diárias, pode ser percebida certa satisfação, conforme os relatos a seguir:

[...] Esse cuidado é dar mais atenção e estar ajudando ele para quase tudo, e estar presente quando ele necessita, mas eu gosto muito de fazer isso, me sinto bem em fazer isso por ele. Mãe 1

[...] Me sinto até feliz porque hoje em dia é tão difícil cuidar de um filho homem, porque têm drogas, bebidas e todas essas coisas e ele é bem sadio, só é assim a mente que não desenvolveu. Mãe 3

A literatura refere que é frequente o sentimento de culpa em mães de filhos com deficiência intelectual, culpa por não terem produzido um filho perfeito. Conforme Buscaglia (1997), as mães se sentem responsáveis pela condição em que o filho veio ao mundo. Assim, parece não importar o que essa atividade exige ou o quanto ela é desgastante. Sendo assim, o que ameniza a culpa é sentirem-se bem, prestando cuidados ao filho e, além disso, sentem-se conformadas pela gravidade da deficiência não ser ainda maior. É, também, uma forma de sentir-se útil, já que é uma das únicas atividades que tem total dedicação de fato.

Pode-se pensar, também, que as mães tentam compensar suas tristezas e frustrações, pensando nos pontos positivos que o filho apresenta, como saúde, por exemplo, o que ameniza, de certa forma, o trabalho rotineiro e angustiante. As mães sentem-se mais tranquilas em relação ao cuidado quando os filhos e elas próprias estão saudáveis. Isso, consequentemente, exigirá menos no seu dia a dia, o que pode ser entendido como uma preocupação a menos com relação às exigências diárias. As mães entrevistadas percebem seus filhos como alguém indefeso, companheiro, bem como um escudo, já que este filho não lhe abandonará e estará sempre ao seu lado lhe fazendo companhia, conforme as falas ilustram:

[...] ele não se defende, né? É dependente e assim a gente se preocupa mais com ele do que com os outros. Mãe 1

[...] todas saíram e ela é bem apegada comigo, ela não me deixa, está sempre comigo, daí eu digo: olha uma coisa ruim por um lado, mas pelo outro é uma companhia, está sempre junto. Mãe 2

Outro fator importante são as adaptações do dia a dia que as mães aderem na tentativa de melhorar a qualidade do cuidado do filho. Esse arranjo proporciona proteção e bem estar para a o filho com deficiência. Por meio das entrevistas, ficou evidente que a rotina das mães sofre mudanças bruscas e repentinas de acordo com as necessidades de cuidados especiais que o filho exige. As mudanças, como descartar objetos perigosos, eliminar produtos danosos à saúde, bem como na estrutura da própria casa, descartando degraus, chaveando portões para impedir que o filho fuja, podem causar um impacto direto na vida das mães, pois elas necessitam se ajustar a essas novas demandas, diminuindo possíveis preocupações que a não adaptação a essas questões podem produzir. Com relação a isso, as mães assim se posicionam:

[...] se ele for pra frente da casa eu tenho que ficar olhando, porque ele pode fugir, por isso que tem cadeado nos portões lá na frente [...] Mãe 5

[...] dentro do meu apartamento todas as coisas em que pode haver perigo eu procuro evitar. Por exemplo, eu não tenho um micro-ondas [...],[...] eu tinha também um computador, mas eu tive que doar [...] Mãe 4

O cuidador de um filho deficiente intelectual deverá mudar seu estilo de vida, a fim de adaptar-se ao novo, pois seu filho estará sempre presente. Diante disso, o cuidador terá de buscar alternativas para se adaptar à nova realidade e, assim, poder lidar com situações adversas (BUSCAGLIA, 1997; KLAUS, KENNELL e KLAUS, 2000).

