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Nova Perspectiva Sistêmica

Print version ISSN 0104-7841On-line version ISSN 2594-4363

Nova perspect. sist. vol.26 no.58 São Paulo Aug. 2017

 

ARTIGOS

 

Processos reflexivos: ampliando possibilidades para terapeutas que atendem sem equipe

 

Reflecting process: taking possibilities to therapists that work without a team

   

 

Mayara Schinch LabsI; Marilene GrandessoII

II Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.

 


RESUMO

Este artigo compartilha reflexões a partir de uma investigação qualitativa sobre a possibilidade de uso de processos reflexivos, conforme desenvolvidos por Tom Andersen, para terapeutas que trabalham sozinhos, sem a participação de equipes. A não ser em contextos institucionais e de ensino, os terapeutas costumam desenvolver suas práticas sem equipes, razão pela qual esta investigação foi proposta. Para realizar esta pesquisa, fizemos entrevistas de base dialógica com quatro terapeutas que trabalham com processos de reflexão, e pudemos compreender, a partir da escuta desses terapeutas, quais as dificuldades encontradas, as diferenças entre atendimentos com e sem equipes reflexivas e como podem ser trabalhados os processos de reflexão quando o terapeuta atende sozinho.

Palavras-chave: processos reflexivos, práticas pós-modernas, equipe reflexiva, prática clínica.


ABSTRACT

This article shared reflections from a qualitative research on a way of using reflexive processes, developed by Tom Andersen, for therapists who works alone, without a team. Except in the institutional and teaching contexts, the therapists usually develop their practices without a team, reason that explain why this research was propose. In order to carry out this work, we conducted dialogic interviews with four therapists who works with reflecting processes., and we could understand, from these conversations, the biggest difficulties, the differences between attendiments with the therapist only and the therapist plus the team, and how can be worked these reflection processes when the psychologist works alone.

Key Words: reflecting processes, postmodern practices, reflecting team, clinical practice.


 

 

INTRODUÇÃO

O pensamento sistêmico apresentou dois grandes saltos qualitativos no que se refere ao seu modelo paradigmático: primeiro, ao colocar ênfase nos contextos e na postulação de causalidade circular para os fenômenos, o que favoreceu a psicoterapia, uma espécie de interdisciplinaridade. A segunda grande mudança foi a passagem de um afinamento com os pressupostos da modernidade para os pressupostos pós-modernos, representados pelas epistemologias construtivistas e construcionistas sociais (Capra, 1982; Grandesso, 2011). Devido à ênfase na interdisciplinaridade, houve uma configuração dos limites paradigmáticos para uma teoria clínica, resultando em distintos modelos e práticas de terapia familiar.

Uma dessas práticas que se desenvolveu com base nas propostas pós-modernas para a terapia de família foi os processos reflexivos de Tom Andersen (2002), psiquiatra norueguês que iniciou seu trabalho com famílias e equipes de profissionais de saúde, em meados de 1974, em comunidades locais. No que diz respeito à grande contribuição de Tom Andersen, Grandesso (2011) considera que o trabalho terapêutico com equipes de observadores passou a fazer parte das terapias sistêmicas de famílias desde o seu início:

Embora o uso de reflexões das equipes de observadores, como recursos para a terapia sistêmica, remonte aos primórdios da década de 50, seu uso, enquanto uma prática pós-moderna, é credenciado a Tom Andersen. (Grandesso, 2011, p. 277)

Andersen (2002) considera que, quando nos deparamos com sistemas paralisados, aqueles em que o processo de terapia parece andar em círculo, estamos diante de um grupo de pessoas (duas ou mais) associadas a uma ideia de fazer algo em relação a um determinado problema, na tentativa de resolvê-lo. Em situações como essas, o autor sugere que o terapeuta fale com quem quiser falar, com quem puder falar e da maneira que puder naquele momento, numa escuta acolhedora para não interferir nas histórias de cada um. Como cada pessoa apresenta uma versão diferente acerca do mesmo problema, “nossa tarefa é nos empenharmos, o máximo possível, em um diálogo para compreendermos como as diversas pessoas chegaram a criar suas descrições e explicações” (Andersen, 2002, p. 64). E, em seguida, convidá-los a um diálogo onde possam considerar possibilidades antes não percebidas e não pensadas nos contextos de suas vidas.

Esse sistema composto pelo(s) terapeuta(s) e o sistema paralisado (clientes) é um sistema autônomo que não é dirigido pela equipe reflexiva, pois não faz parte de suas atribuições, enquanto equipe, dar instruções sobre como eles devem se comportar, conduzir a sessão, quais perguntas fazer. A equipe normalmente é composta por três membros, podendo variar. Tradicionalmente, a equipe ficava atrás de um espelho unidirecional, embora não fosse uma regra, tendo variados formatos a depender dos contextos de uso. Os membros da equipe reflexiva, enquanto assistem à sessão, não se comunicam entre si e devem escutar a conversa do sistema entrevistador, mantendo um diálogo interno que faz reflexões sobre como podem ampliar as descrições e compreensões para além do que está sendo apresentado pelos clientes (Andersen, 2002).

Num dado momento da sessão, se o entrevistador requisitar ou os membros da equipe comunicarem que têm ideias a compartilhar e o entrevistador e clientes aceitarem, a equipe reflexiva expõe suas contribuições. A equipe apresenta para cada membro do grupo (não diretamente ao sistema entrevistador, pois isso os convidaria a tomar parte da discussão reflexiva) seus pontos de vista sobre o problema, suas reflexões especulativas. Feito isso, os membros do sistema entrevistador discutem sobre o que ouviram, as ideias que tiveram a partir das reflexões compartilhadas pela equipe. “De certa forma, conversam sobre a conversa que a equipe reflexiva teve sobre a primeira conversa do sistema entrevistador” (Andersen, 2002, p. 66).

A equipe normalmente fala em torno de cinco a dez minutos e, quando termina de falar, as posições são revertidas, voltando a fala ao entrevistador, que retoma a conversa com os clientes com uma pergunta tal como: “Vocês gostariam de comentar, falar algo sobre alguma das coisas que ouviram?”. Fica a critério dos clientes responderem ou não a essa pergunta; se alguma pessoa expuser suas ideias, ou mais de uma falar, o entrevistador indaga sobre essa ou essas ideias e as usa para discussão (Andersen, 2002).

