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Nova Perspectiva Sistêmica

Print version ISSN 0104-7841

Nova perspect. sist. vol.25 no.56 São Paulo Dec. 2016

 

ARTIGOS

 

Diálogos entre o discurso construcionista social e a terapia social

 

Dialogues between the social constructionist discourse and social therapy

 

 

 

Ana Flávia Nascimento ManfrimI; Emerson Fernando RaseraII

I Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia/MG, Brasil.

II Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Brasil.

 

 


RESUMO

Interessado na ampliação dos diálogos entre o construcionismo social e as diversas propostas terapêuticas orientadas pelo discurso pós-moderno, o presente ensaio teve como objetivo refletir sobre as aproximações e distanciamentos entre o discurso construcionista social e a terapia social. A partir das propostas construcionistas no que se refere à postura e às práticas terapêuticas, foi realizada uma análise crítica e comparativa de obras da terapia social. Destacamos como pontos de aproximação: a orientação colaborativa, a relevância de valores, a ênfase relacional e o foco na ação. Por outro lado, percebemos tensões no que se refere à flexibilidade de perspectivas e à ênfase discursiva. Concluímos que os distanciamentos analisados podem funcionar como convites à reflexão e ao desenvolvimento teórico do construcionismo e da terapia social.

Palavras-chave: construcionismo social, terapia social, psicoterapia, mudança social.


ABSTRACT

Interested in enriching the dialogues between social constructionism and several therapeutic proposals influenced by the postmodern discourse, this essay aimed to analyse the convergences and divergences concerning the social constructionist discourse and social therapy. Parting from constructionist proposals regarding therapeutic stance and therapeutic practices, a critical and comparative analysis of social therapy was developed. It is highlighted as converging features: collaborative orientation, values relevance, relational emphasis and focus on action. On the other hand, tensions are seen in the flexibility of perspectives and in the discursive emphasis. It is possible to conclude that the analyzed divergences may work as invitations to social constructionism and social therapy theoretical development.

Key Words: social constructionism, social therapy, psychotherapy, social change.


 

 

O movimento construcionista social se organiza a partir de um discurso multifacetado acerca do mundo e das relações sociais. Chamá-lo de movimento significa comprometer-se com a pluralidade, fluidez e mudanças deste campo, entendendo que não há uma única explicação e caracterização possível, ou um único construcionismo social, mas maneiras de descrevê-lo que não são independentes dos contextos (Rasera & Guanaes, 2006; Souza, 2014). Inserida em uma lógica pós-moderna de se pensar ciência e conhecimento, a investigação construcionista é comprometida com a maneira pela qual as pessoas descrevem e explicam o mundo e a si mesmas, e como estas explicações constroem a realidade social (Gergen, 1985). A premissa básica do movimento se refere à ideia da construção social do mundo, a partir dos acordos e coordenações de ações entre pessoas em relação social (Gergen & Gergen, 2010).

Apesar da difícil circunscrição de seu surgimento e definição e da grande quantidade de autores, o movimento construcionista pode ser entendido como um discurso que se articula em torno de alguns pressupostos centrais (Gergen, 1999; Rasera & Japur, 2007). Nesta perspectiva, as maneiras de descrever o mundo não correspondem a uma realidade exterior àquele que a descreve, ou seja, a realidade se dá como uma própria construção da linguagem. Dessa maneira, existe uma especificidade cultural e histórica das formas de conhecermos o mundo. Cada descrição e explicação da realidade só se concretizam a partir das condições sócio-históricas dos sistemas de significação em que aquele que fala está inserido.

Assim, nossas explicações sobre o mundo são frutos da coordenação da ação humana, do significado construído em relacionamentos, ressaltando a primazia dos relacionamentos humanos na produção e sustentação do conhecimento. Ligada a este pressuposto, está a proposição da interligação entre conhecimento e ação, entendendo que as diferentes formas de ação social acontecem a partir das formas de descrever o mundo e do processo de produção de sentido acerca de determinadas tradições culturais. E por fim, há no discurso construcionista a valorização de uma postura crítica e reflexiva, que nos convida a repensar constantemente estas tradições e maneiras de descrição do mundo. Neste sentido, o convite construcionista visa a reflexão crítica que promova espaço para novos entendimentos acerca do mundo, não tendo como foco os indivíduos, mas as redes relacionais nas quais nos encontramos (McNamee & Gergen, 1998).

Este movimento, assim como outras teorias ligadas a uma perspectiva pós-moderna, passa a questionar as narrativas dominantes e as verdades universais (Grandesso, 2000). Abandonando a noção moderna de que é possível produzir conhecimento como representação da realidade, de maneira neutra, singular, empírica e universal, o construcionismo social valoriza a linguagem e os processos pelos quais os seres humanos em comunidades produzem significados que são próprios desta cultura, abrindo possibilidade para o debate acerca das múltiplas possibilidades de discurso (Gergen & McNamee, 2010). Assim, essa perspectiva nos chama ao debate e à transformação de discursos que normatizam e naturalizam a maneira pela qual descrevemos a realidade.