Com relação à questão financeira, quanto mais baixo o nível econômico, mais será exigido da mãe cuidadora. Assim, sem condições de ter uma empregada doméstica ou uma cuidadora, por exemplo, a tarefa do cuidado pode exigir ainda mais da mãe e, como efeito disso, é possível que ocorra maiores níveis de sobrecarga, já que a mãe terá de dar conta dos trabalhos domésticos, bem como das atividades com relação ao cuidado com seu filho. Os dados deste estudo vão ao encontro do resultado de pesquisas que se referem à existência de sobrecarga adicional em diversos aspectos, que podem ser psicológicos, as exigências na atividade do cuidado, bem como aspectos financeiros (SILVA E DESSEN, 2004; FERREIRA, 2009; OLIVEIRA et al., 2008; NÚÑEZ, 2007; e PEGORARO E CALDANA, 2006); Gatto (1996), Margis e Cordioli (2001) acrescentam que as perdas de ordem econômica se intensificam com a chegada da aposentadoria. Nessa fase, os idosos almejam viver de forma mais tranquila, mas, na maioria dos casos, há um declínio no padrão de vida acompanhado de várias privações em decorrência da situação financeira em que se encontram,o que pode trazer grandes desilusões e ocasionar um isolamento social. Assim, com a chegada da aposentadoria, é possível que a renda diminua, pois há mais gastos com o avançar da idade e, na maioria das vezes, a mãe e o filho necessitam de medicações, fisioterapia e consultas em geral e, por vezes, o valor que se recebe na aposentadoria não é suficiente para todos os gastos.

[...] a roupa tudo é comigo, porque o meu esposo ganha um salário mínimo e nós temos que nos virar assim; não tenho como pegar alguém para me ajudar, mas nós vamos nos conformando, graças a Deus que eu tenho saúde, porque senão não sei o que seria [...]. Mãe 5

O estudo de Oliveira et al. (2008) revela que a dificuldade financeira interfere no cuidado, pois nem sempre a renda mensal supre todas as solicitações de medicamentos, alimentação e transporte, por exemplo. Conforme os mesmos autores, é quase improvável que as mães consigam conciliar o trabalho fora de casa com a rotina de cuidar do filho com deficiência intelectual.

Assim, evidenciou-se que as mães com menos renda precisam de mais intervenções e apoio, já que as atividades relacionadas aos cuidados do filho e as tarefas da casa são exercidas somente por elas, o que exige mais do que elas podem oferecer, em função das perdas de habilidades encontradas na velhice.

 

Percepção do lazer frente à necessidade do filho

Diante das exigências de habilidades e adaptabilidade, bem como da presença constante junto ao filho, as mães acabam restringindo seu lazer, e sua vida é focada apenas em um ambiente: sua própria casa. Para Kennell e Klaus (2000), o nascimento e as exigências com relação aos cuidados do filho, podem ser a causa de um isolamento, conforme as falas a seguir:

[...] ah, eu não saio de casa pra cuidar dele, eu fico só em casa. Onde eu saio é pra ir ao médico. [...] ele é dependente e assim fico em casa. Mãe 3

[...] me sinto presa em casa porque tenho que ficar com ele [...] Mãe 5

Conforme Ferreira (2009), a mãe se isola cada vez mais, o que causa um distanciamento da vida social em função de suas obrigações com o filho com deficiência intelectual. Com essa imensa responsabilidade, acaba estabelecendo-se uma dependência de um para com o outro. Nesse sentido, Nuñez (2007) relata que as ansiedades e medos do cuidador podem impedir que o filho com deficiência intelectual vivencie situações de desapego, e essa dependência pode impedir o desenvolvimento natural. Buscaglia (1997) acrescenta que essas responsabilidades quase sempre geram uma relação de dependência mútua, o que pode resultar na dependência do filho, já que tudo é feito para ele, privando-o de estímulos e impedindo, assim, sua independência bem como da mãe, que, na maioria das vezes, renuncia sua própria vida para uma total dedicação ao filho.