Essas trocas entre equipe reflexiva e sistema entrevistador podem ocorrer quantas vezes forem necessárias, mas quatro é um limite bom, de acordo com a experiência do autor. A única regra que Andersen (2002) coloca é sempre dar a última palavra ao sistema entrevistador:

A ideia da equipe reflexiva criativamente proposta por Tom Andersen é muito simples: os clientes (família, casal ou indivíduo) e o terapeuta, após um tempo de conversação, trocam de lugar com a equipe de observação que os assistia, passando, então, a observar a conversação da equipe sobre a sessão. Sem qualquer intenção conclusiva, diagnóstica ou pedagógica, os membros da equipe discutem suas ideias, impressões e indagações, enfim, fazem seus comentários, inegavelmente auto-referenciais e especulativos, enquanto terapeuta e clientes os escutam. Depois, novamente, os observadores voltam a observar os clientes e o terapeuta, que passam então a discutir sobre a conversação que acabaram de ouvir da equipe, podendo-se repetir esse processo. (Grandesso, 2011, p. 278)

A essa troca de posições entre o falar e o escutar, Andersen (2002) denomina processos reflexivos, e aponta que a equipe reflexiva é apenas um modo de se trabalhar com esse processo, dentre muitos outros. Pode-se trabalhar com processos reflexivos sem uma equipe – por exemplo, com a presença de um consultor. Se isso não for possível, pode-se criar posições reflexivas com as pessoas que estejam inseridas no sistema em atendimento (por exemplo, os membros da família – o terapeuta conversa com um membro da família enquanto os demais escutam e, depois, trocam-se as posições; os que escutaram a conversa compartilham suas ideias a partir de sua escuta, e os que antes falaram, agora ouvem). Também se pode organizar os processos reflexivos com grupos de trabalho, supervisão, convidados e outros arranjos (Friedman, 1995, 2005).

Sendo assim, podemos afirmar que os processos reflexivos contribuem muito na terapia, pelo compartilhamento de significados num processo circular entre terapeutas, clientes e equipe de reflexão, se houver, construindo uma narrativa mais libertadora e novos significados sobre a construção de possibilidades ampliadoras de sentido. “Qualquer que seja sua forma de uso, contudo, processos reflexivos descrevem mais uma atitude no contexto da terapia do que o uso de uma técnica” (Grandesso, 2011, p. 281).

A HISTÓRIA DESSA INVESTIGAÇÃO

Este trabalho foi desenvolvido por uma das autoras (Mayara) como parte dos requisitos para formação em Terapia Familiar e de Casal, tendo a segunda autora (Marilene) como orientadora. Realizamos essa pesquisa qualitativa com o propósito de favorecer a disseminação da prática sistêmica na pós-modernidade com enfoque nos processos reflexivos de Tom Andersen (2002), para além dos contextos acadêmicos de formação de terapeutas, visto que muitos terapeutas, após sua formação, deixam de se valer desse recurso por não terem uma equipe e/ou um consultante.

Nos contextos de formação de terapeutas, especialmente os de famílias e casais, é usual que os cursos se organizem com equipes, criando, assim, uma realidade muito favorecida e privilegiada. Quando o terapeuta está em formação geralmente tem presentes no atendimento, o supervisor, uma equipe de observadores e, muito comumente, um coterapeuta. Este foi o caso do curso de formação em terapia familiar, no qual uma das autoras (Mayara) fazia sua formação e a outra (Marilene) atuava como supervisora.  Quando um curso como esse acaba, geralmente a prática dos terapeutas que concluíram sua formação passa a ser solitária, sem uma equipe, um coterapeuta e um supervisor presentes, e, com isso, o recurso das práticas reflexivas acaba ficando limitado a contextos de treinamento, ou a outras práticas colaborativas, envolvendo facilitação grupal, por exemplo. Assim, vemos que a riqueza desse recurso acaba não se estendendo a outros contextos que representam o mais habitual na realidade em que vivemos.

Durante o curso de especialização, passei (Mayara) por essa experiência de trabalho com processos reflexivos realizados por uma equipe. Obtive contato com a parte prática e teórica, atuando sempre em conjunto com uma equipe reflexiva, um coterapeuta e um supervisor. Comecei a notar a riqueza do momento do compartilhamento da reflexão da equipe, percebendo o quanto ajudava os clientes a pensarem sobre suas vidas, a re-narrarem suas histórias, como nas conversações de remembrança próprias da terapia narrativa (White, 2012). Nas práticas narrativas, uma forma de construir histórias mais ricas consiste em convidar virtualmente vozes de pessoas significativas para o cliente e não presentes. Perguntas de remembrança favorecem novas perspectivas para as histórias narradas, por exemplo, indagando o que determinada pessoa diria se estivesse ouvindo a conversa do momento.

Fiquei pensando, então, em como “transportar” essa equipe para o contexto do terapeuta que atende sozinho, para que pudesse contar com essa riqueza em seus atendimentos. Com isso, juntamente com minha orientadora, realizamos esse estudo voltado à prática dos processos reflexivos de Tom Andersen.

Para poder compreender e expandir possibilidades de uso desses processos de reflexão, tomamos como ponto de partida entrevistar profissionais da área para comparar as diferenças ao se atender com o apoio de uma equipe de reflexão, em contraponto com um atendimento somente com o terapeuta, sem equipe. Nossa intenção foi compreender possibilidades e limitações para terapeutas que trabalham com os processos reflexivos sem uma equipe de reflexão.

Realizamos nossa pesquisa qualitativa com o referencial construcionista social. Esse tipo de pesquisa dedica-se à análise dos significados que os indivíduos atribuem às suas ações, levando em conta o contexto em que constroem suas vidas e relações, buscando compreender os sentidos dos atos e das decisões dos indivíduos no meio social em que estas se dão (Guanaes & Japur, 2008).

Foram contatados para entrevista quatro terapeutas que trabalhavam com processos reflexivos e que atendiam tanto sozinhos, quanto com uma equipe reflexiva. Esses terapeutas foram convidados a partir de nosso conhecimento anterior de sua posição como terapeutas pós-modernos e confirmação de sua familiaridade com o uso de processos reflexivos nas suas práticas. A condição para participação do terapeuta teve como critérios: trabalhar com processos reflexivos e ter contato com a obra de Tom Andersen.

