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Nova Perspectiva Sistêmica

versão impressa ISSN 0104-7841versão On-line ISSN 2594-4363

Nova perspect. sist. vol.29 no.67 São Paulo maio/ago. 2020

 

CONVERSANDO COM A MÍDIA

 

Iniciando o diálogo - A entrevista

 

 

Entrevista com Pedro MartinsI e Marina ArantesI Por Adriano BeirasII

IUniversidade Federal de Uberlândia/MG, Brasil
IIUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, Brasil

 

 

Nossas práticas de ensino e aprendizagem sobre o fazer terapêutico contemporaneamente já não se restringem mais ao cotidiano de cursos presenciais, integram também experiências digitais a partir do Instagram, de newsletter, livro digital gratuito e curso on-line. Nesta edição da seção Conversando com a Mídia, trazemos a nossos leitores e leitoras uma entrevista onde se apresenta o relato de experiência de criação e produção do curso online Intervenções Terapêuticas, criado e ministrado por Pedro Martins e Marina Arantes. Ambos também autores do livro, de distribuição gratuita on-line, chamado "Como ser um bom terapeuta? Uma conversa honesta sobre a prática clínica", publicado em 2020.

Link para o curso online e livro digital em pdf livre: http://www.intervencoesterapeuticas.com.br/home
Página do Instagram: @intervencoes.terapeuticas

Adriano Beiras
Coordenador Editorial
Nova Perspectiva Sistêmica

 

1. Como surgiu a ideia do projeto Intervenções Terapêuticas? E do livro "Como ser um bom terapeuta"?

Pedro: Antes de qualquer projeto existir, nós dois sabíamos que tínhamos dois grandes interesses em comum. O primeiro era divulgar a noção da terapia como construção social e os pressupostos construcionistas que sustentam essa prática. O segundo, promover contextos de interlocução e de formação que valorizassem tanto a prática quanto a teoria. Esses interesses deram liga à nossa relação desde o primeiro encontro, e mais tarde nos inspiraram a criar o Intervenções Terapêuticas. Nós trilhamos caminhos muito diferentes na Psicologia, tanto na graduação quanto depois de formados, e ainda assim sentíamos falta das mesmas coisas: de um colega de trabalho que garantisse boas conversas sobre o dia a dia na clínica, de um contexto de estudo compartilhado sobre construcionismo social, e da possibilidade de continuar fazendo parte desta comunidade teórica mesmo fora da academia. Pensando que outras pessoas talvez sentissem o mesmo, começamos a nos organizar para oferecer aquilo que fazíamos entre nós também para outros terapeutas. Achávamos muito importante essa interlocução sobre como prática e teoria se encontravam no nosso dia a dia de trabalho; com esse intuito, desenvolvemos um curso presencial, chamado "Construcionismo Social na Prática". E, a partir da experiência com o curso presencial, notamos que muitos profissionais, a maioria deles recém-formados, chegavam se sentindo inseguros quanto à sua atuação e trazendo perguntas básicas sobre o exercício do terapeuta. Eles queriam saber desde como conseguir os primeiros clientes, até como negociar valores e contratos com eles. Se nem estas dúvidas primárias estavam esclarecidas, imagina como seria difícil lidar com essa parte prática do nosso trabalho e ainda oferecer um atendimento clínico de qualidade...

Marina: Então, esses terapeutas recém-formados foram os que primeiro nos inspiraram a começar a caminhar com a ideia do Intervenções. Mas, ao mesmo tempo, também ouvíamos terapeutas mais experientes - tanto os construcionistas sociais quanto aqueles que estudam outras abordagens - nos dizerem: "vocês falam sobre coisas de um jeito que eu não tinha pensado antes, e que fazem muito sentido na minha prática. Quero saber mais sobre isso!". Então o projeto Intervenções Terapêuticas foi uma forma de apostar em produzir conhecimento sério sobre o trabalho do terapeuta, porém em uma linguagem descomplicada. Nosso intuito é conversar tanto com profissionais recém-formados, quanto com aqueles que já têm uma carreira consolidada, mas que seguem interessados em continuar estudando. Nós fazemos isso por meio de diferentes ações de caráter formativo, por assim dizer. O livro foi a primeira delas (Martins & Arantes, 2020a). Pensamos que seria útil escrever da forma mais honesta possível sobre algumas situações reais que vivíamos no nosso cotidiano de trabalho - por isso o nosso subtítulo é "uma conversa honesta sobre a prática clínica". Nomeamos oito tensões que fazem parte do dia a dia de qualquer terapeuta, mas, por algum motivo, ninguém fala a respeito... E foi dito e feito! Recebemos feedbacks positivos tanto de terapeutas recém-formados, dizendo que a leitura do livro foi muito útil no sentido de responder às angústias que sentiam no início da carreira, quanto de colegas de trabalho experientes contando que se reconheceram nas nossas histórias.