Evidencia-se que as mães entrevistadas abdicam do seu lazer para se dedicarem integralmente ao filho por ele se encontrar totalmente dependente. Diante disso, as mães não têm um tempo adequado para elas mesmas, um tempo que possa ser dedicado somente a si. Assim, quando há um tempo livre, elas procuram descansar, pois o dia lhe exigiu o bastante. Com relação ao tempo dedicado para si, as mães relatam o seguinte:

[...] Nada (silêncio), ah limpo a louça, faço o almoço, descanso as pernas um pouco, sempre em casa. Mãe 3

[...] de tarde que eu estou livre dos serviços de casa. Eu sempre procuro uma coisa ou outra, mas sempre aqui na minha casa. Mãe 5

Com relação ao lazer, a maioria das mães compreende seu lazer como as atividades que realizam na sua própria casa, faxinas e preparo da alimentação, por exemplo, serviços da casa em geral. Desse modo, parece que elas não veem saída por estarem em uma condição de reparadoras dos cuidados ao filho com deficiência intelectual e, por isso, o que lhes resta é ficar em casa fazendo as atividades que podem ser feitas nesse mesmo local. Muitas vezes, a dificuldade é sair de sua própria casa em virtude de sua idade já avançada, em que o cansaço é mais frequente, bem como pela acomodação, pois, na maioria das vezes, as mães se acostumam com essa rotina e não demonstram mais interesse em fazer atividades fora da rotina doméstica. Além disso, sair com o filho pode dar muito trabalho por ter de conduzi-lo e vigiá-lo a todo o momento. Para Jorge (2005), a perda da energia física é muito frequente em idosos, o que se evidencia pelo cansaço, pela fadiga e diminuição da força nas atividades que vem a desenvolver. A mesma autora acrescenta que o envelhecimento pode ser percebido pelos idosos apenas como um fator negativo e, assim, pode ser associado ao desinteresse, à depressão e à falta de entusiasmo. Neri, Costa, Maríncolo e Ribeiro (2011) afirmam que a baixa frequência e pouca variedade das atividades sociais na velhice podem ser fortes indicadores de doenças crônicas, depressão e isolamento social.

[...] eu cuido do jardim que é minha alegria, faço comida, limpo a casa que são coisas que eu gosto de fazer. Mãe 1

[...] Todos os serviços da casa [...] eu fico mais em casa com minha família, meus filhos vêm aqui seguido daí esse é mais o meu lazer. Mãe 5

Além de o cuidador abandonar sua vida social, ele deixa de cuidar de si para poder cuidar do outro, deixando, dessa forma, suas atividades prazerosas de lado ou até mesmo esquecidas (CAMARGO, 2010). As mães, por serem totalmente responsáveis pelos cuidados ao filho com deficiência intelectual, abandonam as atividades que eram consideradas agradáveis no seu dia a dia, conforme fica claro na fala a seguir:

[...] agora eu estou mais em casa, mas eu fui assim ó, eu adorava baile, eu participava desses grupos de terceira idade, aos finais de semana a gente saía, inclusive eu levava ela junto, eu adorava isso, dançar, fazer festa [...] agora eu parei um pouco. Mãe 2

[...] eu não saio porque ele fica nervoso, dai fico em casa. Mãe 3

Conforme a fala da Mãe 3, fica evidente que ela se sente limitada pelo comportamento que seu filho apresenta quando ela sai de casa. Assim, ela prefere abandonar suas atividades prazerosas, em vez de deixar seu filho com outra pessoa, quando há alguém que possa lhe substituir, já que isso não ocorre com frequência.

Já outra mãe mencionou que não é fácil sair quando quer, por depender de diversas situações com relação ao filho, sendo, uma delas, a vontade de o filho querer lhe acompanhar e tempo para vestir tanto a ela como ao filho antes de sair, o que pode exigir força física. Dessa forma, na maioria das vezes, a mãe necessita de planejamento, organização e tempo para poder sair mais sossegada com seu filho.

[...] eu sou limitada, não posso pegar o "E" quando eu quero e sair correndo, ele acaba exigindo. Mãe 4

De acordo com Núñez (2007), quanto maior a gravidade da deficiência do filho, mais ele necessitará de cuidado. Em consequência disso, o tempo livre será mais restrito e ficará ainda mais complicado se não houver um lugar destinado ao filho, bem como programas que auxiliem o cuidador para que ele possa desenvolver outras atividades que não as dos cuidados ao filho.

