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Nova Perspectiva Sistêmica

Print version ISSN 0104-7841

Nova perspect. sist. vol.25 no.56 São Paulo Dec. 2016

 

ARTIGOS

 

Sentido e consciência em uma clínica da verdade1

 

Sense and consciousness in a clinical work of truth

 

 

 

Marcelo PakmanI


 


RESUMO

Por meio da leitura do conceito de Jean-Paul Sartre de uma consciência intencional, transcendente e não-reflexiva, junto ao conceito de sentido de Jean-Luc Nancy, é feita uma contribuição à posição crítico-poética do autor na psicoterapia. Quanto à caracterização clínica de percepções, ficções e alucinações, é apresentado um caso clínico no qual a distinção entre elas permanece esquiva; um trabalho clínico real é apresentado, não reduzível como retorno às leituras materialistas ou idealistas de Descartes, mas legitimado como apropriado para recuperar a singularidade de uma experiência vívida que se provou esquiva aos empirismos científicos e linguísticos adotados no trabalho clínico.

Palavras-chave: alucinações, senso, consciência, verdade, ética.


ABSTRACT

Reading Jean-Paul Sartre's conception of an intentional, transcendent, non-reflective consciousness together with Jean-Luc Nancy concept of sense a contribution to the author's critical-poetic position in psychotherapy is made. Apropos de clinical characterization of perceptions, fictions and hallucinations and a clinical case in which the distinction among them remains elusive, a clinical work on truth is presented, not reducible as a return to either materialist or idealist readings of Descartes but legitimized as appropriate to recover the singularity of vivid experience that proved elusive for both scientific empiricisms and linguistic turn adopted positions in clinical work.

Key Words: hallucinations, sense, consciousness, truth, ethics.


 

Levando em conta estes três elementos [para Marx, necessidade, trabalho e prazer], notamos, em primeiro lugar, que juntos estabelecem uma conexão rigorosa entre um homem2 real, uma sociedade real e a realidade material circundante, que não é ele mesmo. (...) [Deste modo], a realidade dos seres humanos é teorizada e ligada à transcendência, a algo além deles mesmos, ao que se encontra fora dele e os precede (Jean-Paul Sartre, 1961, p. 3)3.

Em 1845, o alienista4 francês Jean-Etienne Dominique Esquirol escreveu que:

Uma pessoa se encontra sob o fluxo de uma alucinação, ou é um visionário, quando tem uma convicção total de uma percepção sensorial, sem que nenhum objeto externo apropriado a exercitar tal sensação tenha operado uma impressão sobre os sentidos (1965).

Por sua vez, o psiquiatra alemão Emil Kraeppelin diria, em 1913, que:

Tendo como base as considerações clínicas de Esquirol e o que veio depois delas, por razões práticas, a maior parte dos investigadores distinguiu percepções sensoriais errôneas de dois tipos, ou seja, aquelas nas quais não existe nenhuma fonte externa de estímulos: as alucinações, e aquelas que só podem ser consideradas como uma falsificação de uma percepção genuína mediante as adições próprias de quem as vive: as ilusões (Blom, 2009).

Dessa forma, Kraeppelin, como mais tarde faria o psiquiatra suíço Eugen Breuler, expressava em que medida Esquirol, de quem fazia eco, estabelecera, com sua definição, a tradição duradoura que, até hoje, considera as alucinações como percepções sem objeto, e, portanto, como formas patológicas da percepção, a função psíquica central no contato do que costumamos conceber como o psiquismo subjetivo com a realidade objetiva do mundo circundante.5 Sob a grande sombra de Esquirol e Kraeppelin, a tradição psiquiátrica outorgava, assim, um caráter disciplinar a mais antiga, e por um bom tempo dominante, tradição de pensamento que considera a imagem fictícia ou fantástica sobre o modelo da percepção, assumindo-a como uma forma subalterna da mesma. A qualidade vívida do fenômeno alucinatório e a importância que cobra à existência da pessoa que o experimenta facilitam a adoção de uma concepção psiquiátrica que privilegia a percepção do real sobre o fictício, e que tende a assumir o material como objetivável apenas no espaço consensualmente exterior das coisas do mundo.

Sigmund Freud atribuiria ao conceito de alucinação um papel originário na distinção primária que o infante faz de um mundo como projeção do desprazer que nasce das frustrações de suas necessidades, bem como da reativação da lembrança do objeto que o satisfez anteriormente, concomitante à re-emergência de sua necessidade e involucrado no lançamento da dinâmica do desejo (1985), conceito que mais tarde seria retomado por Melanie Klein (1921). Freud, embora não subtraia a comparação da alucinação com a percepção, a promove a uma categoria na qual já não é subalterna à percepção: “Não tenho dúvidas de que esta animação do desejo resulte em primeiro lugar no mesmo que a percepção, ou seja, a alucinação (1950, p. 362).” Ao efetuar tal movimento conceitual, Freud contribui com o movimento que deixou de enfatizar as imagens mentais como miméticas e de qualidade inferior ao real para sublinhar, por sua vez, seu caráter produtivo e seu pleno direito de existência em um nível de igualdade com a percepção (Pakman, 2014). No entanto, apesar do movimento tectônico levado a cabo por Freud na compreensão do psiquismo, ele estava mais interessado na incapacidade de transferência que dificultava a cura da psicose, e seu interesse geral nos fenômenos inconscientes não o faria propenso a uma revisão da questão da percepção e da ficcionalização como formas de consciência. Para que o caráter da alucinação como patologia da percepção e de contato com a realidade fosse questionado foi necessário esperar até que um jovem Jean-Paul Sartre começasse a se ocupar do tema em “A imagem na vida psicológica” (Wildorf & Ridrauf, apud Sartre, 2012). Essa dissertação de 1926-27 antecipava as obras posteriores, concebidas como uma unidade, embora publicadas separadamente: A imaginação (2012) e O imaginário (2004b).