 

2. Contem-nos um pouco da trajetória de vocês como terapeutas.

Pedro: Eu me formei em Psicologia, na Universidade Federal de Uberlândia, dez anos atrás, sabendo que era apaixonado por duas coisas: estudar e a prática clínica. Naquele momento, eu não queria abrir mão de nenhuma delas e quis tomar um caminho em que pudesse articular essas duas paixões. Eu tive a sorte de fazer iniciação científica com o Prof. Emerson Rasera, estudando terapia focada na solução, grupos e construcionismo social. Eu li toda a obra do Steve de Shazer e isso me deu uma dimensão de que aquela forma de terapia foi se desenvolvendo e sustentando teoricamente a partir de muita prática, desse trânsito entre as duas coisas (Martins, Santos e Rasera, 2013; Rasera & Martins, 2013). Ao mesmo tempo, eu via o Emerson, que tem um jeitão superacadêmico, mas sabia conduzir uma sala de aula e um grupo de uma maneira que eu nunca tinha visto igual! Essa condução era muito coerente com o que eu estava aprendendo sobre construcionismo social. Eu vi ali na prática que não era só possível, mas também era necessário que teoria e prática caminhassem juntas. Foi por isso que eu decidi continuar estudando a prática terapêutica. Eu fiz Mestrado e Doutorado na USP de Ribeirão Preto, com a Profa. Carla Guanaes-Lorenzi. Outra sorte que tive na vida foi esse encontro! A Carla tem uma reflexão teórica tão fina e elegante... E, ao vê-la conversando com as pessoas, você fica completamente encantado com a sensibilidade dela. De novo, eu estava ali, cara a cara com teoria e prática unidas. E esse encontro ainda me possibilitou o privilégio de produzir pesquisa em um contexto de prática muito rico, que era o programa de atendimento às famílias do hospital-dia de psiquiatria.

Eu estava lá toda semana, atendia as famílias, conversava com a equipe, participava da interlocução (Martins & Guanaes-Lorenzi, 2016). Enquanto isso, sentava na biblioteca e estudava sem parar... Gostava muito de aprender sobre processos de mudança. Como a conversa produzia mudanças? No Doutorado, eu quis gravar horas e horas de sessões clínicas reais com essas famílias. Eu nunca esqueço, foram 1200 páginas de transcrição! Mas... eu amava a chance de ouvir como os profissionais conduziam suas intervenções junto às famílias que atendiam e, a partir daí, analisar quais eram os efeitos dessas intervenções (Martins, McNamee & Guanaes-Lorenzi, 2017). Toda vez que estou em atendimento, é como se eu estivesse transcrevendo a sessão na minha cabeça enquanto converso. Fico pensando: por que estou falando isso? De onde vem essa minha intervenção? Qual foi o efeito disso que eu fiz no andamento da conversa? Enquanto me formava no Doutorado, eu me dei conta de que queria continuar na prática e continuar produzindo conhecimento. Então, a clínica, pra mim, tem sempre esse caráter de um contexto de pesquisa - não no sentido de analisar as pessoas - mas no sentido de entender que esses encontros são muito potentes tanto ali, para quem está conversando na hora, mas, também, para me ajudar a aprender e, depois, ensinar como nós, profissionais, podemos fazer ações úteis e transformadoras na clínica. Estar na prática todos os dias me coloca para pensar sobre coisas que, vendo de fora, eu jamais poderia imaginar. É lindo demais!