Escolhemos fazer entrevistas semiestruturadas de base dialógica por permitirem construir um contexto conversacional que possibilitasse obter informações acerca do tema do presente trabalho. Algumas questões foram pré-definidas, como aberturas para alguns temas que esperávamos conversar com todos os participantes. São elas:

Conte um pouco do seu trabalho sobre os processos reflexivos; como é trabalhar com uma equipe reflexiva?
Quais as vantagens que este recurso lhe proporciona? Como você usa os processos reflexivos em seu consultório particular?
Sente falta de ter uma equipe reflexiva em seu consultório particular?  Como lida com essa “ausência”?
Você pode descrever a forma como usa os processos reflexivos quando atende sem ter acompanhamento de uma equipe reflexiva?

Uma das entrevistas foi por Skype; outra foi realizada pessoalmente e a outra, devido a problemas técnicos com a conexão da internet para utilizar o Skype, foi realizada por escrito através do Messenger com dois terapeutas ao mesmo tempo, uma vez que eles trabalhavam em conjunto, como uma equipe de reflexão. Cada participante assinou um termo de consentimento livre e esclarecido, tendo suas identidades preservadas pelo uso de nomes fictícios, tendo sido retiradas das entrevistas partes que pudessem comprometer o anonimato dos participantes. Um dos participantes colaborou na decisão sobre quais partes gostaria de ter excluídas do relato deste trabalho. O projeto foi submetido ao comitê de ética para pesquisas com humanos, tendo sido aprovado sob o número 1.988.253.

A partir disso, configuramos um campo de sentido baseado nas informações que se destacaram como marcantes e singulares, ao invés de buscar padrões, estruturas e repetições (normalmente priorizados na perspectiva moderna em ciência). Buscamos, nessa abordagem pós-moderna em ciência e segundo a poética social proposta por Shotter (como citado em Guanaes & Japur, 2008), o inusitado, o desconhecido, o singular.

Nessa perspectiva, construímos sentidos sobre esse objeto de estudo mediante uma relação dialógica entre nós, as pesquisadoras, e o objeto de estudo, dando forma aos momentos marcantes que chamaram nossa atenção e despertaram nosso interesse pelo discurso presente na conversação com os entrevistados. Além disso, a natureza qualitativa dessa investigação e a escolha pela poética social como forma de construir sentidos nos convidaram ao uso de uma linguagem não afirmativa ou explicativa, mas, sim, parcial, exploratória, alusiva, que produziu tentativas de significação e compartilhou experiências, servindo de “convite à participação de outros (leitores, pesquisadores, profissionais) no processo dialógico de construção de conhecimento” (Guanaes & Japur, 2008, p. 120).

REFLEXÕES ACERCA DO QUE LEMOS, VIMOS E OUVIMOS

De acordo com a nossa proposta orientada pela poética social, procuramos entrar em contato com as narrativas de nossos participantes, tomando-as reflexivamente de modo a compreender possibilidades do uso dos processos reflexivos para além dos contextos de equipe. Trabalhar com os processos reflexivos é trabalhar com um modo de ser, com a criatividade, com possibilidades, com diálogos que nos fazem refletir sobre nossa vida. Assim, nosso entendimento caracterizou-se também como um processo reflexivo a partir das narrativas de nossos participantes.

1. A história de cada participante1

Começamos nossas as reflexões apresentando a história de cada entrevistado e como este se envolveu com os processos reflexivos de Tom Andersen.

1.1. Conversando com Pedro

Pedro estudou licenciatura em Psicologia e se formou no ano de 2002, em outro país, em que nasceu, e vive realizando sua prática terapêutica. Em 2015, conheceu Maria, uma terapeuta brasileira também participante desta investigação, e, juntos, começaram a trabalhar como equipe reflexiva via internet, uma vez que vivem em países diferentes. Pedro já havia participado de alguns atendimentos on-line via Skype, mas, com Maria, um funciona como equipe reflexiva para o outro pelo Messenger. A reflexão assim compartilhada não se dá em tempo real, mas, sim, no momento em que o terapeuta convidado está livre e pode responder à mensagem. Sendo assim, o anfitrião comunica ao convidado uma breve história do cliente que está sendo atendido, mostra algumas fotos para o convidado saber com quem dialogará, e envia a mensagem do cliente, para que o terapeuta ofereça sua reflexão. Todo esse processo ocorre apenas após a permissão do cliente.

1.2. Conversando com Maria

Como foi dito anteriormente, Maria, uma terapeuta brasileira, conheceu Pedro no exterior, no ano de 2015, ocasião em que resolveram começar a trabalhar como equipe reflexiva on-line para os atendimentos de cada um deles. Na maioria dos atendimentos, Maria é quem escutava e refletia, e Pedro se posicionava como terapeuta anfitrião. Ela relata que esse trabalho pelo Messenger começou por uma demanda de Pedro:

Durante um atendimento dele com a mãe de uma criança, Pedro achou que seria importante incluir mais uma voz na conversação para ampliar as possibilidades frente ao dilema vivenciado. Então, ele falou comigo e verificou se eu aceitaria participar como Equipe e eu aceitei. Diante disso, ele explicou para essa mãe que havia a possibilidade de uma terapeuta brasileira participar da conversa, e ela também aceitou. Então, a mãe escreveu uma pergunta que ela gostaria de ouvir minhas reflexões acerca do seu dilema. Pedro, com o consentimento da mãe, tirou foto dessa pergunta e me enviou; em seguida eu escrevi as ressonâncias que surgiram em mim ao ler aquela pergunta. Esqueci de mencionar que, anteriormente, Pedro me relatou bem brevemente sobre o processo terapêutico dessa família. Ao ler a pergunta escrita por essa mãe eu respondi a partir do que ressoava em mim, sempre apresentando um olhar apreciativo e enfatizando possibilidades. A minha reflexão a partir da pergunta que me fora enviada foi escrita no Messenger e Pedro transmitiu à mãe. Nessa primeira experiência, minha reflexão foi em tempo real, aconteceu durante o momento da sessão, mas houveram outras em que a minha resposta não era dada no momento do atendimento. Então, era explicado para a pessoa sobre o fato de que a reflexão poderia não ser recebida naquele momento. (Maria)

Para esse modo de trabalhar, ambos disseram que sempre conversam com seus clientes antes, perguntam se aceitam ter uma equipe on-line, explicam que podem obter a reflexão no mesmo instante ou só na próxima sessão, e, quando o cliente aceita, o terapeuta conta ao outro brevemente sobre o caso e coloca a pergunta do cliente, ou algum assunto sobre o qual deseja escutar outra voz. Mostram fotos do cliente um para o outro, para que vejam com quem estão conversando.