 

Rede de apoio

Ao receber a notícia do diagnóstico de deficiência intelectual, é natural que as mães vivenciem um choque inicial, bem como sentimentos de tristeza, dor, raiva e, muitas vezes, de impotência frente à situação. Assim, muitos desses sentimentos lhe acompanham pelo resto da vida. Dessa forma, para tentar aliviar sentimentos de tristeza, as mães buscam, de alguma forma, explicação ou apoio para amenizar esses sentimentos, como se fosse uma necessidade de aceitação e conformação ao diagnóstico do filho. Conforme Bastos (2008), para compreenderem melhor o acontecimento, as mães buscam justificativas na tentativa de suavizar a culpa do diagnóstico de deficiência intelectual do filho, atribuída por elas mesmas.

[...] eu senti um choque, mas aí que eu parti para os meios e para fazer, não me abalei, fui correr atrás de recursos para o bem dele. Mãe 4

[...] Eu queria muito uma menina, mas Deus não me deu [...] o que vem temos que aceitar, temos que nos conformar. Senti um choque no início, claro, mas não tinha o que fazer, daí eu pensava nos outros que todos eram normais. Mãe 5

Como se pode perceber, os relatos mostram que as mães buscam explicação tanto nas questões de espiritualidade, como em recursos para uma melhor adaptação às necessidades do filho e, consequentemente, uma melhora na sua maneira de viver. Isso também pode ser percebido nas falas a seguir:

[...] eu me apeguei em Deus, porque ele sempre me ajuda nas dificuldades. Mãe 1

[...] como eu sou bem católica e eu sempre penso que o que Deus determinar pra mim eu vou pegar, eu vou fazer, se é pra mim eu tenho que carregar [...]. Mãe 2

[...] me sinto tranquila, porque eu tenho muita fé em Deus, não é fácil ter fé, mas isso me ajuda muito[...]. Mãe 4

[...] eu olho para cima todo dia para agradecer a Deus. Mãe 5

É por meio da espiritualidade que elas procuram apoio para explicar suas dúvidas e receios e recarregar suas forças para enfrentar as adversidades do dia a dia. É na espiritualidade que as mães buscam respostas para seus questionamentos, bem como ajuda para a aceitação e o enfrentamento dos desafios (BARBOSA, CHAUD e GOMES, 2008; e OLIVEIRA et al., 2008). Conforme Santos (2012), todas as estratégias de enfrentamento podem ser entendidas como desvio das dificuldades encontradas no cotidiano, bem como negação frente à realidade do problema.

A busca de explicações advindas da espiritualidade pode ser uma das únicas formas de apoio que a mãe idosa encontra nessa etapa da vida. A maioria das mães, participantes da pesquisa, são viúvas e com poucos vínculos fora da família. Assim, o cuidado do filho é realizado apenas por ela e, quando realmente não pode, é a família que a auxilia, o que raramente acontece.

[...] só minha filha que mora comigo, que, quando eu não estou, ela toma conta de tudo. Mãe 3

[...] a família que se empenhou e ajudou. O resto simplesmente é resto, não ajudam. Mãe 4

[...] só eu e meu esposo; eu tenho meus outros filhos, mas cada um na sua casa. Mãe 5

O estudo revela que a rede de apoio é restrita.A família aparentemente está presente, mas quem realmente tem de enfrentar as tarefas diárias é a própria mãe e de uma forma solitária. De acordo com Sluzki (1997), as redes de apoio são compreendidas pelo conjunto de pessoas que interagem umas com as outras diariamente. Essas pessoas podem ser membros da família, os amigos, as relações de trabalho e escolares e as relações comunitárias ou de serviços. Conforme Bastos e Deslandes (2008), quando a rede social dá suporte para a família, interfere positivamente na dinâmica familiar.

Diante disso, pode-se considerar que as mães, nessa faixa etária, sentem-se solitárias, muitas vezes, já perderam seus cônjuges, família de origem e demais familiares, alguns amigos e vizinhos, o que ocasiona sentimento de solidão e de abandono. Dessa forma, elas se apegam ao seu filho com deficiência intelectual, pois é ele que está presente nos momentos de solidão e lhe faz companhia diariamente. Margis e Cordioli (2001) apontam algumas medidas preventivas que podem compensar as perdas ocorridas (até o momento). Elas acreditam que laços de amizades e vínculos fortes com a família podem ser bons aliados para evitar o isolamento social, já que ele é considerado um fator desencadeante da depressão.