Marina: Bom, já eu... na primeira aula da nossa Semana do Terapeuta, eu "confessei" que fui uma péssima aluna na Graduação... e é verdade! Eu não via muito sentido nas teorias que nós tradicionalmente estudamos no curso de Psicologia. Foi só no último ano de faculdade, quando, a partir dos estágios, eu senti na pele o que era ser psicóloga, que eu comecei a transformar o meu olhar para a Psicologia enquanto ciência e profissão. Eu me inscrevi em estágios que estavam voltados para contextos coletivos: escolas, ONGs e organizações. A minha primeira experiência como terapeuta, ainda estagiária, foi enquanto acompanhante terapêutica de um morador de rua, paciente de uma instituição de saúde mental da cidade, em um contexto de clínica ampliada. Olhando para trás, eu vejo o quanto estas primeiras experiências como psicóloga e terapeuta foram significativas na minha busca por estudar teorias que me ajudassem não só a dar sentido para a complexidade que eu vivia nestes contextos, mas também me oferecendo recursos terapêuticos úteis e eticamente responsáveis que eu pudesse levar para a prática. Foi assim que eu me interessei, ainda na Graduação, pelo construcionismo social, que é a base teórica que inspira todo o meu trabalho desde então. Dá para perceber que nossos caminhos foram bem diferentes. Porque, de fato, só me encontrei e me encantei pela Psicologia quando vivi ela na prática. E por isso, assim que eu me formei, já comecei a trabalhar na clínica como terapeuta e como psicóloga comunitária em uma ONG aqui de Uberlândia. E nessa hora, tendo que lidar sozinha com as múltiplas questões que envolvem o nosso trabalho, o bicho da responsabilidade pegou! Para me sentir mais segura neste novo contexto, passei a investir mais tempo e energia nos meus estudos. Fiz o curso de Mediação de Conflitos no Instituto Conversações de Ribeirão Preto. Algum tempo depois, eu e outras três mediadoras de conflito, também formadas pelo Conversações, fundamos em Uberlândia o Instituto Verso, que oferecia atendimento e formação em mediação de conflitos para a população. Também desenvolvi um projeto em atendimento a grupos de pessoas socialmente vulneráveis em parceria com minha professora e amiga querida Paula Rezende, da Universidade Federal de Uberlândia.

 

3. Para que público ele se direciona e por quê?

Marina: Nós buscamos conversar com terapeutas que querem fazer da clínica o seu contexto principal de trabalho. Toda boa conversa sobre terapia nos interessa, mas, estamos especialmente interessados em falar com aqueles que estão no início da carreira. Isso porque percebemos - pelas nossas próprias histórias e também pelo contato que temos com tantos colegas de profissão - que, ao mesmo tempo em que existe muito desejo de fazer da clínica uma profissão, existem também muitas inseguranças e barreiras por parte desses profissionais mais jovens com relação a essa possibilidade. Essas inseguranças são de diferentes ordens, desde a responsabilidade do cuidado com as pessoas, passando pelas dificuldades em colocar as teorias em prática, até as questões concretas do cotidiano, que dizem respeito a como conseguir clientes e cobrar, por exemplo. Ou seja, acho que nós estamos tentando falar com essas pessoas sobre teoria e prática juntas, mas também sobre como lidar com as particularidades da clínica no cotidiano, na vida real, que é algo que não é muito comum de ser abordado nas formações.

 

4. Quais principais necessidades que vocês percebem para terapeutas iniciantes?

Marina: Percebemos que os terapeutas iniciantes enxergam a clínica como um ofício do qual é possível fazer uma vida, mas se sentem muito inseguros com essa ideia, especialmente pela instabilidade inicial da profissão e pelas coisas que ouvem de profissionais já formados e até de seus professores ao longo da Graduação. Então apostamos que a primeira e talvez mais importante necessidade destes terapeutas seja a construção da sua segurança profissional.

Pedro: A partir das histórias que vivemos individualmente nas nossas clínicas, e da experiência que tivemos como formadores de terapeutas, entendemos que algumas coisas são fundamentais na construção dessa segurança: a interlocução constante com a teoria que baseia a sua prática, por meio de cursos e supervisão; a inserção em grupos de profissionais que os ajudem a refletir sobre sua prática; começar a olhar para a clínica como um empreendimento, que exige conhecimentos básicos também de outras áreas como Marketing e Administração; apropriar-se da profissão entendendo as suas especificidades, regras e código de ética; por fim, se apropriar da postura e do pensamento clínico-interventivo, de forma que este o acompanhe para além das especificidades do setting e de intervenções específicas. É essa a nossa proposta com o curso on-line.