Para a participante, a experiência foi muito rica, possibilitando ao menino pensar sobre outros assuntos que antes não haviam surgido nos atendimentos. Com essas experiências, Maria e Pedro começaram a construir um grupo de reflexão para que possam organizar novas formas de processos reflexivos com os recursos da internet. A conversação que desenvolveram com esta abordagem mostrou-se como uma possibilidade ampliadora para o contexto terapêutico. A não presença física de uma equipe não impediu que outras vozes fossem ouvidas, oferecendo reflexões sobre a conversação terapêutica. Assim, o uso da internet pode ser considerado como ferramenta generativa que permite a construção de novas possibilidades de sentido.

1.3. Conversando com Luiza

Luiza, também residente em outro país que não o Brasil, formou-se em 1982 e, em 1984, realizou um curso de terapia familiar, quando conheceu o trabalho de Tom Andersen. Luiza relata que, no início, quando se envolveu com as práticas pós-modernas, era usado um espelho unidirecional na sala de atendimento, tendo como setting terapêutico: a família com os terapeutas, de um lado, e a equipe reflexiva atrás do espelho. Em determinado momento da sessão, acontecia a reflexão, conforme a proposta de Tom Andersen. Passado um tempo, aboliram o espelho e passaram a trabalhar todos juntos, na mesma sala, ampliando o número de participantes nas sessões. A terapeuta trabalha com os processos reflexivos em vários lugares, dá treinamento para terapeutas nas práticas pós-modernas e construção social, atua na sua clínica particular atendendo indivíduos, crianças e famílias, trabalha com consultoria escolar por meio de práticas colaborativas nas salas de aula junto aos professores, e também trabalha com empresas, gerando diálogos entre os que estão participando.

1.4. Conversando com Rose

Passando de psicanalista para práticas sistêmicas, Rose, no ano de 1984, começou a trabalhar com terapia familiar devido a uma demanda de uma ex-cliente, cuja filha estava com três anos e meio, mais ou menos, quando os pais se separaram. Naquela ocasião, conheceu o trabalho de Tom Andersen.

Em 1986, Rose participou de um grupo de estudos onde começou a conhecer o trabalho dos terapeutas sistêmicos. No ano de 1992, participou de 7 encontros para terapeutas com responsabilidade docente, e ela conta que, a partir do momento em que conheceu o trabalho de Tom Andersen, familiarizou-se com os processos reflexivos e com a prática de atender a todos juntos, terapeuta, família e equipe na mesma sala, abolindo a prática de supervisor e equipe interromperem os alunos em formação, e valendo-se da equipe reflexiva no momento de supervisão. Por fim, Rose diz que sua “convivência com Tom Andersen fez com que o seu envolvimento com os processos reflexivos ficasse ligado à maneira de estar no mundo de Tom” (Rose).

Ouvindo e lendo as histórias de cada entrevistado sobre o contato com os processos reflexivos e a obra de Tom Andersen, pudemos compreender quão rica é a história de vida de cada um e o quanto suas experiências nos instigaram e colaboraram para que pensássemos em nossas próprias práticas. A partir do momento em que cada um dos terapeutas entrevistados teve contato com uma equipe reflexiva, trabalharam com esse modelo e criaram meios de continuar com os processos reflexivos na clínica particular, como poderá ser visto a seguir.

2. Convidando outras vozes: novas possibilidades

Trabalhar com os processos reflexivos nos remete a Harlene Anderson (2009; Anderson & Goolishian, 1988) quando diz que somos dotados de várias vozes. Convidar outras vozes aumenta a oferta de ideias, traz novas possibilidades ao cliente, aumenta as oportunidades de novas narrativas e, dessa forma, de novas organizações da experiência vivida. Mas, como ter mais vozes presentes na sessão sem trabalhar com uma equipe reflexiva?

Quando questionada, Luiza respondeu que tinha suas próprias maneiras de ser ela mesma sua equipe de reflexão: convida colegas em sua cabeça, refere-se a outras vozes que vê, lê, ouve, procura compartilhar com o cliente o que tal pessoa diria, e de qual maneira. Deu o exemplo de um cliente músico: “Procuro ver o que o cliente prefere, se for músico, procuro trazer coisas desse meio porque acredito que são de seu mundo, para que se sinta mais próximo”. Portanto, as vozes compartilhadas não se limitam ao mundo da terapia, incluindo também ideias vindas de vários lugares, principalmente do contexto narrado pelo cliente, para que haja familiaridade com o que está sendo dito. Ou seja, de acordo com a proposta de Andersen (2002), espera-se que a reflexão compartilhada apresente ideias não tão familiares que nada acrescentem, nem tão incomum a ponto de não fazerem sentido para o cliente. Luiza considera importante adequar-se ao vocabulário do cliente para que a conversação possa fazer sentido a ele e favorecer a reflexão.

Luiza diz também que uma outra forma de ter mais vozes na sessão é pedindo para que o cliente entreviste pessoas, que converse com amigos sobre seus dilemas, pois, “ideias surgem para essas pessoas. Essa é uma maneira de se ter equipe de reflexão, ainda que não se suceda na terapia, mas na vida das pessoas”.

Com crianças, Luiza vale-se de brincadeiras, de pinturas, brinquedos que queiram trazer de casa, fantoches. “Uso qualquer coisa com as crianças para que digam mais, tenham mais vozes”. Ela também afirma que um dos recursos que mais utiliza é uma luva que tem cinco cabeças diferentes, cada qual representando personagens diferentes que vão variar conforme o atendimento, e cada personagem leva à criança uma ideia diferente.