Sartre, fiel à fenomenologia de Edmund Husserl (1999), entendeu que a consciência humana é sempre intencional, já que é sempre consciência de algo, bem como é sempre transcendente, pois tais conteúdos da consciência são sempre exteriores a ela mesma. Tanto a percepção quanto a fantasia implicam duas formas alternativas de consciência, e são, enquanto conteúdo, exteriores à própria consciência. Para Sartre, a alucinação já não é um fenômeno patológico perceptivo, mas sim pertencente ao território da fantasia, e com isso ele questiona que na alucinação exista um problema de falta ou distorção do contato com a realidade. Por mais complicado que seja, para quem experimenta as alucinações, torná-las compatíveis em sua forma e conteúdo com aqueles com quem comparte, em maior ou menor medida, sua cotidianidade, não é evidente que tal experiência, sem dúvida dramática, implique uma patologia da percepção e uma alteração concomitante do contato com a realidade. Assumir que esse é o caso vai em detrimento do componente ficcionalizante ou fantasiador do fenômeno alucinatório, em cujo terreno Sartre diz ocorrer, desconhecendo o fato de que percepção e imaginação sempre se excluem mutuamente e se alternam. O que acontece é que, quando se trata do ato alucinatório, este “é um evento puro que surge subitamente ao paciente enquanto a percepção desaparece” (Sartre, 2004b, p. 150). Quando acontece o evento da “alucinação visual ou auditiva, este é acompanhado de um colapso provisório da percepção”, mas apesar de ser um atrativo poderoso, a concepção perceptiva e o mundo do espaço consensual real exterior reaparecem finalmente ao narrar o evento, ou seja, quando a consciência reflexiva participa, o paciente localiza, com frequência, o evento alucinatório nesse espaço da percepção. Diz Sartre:

O paciente, ao falar da cena da qual acaba de ser testemunha, diz que ela é parte do mundo circundante: “Eu, que acabei de ver o diabo, estou aqui” se transforma facilmente em “Acabei de ver o diabo aqui” (151).

Embora a concepção de Sartre sobre alucinação e percepção não tenha sido integrada à psiquiatria, a julgar pela persistência da ideia dominante de percepção sem objeto, acabou sendo um veículo para sua concepção da consciência que é sempre, em princípio e ao mesmo tempo, consciência de si mesma e de um mundo exterior a ela que faz seu conteúdo se desdobrar na exterioridade ou na interioridade psíquica. A exterioridade dos conteúdos da consciência à mesma acontece quando esses conteúdos são parte do espaço da realidade consensual no modo de consciência perceptiva, mas também quando são parte de um espaço irreal, como nos modos de consciência nos quais a ficção é definitória ou tem um papel importante na relação com um análogo da imagem perceptiva, como acontece com a lembrança, a fantasia e a confrontação com obras de arte como o retrato, a fotografia, a caricatura ou os rascunhos esquemáticos, bem como em outras situações que Sartre estudou em detalhe. A autoconsciência e a transcendência, com Sartre, sempre se transformam em qualidades da consciência até quando não é reflexiva, como acontece, em princípio, antes da aquisição da linguagem, e nunca deixa de sê-lo em muitos aspectos do funcionamento cotidiano nos quais o caráter imediato do mundo que habitamos se assume sem necessidade de reflexão nem de significados linguísticos. Quem alucina sabe, no sentido de que tem consciência, que a experiência é peculiar, e sente um toque persecutório ou sinistro quando ela acontece, embora a localize no espaço da percepção quando faz referência a ela. Isso não acontece na consciência onírica, que também é peculiar, pois aprendemos logo cedo a localizar seu conteúdo em seu próprio espaço onírico irreal, auxiliados pelo fato de que o despertar nos reaproxima das circunstâncias que rodeiam o sono (a cama ou assento, a posição, os olhos que se abrem etc.) e das leis que regem o espaço consensual cotidiano, no qual não podemos, por exemplo, caminhar pelo ar sem apoiar os pés na terra.

Sempre temos consciência da espontaneidade dos objetos da consciência, sejam objetos do mundo real da consciência perceptiva ou objetos irreais da consciência fantasiante, e não podemos nos apropriar totalmente deles como se fôssemos seus criadores, já que nos excedem quando o objeto é real e se fazem presentes quando é irreal. Por isso, Sartre, ao contrário de Husserl, extrai a consciência do território do Ego, que considera um agregado posterior correlato à reflexão e à linguagem, além de deixar de compreender a ficção tendo como base o modelo da percepção, como já fizera Freud seguindo um caminho diferente, para dotá-la de uma qualidade plena de consciência, alternativa à perceptiva. Com isso, a subjetividade se torna um conceito mais amplo que o Ego e que o sujeito da linguagem e, dada a articulação constitutiva entre a consciência e o mundo exterior a ela, fictício ou não, permanece a salvo do subjetivismo e do idealismo que atingiam, para Sartre, a fenomenologia de Husserl6. A integração feita por Sartre da filosofia de Heidegger também inclui uma crítica ao risco da abstração e ao idealismo concomitante, para transformar-se em uma filosofia que, como a própria consciência, nunca se desprende do mundo, embora a reflexão possa gerar a ilusão de fazê-lo, quando prestamos atenção em seu conteúdo ao gerar espaços abstratos que podem chegar a ser metafísicos.

Com seus primeiros trabalhos sobre a imaginação, junto a seu Esboço para uma teoria das emoções (1962), A transcendência do Ego (1991) e alguns outros artigos (1939, 1948), a concepção da consciência de Sartre, integrando criticamente Husserl e Heidegger, dava início ao desenvolvimento que culminaria, em 1945, com O ser e o nada, seu tratado de fenomenologia existencialista no qual elabora uma filosofia da liberdade. Sartre se postava, assim, no caminho da fenomenologia, que, para Gilles Deleuze (2006), fora inaugurado por Immanuel Kant, sempre que o entendamos como o abandono da dicotomia atribuída a Platão (1991) entre essência, como realidade última do ser transcendente da Ideia, e a existência como forma impura e cotidiana dessa forma ideal. Tal dicotomia perdurou na concepção da imagem como aparência, oposta à realidade transcendente das Ideias platônicas ou à realidade material acessível através dos dados e sentidos dos empiristas. Dentro dessa dicotomia, a imagem era uma forma degradada e mimética do ser, mas também perduraria quando a ficção ou a fantasia começassem a ser concebidas criativamente como uma produção sem um fim mimético, e fosse então naturalizada como uma distinção do senso comum. Com sua crítica das essências transcendentais, Kant deixava de conceber as imagens como aparências miméticas ou criativas, para concebê-las como aparições da realidade.