Apesar de as mães participantes da pesquisa não terem relatado diagnóstico de depressão, é um fator muito comum, quando se encontra na etapa já avançada da vida, ocasionado pelos intensos sentimentos de incapacidade, insatisfação, desesperança entre outros. Margis e Cordioli (2001) afirmam que nessa etapa da vida é elevada a ocorrência de transtornos psiquiátricos, como, por exemplo, a depressão.

 

Perspectivas com relação ao futuro

Após a mãe receber o diagnóstico de deficiência intelectual do filho, ela é carregada de sentimentos, muitas vezes contraditórios, mas, num momento de muita angústia como esse, esses sentimentos são cabíveis. Um dos primeiros pensamentos frente à situação é imaginar como será o futuro tanto dela como do filho. As pessoas com deficiência intelectual são mais vulneráveis a qualquer tipo de doença. Já no processo de envelhecimento em pessoas com desenvolvimento típico, é natural a perda de competências e habilidades, o que ocasionará prejuízos na autonomia, surgindo novas dependências (FERREIRA, 2009). Com relação ao momento do conhecimento do diagnóstico, as mães relataram como imaginavam o futuro:

[...] Eu sabia que ele não ia ser normal como os outros e que ia precisar de mim para a vida toda [...]. Mãe 1

[...] eu pensava que ia ser mais difícil ainda, eu pensava no pior [...]. Mãe 2

[...] eu pensava que ia ser um guri estudioso, fosse um guri bom, mas não foi, então vou levando. [...] eu achava que ia ser melhor [...]. Mãe 3

[...] Eu imaginava que ele poderia ter alguma limitação [...]. Mãe 4

[...] achava que ia ser diferente dos outros, mas não sabia como ele ia ser porque nunca tinha passado por isso [...]. Mãe 5

Por meio dos relatos, fica claro que as mães imaginavam as limitações que o filho poderia ter ao longo da vida e que necessitariam de alguém para atender a essas limitações. No estudo, as mães mostraram-se preocupadas com o futuro, bem como receosas por não saber o que poderá acontecer após sua morte ou no caso de adoecimento. É inevitável que o cuidador venha a se preocupar diante do envelhecimento, pois além de cuidar de si terá de cuidar do seu filho com deficiência intelectual (FERREIRA, 2009). Assim, a preocupação das mães se volta para a importância da saúde do filho e delas próprias, pois, ambos estando saudáveis, a atividade de cuidar se torna mais eficiente. Com relação a isso, uma mãe assim se manifestou:

[...] Eu penso que se eu tiver saúde eu fico feliz, eu vou lutando, não penso nunca que vou me entregar, penso que vou cuidar dele até o fim [...]. Mãe 1

As mães deste estudo mostram-se atentas e receosas quanto ao futuro. A maioria delas se organiza e faz um planejamento para quando a morte impedir de dar continuidade aos cuidados para com o filho. Dessa forma, a maior preocupação é deixar ele bem financeiramente e com alguém que dê sequência aos cuidados. Ferreira (2009) julga como um fator negativo a preocupação constante com o futuro do filho com deficiência intelectual, pois, com isso, o cuidador poderá impedir um processo de envelhecimento saudável.

[...] eu penso no dia que eu faltar, porque tu acha que minhas noras vão cuidar da maneira como eu cuido? [...] elas até cuidariam, mas não como eu cuido, porque a mãe sabe de todas as manias de seu filho. Elas gostam dele, mas jamais como eu [...]. Mãe 5

Na fala da Mãe 5, é possível perceber a preocupação com relação aos cuidados após sua morte, se o seu filho receberá a mesma atenção e dedicação que obteve até o momento. Conforme Viorts (1988); Hohendorff e Melo (2009); Caputo (2008), para muitos, a morte é algo negativo e inaceitável ou vista como uma maldição. Diante disso, neste estudo, percebe-se que as mães não negam a proximidade de sua morte. Fica evidente que a preocupação delas é após a sua morte e não com a morte em si, pois seu filho com deficiência intelectual continuará necessitando de cuidados, e elas não estarão mais junto deles para atender suas exigências e protegê-los. Essa preocupação é tão intensa que acompanha diariamente essas mães e interfere no seu bem-estar por se sentirem impotentes frente à situação.