Pensamos que trabalhar incluindo outras vozes requer uma habilidade que precisa se tornar um hábito na vida do próprio terapeuta, antes da utilização no contexto clínico. Colocar-se no mundo a partir de uma posição reflexiva convida o terapeuta a questionar seus preconceitos, abrir-se para o novo, deixar-se surpreender, postura essa que vai além dos espaços de terapia. Além disso, é necessário que o terapeuta possa refletir, ouvir o que o cliente disse, deixar-se tocar pelo o que ouviu, pensar sobre, antes de compartilhar suas ideias. O tempo que transcorre entre a escuta do cliente e o oferecimento de uma reflexão não precisa ser imediato. Quando damos um tempo para refletir a partir do que ouvimos, novas ideias surgem e mais oportunidades se abrem para serem compartilhadas no sistema terapêutico. Andersen (2002) ressaltou a importância do diálogo interno do terapeuta como parte fundamental dos processos reflexivos.

Rose, da mesma forma que Luiza, ressaltou a importância do ato de refletir do terapeuta, fazendo dele próprio uma espécie de equipe reflexiva. Rose deu o exemplo de um atendimento que estava fazendo com uma mulher: no primeiro encontro, notou que a moça se valia de três vozes internas diferentes, o que não lhe causou espanto, pois tinha para si a ideia de que somos o conjunto de diferentes vozes. Dessa sessão até a seguinte, Rose refletiu durante a semana e notou que, apesar de serem três vozes diferentes, todas se referiam ao não saber se cuidar e expôs sua reflexão à cliente para que essa validasse ou não seu comentário. Mas, o que Rose enfatizou foi a questão do tempo, ter uma semana para refletir é um tempo ótimo para o terapeuta colocar seus pensamentos para fora. Para o terapeuta que trabalha sem equipe, uma pausa entre sentir, pensar e agir amplia suas possibilidades para se valer de processos reflexivos conforme lhe permite incluir outras vozes na próxima conversação. Além dessa pausa de refletir, Rose organiza equipes reflexivas em seu consultório usando os próprios membros da família.

Eu não descrevo ou teorizo nada sobre equipe reflexiva. ... Eu dou uma prancheta... Tinha uma família com três filhos, a filha mais velha, o menino do meio e um menino menor. A mais velha tinha tido problemas na adolescência, pequeníssimo uso de drogas, esteve muito deprimida, enfim... estava saindo desse processo e os pais ficavam muito em cima dela. O menino do meio era o tal, era bom aluno, estava tudo funcionando, mas era arrogante; os pais tinham ideias diferentes a respeito, o que é comum nas famílias que procuram ajuda. E com essa família eu me lembro bem, por exemplo, de dar duas pranchetas para os pais e dizer: “olha, queria conversar com os três filhos, e vocês (os pais) ficarem observando e aquilo que vocês queriam falar, escrevam para falar depois”. E foi muito interessante essa vez, porque eu conversei com os meninos sobre o que não podiam fazer, de que jeito faziam isso ou aquilo, e aí então quando o seu pai faz isso acontece aquilo e tal, e tal. E os pais ficaram ali, escutando. Na hora de passar a palavra para os pais, o pai falou alguma coisinha, a mãe, acho, fez uma perguntinha, e o pai tinha ficado rabiscando o papel dele ... E quando a gente inverteu, conversei com os pais e os três filhos, cada um com sua pranchetinha, levaram super a sério: “quando você falou essa palavra eu queria entender”. ... Isto deu oportunidade de estar na posição de quem ouve, e os filhos levaram muito mais a sério. E depois o pai voltou, quando a gente perguntou o que os pais tinham para falar daquilo que tínhamos conversado, ele falou: “eu estou envergonhado porque eu não levei tão a sério. Eu não fiquei atento, prestando tanta atenção”. (Rose)

Como pode ser visto na sua fala, enquanto ela conversa com as crianças, os pais ficam no papel de escuta, e, depois, enquanto conversa com os pais, os filhos ficam na posição de escuta, e, no final, faz uma conversa com todos, perguntando o que chamou a atenção de cada um, o que os tocou, o que gostariam de comentar. Este exemplo indica o uso da alternância entre as posições de ouvir e falar, convidando também a uma alternância entre diálogos internos e externos dos participantes da sessão (terapeuta e clientes). Tais aspectos constituem-se a ideia central dos processos reflexivos de Tom Andersen (2002), e Rose indica uma forma de utilização destas premissas no cotidiano da prática clínica, sem uma equipe reflexiva composta por profissionais da área. Luiza também faz essa forma de processo reflexivo com os membros da família:

Quando vem uma família, eu prefiro conversar com uma pessoa por vez e convidar os demais a refletirem acerca do que escutaram, é uma série de processos reflexivos. ... Às vezes, eu converso com a mãe e depois tenho uma conversação com o pai acerca do que escutou. Se escutou algo distinto, se tem algo a acrescentar. (Luiza)

Ambas disseram que não precisam teorizar para o cliente sobre o que estão fazendo, ou seja, explicar-lhes o conceito de equipe reflexiva. O convite das terapeutas é colocá-los na posição de escuta para que tenham tempo de ouvir, e pensar antes de dar uma resposta. O exemplo relatado por Rose indica as reflexões feitas pelo pai acerca de suas próprias atitudes quando estava na posição de escuta.

Mas, e quando os clientes são individuais, não uma família ou casal, e não dá para fazer essa troca? Rose e Luiza contaram que costumam convidar um profissional para participar de algumas sessões, como um colega de trabalho, mediador, ou, às vezes, pedem que o próprio cliente traga alguém para sessão – um amigo ou familiar, por exemplo.

Já chamei um colega que é mediador quando eu atendia uma família de quatro pessoas, pai, mãe e dois filhos jovens que todos trabalhavam juntos. Então aparecia muito as coisas do trabalho, de um não fazer e outro não fazer, então eu propus para eles, e o M. (um mediador) esteve em três sessões comigo e focou no flipchart o que cada um ia fazer, quem faz isso e quem faz isso, e quem tem autonomia para isso e quem responde a quem, uma coisa bem focada no fluxo de relações que eles tinham no trabalho. (Rose)

Então, muitas vezes, quando utilizo a equipe reflexiva na prática privada é o cliente que convida pessoas que o acompanham na sessão, como familiares, amigos, ou colegas ou outros profissionais, que de alguma maneira acompanham o cliente à sessão. Eles convidam e assim podemos ter mais vozes na sessão. Outras vezes, tenho colegas ou alunos que nos visitam e nós convidamos a participar da sessão. (Luiza)

Todas essas vozes vindas de diferentes contextos, seja por meio de fantoches, vozes internalizadas do terapeuta, entrevistas com outras pessoas ou uso de membros da família, são diálogos dotados de reflexão mediante um olhar apreciativo com a intenção de ampliar o campo de significados do cliente, sem usar palavras negativas, como afirma Tom Andersen (2002).