A promoção da fantasia ao status de modo pleno da consciência, em pé de igualdade e com uma qualidade tão singular quanto à da percepção, foi a condição de possibilidade da hipertrofia que a ficção alcançaria com o desenvolvimento do giro linguístico e do pós-modernismo radical, que entronizou a realidade como simulacro da ficção, invertendo a primazia clássica dos dados empíricos dos sentidos sobre a imagem como mera mimese dela mesma (Pakman, 2011). Porém, se Sartre se somou ao movimento da ênfase do ponto de vista da percepção do real do ser à da possibilidade que abriam a fantasia e o fictício, o que já aparecera em Freud e que também recebeu contribuições dos teóricos da hermenêutica do século XX, Hans-George Gadamer (1976) e Paul Ricoeur (1976), não fez parte do movimento pós-moderno, que mais tarde levaria ao privilégio total do possível sobre o ser, e que chegou a conceber a realidade como um simulacro, invertendo a lógica que fazia do mental uma cópia. Este privilégio, que fazia regressar infinitamente ao real em colusão com o giro linguístico na filosofia e nas ciências humanas, buscou fundamentar-se na obra de Michel Foucault, Jacques Derrida e Jean Baudrillard, entre outros, apesar das advertências deles mesmos contra as leituras idealistas dessa natureza (Pakman, 2014).

Sartre, embora tomasse como ponto de partida Renée Descartes (2000), posicionava-se além das leituras materialistas ou idealistas das três famosas palavras latinas da fórmula que cifra sua filosofia: Cogito ergo sum. Embora cogito, do verbo cogitare, seja traduzido como penso ou conheço, e sum, do verbo ese, como sou ou existo, o termo ergo, em geral traduzido ambiguamente como portanto ou logo, parece indicar o tipo de leitura implicada na fórmula. Uma leitura idealista diria: penso, logo existo. A existência é, neste caso, uma consequência do que penso. O conhecimento e o pensamento se tornam, então, a origem do ser. Se agregarmos, como aconteceu logo após o auge da linguística e da sua incorporação ao pensamento como giro linguístico, o conceito de que pensar e conhecer ocorrem na linguagem, encontramos o que Alain Badiou qualificou como idealismo linguístico (Badiou & Žižek, 2009). Uma leitura materialista levaria, por sua vez, a ler a fórmula cartesiana como penso e portanto existo. Pensar mostra que existo e a existência seria a origem do pensamento ou do conhecimento, pois se não existisse não poderia conhecer nem pensar. Mas Sartre, embora considere que o ser é condição necessária do pensamento e do conhecimento e também da ação humana, não o enxerga como uma condição suficiente que levaria a conceber o conteúdo do pensamento como uma consequência imanente do ser, o que eliminaria a liberdade em nome de uma determinação absoluta, como apresentou, por exemplo, em sua conferência O que é a subjetividade?, ditada no Instituto Gramsci de Roma, pertencente ao Partido Comunista Italiano, em 1961 (2016). Ao mesmo tempo, Sartre tampouco comunga com o idealismo, clássico ou linguístico, que considera o pensamento e o conhecimento como construções linguísticas que criam o que nomeiam. Sartre diz que “prover o realismo de um fundamento filosófico” é o que “tratei de fazer por toda minha vida”. “Como dar ao homem tanto sua autonomia quanto sua realidade entre os objetos reais, evitando o idealismo, mas sem cair em um materialismo mecanicista?” (1969: 36-37). O movimento conceitual de Sartre, talvez o último dos filósofos clássicos7, apontava a uma consolidação da fenomenologia em termos realistas e materialistas, e a uma caracterização da existência humana na qual a consciência se intricava inevitavelmente com o mundo e suas determinações, não apenas sem conceder sua liberdade, mas sendo protagonista dela.

Sartre localizou sua terceira posição, o começo de sua obra, na tradição do existencialismo, e tentou configurá-la em uma unidade coerente de existencialismo e marxismo em sua obra tardia (2006, 2004a, 1968). Uma consequência fundamental de sua posição é, em primeiro lugar, que o pensamento e o conhecimento não se limitam à reflexão, já que a consciência primária não reflexiva, anterior à linguagem, e que a excede quando esta se torna presente é, em todo caso, um conhecimento pré-predicativo. Ou seja, que se dá na dimensão do ser mais do que na de conhecer, sustentada pela dicotomia sujeito-objeto; e, em segundo lugar, que esta consciência imediata pré-predicativa implica uma autoconsciência que não é reflexiva, já que não se toma a si mesma como objeto de conhecimento. Podemos ler esta concepção de Sartre da consciência primitiva não reflexiva, cujo ser implica ser consciente de si mesma sem objetivar-se, junto à concepção de, por exemplo, Jean-Luc Nancy (2012, 2008, 1997), do sentido (como diferente do significado linguístico) e da presença (como diferente da representação; tema elaborado também em uma tradição de pensamento diferente por Alain Badiou, 2006, 1988), que está na base do desenvolvimento do meu trabalho sobre uma concepção crítico-poética da psicoterapia (Pakman, 2011, 2014). Nancy, incluindo criticamente a obra de Jacques Derrida e Martin Heidegger, levou a concepção de Kant da imagem, para este ainda ligada a um sujeito transcendental, a ser uma ontologia de mundos ou realidades que chegam de maneira descontínua à existência, que se fazem presentes sem assumir nenhum lugar transcendente de origem, uma condição última de seu ser, seja divino ou metafísico, ideal ou material, subjetivo ou objetivo, consciente ou inconsciente.8 Segundo Nancy, esta não “é a presença ordinária do real” (2005:11) que os dados dos sentidos provêm à nossa percepção, por mais complexa que seja tal concepção da percepção, como acontece no empirismo científico. As imagens, em todas suas formas e modos, são pulsos da realidade que avançam a si mesmos distinguindo-se de um fundo criado no próprio ato de fazer-se presentes e afirmando a materialidade, exterior no sentido de Sartre, que tem sempre, ao que parece, uma qualidade de textura vívida (Pakman 2014: 120). Toda imagem é a aparição de um sentido, que é e que faz sentido, como nascimento à presença do real de um mundo.

A concepção de Sartre de uma consciência primária não-reflexiva aponta na mesma direção desse sentido primário do mundo que não se esgota em um empirismo ingênuo de costas aos processos de mediação sociais, culturais e políticas. Desde cedo, a observação de bebês no contexto da dualidade que forma com quem cuida deles em um entorno humano (Winnicott, 1982) torna visível que, antes de sua entrada na linguagem e na reflexão como conhecimento objetivado por parte de um sujeito, nosso mundo humano implica uma orientação sensorial e motriz que constitui sua experiência como o que chamei ecologia sensório-motriz do colo (2014, 2011) na qual vai se configurando a subjetividade como experiência vívida de uma consciência/mundo. Esse sentido do mundo, que não é uma compreensão reflexiva ou linguística do que é ou existe, e que é central às competências precoces estudadas por Jean Piaget (1971), é o modo primário da experiência humana não-reflexiva e imediata na qual crescemos, e não se identifica com o mundo empírico dos dados da sensorialidade nem com a dimensão de significações das quais esse sentido primário e imediato do mundo é condição de possibilidade. Além disso, o desenvolvimento dessas competências acontece no seio da dualidade do bebê e seu cuidador (com frequência, a mãe no princípio) e estabelece, além de uma ontologia existencial, as orientações éticas primárias em termos de um impulso em direção a uma vida melhor como busca incessante. O sentido do mundo, que é tanto mundo quanto consciência não reflexiva de si, se dá como um sentido que nunca falta, que nunca é negativo e que oscila entre a qualidade de que a vida vale a pena ser vivida e a vida fútil.