Iniciado principalmente no campo epistemológico da Psicologia Social, ao longo dos anos, o discurso construcionista se expande por diferentes áreas, sendo introduzido no campo da psicoterapia. Tal qual apontam Martins, Santos e Rasera (2013), existiriam dois modos pelos quais o discurso construcionista foi incorporado às abordagens clínicas. O primeiro deles se refere ao momento em que diferentes propostas terapêuticas, especialmente ligadas ao campo da terapia familiar, passaram a utilizar as ideias contrucionistas em suas formulações, como é o caso da abordagem colaborativa e dos processos reflexivos. O segundo modo se refere ao movimento em que autores construcionistas identificaram abordagens clínicas que partilham de ideias que se aproximam do construcionismo. Neste segundo recorte, práticas terapêuticas consideradas construcionistas parecem estar se difundindo a partir de propostas de intervenção que propõem uma nova descrição da postura do terapeuta e do processo terapêutico (Rasera & Japur, 2004).  

Gergen e Warhuss (2001) pontuam essas mudanças em relação à postura terapêutica em quatro aspectos: um convite à flexibilidade entre as abordagens terapêuticas; a mudança de uma visão essencialista para a consciência da construção; o abandono da postura de especialista para a de colaboração; e por fim, o afastamento da noção de neutralidade do terapeuta, entendendo o espaço terapêutico como um local em que há envolvimento ético, ideológico e político. No que tange à prática da terapia, os construcionistas convidam para a criação de novas práticas no processo terapêutico, a partir dos seguintes cinco pontos: a mudança da ênfase da mente para o discurso; o foco nas relações em detrimento ao self; e as ênfases na polivocalidade; nas potencialidades; e na ação. Apesar destas mudanças e caracterizações propostas, é importante ressaltar que estas são apenas orientações, não havendo também uma única descrição possível sobre o que seja a clínica construcionista, não sendo ela algo em "si mesma", mas sim práticas terapêuticas que sejam sensíveis aos pressupostos que este movimento propõe.

A partir da formulação destes pontos de mudança nas posturas e práticas terapêuticas, Gergen e Warhuus (2001) também caracterizaram diferentes abordagens terapêuticas que podem ser consideradas como orientadas ao movimento construcionista social. Dentre elas, está presente a terapia social, de Newman e Holzman. Os autores aproximam a terapia social ao discurso do construcionismo na clínica, devido à sua ênfase na ação.  

A ênfase na ação da Terapia Social traduz o engajamento político e ativista que esta proposta busca incentivar entre aqueles que a praticam, e pode ser um importante ponto a ser relacionado e contribuir ao estudo do construcionismo social, seja pelas críticas tradicionais dirigidas a um certo relativismo, seja pelas recentes reafirmações do compromisso construcionista com a mudança social (Gergen, 2014). Além disso, entendendo a escassez de material publicado sobre a terapia social no Brasil (Camargo-Borges, 2011), acreditamos que a análise proposta por este trabalho pode provocar novas possibilidades e reflexões para a clínica, bem como difundir tal perspectiva entre os psicólogos brasileiros1.

Dessa forma, interessado na ampliação dos diálogos entre abordagens terapêuticas e o movimento construcionista social, o presente trabalho tem por objetivo analisar as possíveis relações entre o discurso construcionista e os conceitos e práticas da terapia social, buscando identificar aproximações e distanciamentos entre estes olhares para a terapia.

Metodologicamente, a análise da Terapia Social considerou as obras History is the cure: a Social Therapy reader (Holzman & Polk, 1988), Unscientific Psychology: a cultural-performatory approach to understanding human life (Newman & Holzman, 1996), Performing Psychology: a postmodern culture of the mind (Holzman, 1998), Psychological Investigations – a clinician's guide to social therapy (Holzman & Mendez, 2003) e alguns artigos significativos da produção da Terapia Social. A seleção dessas obras é decorrente de uma postura inclusiva abrangente das produções do grupo de terapeutas sociais, sendo excluídos apenas aqueles livros mais direcionados ao contexto e às questões da educação – temática também de vários investimentos desse grupo.

Assim, serão mostrados alguns conceitos e um breve panorama histórico da terapia social, além de noções da prática terapêutica. Por fim, apresentaremos a análise realizada, levando em consideração as características construcionistas propostas por Gergen e Warhuss (2011), apontando aproximações e distanciamentos entre este discurso e a terapia social.

 

A TERAPIA SOCIAL: CONTEXTO E INFLUÊNCIAS

A terapia social tem o início de suas formulações a partir da década de 1960, inserida no movimento de contracultura nos EUA, com as ideias do filósofo e ativista político Fred Newman. De cunho marxista pós-moderno, a terapia social é também influenciada pelos estudos de Newman sobre a filosofia da linguagem de Wittgenstein. Após alguns anos, com a aproximação de Lois Holzman ao autor, outro forte pensamento presente na terapia social passa a ser a psicologia do desenvolvimento de Vygotsky.

Newman e Holzman, seus principais autores, entendem que, mais do que academicamente, é pela via do ativismo e do engajamento no cotidiano das pessoas que a mudança social é possível. Baseados nisso, suas principais ações são desenvolvidas no East Side Intitute, um centro educacional de pesquisas e treinamento em terapia social, localizado na cidade de Nova York, além do envolvimento em outras atividades de engajamento ativista, como projetos sociais e comunitários, peças teatrais e um partido político (Camargo-Borges, 2011).

