SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.27 issue60O cotidiano das relações amorosas - entre desafios e amadurecimentos author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Nova Perspectiva Sistêmica

Print version ISSN 0104-7841On-line version ISSN 2594-4363

Nova perspect. sist. vol.27 no.60 São Paulo Jan./Apr. 2018

 

FAMÍLIA E COMUNIDADE EM FOCO

 

Revisitando a IV Jornada Paulista de Psicologia em Reprodução Assistida

 

Neusa Ivete Geromel BorsoiI

 


 

 

Ao participar da Jornada realizada em 02 de dezembro de 2017, na cidade de São Paulo, pela Sociedade Paulista de Medicina Reprodutiva, fui alimentada por saberes que me instigaram a olhar o quanto a fecundidade humana transcende o biológico ao atender a uma rede de crenças e desejos pessoais e socioculturais. 

Desde os primórdios da história, os aspectos relacionados à infertilidade e à reprodução foram preocupações do ser humano. Numa passagem bíblica, Sara, mulher de Abraão, ao perceber que não podia conceber, aconselha o marido a ter um filho com uma de suas escravas.

Ao longo do tempo, muitas pesquisas científicas sobre a infertilidade aconteceram, mas só em julho de 1978, fruto da técnica de fertilização in vitro, nasce Joy Brown, num hospital da Inglaterra. Atualmente estudos apontam que o projeto parental é universal e que apenas uma parcela de 5% opta por não ter filhos.

A tendência da mulher moderna em postergar a maternidade em detrimento da realização profissional pode ser o principal fator de risco para a infertilidade. Há, ainda, porém, outros importantes fatores de risco a serem considerados: uma vida sexual iniciada precocemente e sem maturidade, os hábitos de vida sedentários, a obesidade, o tabagismo, o consumo excessivo de álcool e o uso de drogas ilícitas. Na mulher os problemas relacionados com disfunção ovariana exercem papel preponderante na gênese da infertilidade.  
Vale observar que o congelamento de oócitos (células germinativas femininas) ainda é técnica considerada de caráter experimental.

Como Terapeuta de Casal e Família, tenho me deparado com novas construções familiares fruto do pluralismo das relações afetivas: casais advindos de separações em novos casamentos, casais constituídos por indivíduos de mesmo sexo/gênero e por indivíduos que isoladamente desejam assumir a monoparentalidade. A citação abaixo reconhece que essas novas construções familiares são fatos consumados.

A evolução do conhecimento científico – somado ao fenômeno da globalização, ao declínio do patriarcalismo e à redivisão sexual do trabalho – fez uma grande transformação da família, especialmente a partir da segunda metade do século passado. Como será a família desse novo século (...)? Não é necessário mais sexo para reprodução, e o casamento legítimo não é mais a única maneira de se legitimar as relações sexuais (...). Afora a nostalgia de que a família na qual cada um de nós foi criado é a melhor, sua travessia para o novo milênio se faz em um barco que está transportando valores totalmente diferentes, como é natural dos fenômenos de virada de século. A travessia nos deixa atônitos, mas traz consigo um valor que é uma conquista, ou seja, a família não é mais essencialmente um núcleo econômico e de reprodução em que sempre esteve instalada a suposta superioridade masculina. Nessa travessia, carregamos a “boa nova” de que ela passou a ser muito mais o espaço para o desenvolvimento do companheirismo, do amor e, acima de tudo, embora sempre tenha sido assim, e será, o núcleo formador da pessoa e fundante do sujeito. (Pereira 2003, apud Abrahão, 2003 in Melamed, Seger, Borges, 2009)

Na IV Jornada Paulista de Psicologia em Reprodução Assistida os temas apresentados, sem a pretensão de esgotar o assunto, foram abrangentes e abordaram um conjunto de técnicas com seus prós e contras, que visam à reprodução humana e à importância do trabalho psíquico com as pessoas que procuram a RA. Dentre os temas apresentados, em quatro mesas denominadas: Formas Abrangentes do Trabalho do Psicólogo em RA, Novas Formas de Parentalidade, Utilização de Material de Terceiros e Impasses em RA, tenho a oportunidade de deixar registrado, em Família e Comunidade em Foco, falas que me afetaram e enriqueceram minha escuta terapêutica: 

- Preservação da fertilidade em tratamentos de câncer (Ana Rosa Detilio)

O câncer e a infertilidade mobilizam emoções e necessitam de ajustes que tangem questões primitivas, sociais, éticas e religiosas. As necessidades individuais da mãe devem ser respeitadas e consideradas na vida futura dela, com a preservação da fertilidade através da criopreservação de espermatozoides, óvulos e embriões.