A localização feita por Sartre do psiquismo em continuidade com o mundo exterior, ao ser ambos transcendentes à consciência, encaixa-a irremediavelmente ao espaço no qual, na minha concepção crítico-poética, os sentidos do mundo são capturados por micropolíticas dominantes que transformam a vida em roteiros repetitivos (Foucault, 2000, 1994, 1985; Pakman, 2014, 2011). No mesmo espaço se desdobram também as resistências a essas micropolíticas dominantes através de eventos poéticos, no sentido do termo poiesis como chegada à presença ou aparição como existente (Chateau, 2014; Goyet 2014). O mundo não cessa de aparecer como imagens, perceptivas ou fictícias, como sentido, ou, usando um termo de Sartre, como consciência entrelaçada com o mundo, a dimensão de uma subjetividade entendida como lugar de liberdade frente às determinações históricas, e que não se reduz ao sujeito epistemológico do conhecimento reflexivo dos objetos do mundo nem ao sujeito que nasce com a linguística Saussuriana, seja o ego do enunciado ou o sujeito da enunciação ou do inconsciente.

Tanto Sartre quanto Nancy, entre outros, assinalam um caminho que legitima a singularidade da experiência além da dicotomia entre realidade consensual e ficção, entre objetividade e uma concepção subjetivista da subjetividade, inclinada a cair no empirismo ligado à explosão das neurociências que só reconhece os dados dos sentidos e a racionalidade como formas de acesso a uma realidade que se esgota neles, ou então a cair no idealismo, que se tornou cada vez mais linguístico desde que o giro linguístico se instalou como o novo horizonte da psicoterapia, a partir dos anos 1990. Tal concepção é curiosamente correlativa à mercantilização do campo da saúde mental e à captura deste campo por parte das companhias de seguros de saúde portadoras dos princípios da economia neoliberal de mercado. Enquanto o avanço da biologia dos neurotransmissores e a primazia da psicofarmacologia foram correlativos à inclusão da saúde mental no mercado, o pós-modernismo promoveu a diluição da materialidade de um mundo transformado em simulacro, enquanto avançava uma versão do social e do cultural costurada (Badiou, 2006) ao linguístico. Esta posição aparentemente oposta ao empirismo neurocientífico resultou também conveniente ao campo de uma saúde mental que as companhias de seguros administraram concebendo sobre bases bioconducionistas. As paredes das práticas privadas não foram capazes, é claro, de deter um processo micropolítico cujos dispositivos de saber/poder davam forma a novos sujeitos profissionais que sustentavam essas práticas enquanto eram constituídos pelas mesmas (Foucault, 2000, 1996, 1985; Pakman, 2011).

Essa dicotomia entre o empirismo e as posições do giro linguístico, em colusão efetiva frente ao avanço do mercado de saúde mental, costuma levar a duas atitudes possíveis frente aos fenômenos que se apresentam clinicamente: seja buscar a realidade transformando-nos em detetives em busca de evidência objetiva ou consensual, de costas à dimensão da ficção, seja bancando interpretadores de significados, desentendendo-nos da realidade perceptiva para ocupar-nos, por outro lado, da “realidade psíquica”, concebida como inconsciente ou relacional, mas sempre abordando-a de maneira interpretativa. Duas atitudes que se sustentam, sobretudo, na adoção de certos modelos que passam a formar parte de nossa identidade profissional, modelos que passam também por momentos históricos nos quais se tornam mais ou menos dominantes, como são agora aqueles relacionados com o empirismo científico promovido com o avanço das neurociências ou com o giro linguístico, que, embora seriamente questionado por vários filósofos dos últimos vinte anos, experimenta uma dominância tardia no campo da psicologia, psicoterapia e especialmente da terapia familiar. Ambas as posições desconhecem o nível de sentido, já que o assimilam ao significado, como se fossem dois termos para o mesmo conceito, seja guiando a concepção do mundo, como na posição do giro linguístico, seja considerando supérflua essa dimensão frente ao empirismo que deve guiar toda postura científica. Esse nível de consciência imediata não reflexiva é desconhecido em sua importância como nível intermediário entre o empírico e o hermenêutico, correlativa ao nível também intermediário do existencialismo entre o materialismo mecanicista e o idealismo, tanto metafísico quanto linguístico. Mas a micropolítica subjacente a essas duas posições dominantes não pode eliminar completamente o nível da experiência vívida e cotidiana que nos permite assumir que estamos frente a uma percepção, uma ficção ou algo que parece um fenômeno psicótico.

Apesar da dominância das posições teóricas empiristas e do giro linguístico no nível da consciência reflexiva quando chega o momento de intervir terapeuticamente, é difícil evitar totalmente o sentido de estar frente uma situação que nos parece real ou irreal, neste último caso uma ficção inocente, uma mentira ou uma psicose entendida como falta de contato com a realidade, apesar da concepção de Sartre, que mostra que não é isso o que está em jogo na alucinação. Para fazer a diferença entre uma alucinação, que parece ter uma característica real para quem a relata, e uma percepção normal, aportamos nossa própria concepção como tertium comparationis, e daí seguimos para considerá-la uma percepção patológica ou anormal já que carece do objeto que a cravaria ao real e seria sua razão de existir. O sentido da consciência irreflexiva não desaparece com a linguagem significante, e continua visível nas habilidades que nos permitem, por exemplo, encontrar um caminho em nossas casas na escuridão noturna ou subir as escadas enquanto prestamos atenção em outra coisa, sem darmos conta reflexivamente das relações espaciais que poderiam ser descritas de acordo com a geometria e a dinâmica dos corpos, nem tem a ver com os significados que possamos atribuir a nossos movimentos ou a esses lugares em um nível discursivo.