Insatisfeita com os modelos tradicionais de entendimento da psicologia e seus modelos clínicos, a terapia social se afasta de um discurso do déficit e da desordem presentes na psicologia moderna, e busca articular práticas que possibilitem uma aproximação cultural-performática para o entendimento da vida humana (Holzman & Mendez, 2003). Sua abordagem é vista como prática e metodológica, e como psicoterapia, é uma abordagem positiva, relacional, com foco especial em desenvolvimento emocional e criatividade grupal (Holzman & Newman, 2012).

Holzman (2014) pontua como, ao longo da história, a maioria dos críticos à psicologia tradicional encontrou uma das três vias de crítica: a) pela noção de identidade/personalidade, decorrente da interpretação de um determinado tipo de sujeito como normativo; b) críticas ideológicas, ao entender que a psicologia moderna está ancorada em uma visão capitalista, sexista e eurocêntrica do mundo; e c) a crítica baseada epistemologicamente, que diz da apropriação do método das ciências físicas e naturais pela psicologia. Para a autora, a terapia social vai além dessas críticas e adiciona uma nova, de cunho ontológico, baseada na filosofia da linguagem e da ciência. Enquanto a psicologia tradicional utilizou-se do comportamento como unidade ontológica, a terapia social convida a utilizarmos da performance para o entendimento da vida humana.

A terapia social está interessada especialmente no desenvolvimento humano e na mudança social, e se propõe revolucionária e emancipadora (Camargo-Borges, 2011). Estes entendimentos estão fortemente ligados à influência marxista e a noção de atividade revolucionária, em que o homem transforma o mundo e a si mesmo no processo de se desenvolver. No desenvolvimento da terapia social, a influência de Marx se deu mais por seus estudos sociais e metodológicos do que por suas análises políticas e econômicas (Holzman & Newman, 2012). Para estes autores, a importância de Marx para o desenvolvimento da teoria da atividade se dá a partir da premissa de que os indivíduos são seres sociais, entendendo que tanto a origem quanto o conteúdo da atividade e da mente humana são sociais. Assim, não há uma separação entre indivíduo e sociedade, e a transformação individual e a transformação social são uma mesma tarefa, e não podem ocorrer separadamente. Este pensamento, ou seja, a possibilidade de transformarmos nós mesmos e o mundo, é o que Holzman (2006) pontua como a capacidade humana de ser dialético e de exercer atividade revolucionária.

Em um recorte sobre a história da terapia social, Camargo-Borges (2011) ressalta que a tradição desta teoria está ancorada em uma visão pós-moderna de se pensar o marxismo, ao abandonar a visão da luta de classes e da exploração econômica como causadora de todos os problemas sociais. Na busca de uma intervenção que não anseie uma verdade universal sobre os fenômenos, os autores do grupo da terapia social entendem que é preciso ampliar o foco para além das questões econômicas, buscando incluir debates e questionamentos acerca da emoção humana, do desenvolvimento e da cultura.

Em relação à influência de Vygotsky, Holzman tem sua trajetória perpassada pela teoria do autor russo em diferentes momentos. Inicialmente, a autora estava interessada nas direções que os estudos de cognição, linguagem e aprendizado estavam tomando. Assim como as abordagens da psicologia sociocultural, psicologia histórico-cultural, teoria da atividade, a psicologia cultural pensada no laboratório no qual a autora trabalhava estava ancorada no pensamento de que a cultura medeia o comportamento humano, e é essencial para pensarmos os processos de ação, pensamento e aprendizado (Holzman, 1999).

Nesta época, a autora e seus pares se aproximam da teoria de Vygotsky em uma tentativa de criar uma alternativa à psicologia tradicional. Porém, suas formulações ainda estão impregnadas com o dualismo presente na psicologia moderna, colocando cultura e mente como separadas, realidade externa e interna como coisas distintas, e enfatizando a separação entre as pessoas e o ambiente. Além disso, a leitura feita de Vygotsky naquele laboratório ainda estava arraigada em um desejo de se ter uma visão objetiva e verdadeira sobre a realidade. É essa "necessidade de impor alguma objetificação na atividade das pessoas" (Holzman, 1999, p.63) a diferença entre a leitura das abordagens históricas e culturais, e a de Holzman e Newman das obras de Vygotsky.

Vygotsky, baseado no método dialético de Marx, abandona o comportamento como unidade de análise do desenvolvimento, entendendo a atividade como característica principal para o estudo humano. Essa diferente unidade ontológica, como pontua Holzman (2006), é o que leva o autor a formular uma nova e importante contribuição para o estudo do método, que passa a não mais ser entendido a partir do paradigma moderno de uma ferramenta que leva a resultados quando aplicado. Para o autor, em um estudo, o método é ao mesmo tempo pré-requisito e produto, passando a ser entendido como ferramenta e resultado da prática na qual ele está inserido. Assim, método não é algo a ser aplicado, mas a ser praticado, interessando a criação do método e do resultado conjuntamente (Moscheta, 2012).

Para os teóricos da terapia social, a visão do método como ferramenta e resultado permite que Vygotsky teorize sobre o desenvolvimento humano de maneira não individualizante, pensando-o como a transformação de totalidades. Isto está ligado à ideia da capacidade humana de exercer atividade revolucionária, de fazer e ser dialética: através do processo contínuo de sermos quem somos e não somos ao mesmo tempo, nós criamos o nosso desenvolvimento.