Esses diálogos apreciativos também podem acontecer no mundo virtual, pois essas outras vozes da equipe reflexiva não precisam ser, necessariamente, presenciais. Pedro e Maria contaram como trabalham com equipe reflexiva via internet e que podem utilizar esta prática mesmo com as distâncias geográficas.

Costumo pensar que nesse momento assumimos na conversação o papel de ser "a voz que vem por meio da internet" que, apesar de não estar fisicamente presente, ela consegue se relacionar e dialogar com o outro. (Maria)

A ideia de que a distância é um obstáculo para continuar as relações colaborativas, para nós, a distância tem sido convertida em um recurso e temos falado que pode ser uma boa opção, quando terminam os grupos de aprendizados com essas práticas. ... Estamos distantes geograficamente mas os diálogos aproximam nossas relações. (Pedro)

O mais importante nesse processo, que tanto Pedro quanto Maria ressaltou, foi o uso de diálogos reflexivos apreciativos.

O que fazemos são diálogos reflexivos apreciativos. (Pedro)

Sempre apresentando um olhar apreciativo e enfatizando possibilidades. (Maria)

Com esses exemplos, vemos que é possível trabalhar com os processos reflexivos na clínica particular convidando outras vozes, seja pelo próprio terapeuta, ou com uma presença física de outro terapeuta, ou valendo-se dos recursos da internet, convidando uma pessoa que esteja longe geograficamente.

3. Desafios para o uso de processos reflexivos na clínica particular

Trazer os processos reflexivos para a clínica particular com a presença de outros terapeutas, ou convidados, seja pessoalmente ou por meio da internet, tem suas dificuldades. Nem sempre é possível realizar do que jeito que se pretende.

Sobre a questão do que é viável de se realizar com equipe reflexiva, Luiza diz que pagar muitos terapeutas é inviável, e Rose fala que alguns terapeutas optam por cobrar o mesmo valor e partilhar entre eles o valor da sessão – ou seja, ganhar menos do que se trabalhassem individualmente é um meio que encontraram para trabalhar com os processos reflexivos na clínica particular:

Sim, mas é muito difícil, porque é impossível pagar a tantos terapeutas. (Luiza)

Então, na clínica particular, a gente não tem o privilégio de ter uma equipe. ... Algumas pessoas depois da formação continuam trabalhando em dupla, abrindo mão, ganhando metade, porque não vão cobrar em dobro. ... Eu, de vez em chamo uma pessoa e, dependendo da situação, divido com ela ou, simplesmente, posso dar o que ganharia naquele dia, porque eu acho que foi uma consultoria para mim. (Rose)

As duas profissionais, Luiza e Rose, também enfatizaram na entrevista que, às vezes, convidam outros profissionais para ser equipe e não cobram, ou pagam o valor da sessão ao profissional convidado, como o caso citado anteriormente de Rose, quando convidou um mediador para fazer um trabalho pontual e o que ela receberia, pagou a ele. Mas é uma prática não muito comum de acontecer, pois nem sempre os outros profissionais se encontram disponíveis.

Tanto Maria quanto Pedro e Luiza ressaltaram a importância de usar da improvisação e encontrar meios que facilitem e viabilizem o trabalho a ser realizado. Foi assim que chegaram à escolha do Messenger, Whatsapp e E-mail – que estão livres dos problemas de conexão encontrados no Skype, e por não necessitarem de internet no tempo real. Além disso, quando se trata de equipes de reflexão intercontinentais, tais meios resolvem as diferenças de fuso horário, além de poderem ser realizadas de acordo com a disponibilidade de tempo do terapeuta participante.

Uma das profissionais atende uma mulher pelo Skype e quer que nós participemos no momento presente junto por Skype. Eu penso em incluir essa equipe nos meus atendimentos no consultório, mas, como eu e o Pedro, já fizemos isso através do Messenger. Por dois motivos: no meu consultório ainda não tem internet e por acreditar que irá facilitar a conversação pelo Messenger devido à rotina dos demais profissionais e os problemas de conexões como os de hoje. (Maria)

Creio que isto aconteceu para que experimentássemos os benefícios do Facebook. Vimos que o Skype tem inconvenientes e, mais o idioma (Pedro fala espanhol e Maria, português), creio que entendemos mais quando nós lemos o outro idioma do que quando falamos. (Pedro)

Sim, também, às vezes, programamos convidar alguém pelo Skype, isso mais nos últimos anos, e tenho tido equipe reflexiva por E-mail ou por Whatsapp, principalmente quando tem alguma pergunta de um cliente e convido outros profissionais a dar suas ideias. (Luiza)

Para realizar as entrevistas com dois participantes, para efeito dessa investigação, algumas dessas dificuldades citadas pelos entrevistados também ocorreram. Tivemos problemas de conexão com a internet, por isso, a entrevista ocorreu pelo Messenger com Pedro e Maria, como os próprios terapeutas fazem com seus atendimentos, e vimos o quanto funcionou muito bem. A entrevista não foi prejudicada e as respostas foram dadas conforme o tempo livre dos terapeutas, além de aprendermos a nos comunicar em outras línguas. Na entrevista com Luiza também não conseguimos utilizar o recurso do vídeo, somente áudio, por problemas de conexão lenta.

Problemas e imprevistos sempre vão existir, por isso a importância de se trabalhar com vários recursos, estar aberto a diferentes possibilidades para que novas ideias surjam e colaborem tanto para os clientes, quanto para os terapeutas. Se não há a possibilidade se ter uma equipe reflexiva presencial, pode-se ter via internet. Se não se consegue convidar alguém de fora, terapeuta e clientes podem convidar outras vozes para a sessão, imaginando o que tal pessoa, se estivesse presente escutando a conversação, diria. São muitas possibilidades que permitem com que os diálogos aumentem, valendo-se o terapeuta de uma polifonia dialógica.