 

5. Quais os principais recursos que vocês buscam aportar no projeto?

Marina: O projeto como um todo é composto por diferentes ações que vão surgindo a partir do que conversamos com as pessoas, do que está acontecendo no mundo naquele momento e também do que nós mesmos estamos a fim de falar! A ideia é que pessoas com necessidades diversas possam se beneficiar do projeto de jeitos diferentes - em muitos níveis, por assim dizer - de acordo com o quanto sintam necessidade e tenham disponibilidade de mergulharem e estarem junto com a gente. A nossa newsletter (na qual a pessoa se inscreve acessando nosso site www.intervencoesterapeuticas.com.br/home) e a página do Instagram (@intervencoes.terapeuticas) são o que fazemos cotidianamente. Toda semana, pelo menos duas ou três vezes, postamos vários conteúdos mais simples de coisas que têm chamado nossa atenção. Geralmente, são pequenas reflexões sobre a prática, dicas de leitura ou até mesmo anúncio de eventos. Temos experimentado também fazer algumas "lives", que são conversas temáticas com horário marcado. As pessoas assistem, participam, perguntam e, para nós, é algo que não dá tanto trabalho assim. Basicamente é uma conversa que faríamos entre nós de forma menos sistematizada pelo WhatsApp, só que a gente abre a câmera e deixa as pessoas assistirem. Acaba sendo uma forma de processo reflexivo ampliada. Com a pandemia e o isolamento social, por exemplo, pensamos que o acesso que tínhamos a esses terapeutas cheios de gás poderia produzir uma contribuição naquele momento. Então, pedimos nas nossas redes sociais que as pessoas nos enviassem recursos terapêuticos que estavam utilizando com seus clientes para lidar com essas questões. Das respostas - foram 25, se não me engano - nós criamos algumas categorias e produzimos um documento coletivo, que disponibilizamos para quem quisesse acessar (Martins & Arantes, 2020b). Nós mesmos acabamos aprendendo muitos recursos novos com o processo. A ideia do projeto é essa: manter a conversa em andamento.

Pedro: Além dessas coisas, de forma mais estruturada, nós acabamos lançando também a "Semana do Terapeuta", que foi um evento on-line gratuito, no qual disponibilizamos três aulas gravadas, ao longo de uma semana, para as pessoas acompanharem. E para quem quer aprender mais, quem quer estudar de forma estruturada com a gente, temos o curso on-line Intervenções Terapêuticas, que é o nosso xodó. Partimos das premissas da terapia como construção social para estruturar um conteúdo programático que ampliasse a noção sobre o que é terapia e o que são recursos terapêuticos. Começamos em um módulo mais teórico, indo direto ao ponto, que é destrinchar de forma objetiva o que entendemos que é terapia, problema, mudança, pessoa e intervenções terapêuticas. Depois, focamos nas diferenças entre intervenções focadas em conteúdo e processo. Apresentamos recursos advindos de muitas formas de terapia específicas, já que o articulador central é a ideia da terapia como contexto de produção de sentidos. Então, nós apresentamos no curso os recursos que utilizamos nas sessões reais. A prática informou os recortes que fizemos da teoria.

As aulas gravadas são uma mistura de nós dois falando com a câmera explicando conceitos e intercalando isso com trechos de sessões reais que gravamos para o curso. A ideia é mostrar nas sessões, ali, na prática, como aqueles conceitos informam conversas terapêuticas reais. As aulas são curtas, têm em média 8 minutos cada uma mas, para aprender, precisa assistir algumas vezes. Além de ler os textos organizados na bibliografia! Não tem fórmula mágica: para ser um bom terapeuta, tem que ler muito! Como disse um dos nossos alunos: "vocês fizeram de um jeito que não deixa opção: ou aprende ou aprende". Esse tipo de retorno nos deixa muito felizes porque nosso objetivo é que o aluno se sinta seguro o suficiente pelas bases do curso, mas, também, livre o suficiente para imprimir o seu próprio jeito de ser terapeuta em cada intervenção. Outra coisa legal do curso é a nossa ideia de que ele sirva como base para formação de comunidades de prática também. Digo "comunidade" no sentido de que as pessoas se vejam como parte de algo, com pertencimento. Então, para os alunos, nós temos alguns encontros pelo Zoom ao longo do ano, no qual criamos um contexto de aprendizagem a partir da discussão das dúvidas e questões que eles mesmos trazem. É um jeito de pessoas de diferentes contextos estarem em contato, e isso tem sido uma das partes mais legais da experiência.