E é a partir desta visão que a terapia social é entendida como a prática do método. Para os autores, suas formulações são embasadas filosoficamente, e principalmente, orientadas para a prática. A terapia social não se baseia no pressuposto moderno de que é possível conhecer, ter acesso à verdade das coisas, em utilizar um método para que se possa chegar ao conhecimento verdadeiro sobre a realidade dos clientes ou dos fatos. Assim, está preocupada em criar um método de prática - para que as pessoas possam ser vistas como criadoras da cultura e das suas próprias vidas. Dessa forma, seus autores e praticantes buscam criar uma abordagem metodológica em oposição às abordagens baseadas epistemologicamente (Holzman & Mendez, 2003).

A PRÁTICA E OS CONCEITOS DA TERAPIA SOCIAL

A terapia social é entendida como uma prática teórica e metodológica para o desenvolvimento humano. Embora se inicie individualmente, está voltada para a experiência em grupo, exaltando o caráter relacional e o aspecto performático pelos quais os indivíduos produzem sentido.

O primeiro momento, de caráter individual, é entendido como uma terapia de curta duração, no sentido que é comumente entendido a terapia - como um momento de investigação do problema, de discussão sobre a relação entre os problemas emocionais e os eventos cotidianos na vida de cada indivíduo. Após este período de terapia individual, as pessoas são convidadas a participarem dos grupos. Para os terapeutas sociais, os grupos são uma ponte: entre o que foi realizado na terapia e o restante da vida (Holzman & Mendez, 2003). Dessa forma, a experiência de grupo é entendida como um crescimento de longa duração.

O grupo clássico de terapia social é formado por 25 pessoas, e a tarefa do grupo é a de criar um ambiente terapêutico que possa ajudar as pessoas com seus problemas emocionais (Holzman & Newman, 2012). Os autores entendem que quando estão engajados no processo de criação do grupo, enquanto um ambiente que possibilita outras performances de formas de vida, os indivíduos passam a se entender como criadores do seu próprio desenvolvimento, e assim podem lidar com as situações cotidianas da vida nas quais surgem os problemas (Holzman & Mendez, 2003). A partir deste pressuposto, os autores da terapia social buscam desafiar o individualismo e superar o foco nos problemas por meio de duas ideias fundamentais à prática da terapia, quais sejam: a noção de desenvolvimento e o conceito de performance.

Entendendo que os grupos na terapia social são semelhantes ao que Vygotsky denominou como Zonas de Desenvolvimento Proximal (ZDP), a tarefa do terapeuta é criar estas ZDP a partir da conversa que os indivíduos têm. Ou seja, auxiliar as pessoas a construírem esse ambiente para que aconteça uma experiência de desenvolvimento. Para Newman e Holzman (1996), uma ZDP é um ambiente no qual as pessoas coletivamente e relacionalmente criam desenvolvimento e aprendizado. Essa atividade ultrapassa qualquer desenvolvimento que o indivíduo poderia ter sozinho. Assim, a atividade de criar o grupo é uma tarefa coletiva, e parte do pressuposto de que o indivíduo não se desenvolve sozinho. O grupo como ZDP se refere à construção de uma unidade social que possibilita desenvolvimento individual.

Dessa maneira, o desenvolvimento é uma parte importante da terapia social, enquanto abordagem prática, cultural e performatória (Newman & Holzman, 1996). Os autores ressaltam ainda que, embora eles rejeitem a construção histórica que a psicologia tradicional fez sobre o desenvolvimento - a partir de uma ideia de linearidade, de estágios, pautada em aspectos cognitivos -, eles acreditam na atividade humana de se desenvolver, como uma atividade relacional, ativista e de transformação das totalidades. Pensada no seio da crítica à psicologia dualista, há a rejeição de dois dogmas do desenvolvimento: o primeiro, do desenvolvimento como um processo limitado ao tempo, iniciado na infância e que nos dá condições de aprendizado; o segundo, do desenvolvimento como algo internalizado e próprio do sujeito a partir das condições externas/sociais (Holzman & Newman, 1988).

Para Moscheta (2012), a mudança está em não pensar em estágios do desenvolvimento, mas estágios para o desenvolvimento, a partir destas zonas relacionais que criamos. Desenvolvimento passa a ser entendido como o processo de "transformação contínua e qualitativa das circunstâncias determinantes, criação de novos sentidos emocionais, performance de novas formas de vida emocionais” (Newman & Holzman, 1996, p. 167). Colocado de outra maneira, o desenvolvimento é entendido como o processo contínuo de nos tornarmos quem somos a partir da performance de quem ainda não somos.

O conceito de performance é fundamental para o desenvolvimento da teoria, que se propõe a utilizá-lo em substituição ao conceito de comportamento, e diz respeito à noção do ser humano como um ser capaz de criar, manter e transformar sua própria realidade (Holzman & Mendez, 2003). Para os autores, o fato de sermos performativos permite que nos engajemos em diferentes atos criativos de performance, podendo transformar a atividade, a existência social, assim como qualquer contexto em que estamos inseridos, e a nós mesmos – o grupo como principal unidade de prática e investigação desafia a lógica individualista e moderna de se pensar a terapia, atentando para a transformação das totalidades.

A diferença fundamental com outras terapias de grupo é que não é um ambiente em que indivíduos ajudam outros indivíduos, mas sim como criam um ambiente que seja terapêutico para todos os indivíduos. O grupo não é entendido como apenas uma soma de indivíduos, interessando o processo do grupo.