Quando nossa consciência imediata se alinha à nossa posição teórica no nível de saber profissional, podemos estabelecer com confiança a distinção entre alucinação e percepção, e na medida em que conseguimos identificar se um paciente ou cliente está em um estado psicótico, ou o descartamos, esta efetividade profissional resulta autovalidante. Se tomamos o caminho da interpretação de significados ou o trabalho com narrativas e estamos atentos à construção social que assumimos, esgota-se o fenômeno e a distinção perde importância, sempre que nos deparamos com o fato de que nosso caminho não corresponde a alguma experiência efetiva no campo cotidiano no nível de consciência imediata e não-reflexiva, na qual experimentamos um sentido de que uma experiência não consensual está acontecendo, já que não podemos deixar de existir nessa instância, seja qual for a posição que adotemos reflexivamente, a partir de nossos modelos teóricos. Seja como for, tanto nossa capacidade profissional quanto nossa própria sanidade exigem a manutenção dos limites de distinção entre percepção e fantasia, ou então desentender-nos deles em uma atitude que às vezes não corresponde à nossa inserção cotidiana no mundo em que nos movemos efetivamente e habitamos com nossos clientes. No entanto, devemos notar que, no caso claro da alucinação, só a habilidade profissional está em jogo na comparação, mas quando encontramos uma situação na qual existe incerteza entre percepção, mentira e alucinação, também costuma entrar em jogo, para o profissional, certa suscetibilidade frente à possibilidade de ser enganado, o que faz com que ele se aferre ainda mais à realidade perceptiva. Ou seja, quando ocorre uma colisão entre diversos aspectos da experiência cotidiana, quando encontramos situações clínicas nas quais a distinção entre percepção e ficção e realidade e fantasia permanece incerta, ou quando a atribuição de psicose não parece viável, não é raro que nos sintamos burlados e busquemos ainda mais a posição do detetive em busca da verdade. Mas essa verdade, por um lado, não é simplesmente uma verdade empírica neutra e desapegada, já que costuma ser acompanhada do mal-estar de sermos burlados intencionalmente ou estarmos equivocados profissionalmente. Por outro lado, é uma busca que contradiz, na experiência, o que a aderência conceitual e ideológica a uma hermenêutica interpretativa, à postura da interpretação sem fim frente a uma realidade que nos parece construída sem resto algum e produto de interpretações, nos faria descartar conceitualmente como inútil.

Vamos tomar como exemplo o caso de Raimundo, homem de uns cinquenta anos que vem à consulta por estar “sumamente deprimido” e padecer de uma “intensa ansiedade” quando “rodeado de gente”, a ponto de não conseguir encontrar rumo em sua vida, que lhe parece cada vez mais fútil, embora isso não o leve a ter ideias nem impulsos suicidas. Ray, como gosta de ser chamado, diz à sua terapeuta, a mesma de anos antes, que seu pedido de terapia coincide com o aumento de seus sintomas desde o momento em que seu único irmão, Karl (com quem mora e a quem atribui ter sofrido uma série de alucinações auditivas desde a adolescência, problema que o levou a tomar medicação prescrita por um psiquiatra), o atacou recentemente com um taco de beisebol. Ray explica o incidente de forma muito detalhada, incluindo que foi desencadeado após ter confrontado seu irmão sobre sua prática de misturar remédios com drogas vendidas nas ruas. Ray pensava que essa prática de Karl exacerbava as “vozes” e o tornava agressivo, e relatou também seus próprios pensamentos e ações durante a interação prévia ao ataque, bem como a posterior intervenção da polícia. Ray dizia ter deixado de ir às sessões que frequentou durante anos, pois, ao mesmo tempo, frequentava um psiquiatra que, segundo ele, não confiava nas razões que ele alegava para ter tomado um medicamento ao ter sido diagnosticado com um déficit de atenção. No entanto, em termos gerais, Ray se mostrava evasivo quando o terapeuta, para entender melhor a situação a que ele se referia, fazia perguntas sobre tal situação ou sobre as reações dos demais frente à sua conduta. Além disso, essa nova consulta acontece no âmbito de um programa no qual psicoterapeutas, médicos clínicos, assistentes sociais e outros profissionais interatuam com frequência entre si (e com o paciente sabendo disso), e alguns dos profissionais que têm contato com Ray começam a dizer ao terapeuta que não o consideram uma pessoa confiável ou crível, coincidindo com e amplificando um sentido semelhante ao apresentado pelo terapeuta em seus encontros clínicos. Certo dia, quando Ray se apresenta dizendo que seu irmão Karl cometera suicídio, um desses profissionais chega a revisar os avisos fúnebres locais em busca de uma referência sobre alguém com o nome do seu irmão, e, em outra ocasião, tenta averiguar se, como diz Ray, ele já foi professor de uma conhecida universidade. Tais buscas, em geral, não revelam nada que possa esclarecer as pessoas que duvidam da credibilidade de Ray se ele diz realidades ou fantasias. Quando Ray começa a relatar que também ouve vozes, as dúvidas aumentam na equipe terapêutica, e suas explicações sobre seu fracasso em encontrar trabalho não esclarecem sua pobreza nem sua posição social, embora sejam coerentes com os bilhetes que leva ao psiquiatra, escritos com uma torrente de conhecimentos e habilidades literárias notáveis. Em outros casos, às vezes aparecem evidências independentes de algumas coisas relatadas, o que desconcerta ainda mais quem não considera Ray crível ou confiável, como ele mesmo relata algumas vezes ter notado nos outros, embora quase nunca pareça entender o motivo. Estariam frente a uma pessoa que mentia por alguma conveniência, que vivia delirando em uma realidade alternativa, que fabulava?

Sartre diz que “uma verdade aparece de três modos possíveis: é minha verdade; é a verdade que chegou a ser para o outro; é a verdade universal” (1992, p. 65). À luz do conjunto da obra de Sartre, podemos entender que a verdade para mim é a verdade da consciência imediata não-reflexiva, a verdade só acessível à minha consciência acompanhada de autoconsciência. É uma experiência vívida, da qual só eu posso dar testemunho. No segundo caso, a verdade para outro é tanto a verdade imediata da consciência, já que todo outro tem suas verdades para si, quanto a verdade reflexiva alcançada pela observação de um objeto por parte de um sujeito de conhecimento, que pode ser descontínua com a verdade para mim. Claro que eu também posso ser o sujeito dessa verdade, assim como todo outro tem sua verdade para si mesmo do primeiro tipo. Esta verdade de observação não tem motivo para ter um caráter universal, e é possível correlacioná-la com a verdade da autoconsciência, embora ambas sejam descontínuas. O testemunho, neste caso, pode ser racionalmente questionado devido à descontinuidade entre ambas. A verdade do terceiro tipo, universal, é uma verdade empírica resultante do conhecimento reflexivo que, embora tenha seus efeitos sobre todos, nem sempre implica alguém que tenha alguma experiência existencial direta com a mesma, como acontece no caso da verdade existencial do primeiro tipo, nem uma verdade de observação direta, embora deva existir ao menos uma verdade de observação indireta, como costuma acontecer nos processos científicos em cujo caso deve poder ser contrastada com alguma experiência (Popper, 1992).