 

6. O que é um bom terapeuta na visão de vocês?

Marina: Quando sentamos para pensar o argumento central do livro, essa foi a primeira coisa que conversamos: o que a gente acha que ali, na raiz da questão, caracteriza um bom terapeuta? Tínhamos um senso claro de que isso teria a ver com o diálogo, já que é isso que caracteriza essa profissão. Daí veio um dos nossos bordões: "Terapia é conversa. Mas nem toda conversa é terapêutica". Então, a próxima pergunta foi: o que caracteriza um bom diálogo? Nós adotamos inteiramente a noção de diálogo como prática de tensão. Esse é inclusive o epílogo do livro, que diz assim: "A tensão fundamental, em nossa experiência, é entre deixar o outro acontecer para mim e me manter no meu próprio lugar Essa tensão caracteriza o diálogo em todo contexto no qual já o experimentamos" (Stewart & Zediker, 2000). Respondendo à pergunta, então, um bom terapeuta é um profissional capaz de criar e sustentar níveis de tensão adequados na conversa com os clientes.

Pedro: Dá para explicar isso falando do [Gregory] Bateson (1972) também! Quando ele fala sobre "diferença que faz diferença", ou da "diferença adequadamente incomum". Se o terapeuta é alguém que chega querendo impor a sua própria verdade, como o especialista da vida do outro, isso é diferente demais. É um nível de tensão que não faz a relação caminhar. É inclusive violento e colonizador, dependendo da história. Mas, também, não pode ser o outro extremo, um terapeuta que simplesmente segue a história do cliente porque aí, por melhor ouvinte que ele seja, não se cria tensão nas descrições e na relação e não há também possibilidade de mudança ou de novidade. Aliás, essa é uma coisa que eu tenho falado bastante. Muita gente entende que a proposta da Harlene Anderson (2012) sobre colaboração seria isso. Mas não é bem assim. Eu acho essa uma compreensão incompleta do que ela diz. Escrevi um artigo com a Giovanna Doricci e a Laura Crovador - está na NPS - que fala sobre isso (Doricci, Martins & Crovador, 2017). Um bom terapeuta é aquele que está muito atento à relação e utiliza tudo o que sabe - sua presença, sua postura, suas intervenções etc. - para manter o diálogo em movimento, em direção a caminhos inéditos. Esses caminhos precisam ser só suficientemente diferentes para fazer diferença. Mas isso dá muito trabalho, não é nem jogar as verdades para cima do outro, nem simplesmente ficar ouvindo e concordando com ele. A mudança está na tensão (Martins & Arantes, 2020a).

 

7. Contem-nos um pouco dos feedbacks dos participantes e desafios para o futuro.

Marina: Nós dois sentimos um friozinho na barriga quando lançamos o curso, e ficávamos nos perguntando: "será que vamos alcançar nosso objetivo de fazermos os terapeutas se apropriarem do conteúdo a ponto de se sentirem seguros no seu dia a dia de trabalho?". Acho que é normal isso acontecer quando você vai mostrar para o mundo algo que demandou tanto do seu tempo e da sua energia! Ao longo de pouco mais de um ano, nós cuidamos de tudo, desde realizar e analisar os atendimentos que inspiraram toda a estruturação do conteúdo do curso, até a escolha da cor e da fonte da nossa logomarca. E essa mesma dedicação minuciosa que provocou o frio na barriga foi também o que garantiu que - pelo menos até agora! - só recebéssemos feedbacks positivos dos nossos alunos. Nós ficamos especialmente tocados com as mensagens de alunos que se diziam sem ânimo e sem perspectiva de continuarem investindo em seu trabalho na clínica e que, depois do curso, se sentiram "ganhando uma injeção de ânimo no trabalho", como disse uma das nossas alunas.