4. Como os terapeutas convidados veem os atendimentos com e sem equipe

Todas essas novas possibilidades descritas no estudo, sobre realizar processos reflexivos sem uma equipe, ocorreram mediante uma necessidade dos participantes contarem com a riqueza dos processos reflexivos, mesmo quando não tinham uma equipe. Pelo que ouvimos, estão conseguindo. As práticas pós-modernas permitem ao terapeuta ser flexível, deixar sua criatividade atuar, como Luiza disse:

Então, esse é um recurso maravilhoso porque te permite ser o tão flexível quanto se pode ser, sempre dependendo da necessidade e da relação. ... Por isso gosto tanto, me parece bonito, muito enriquecedor para o cliente e também me parece muito enriquecedor para mim, a terapeuta. Porque a mim também me obriga, como terapeuta, a fazer coisas que de outra maneira não faria. ... Sempre estou procurando coisas novas. (Luiza)

Para que o terapeuta consiga pensar em outros modos de se trabalhar com os processos reflexivos e na sua riqueza, ampliando-os para outros contextos não usuais, ele necessita ter vivido essa experiência – deve ter trabalhado com e participado de uma equipe reflexiva, como Rose afirma: “A possibilidade de estar num processo reflexivo no consultório particular tem que ter sido despertada numa experiência como a da formação”. Ao participar desse processo de aprendizagem, o terapeuta aprende sobre as práticas pós-modernas e como se trabalhar com a proposta da equipe reflexiva.

Outro ponto importante que Rose e Luiza ressaltaram é a importância do refletir como um hábito na vida do terapeuta. Quando nós, terapeutas, transformamos a ação de refletir em parte de nossa maneira de estar no mundo, criamos possibilidades de pensar sobre preconceitos, estereótipos e visões de mundo limitantes. Assim, podemos nos colocar em uma relação colaborativa com os clientes, buscando a ampliação de significados de todos os envolvidos (tanto terapeuta quanto clientes).

Por isso gosto muito do trabalho de processos reflexivos, mais do que de equipes reflexivas, e mesmo de processos de reflexão, para enfatizar a ação de refletir. ... Não gosto de falar de equipe reflexiva, porque só me aponta uma técnica, gosto mais de falar de ato de refletir. Um convite a dizer as ideias que passaram por sua cabeça quando escutava a pessoa falando sobre o seu dilema. (Luiza)

Então... acho que processos reflexivos, o uso da palavra processos reflexivos, claro que para todo mundo está ligado a Tom Andersen, mas para mim está absolutamente ligado à maneira de estar no mundo de Tom Andersen, né? (Rose)

Ter a reflexão, e não a solução para a vida do cliente, é o que compete ao trabalho do terapeuta. É sinônimo de terapia e de encontros transformadores, como Rose nos contou na entrevista. O transformador é quando a pessoa pensa em algo que ela não tinha pensado antes. Como afirma Tom Andersen (2002): um incomum, mas não tão incomum, a ponto de promover reflexão e favorecer mudanças, ao invés de dar diretrizes de como o cliente deve fazer, ou dizer algo que não vá fazer sentido para sua vida. Mudar a situação concreta de vida do cliente não é possível para o terapeuta, mas fazê-lo refletir, sim.

É uma ampliação, uma possibilidade de mudança de significado que é o que a gente busca e o que a gente pode fazer numa terapia. ... O que a gente pode colaborar é para a criação de novos sentidos, a transformação de alguns sentidos que facilitem e que ampliem a maneira dela, da própria pessoa, lidar com sua vida. (Rose)

A partir do momento em que a reflexão se torna um hábito, novos caminhos surgem, sendo possível, então, trabalhar com os processos reflexivos na clínica particular, convidando outras vozes ou valendo-se dos recursos da internet. Assim, podemos dizer que trabalhar com processos reflexivos é uma escolha do terapeuta; obviamente cada uma dessas condições caracteriza distintos contextos terapêuticos nos que diz respeito às ressonâncias possíveis e a inclusão de sentidos emergentes. Contudo, todos os entrevistados consideraram que ter o privilégio de se trabalhar com uma equipe junto é fantástico, pois novas ideias surgem para além das vozes do terapeuta e cliente(s), como Rose disse: “Quando há equipe tem mais ideias, quando não há equipe nos limitamos às ideias que temos, o cliente e eu. ... Posso trabalhar sem equipe sem nenhum problema, mas quando há a oportunidade para incluí-la, há mais riqueza”.

Porém, quando não se tem o privilégio de trabalhar com uma equipe de reflexão presencial, pode-se criar outros meios e a experiência ser rica também, como no caso de Pedro e Maria, que fazem equipe on-line e nem por isso sentem que estão numa prática solitária, além de considerarem o quanto têm ajudado nos seus atendimentos e como os clientes gostam quando alguém de fora diz sobre o que lhe tocou, ou apresentam suas ideias a partir de alguma pergunta que fizeram. É importante ressaltar que a reflexão se dará mediante o que o terapeuta compartilhar sobre sua conversa com o cliente, e não diretamente sobre o que foi presenciado no diálogo entre clientes e terapeuta. Todavia, ambas as formas são ricas e colaboram para o atendimento, como Maria disse:

Como eu já havia participado de alguns atendimentos do Pedro e estava sendo uma experiência muito rica e que eu percebia que ampliava as barreiras da conversação, eu pensei nos casos que eu estava atendendo e escolhi o de um adolescente para propor a participação do Pedro e ele aceitou. ... No caso do adolescente que eu atendia, oferecer a voz do Pedro em nossa conversação, favoreceu conversarmos sobre assuntos nunca antes conversados. A primeira pergunta que o adolescente fez foi algo que não tinha a ver com o seu dilema, mas que estava totalmente ligado com as possibilidades que ele estava começando a ver para a sua vida. Me pareceu que ele se sentiu valorizado em ouvir palavras de um outro profissional, de um outro país e o estimulou a pensar em outras partes de sua história. ... Eu e o Pedro não nos sentimos sozinhos em nossos atendimentos, pois sabemos que somos parceiros conversacionais. Juntos estamos sempre conversando sobre nossas práticas e aprendendo como ampliá-las cada dia mais em busca de promover diálogos transformadores com as pessoas. (Maria)