Em relação ao testemunho, o mundo é verdade existencial do primeiro tipo, mesmo quando é fictício, quando não se pode testemunhar mais, seja por quem o sustenta em sua consciência sem poder ser observado por outros, seja como obra consensualmente artística externalizada. Ao contrário da verdade histórica, onde se complementam dois tipos de testemunhos diferentes: os das verdades existenciais do primeiro tipo daquilo que só eu posso ser consciente e os das verdades existenciais de outros com o testemunho de verdades empíricas daquilo que outros podem observar direta ou indiretamente, e que assume às vezes o caráter de verdade universal. A complexidade que essas opções abrem é enorme. Uma pessoa pode saber que mente, mas mesmo assim outras pessoas a admiram, sem enxergá-la como alguém que mentiu ou como uma mentirosa, ou justificando sem sentir que as engana, ou sabendo que as engana, mas assumindo que tem bons motivos para fazê-lo. Outra pessoa pode não ser vista como confiável porque aparece mentindo, e pode saber que é vista assim sem se ver como alguém que mente, engana ou dá motivos para tal desconfiança. Esse último parecia acontecer no caso de Ray. Como acontece no caso da verdade existencial, esta se relaciona com uma verdade empírica, já que os fatos relatados por Ray eram de alguma maneira, e deste modo não era incognoscível para ele nem para outros, mesmo quando não conhecido por todos nem reconhecido por ele mesmo. O que podemos asseverar é que o sentido de não estar frente a alguém confiável para outros era uma verdade existencial, mesmo quando Ray não enxergava motivo para isso. Se todos os que o enxergavam como não crível ou confiável fossem desconfiados em geral, é possível que esse sentido não estivesse relacionado a um fato empírico, mas ainda assim seria um problema existencial ou de sentido para Ray, em quem não confiavam, e ele sofreria as consequências, às vezes junto com outros, já que alguns confiavam nele, ao menos em alguns aspectos de sua vida, ao conviver com ele ou ter com ele uma relação, e poderiam se ver atingidos por sua falta de confiabilidade frente aos demais. O terapeuta buscou uma maneira de levar à terapia esse sentido para outros, que era uma verdade existencial. Para ser conectada a uma verdade empírica, seria preciso encontrar um fato que pudesse ser visto como uma mentira ou ocultamento. Isso foi o que o terapeuta privilegiou nessa situação: a verdade existencial que estava, no entanto, intimamente ligada à verdade universal, mas entendendo que a primeira era o elemento de sentido a tratar. Seu irmão existia ou não existia na realidade cotidiana, e no caso de existir, estaria ou não morto? Não conseguia trabalho porque não havia ou não fora aceito, e teria ou não trabalhado na universidade a que se referia, e no caso de ser verdade, teria concluído-a ou não pelos motivos que alegara. Mas pedir ou forçar uma confissão poderia arruinar a verdade existencial de que parecia não ser crível nem confiável e de que isso estaria provavelmente afetando toda sua vida cotidiana. A verdade histórica era feita tanto de verdade empírica quanto de verdade existencial, mas o papel de detetive poderia colocar em risco o papel de terapeuta, enquanto conservar este último, transformando-o em um interpretador, negava que o que havia que interpretar estava ligado à verdade empírica. O terapeuta, resistindo frente aos dois papéis, pôs em primeiro plano a dimensão do sentido de não ser confiável e, em um equilíbrio sutil, evitou correr o risco de não proteger sua dignidade dizendo-lhe, por exemplo: “Não trabalho como confessor, vejamos juntos, se possível, que motivos poderiam ter os que não confiam em você para não fazê-lo.” Se isso resultava igualmente ameaçador, dizia: “De que maneira o fato de não confiarem em você poderia afetá-lo ou teria afetado sua vida?” Logo pôde conversar com Ray, quando este se sentiu seguro de que não seriam exigidas confissões, sobre como essa desconfiança que ele começou a reconhecer, progressivamente, como algo para que ele ao menos contribuía afetava permanentemente suas relações e minava seus esforços. Ray começou a conceber seu fracasso social e profissional, sua falta de amigos e sua vida amorosa à luz dessa verdade existencial. Certo dia, o terapeuta lhe perguntou: “O que você acha que faz melhor, gerar desconfiança sobre si mesmo ou amenizá-la?” Ray respondeu: “Não sei amenizá-la... sou prisioneiro dessa má reputação, por isso às vezes desapareço.” “E para onde vai, Ray?”, perguntou o terapeuta. “Para onde ninguém desconfia de mim”, ele respondeu, e ambos sorriram, sabendo que seria um lugar vazio, que Ray habitava em total solidão.

Ray estava preso ao que Sartre chama de uma situação de má fé. Para Sartre, nós, seres humanos, tendemos a seguir em direção à má fé desde o momento em que somos seres cindidos entre dois modos de ser, o ser-em-si do que está acabado, das coisas e dos objetos, por um lado, e o ser-para-si de uma consciência que está sempre em movimento, orientando-se no mundo que a transcende, já que, como Sartre não deixa de insistir, não somos [em nossa consciência] o que somos [objetivados] e somos [objetivados como seres-em-si] o que não somos [na consciência que é para-si e se fundamenta na possibilidade da negação do que é-em-si, indo além dele] (2013, p. 95-125). Como expressão dessa cisão entre dois modos de ser é que atuamos com frequência como se não fôssemos mais do que somos e as manifestações desta má fé são variadas, mas representam um escape da liberdade ao tratar-nos a nós mesmos e aos demais como se estivéssemos totalmente determinados ou como se nossa liberdade fosse pura e absoluta, como se fôssemos consciências transparentes fora de um mundo. Pois ser apenas o que somos é estar, seja determinados como objetos, seja puramente livres, como uma abstração incorpórea, diáfana, irreal, em ambos os casos sem a textura do mundo. E essa duplicidade constitutiva é negociada sem fim, por exemplo, armando, como Ray, uma vida que seja coerente ao preço de apresentar-se como uma incerteza e que não se pode confrontar com uma moral como se fosse um engano intencional, mas como um esforço de boa fé que legitime tal duplicidade e se apresente no sentido da consciência/mundo que não pode ser uma unidade de acordo com os princípios morais mais do que como uma abstração ideal.