Pedro: Os feedbacks de terapeutas experientes também foram muito especiais para nós. Algumas disseram que, mesmo depois de anos se dedicando ao estudo e à prática da terapia, estavam surpresas com a forma inédita como costuramos a teoria com a prática a cada aula, "amarrando" as intervenções terapêuticas aos trechos das sessões de atendimento reais, e que desta forma elas puderam se apropriar do conteúdo também de um jeito inédito. Nós também recebemos mensagens de alunos contando que se emocionaram com as aulas, porque puderam assistir ao vivo e a cores como a nossa profissão é potente, e como uma única conversa pode ser transformadora. Não tem como querer mais do que isso! Nós estamos muito satisfeitos.

Marina: Quanto aos desafios para o futuro, acreditamos que o maior deles é continuar produzindo conteúdo honesto e descomplicado sobre a prática clínica, em uma linguagem acessível e que faça sentido tanto para estudantes que ainda estão na Graduação quanto para terapeutas experientes, sem vulgarizar o conhecimento. Na verdade, desde o início, nos preocupamos em manter uma tensão produtiva entre a acessibilidade de uma linguagem descomplicada e a seriedade do conhecimento acadêmico. Entre falar sobre a clínica de forma inspiradora e, ao mesmo tempo, não romantizá-la, até porque nosso trabalho exige muito investimento e dedicação!

 

8. Como o construcionismo social e as terapias sistêmicas, colaborativas e narrativas estão integradas à proposta?

Marina: Nós enxergamos o construcionismo social como um grande articulador de tudo o que fazemos. E o que tem nele que funciona como essa articulação? A epistemologia, que é esse palavrão que funciona para dizer que estamos atentos à produção do conhecimento. Para o construcionismo social, essa produção de conhecimento é social! Ou seja, nós, seres humanos, produzimos entendimentos sobre quem nós somos, sobre o que as coisas são e sobre o que o mundo é, e é a partir desses entendimentos que levamos as nossas vidas (Gergen, 1997). Então, essa ideia está presente em todas as ações do projeto. Quando conversamos na newsletter, nas redes sociais, nas publicações e também no curso entendemos que estamos produzindo conhecimento junto àquelas pessoas. Nós apresentamos algumas coisas que achamos interessantes e estamos abertos ao diálogo - a sermos corrigidos, a explicarmos novamente, a pensarmos uma nova ação a partir daquilo. É o que o Gergen (1997) chama de "o domínio infinito da suplementação".

Pedro: Agora, mais especificamente, quando falamos de teoria e de propostas práticas, partimos dessa noção geral da terapia como construção social, que é da Sheila McNamee e do Ken Gergen (1992). Por um lado, tem gente que vai dizer que o construcionismo social é uma teoria sistêmica. Por outro lado, tem quem diga que não, que o construcionismo social é uma teoria sobre teorias e que a sistêmica é uma teoria sobre famílias primeiro, e sobre terapia depois. Esse segundo lado diz - e a gente concorda - que construcionismo e sistêmica utilizam metáforas diferentes para explicar os fenômenos relacionais. No fim das contas, são políticas de nomeação. Essas teorias não estavam ali prontas no mundo, esperando para serem descobertas. Elas são construções humanas, sociais, e estão em desenvolvimento. O nosso entendimento é assim: o construcionismo social é um grande guarda-chuva articulador, que oferece a epistemologia e nos permite olhar para diferentes formas de prática como recursos para a conversa terapêutica. Isso é tomar a terapia como construção social (Gergen & Warhuus, 2001). Nesse caso, enxergamos os recursos das diferentes terapias, como a focada na solução, a colaborativo-dialógica, a sistêmica e a narrativa, por exemplo, como descrições do processo terapêutico que nos auxiliam, em alguns momentos, a continuar a conversa com nossos clientes e a produzir tensão (McNamee, 2005). Tem gente que pensa diferente. Mas esse é nosso próprio ponto de partida, que caminha bem no sentido do que a Sheila e o Ken quiseram fazer quando organizaram o livro "Terapia como Construção Social" (McNamee & Gergen, 1992): juntar em uma mesma publicação diferentes propostas terapêuticas que compartilhavam de um mesmo "zeitgeist", de ideias que caminhavam em uma direção parecida. Essas ideias são todas sensíveis à importância dos relacionamentos e da linguagem na terapia. Então, no curso, nós falamos sem falar sobre o construcionismo diretamente para criar um espaço possível de interlocução com profissionais que estudam outras abordagens. Levamos a proposta construcionista a este nível, de nos conectarmos com outras comunidades discursivas sobre a terapia a partir do que temos em comum - a prática terapêutica - e não pelo que nos diferencia - as abordagens específicas.