 

Considerações finais

Com esta pesquisa, conclui-se que as mães, ao vivenciarem o envelhecimento, deparam- se com dificuldades ao realizar a atividade de cuidar do filho com deficiência intelectual. Essas dificuldades são relacionadas à perda de habilidades em decorrência da própria idade, bem como à sobrecarga que a atividade exige, podendo ser de ordem física, emocional, econômica ou ambas. Diante disso, constatou-se que, com o avançar da idade, as mães se encontram mais sobrecarregadas no cuidado do filho, pois é provável que ocorram, com mais facilidade, perdas de habilidades físicas e sensoriais, o que dificulta o desempenho da função. A velhice é um momento do ciclo vital no qual os filhos deveriam cuidar dos pais, mas, neste caso, as mães continuam no papel de cuidadoras. Quando as atenções deveriam ser voltadas às suas necessidades, o que se percebe é que elas se dedicam totalmente ao filho, não priorizando o seu bem-estar.

As mães são forçadas a mudar seu estilo de vida na tentativa de se adaptar às necessidades do filho. Contatou-se que elas abdicam de suas atividades prazerosas por dedicarem-se somente a ele; deixam de olhar para si e se entregam completamente às demandas que os cuidados com o filho exigem. Ao dedicarem-se intensamente ao filho, resta-lhes pouco tempo para si. Em consequência disso, as mães acabam se isolando da sociedade, reduzindo relações interpessoais com amigos, vizinhos e parentes. Sua vida é focada apenas no ambiente de sua casa. Assim, verificou-se que a rede de apoio é restrita, e as mães acabam buscando apoio na espiritualidade na tentativa de amenizar possíveis angústias e buscar forças para continuar enfrentando as dificuldades.

É importante ressaltar que este estudo não teve como objetivo responder todos os questionamentos sobre o tema. Por isso, salienta-se a importância de investigações futuras sobre o cuidador que se encontra em fase de envelhecimento, por ser um campo fértil e, ao mesmo tempo, carente de literaturas.

Como sugestão para outras pesquisas, é possível pensar em estudos referentes ao envolvimento dos pais na atividade do cuidar. Outra sugestão para pesquisas é o envolvimento dos irmãos no cuidado quando há adoecimento ou morte da mãe e, até mesmo, comparativos entre a atividade do cuidar de filhos com desenvolvimento típico aos de desenvolvimento atípico.

Diante disso, percebe-se a importância do envolvimento do profissional de psicologia e de outras áreas da saúde no sentido de construir alternativas para minimizar a sobrecarga materna. Além disso, esses profissionais devem estar atentos a essa realidade e servir como um apoio, contribuindo na dinâmica da mãe e de seu filho com deficiência intelectual. Mais importante, ainda, é perceber essas mães com um olhar diferenciado, já que elas vivenciam o envelhecimento e necessitam de cuidados, pois são elas as responsáveis pelos cuidados com o filho. Assim, ressalta-se a importância de programas do governo para atender às necessidades decorrentes do aumento da expectativa de vida da população, bem como a existência de espaços de convivência onde as pessoas com deficiência intelectual possam ter a oportunidade de conviver em grupo, sem a presença permanente da mãe. Desse modo, elas poderiam ter mais tempo para descansar, cuidar da sua saúde e ter mais lazer.

 

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Data de recebimento: 07/02/2012
Data de aceite: 02/06/2013

 

 

Sobre as autoras: Camila Pegoraro é Psicóloga formada pelo Centro Universitário Franciscano - UNIFRA. Endereço Eletrônico: camilap4@yahoo.com.br.
Luciane Najar Smeha é Doutora em Psicologia - PUC / RS, docente do curso de graduação em Psicologia no Centro Universitário Franciscano - UNIFRA. Endereço Eletrônico: lucianenajar@yahoo.com.br.