Embora seja vista como a prática do método, isso não significa que possui ferramentas pré-determinadas sobre a atuação do terapeuta. Esta noção está ancorada na lógica de não haver um foco ou uma linguagem que reforce o problema – como é o caso de outras terapias tradicionais -, mas que o objetivo da Terapia Social e do terapeuta é que os integrantes do grupo estejam preocupados e engajados em descobrir e criar o seu próprio método, para que possam se relacionar e desenvolver. Ou seja, não o que o grupo conversa, mas sim como conversa.

É ancorada nisto que um dos focos da Terapia Social é a criatividade grupal, no sentido mundano, cotidiano da palavra, de criar coisas – não os produtos, mas sim as ferramentas que dão origem ao produto. Os autores afirmam que não é preciso criar coisas únicas e extraordinárias, mas sim o que puder ser feito a partir dos recursos que o grupo tem. Ou seja, no contexto do grupo, criar um ambiente performatório para que nele as pessoas possam ser criativas e criar as suas próprias ferramentas para gerar desenvolvimento em suas vidas (Holzman & Mendez, 2003).

Assim, o convite socioterapêutico às pessoas que vêm à terapia é performar. O terapeuta tem um papel de ajudar os clientes a construir ferramentas - ele não está preocupado em interpretar, ou procurar significados profundos sobre os comportamentos humanos, mas sim em criar o ambiente no qual coletivamente as pessoas possam performar e se desenvolver.    

Pensada a partir da aproximação de Newman com as artes cênicas, a noção de performance é emprestada do teatro e convida não a representarmos um papel para então termos um insight sobre quem verdadeiramente somos, mas a nos engajarmos em constantemente sermos outros além de nós mesmos. Para a Terapia Social, a capacidade criativa humana de sermos quem ainda não somos é fundamental para que consigamos criar outras maneiras de nos relacionarmos, a criar novas emoções e transformar as totalidades e a nós mesmos neste processo.

TERAPIA SOCIAL, POSTURAS E PRÁTICAS CONSTRUCIONISTAS: PROMOVENDO DIÁLOGOS

Tomando como ponto de partida o debate pós-moderno de ampliação das possibilidades terapêuticas sensíveis à noção da terapia como processo de construção relacional, propomos um diálogo entre a terapia social e o discurso construcionista social. Para tanto, discutiremos primeiramente as mudanças propostas por Gergen e Warhuss (2001) no que tange à postura terapêutica, seguidas dos pontos considerados importantes para uma prática orientada ao movimento construcionista. As aproximações e distanciamentos propostos são resumidos nas tabelas a seguir - não convidando a uma separação estanque, mas sendo utilizadas como recursos visuais para as proposições - seguidos da análise detalhada de cada um dos pontos:

Quadro 1 – Aproximações e distanciamentos em relação à postura terapêutica entre o construcionismo social e a terapia social

Características construcionistas Terapia social
Aproximações/Semelhanças Distanciamentos/Diferenciações
Flexibilidade de perspectiva - Abandono da busca por fundamentos empíricos;
- Valorização e uso de múltiplos vocabulários e modo de dizer essas palavras na terapia.
- Privilegia determinadas explicações sobre o desenvolvimento humano.
Consciência de construção - Não há a procura por descrições verdadeiras sobre o que são os problemas, mas a preocupação de construir novas formas de vida pela via da transformação dos significados.  - Percebe-se a presença de um vocabulário emocional e cognitivo.
Orientação Colaborativa - Não há uso de técnicas pré-determinadas;
- Terapeuta tem uma abertura para o processo terapêutico.
Não há uma distinção clara.
Relevância dos Valores - Entendimento da terapia como espaço em que há envolvimento político, ideológico e ético. - Principais autores têm uma história ativista e a teoria está engajada politicamente na transformação de totalidades.

Enquanto as abordagens terapêuticas tradicionais são baseadas nos fundamentos racionais do conhecimento e na lógica moderna da observação empírica como meio de se chegar a um conhecimento verdadeiro e objetivo, os construcionistas entendem que as teorias partem de uma estrutura prévia de compreensão. Assim, como cada teoria permite construir o mundo a partir de sua própria linguagem e termos, não há como haver uma observação empírica que determine qual teoria é mais verdadeira.

Neste sentido, o convite construcionista é o de abandonar a busca por fundamentos, por uma visão única que dê conta de todas as verdades sobre o objeto, e procurar ampliar o leque de possibilidades. No campo da psicoterapia, este entendimento abre espaço para a flexibilidade entre as diferentes abordagens terapêuticas, entendendo que cada uma está alojada em uma comunidade de sentidos e, portanto, possui um potencial de transformação, sendo úteis ou não de acordo com o contexto.

No que se refere à terapia social, podemos aproximá-la a esta noção de flexibilidade proposta pelo construcionismo social, especialmente no que se refere à reflexão pós-moderna na qual ela está inserida e suas influências históricas, que partem de diferentes visões sobre o ser humano, não buscando uma única explicação fundamental.    O fazer terapêutico não está interessado em observações empíricas que comprovem noções trazidas a priori, mas em construir um ambiente em que as pessoas possam conversar e performar sobre aquilo que coletivamente decidem. Neste sentido, múltiplos vocabulários e modos de dizer essas palavras são valorizados na terapia.