Nós também podemos atuar de má fé como terapeutas quando, por exemplo, seguimos em direção a buscar evidências, transformando-nos em detetives. Mas se não o fazemos e nos refugiamos no terreno da ficção, sob o nome de realidade psíquica ou construção social, não apenas tomamos uma atitude que não é a habitual para nos movermos no mundo cotidiano, mas também evitamos as que encontra alguém como Ray, que, quando apresenta aos demais a incerteza do caráter real ou irreal de aspectos da sua vida, acha difícil compossibilitar9, fazer possível juntos no cotidiano, essas experiências centrais para ele com sua relação com os outros. Isso o levava ao isolamento e à separação dessas experiências. Por isso o preço para quem nos expõe a tal incerteza é o isolamento para manter ordens de experiência que não se pode unir entre si, ou seja, sempre com outros, conosco.

Queremos saber se a realidade é externa ou interna, mas o sentido da consciência/mundo que surge na ecologia do colo é prévio e excede esta distinção dicotômica. É, em primeiro lugar, o modo humano primário de estar em um mundo orientado em termos do que importa à nossa vida, e que não coincide com o que descreveria um observador externo, de uma posição inacessível à experiência subjetiva, e é também, em segundo lugar, a condição de possibilidade de significado. E persiste sempre como uma dimensão da linguagem enraizada nessa ecologia sensório-motriz do colo à que já nos referimos. É o modo primário da realidade de consciência/mundo irredutível a uma realidade empírica inerte ou a um mundo feito de significados linguísticos. A loucura não se pode afirmar com facilidade nesses casos em que a atribuição da percepção ou da fantasia não é clara. Insistimos nesses dois caminhos como se existisse na experiência uma dicotomia essencial entre o empírico e o interpretativo que preenchesse todas as possibilidades. Esta dicotomia leva a uma grande escotomização do sentido imediato da consciência/mundo que esquiva a poiesis primária em que o mundo nos aparece ou nasce à presença, e que é anterior lógica e cronologicamente à distinção entre realidade e fantasia, entre sujeito e objeto epistemológicos. Evitemos, nesse caso, o fenômeno de sentido não interpretativo para buscar a percepção ou o significado abstrato que diluem a realidade vívida do mundo tal como ela aparece na consciência irreflexiva imediata, embora permaneça capturado pelas micropolíticas que estruturam as situações vitais com seus dispositivos de saber/poder, seus sujeitos e seu imaginário social (Pakman, 2014, 2011).

Mas a realidade psíquica da consciência sempre inclui a realidade do mundo transcendente à mesma. No caso de Ray, o terapeuta foi guiado clinicamente pelo sentido da experiência com essa pessoa assinalada pela incerteza. Também era parte do sentido da situação que ele sofria, pois Ray não resultava convincente nem confiável, e não podemos dizer se sofria de verdade ou de mentira (Sartre, 2013). A experiência era que, em muitos momentos, o terapeuta não sabia se estava frente a um fato ou a uma ficção, e isto tinha efeitos sobre quem entrava em contato com Ray. Nessa situação, estava em jogo a questão da verdade existencial ou ontológica do sentido em um acaso, e não somente uma verdade epistemológica empírica. Os que buscam a verdade no empírico a usarão como critério de patologia e de cura, os que se movem no mundo do significado passaram por cima dessa questão e se interessaram pelo mundo que consideraram da realidade psíquica ou da construção social do significado. Mas o núcleo de uma clínica da verdade não está na verdade epistemológica da correspondência entre as coisas e o intelecto, mas na verdade existencial do sentido do mundo, ou do mundo como sentido, que está sempre relacionada à verdade histórica que deve ser subtraída como um espectro que retorna do mundo dos signos, entendidos quase com exclusividade como processos de significação, que nos rodeia. Essa verdade não representa um retorno ao cartesianismo substancialista, já que não se reduz aos dados supostamente imediatos dos sentidos, negando os processos de mediação sociais, culturais e linguísticos, mas nos permite uma resistência ao infinito adiamento do real que a atenção exclusiva ao giro linguístico exige, trazendo de contrabando o retorno a uma posição idealista na qual tudo é inscrição na linguagem reduzida a processos de significação, a narrativas, a construções sociais ou metáforas. A subjetividade (2016, p. 6), como queria Sartre, é um sistema em interioridade entendido como certo tipo de ação interna (2016, p. 3), não uma relação cognitiva consigo mesmo, mas:

Este fato constante, o fato individual e real da vida de cada pessoa, ou seja, que somos encarnações; ou seja, que somos a singularização de todo o universo de sistemas dentro dos quais vivemos. Isso é o que somos, o que cada um de nós é, e isso é o que mostram nossas novelas (2016, p. 106).

Essa subjetividade implica que não vivemos com plena consciência das contradições de nosso tempo, às quais encarnamos sem que nos determinem completamente. O que a psicoterapia pode fazer, como a boa literatura não pode fazer porque simplesmente narra, e não porque narra desprendendo-se da realidade ou dando às costas a ela, mas porque às vezes consegue que “qualquer que seja o grau de abstração ou esquematização, encontramos aqui o personagem que cada um de nós é, para nós e para os outros” (107).

E também:

É necessário que esse personagem (como Dom Quixote, por exemplo) [...] se comporte de maneira inusual. (...) E então, sem deixar de ser inusual, devemos ser capazes de sentir nele todas as contradições do seu tempo (106).

Para tanto, não basta o simples fato de narrá-lo ou escrevê-lo, já que, como assinala Nancy:

Escrever, assim como inscreve significações, exscreve ao sentido. (...) Mostra que aquilo do que se trata, a coisa mesma, a “vida” ou “o grito” de Bataille, e finalmente a existência de tudo o que está “em questão” no texto, que tudo isso está fora do texto, que sucede fora da escritura (1990, p. 63).