- Aspectos emocionais da gestação pós-tratamento RA (Julieta Quayle)

Pesquisas apontam que após o 4º mês de gestação e no período pós-parto o índice de depressão é mais incidente com mulheres de idade mais avançada. Um quadro depressivo também pode ser diagnosticado entre 2 a 12 meses após o nascimento da criança, especialmente em casos de gêmeos e trigêmeos, considerando a demanda, não fácil, que nessa idade as crianças solicitam.

- O papel da psicoeducação em RA (Liliana Seger)

Todos os pacientes precisam de terapia. Quando existe um trabalho multidisciplinar, uma equipe que aponta a necessidade de um suporte psicológico, os pacientes são encorajados para falar de suas emoções e sentimentos quanto à infertilidade e de suas preocupações com o enfrentamento de RA. Sentir-se-ão acolhidos desde o momento do diagnóstico das possíveis causas da infertilidade, por todo o processo de RA e, principalmente, nos momentos críticos do tratamento. 

- O casal homoafetivo no contexto de RA – vivências emocionais (Helena Prado)

Hoje não podemos nos distanciar dos casais homoafetivos e do desejo deles de terem filhos. Quando decidem ter filhos, observar: para quem o filho? Por que o filho? Isso envolve terceiros? (um óvulo, um sêmen, um empréstimo de útero). 

O psicólogo precisa se livrar de seus preconceitos e aceitar esse casal como casal, considerando tratar-se de uma configuração familiar que traz questões singulares, sem perder de vista que o amor desse casal é o bem-estar dos filhos.  

- Coparentalidade – os novos arranjos para se ter um filho (Luciana Leis)  

Como ponto de reflexão: se a formação da subjetividade necessita, para se constituir, de alguém que represente a lei e na coparentalidade, “o casal” assume, em contrato, o compromisso de cumprir as responsabilidades de pai e mãe, porém, com vidas completamente separadas, tendo em comum apenas a obrigação de cuidar desta criança para sempre, quem ocupará este lugar? 

- Reprodução independente e suas questões (Cássia Avelar)

Hoje nos deparamos com uma nova forma de monoparentalidade: mulheres que recorrem à RA para constituir seu núcleo familiar, sem laço afetivo ou de qualquer outra ordem com o potencial genitor. 

Vera Laconelli (coordenadora da mesa) oferece para reflexão: como cada um de nós é atravessado pelo nosso preconceito considerando a própria singularidade e a da paciente? Enfatiza que o tempo é um forte aliado do psicólogo e do médico para este momento da cultura social.  

- Prós e contras da epigenética no trabalho psicológico junto a ovoreceptoras (Helena Montagnini) 

Epigenética – efeitos do ambiente uterino na expressão do código genético que será herdado pelas próximas gerações, sem alteração da sequência do DNA.

Mulheres que necessitam de óvulos de outra mulher para ter um filho, pela perda ou diminuição da capacidade reprodutiva, precisam ser cuidadas no âmbito pessoal, conjugal, familiar e social. Ser acompanhadas em trabalho psíquico no processo de elaboração e aceitação da impossibilidade de ter um filho com a própria genética e no processo de decisão e aceitação da ovodoação.

A IV Jornada auxiliou minha escuta profissional ao construir saberes básicos de uma área de conhecimento que considerava distante da minha, desmistificar rígidos conceitos sociais de maternidade, paternidade e família e perceber o quanto o acompanhamento terapêutico é necessário por todo o processo do Tratamento de Reprodução Assistida.


Referências

Abrahão, I.G. (2003) A família monoparental formada por mães sozinhas por opção através da utilização de técnicas de inseminação artificial no ordenamento jurídico brasileiro. Monografia apresentada ao curso de graduação da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. 

Melamed, R., Seger, L., Borges Jr, E. (2009) Psicologia e reprodução humana assistida. São Paulo: Santos.

I Pedagoga, psicopedagoga, terapeuta de Casal e Família, sócia e terapeuta da empresa Borsoi Desenvolvimento Pessoal e Empresarial, supervisora e membro da equipe do Núcleo do Saber. E-mail: neusaivete@yahoo.com.br

Creative Commons License