Fazer com que novos diálogos surjam, para que novas ideias brotem e novos modos de pensar germinem, favorece a mudança na vida do cliente, mesmo que essas ressonâncias levem um tempo para aparecer. Isso se torna possível quando se amplia as vozes. Portanto, ter ou não uma equipe reflexiva não é fator determinante para um trabalho terapêutico, pois ambos são igualmente enriquecedores. Contudo, criar o hábito de refletir é uma experiência para se trabalhar com os processos reflexivos ao longo tempo, na trajetória pessoal e profissional do terapeuta, favorecendo a criação de diálogos transformadores.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Falar de processos reflexivos é falar de um modo de ser, de um hábito que precisa ser criado pelos terapeutas para se trabalhar de uma maneira mais colaborativa com as histórias narradas pelos clientes, ao internalizar o que é dito e pensar antes de dar uma resposta.

Por meio das entrevistas junto às práticas pós-modernas, podemos entender que equipe reflexiva é apenas um meio de se trabalhar com os processos de reflexão. Uma prática muita conhecida e de muita riqueza que permite que terapeutas e clientes e equipe compartilhem significados que possam favorecer a construção de narrativas mais libertadoras e ampliar possibilidades para os clientes. Isso porque a colaboração como uma filosofia de vida faz parte dos processos dialógicos, não havendo, portanto, a intenção de influenciar deliberadamente os clientes e de concluir por eles e/ou diagnosticar problemas ou pessoas. Ao nos envolvermos em processos reflexivos, não mudamos a condição concreta de vida do cliente, mas, por meio da reflexão, podemos contribuir para transformar significados que podem facilitar e/ou ampliar possibilidades de o cliente lidar com a sua vida e suas dificuldades.

Ressaltamos, então, que a equipe reflexiva é apenas um meio de praticar a reflexão. O próprio autor (Andersen, 2002) mudou o nome desse recurso para processos reflexivos, ao perceber que o termo “equipe reflexiva” limitava a apenas uma possibilidade deste tipo de trabalho. Com esta variedade criativa de desenvolvermos processos reflexivos, expandimos os horizontes para além dos contextos de formação de terapeutas familiares, como o próprio autor sugeriu.

A partir do momento em que o terapeuta entra em contato com esse tipo de trabalho e tem o privilégio de experienciar a participação de uma equipe reflexiva, pode abrir possibilidades para novos meios de praticar a reflexão em seu atendimento, além do originalmente proposto por Andersen (2002). Esta nossa investigação ilustrou formas criativas e possíveis de ampliar os limites da prática clínica privada para terapeutas sensíveis a esse modelo. O Skype, Messenger, E-mail e Whatsapp permitiram ir além das dimensões de tempo real da sessão e da presença física de observadores participantes. Formas criativas permitiram povoar a conversação terapêutica com vozes de equipes de reflexão disponíveis para uma escuta aberta, deixando-se tocar pelo o que viram, ouviram ou leram.

Somos pessoas formadas por múltiplos selves, narradores de muitas histórias, e convidar outras vozes é ampliar as possibilidades de sentido, gerando alternativas de compreensão dos dilemas da vida e das formas construtivas de fazer frente a eles. São muitas as possibilidades de se trabalhar com os processos reflexivos como pôde ser visto. Num processo terapêutico pós-moderno, o que importa é criar contextos que possam fazer surgir novidades que não teriam sido possíveis de outra forma, conforme Anderson (2009) ressalta. A criatividade dos terapeutas pode, assim, vencer o isolamento de que tanto se ressentem os que trabalham sozinhos nas clínicas privadas.

Trabalhar com os processos reflexivos fora dos contextos de formação de terapeutas familiares e casal, ou seja, no consultório particular, é possível, mas, mais importante que isso, e, para que o trabalho ocorra da melhor forma possível, é preciso que o terapeuta tenha o hábito de refletir. Processos reflexivos só são possíveis a partir do ato de refletir, de uma postura colaborativa e da prática do diálogo.


Referências

Andersen, T. (2002). Processos reflexivos (R. M. Bergallo, Trad., 2ª ed.). Rio de Janeiro: Instituto NOOS; ITF.         [ Links ]

Anderson, H. (2009). Conversação, linguagem e possibilidades: um enfoque pós-moderno da terapia. (M. G. Armando, Trad.). São Paulo: Roca.         [ Links ]

Anderson, H. & Goolishian, R. (1988). Human systems as linguistic system: preliminary and evolving ideias about the implications for clinical theory. Family Process, 27, 371-393.         [ Links ]

Capra, F. (1982). O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. (A. Cabral, Trad.). São Paulo: Cultrix.         [ Links ]

Friedman, S. (1995). The refleting team in action: collaborative practice in family therapy. New York: The Guilford Press.         [ Links ]

Friedman, S. (2005). Terapia familiar con equipo de reflexión – Una práctica de colaboración. Madri: Amarrortu.

Grandesso, M. (2011). Sobre a reconstrução do significado: uma análise epistemológica e hermenêutica da prática clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Guanaes, C. & Japur, M. (2008). Contribuições da poética social à pesquisa em psicoterapia de grupo [Versão eletrônica]. Revista Estudos Psicológicos, 13(2), 117-124.         [ Links ]

White, M. (2012). Mapas da prática narrativa. (A. Migliavaca, Trad.). Porto Alegre: Pacartes.         [ Links ]


Recebido em: 13/03/2017
Aprovado em: 15/06/2017

1 Os nomes são fictícios para que os participantes não sejam identificados.

I Mayara Schinch Labs, Psicóloga pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e especialista em Terapia Familiar de Casal pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Núcleo de Família e Comunidade da PUC-São Paulo (NUFAC), São Paulo. E-mail: mayaralabs@hotmail.com

II Marilene Grandesso, Doutora em Psicologia Clínica, especialista em Terapia Família e de Casal, coordenadora do Certificado Internacional em Práticas Colaborativas e Dialógicas pelo INTERFACI. Professora e supervisora do curso de Terapia Familiar e de Casal da PUC-SP. E-mail: mgrandesso@uol.com.br

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