Não apenas a história, mas a boa literatura, excrevem o real. Embora o façam de maneiras distintas, já que no caso da história sabemos que as coisas aconteceram de certo modo que é potencialmente testemunhável, ainda quando o testemunho não seja palpável, como mostrou Giorgio Agamben (2002) retomando Primo Levi (1989). Na ficção, por outro lado, existe também a textura do mundo, mas seus protagonistas o experimentaram no domínio da autoconsciência no espaço não consensual onde habitam o escritor e seu personagem, de modo que não tem por que coincidir, já que o personagem pode exceder a consciência do escritor. O romance histórico é uma transação na qual, com frequência, não podemos assegurar que o que aconteceu foi realmente vivido como os referentes históricos reais viveram, mas sabemos que foi vivido de alguma maneira, e em circunstâncias que se relacionam a ele, e que podem ser capturadas do ponto de vista da verdade existencial de um observador, aberta à verdade histórica, com seus aspectos universais. Por isso, é fundamental não confundir o fato de que algo que aconteceu se inscreva na linguagem e que o testemunho seja uma condição de seu conhecimento, assim como do conhecimento que vem à luz, por exemplo, na arqueologia, com o fato mesmo que vem à luz e com a experiência de sua visibilidade cuja existência Deleuze (2013), sublinhando-a com razão, separa de enunciação na obra de Foucault. Tudo o que se inscreve em um sistema de significações exscreve, ao mesmo tempo:

À própria coisa, à “existência”, ao “real”, que somente é exscrito e cujo ser somente está em jogo na inscrição. Inscrevendo significações, escrevemos a presença do que subtrai a toda significação, sendo o que é (vida, paixão, substância...). O ser da existência pode ser apresentado: apresenta-se a si mesmo quando é exscrito (Nancy, 1988, p. 64).

Somente à luz de uma clínica da verdade, podemos assumir a responsabilidade, o risco e a coragem que implica o fato de dizê-la, a Parrhesia a que Foucault dedicou suas últimas aulas (2012). Dizer a verdade não é fácil, não podemos simplesmente assegurar nem sustentar univocamente, requer a seres cindidos e limitados como nós um trabalho permanente que se abra, uma e outra vez, ao que não cessa de aparecer como realidade e verdade em nossa consciência, e deve ser subtraído da nuvem de signos que habitamos, com suas morais principistas engastadas em estruturas de má fé. Por isso a verdade é um trabalho de imaginação, de compossibilidade, de sustentação de eventos que trazem a verdade existencial com outros aspectos de nossa vida, oscilando entre os sujeitos que costumamos ser e a subjetividade mais ampla de uma consciência/mundo em devenir, que aparece sem cessar e traz consigo o impulso ético em direção a uma vida que vale a pena ser vivida, que ponha à prova toda a moral principista.

Por isso a psicoterapia como uma clínica da verdade deve mostrar o que rompe com as determinações materialistas que nos fariam ser somente o que somos, como a idealização de nos vermos como donos absolutos e voluntaristas de nosso destino, oscilando entre esses dois polos sem cair neles, ou seja, permanecendo em um nível intermediário do sentido, em uma subjetividade na qual reside o umbral entre as duas maneiras básicas que para Sartre tem o ser: o ser-em-si no mundo e o ser-para-si (2013). Este umbral é o que cria uma existência humana na qual o mundo e a consciência vivem a aventura sem fim da liberdade, que não é um princípio somente de conhecimento reflexivo e linguístico, mas de uma onto-ética do sentido. O que conta é se podemos compossibilitar nossas vidas com outros na presença do que não deixa de aparecer de modo incessante, nos pulsos em que se dá o sentido do mundo para a consciência, incluídas as consequências de nossas ações. Uma ética que deve questionar toda moral na situação singular em que se faz pertinente. Sem uma clínica da verdade que encarne uma onto-ética, nos entregamos ao que Sartre chamava vontade de ignorância que “postula que nada é com exceção do que criamos”, projetando um mundo no qual “1: o que não sabemos não existe; 2: o que sabemos só existe na medida em que o sabemos; 3: escolhemos saber ou não saber” (1992, p. 52). A onto-ética de uma clínica da verdade, por sua vez, encontra-se aberta aos eventos poéticos que não desconhecem o irreparável da história pessoal social, mas podem nos subtrair da vida regrada das micropolíticas dominantes, dinamizando suas morais abstratas e principistas à luz da busca incessante de uma sempre vacilante vida melhor, uma vida que valha a pena ser vivida.10



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Recebido em: 10/10/2016
Aprovado em: 28/10/2016
 

 

1 Meu agradecimento a María Jesús Arrojo Romero, com quem refletimos conjuntamente sobre o caso clínico referido neste artigo, bem como sobre os diversos aspectos relacionados que aqui se discutem.

2 Sartre usava o masculino genérico, como era habitual na época, para referir-se aos seres humanos.

3 As traduções de todos os textos, cujos originais consultados para este artigo não estão em espanhol, são do autor.

4 Como se chamava, na época, o que hoje chamaríamos um psiquiatra, e que destacava a alienação psíquica de seus pacientes, que hoje chamamos clientes ou consumidores, desde que o mercado neoliberal avançou sobre os serviços de saúde mental, emprestando-lhes também sua terminologia (Pakman, 2011).

5 Embora a relação entre os sonhos e as alucinações, bem como entre as alucinações e certas intoxicações, já tivesse sido assinalada antes que Esquirol se ocupasse do tema.

6 Embora Ronald Aronson tenha argumentado que Husserl outorgava à percepção uma complexidade que Sartre não reconhece (1980), Sartre pensava que Husserl se alinhara com as concepções "alimentares" da percepção, nas que a subjetividade parecesse engolir o mundo, apesar de reconhecer que, na percepção, como mostrava Husserl, não é uma mera impressão passiva, mas agrega ativamente elementos durante o processo, como acontece no clássico exemplo do cubo que se percebe como tal, embora nunca exponha mais que três lados a nossa perspectiva.

7 E por isso mesmo qualificado por Foucault como um filósofo do século XIX, talvez lhe atribuindo, injustamente, uma adesão imediata e acrítica ao sujeito agente, quando na verdade articulava uma concepção da subjetividade que excedia a linguagem feita do ponto de vista de uma crítica do inconsciente psicanalítico, que mudou ao longo de sua vida e o levou a encará-lo como alternando entre uma dupla consciência ou uma não-consciência, ambas as possibilidades problemáticas à luz de suas investigações da consciência.

8 Uso os termos fantasiante ou ficcionalizante em vez de consciência imaginativa, como seguiu fazendo Sartre, porque incorporo plenamente a concepção de Kant da imagem como aparição da realidade, o que faz da percepção e da fantasia modos dessa aparição ou, em termos de Sartre, modos de consciência, já que a consciência implica sempre a aparição de um mundo.

9 Conceito importante na obra de Leibniz e Spinoza, retomado e estudado por Deleuze (2006).

10 Esta perspectiva se desenvolve em El sentido de lo justo, segundo volume da trilogia El espectro y el signo (Gedisa, Barcelona, no prelo).

I Médico, psicoterapeuta, terapeuta familiar, conferencista, autor.

II Tradução: Rodrigo Peixoto.

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