É este movimento que afasta o pensamento dos problemas como algo do indivíduo, e que torna possível que a conversa e a sessão terapêutica sejam orientadas para além do problema, não havendo necessidade de diagnósticos ou técnicas específicas que busquem sua solução. Apesar disso, é importante ressaltar que ao privilegiar a construção do grupo e a performance de novas formas de vida, ou seja, ao possuir um conjunto específico de entendimentos acerca do desenvolvimento humano, a Terapia Social ao mesmo tempo delimita a busca de diferentes meios de intervenção na terapia.

O segundo ponto sugere a mudança de uma visão essencialista para a consciência da construção, entendendo que “problemas”, “causas", "estruturas", "funções", dentre outros conceitos tão comuns no campo psicoterápico, são interpretações partilhadas por uma comunidade. Assim, entender a existência destes termos como construções sociais pressupõe que possam existir formas alternativas de construção do mundo. Esta noção está ancorada em uma perspectiva não representacional da linguagem, entendendo que palavras não são réplicas de uma realidade exterior já dada, e, no campo da terapia, convida a negociarmos constantemente os sentidos ao invés de procurar por uma descrição única e verdadeira sobre a realidade do cliente (Martins, Santos & Rasera, 2013).

Neste sentido, a aproximação da terapia social à consciência da construção construcionista é estabelecida na medida em que há a preocupação em construir novas formas de vida2, ao mesmo tempo em que não há uma formulação teórica sobre o ser, nem a procura por descrições verdadeiras sobre o que são os problemas ou suas origens. No entendimento de Newman & Gergen (1999), a ontologia da atividade da terapia social torna possível, por um lado, o entendimento histórico sobre as formas de vida e, por outro lado, a transformação das formas de vida pela via da transformação dos significados.

Além disso, estando ativamente preocupada com as construções dialógicas que o grupo desempenha, a terapia social convida à outra visão sobre o vocabulário mental, a partir da busca pela redefinição de sentidos daquilo que os participantes trazem como “depressão”, “loucura”, “desordem”, especialmente a partir da criatividade de performarem outras formas de vida, e experenciarem o fator social coletivo e cultural da existência humana (Camargo-Borges, 2011).

Por outro lado, na análise crítica das obras da terapia social nota-se o uso frequente do vocabulário cognitivo e das emoções. A terapia ainda é entendida como um espaço para se conversar sobre a dor emocional, e apesar de buscar superar uma noção individualizante, a ideia de desenvolvimento é perpassada pela noção de "ser quem você é", e por outros termos que podem levar ao entendimento equivocado de um sujeito desconectado das relações que o compõem.    Apostamos que, por vezes, esse vocabulário das emoções é mantido na busca de diálogo com discussões não acadêmicas, buscando se firmar como uma teoria orientada para pessoas comuns. Apesar disso, é importante ressaltar as implicações de enfatizarmos esse vocabulário tradicionalmente internalista.

O terceiro ponto proposto por Gergen e Warhuss (2001) sugere a mudança da postura de especialidade para a postura de colaboração. O construcionismo convida à criação de um ambiente em que haja colaboração entre cliente e terapeuta, em que este assume uma postura horizontalizada em relação ao cliente, em oposição a uma postura como autoridade e especialista na relação. Esta postura visa promover o entendimento de que o terapeuta não tem uma visão privilegiada, advinda de informações teóricas já pré-estabelecidas, mas que seu entendimento acerca do outro depende sempre da narrativa que o cliente traz sobre si.

Considerando que a Terapia Social não se utiliza de técnicas e intervenções planejadas a priori, e que o terapeuta tem uma abertura para a conversa do grupo enquanto ela se desenvolve, percebemos que ela se aproxima da orientação colaborativa proposta pelo construcionismo, mesmo que o terapeuta tenha um papel ativo e importante na conversa grupal e na busca da criação de recursos para que o grupo possa performar.    

A última das propostas em relação à postura terapêutica desafia a lógica moderna de que podemos ser objetivos e neutros em nossas ações científicas e terapêuticas, não enviesado por nossos valores. O construcionismo propõe que a terapia é um local em que há envolvimento político, ideológico e ético. Assim, ao contrário de uma suposta neutralidade, na clínica construcionista há a presença e a relevância de valores, entendendo que nossas ações geram consequências. Na postura terapêutica, esta consciência é importante para o entendimento das implicações das ações terapêuticas e para o convite aos terapeutas para a criação de diálogos e coordenação de ações entre discursos incompatíveis.

No que tange às ênfases da postura terapêutica, esta parece ser a que fundamentalmente mais aproxima os discursos da terapia social e do construcionismo. A influência ativista dos principais autores, suas ações práticas de empoderamento e fortalecimento de comunidades, o objetivo de provocar visões não alienadas no campo da psicoterapia, além da premissa marxista da transformação das totalidades, revelam um viés ideológico e político forte presente no discurso da terapia social. Esse engajamento político parece ser, por vezes, mais prático e focado na ação do que o engajamento do construcionismo, criticado por seu engajamento majoritário no discurso (Holzman & Newman, 2012; Gergen, 1994).

Estes pontos centrais de mudanças na postura terapêutica construcionista convidam para a criação de novas práticas no processo terapêutico. Estas novas possibilidades práticas são sintetizadas na análise a seguir.

Quadro 2 – Aproximações e distanciamentos em relação à prática terapêutica entre o construcionismo social e a terapia social

Características construcionistas Terapia Social
Aproximações/Semelhanças Distanciamentos/Diferenciações
Ênfase Discursiva - Foco na linguagem e preocupação com as construções dialógicas que o grupo desempenha. - Historicamente enraizados em uma ontologia de performance e atividade.
Ênfase Relacional - Desconstrução de uma ideia de self nuclear, favorecendo a ideia de relação social e a importância dos processos históricos e sociais que compõem o indivíduo. Não há uma distinção clara.
Ênfase Polivocal - Ênfase nas múltiplas realidades do cliente, ao abandonarem a visão de um self unificado e não possuírem uma formulação teórica sobre o problema. - Não há uma preocupação clara ao agir e conversar que leve em consideração as múltiplas vozes possíveis do cliente.
Ênfase nas potencialidades - De maneira indireta, o foco no desenvolvimento, no crescimento, pode ser visto como um foco nas potencialidades. - Não há uma busca específica por recursos/potencialidades, mas o que se espera é que o grupo realize as suas próprias construções.
Ênfase na ação - Parece ser a maior aproximação, especialmente a partir do encorajamento aos clientes se tornarem politicamente ativos, na transformação de totalidades e a ênfase na performance.  Não há uma distinção clara.

Sob a ótica das terapias modernistas, a principal preocupação é com os estados individuais mentais. O construcionismo propõe a mudança da ênfase da mente para o discurso, focando nos processos discursivos pelos quais as pessoas produzem significado, sendo a terapia um processo possível de transformação de discursos, com a criação de novos significados e entendimentos. Neste caso, é preciso se atentar aos aspectos do discurso como um resultado conversacional, não sendo assim fruto de uma possessão individual, mas relacional.

De acordo com Holzman e Newman (2012), embora a terapia social possa ser contada entre as terapias discursivas, especialmente devido ao seu foco na linguagem, ela é historicamente enraizada na teoria da atividade e em uma ontologia de performance. Para os autores, atividade, performance e os discursos sobre elas têm um apelo que o discurso e a conversa não têm.

Sendo o construcionismo social um movimento reconhecidamente marcado pela ênfase no discurso, a partir desta crítica à noção discursiva feita pela terapia social, percebemos que este é um ponto de tensão entre as teorias. Apesar disso, é importante destacar que o construcionismo não propõe esta distinção, entendendo que discurso é ação. Além disso, existem movimentos recentes do construcionismo em direção a uma psicologia social performativa, enfatizando o caráter criador da linguagem e entendendo que a performance pode expandir as sensibilidades dos cientistas (Gergen & Gergen, 2012).

Ademais, percebe-se que não há um rompimento total com a noção discursiva, pois a terapia social está amplamente preocupada com o processo de como as pessoas conversam, na construção dialógica do grupo. Isto está atrelado, ainda, à ideia de que a construção de um ambiente favorável ao desenvolvimento permite que haja uma transformação dos discursos e significados trazidos pelos clientes em formas de vida que sejam preferíveis.

Aliada fortemente à mudança da mente para o discurso, as práticas construcionistas também propõem a mudança do foco do self para as relações. Assim, ao invés de pensar indivíduos isolados em seus processos psicológicos, o convite é de pensar e propor práticas que considerem os indivíduos como inseridos em redes relacionais, frutos de ações conjuntas de construção da realidade.

Neste ponto, parece haver também uma grande aproximação entre a proposta construcionista e a metodologia da terapia social. Pensando o grupo como principal unidade de interesse das intervenções socioterapêuticas, parece haver um foco especial nos aspectos relacionais pelo quais produzimos sentidos e significados sobre a vida.

Neste contexto, quando questionado sobre os indivíduos no grupo, Fred Newman enfatiza que não nega a formação do grupo pelos indivíduos, porém que eles são secundários às relações ali estabelecidas. Este privilégio do aspecto relacional é visível quando o autor ressalta que o foco na atividade de construção do grupo visa especialmente combater a visão opressora e individualizante que a psicologia moderna criou sobre o self, tratando os indivíduos de maneira isolada dos processos sociais que os compõem, e levando ao entendimento de uma identidade única e coerente. Nas palavras de Fred Newman,

a abordagem socioterapêutica esforça-se em descontruir o sentido de self em favor de um conceito de relação social, a qual acreditamos que vem (...) de um processo participativo no qual as pessoas efetivamente constroem algo juntos - nomeadamente, o grupo (Holzman & Mendez, 2003, p. 99).

A terceira mudança propõe a ênfase na polivocalidade, ou seja, na multiplicidade das realidades dos clientes. Esta ideia leva em consideração as diversas relações e contextos nas quais estamos inseridos e, portanto, desafia a noção do indivíduo e do self como coerentes, únicos, e a existência de uma única verdade sobre si, considerando as múltiplas vozes dos clientes. Levando esta pressuposição em consideração, é possível pensar práticas terapêuticas que encorajem diversas interpretações possíveis da realidade do cliente, gerando possibilidades de escolha daquela que lhe é preferível.

Ao agirem no processo terapêutico buscando abandonar a visão unificada do self, os terapeutas sociais estão valorizando as múltiplas realidades do cliente, sem, entretanto, haver uma preocupação clara ao conversar que leve em consideração as múltiplas vozes possíveis do cliente, estando mais preocupados que o grupo crie ferramentas a partir do que tem.

Ancorada na mudança da postura terapêutica a partir da ênfase na construção social, outro aspecto proposto pelo discurso construcionista é o da mudança da ênfase nos problemas para as potencialidades. Reverte-se o modelo tradicional da terapia sustentado no discurso da doença, entendendo que "problema" e "doença" são apenas modos linguísticos, podendo ser substituído por outros. Assim, preferencialmente foca-se nas potencialidades positivas do cliente, ao invés de suas limitações.

De maneira direta, o que se espera de um grupo de Terapia Social é que ele possa usar os recursos da performance e do ambiente do grupo para se desenvolver, para juntos alcançarem crescimento emocional. Na visão dos autores, o trabalho da terapia social é auxiliar as pessoas com o método de seguir adiante, de avançar, e não o de solucionar os problemas (Holzman & Mendez, 2003). Os problemas também são entendidos como uma possível descrição, podendo haver maneiras mais positivas de se descrever as situações trazidas em terapia. Dessa forma, esta ênfase no crescimento grupal pode ser entendida como uma ênfase nas potencialidades, mesmo que não haja uma teoria ou formulação específica nas potencialidades, ou uma busca por recursos dos clientes.

Por fim, o construcionismo desafia a noção de que a eficácia terapêutica está relacionada com uma mudança na mente individual. Assim, diferente das visões tradicionais, ao entender a psicoterapia como um processo dialógico de construção de significados, esta é concebida como uma atividade social. O significado é fruto da coordenação de ações entre terapeuta e cliente, e a mudança ocorre no seio da linguagem, e então passa-se a priorizar a ação ao invés do insight individual.

No que se refere às ênfases da prática terapêutica, esta é a mudança à qual os próprios Gergen e Warhuss (2001) enfatizam como a principal aproximação entre a proposta construcionista e a da terapia social. Ao privilegiarem a noção de performance como o recurso para a mudança, os autores reconhecem-na como algo mais prático. Quando as pessoas procuram pela terapia, os terapeutas sociais acreditam que seu trabalho está em ajudá-las a serem quem elas não são, a performar, e a tarefa do grupo é criação prática deste ambiente performático (Holzman & Mendez, 2003).

Além disso, a ênfase na ação prática é reconhecida especialmente na terapia social através do encorajamento aos clientes se tornarem politicamente ativos. Percebe-se que, ao entenderem as ações humanas como atividades revolucionárias, o foco está em reconhecidamente construir formas práticas e performáticas de transformação das totalidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não pretendendo esgotar as possibilidades de interlocuções entre a Terapia Social e o discurso construcionista, a presente análise visa contribuir para a discussão e difusão destas duas possibilidades teóricas no campo da intervenção psicoterápica, procurando ressaltar a utilidade de cada um desses discursos de maneira situada.

No que se refere às aproximações encontradas entre as propostas da terapia social e as proposições que caracterizam a virada construcionista na terapia, destacamos a orientação colaborativa, a consciência da construção e a presença da relevância de valores no campo da terapia social. Além disso, percebemos que essa presença de valores na postura terapêutica está intimamente conectada a uma mudança na prática psicoterápica da terapia social, que estando conectada ao discurso pós-moderno, não se interessa na busca por insights, acreditando que a mudança não ocorre na mente dos indivíduos, estando preocupada com a ação humana. Estas preocupações, somadas à mudança do foco do self para as relações, dizem do caráter relacional-performático da teoria, e se aproximam ao construcionismo social.

Por outro lado, percebemos tensões entre os dois movimentos no que tange uma preocupação marcadamente construcionista, que é a ênfase no discurso, pois embora a terapia social tenha uma preocupação discursiva, sua principal ênfase está na performance, a partir de uma influência histórica da teoria da atividade. Além disso, privilegiando determinadas explicações sobre o desenvolvimento humano, por vezes afasta-se da proposta construcionista de uma postura de flexibilidade. 

Por fim, ancorados no entendimento de que não há um contorno em si mesmo do que seja uma terapia construcionista, pois pressupor um “método construcionista” seria congelar o seu significado cultural, colocá-lo independente do contexto e das comunidades de interpretação (Gergen & Ness, 2016), reiteramos que a análise proposta não visa construir um senso de superioridade entre estes discursos, mas estimular o pensamento sobre quando e em quais contextos estas posturas e práticas são úteis. Assim, acreditamos que as semelhanças encontradas apontam para como as propostas da terapia social podem ilustrar o construcionismo social em ação, ao mesmo tempo em que os distanciamentos sinalizados podem funcionar como convites à reflexão e ao desenvolvimento teórico do construcionismo e da terapia social.


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Recebido em: 21/09/2016
Aprovado em: 28/10/2016
 

 

1 O presente trabalho é parte do projeto de pesquisa “Tendências construcionistas na prática psicológica”, sob coordenação de Emerson Rasera, e que tem por objetivo caracterizar as diferentes tendências construcionistas na prática psicológica, visando fomentar a discussão e amadurecimento das teorias e práticas construcionistas nos meios acadêmicos brasileiros.

2 Na perspectiva de Wittgenstein, que considera a linguagem a partir de seu uso nas relações, e não como representação do mundo, as formas de vida referem-se ao significado social dado às palavras. Assim, uma palavra por si só não representa um significado, mas este surge a partir das interações humanas com a linguagem (Peruzzo Jr., 2011).

I Graduação em Psicologia, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Brasil. ananmanfrim@gmail.com

II Doutor em Psicologia, professor da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Brasil. emersonrasera@gmail.com

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