 

9. Se você fosse contar uma história ou anedota de sua formação como terapeuta e experiência que possa auxiliar a novos terapeutas, qual você contaria e por quê?

Pedro: Ai, ai, é tão importante falar dos perrengues que a gente passa! [risos] Aliás, essa tem sido uma das principais respostas que as pessoas têm nos dado sobre o e-book e o projeto como um todo. Elas falam: "vocês dizem das coisas como elas acontecem na prática! Me senti tão acolhida. Achei que só eu era assim". Acho que eu vou contar de uma experiência que foi uma das minhas primeiras na prática, depois que eu me formei. Isso foi tão marcante para mim que eu precisei escrever um artigo alguns anos depois falando sobre a experiência, para elaborá-la! (Martins, Silva & Guanaes-Lorenzi, 2014). Eu entrei em um atendimento de família em uma instituição de saúde mental. Nunca tinha feito isso antes, então fui ali, quietinho, na minha. Entrei como equipe reflexiva junto da minha orientadora, a Carla. E aí, no atendimento, a Carla falou algumas coisas, quando o pessoal chamou a equipe reflexiva, e eu falei outras. Mas o atendimento seguiu pelo caminho que a Carla propôs, e eu saí pensando que era isso mesmo. Fui na humildade. Mas, então, quando a gente foi discutir esse atendimento em supervisão, depois, uma das profissionais que estava em campo estava absolutamente indignada comigo! Eu não lembro as palavras que ela usou, mas ela quis dizer que a minha fala na sessão - que tinha sido apreciativa da história da família - era um engodo e que meio que eu estava tapando o sol com a peneira, passando pano para uma história de violência. Apesar de a equipe ter ponderado isso ali na hora e ter me defendido, eu saí de lá péssimo, sentindo que aquilo não era para mim. Alguns dias depois, eu estava entrevistando uma pessoa dessa mesma família para o meu Mestrado. Nessa entrevista, ela me contou que aquilo que eu tinha falado no dia da sessão - justamente a fala apreciativa! - tinha feito muito bem para ela e mudado a vida dela, porque ninguém nunca tinha olhado com aquele cuidado para eles. Eu fiquei me achando! Pensei assim: "Ainda bem que tenho isso gravado!" [risos] Mas o que eu tirei dessa experiência - e isso está no artigo - não é que eu era um terapeuta ótimo e a outra pessoa estava errada... E sim que o significado das nossas intervenções não está no que falamos em si, mas em como isso é significado nas relações. Essas relações continuam a acontecer, em cada conversa, e, por isso, o potencial do que é terapêutico nos "escapa entre os dedos", como a gente diz no artigo. Aprendi que a nossa melhor aposta é sempre estar atento às relações. Aprendi do jeito difícil, mas dou boas risadas dessa história até hoje!

Marina: Eu vou contar sobre a minha experiência com uma pessoinha que me ensinou muito, e a quem eu devo grande parte da profissional que sou hoje. Já começo a me emocionar só de lembrar essa experiência porque ela me faz pensar que talvez o maior ensinamento que eu tenha para oferecer a outros terapeutas seja esse: você nunca é o mesmo depois de se encontrar verdadeiramente com cada cliente. A transformação é, e deve ser, sempre, mútua. Bem, voltando à história, eu estava no décimo período quando me inscrevi para ser monitora na Escola de Educação Básica da Universidade. A monitoria consistia em acompanhar em tempo integral um aluno com necessidades educacionais especiais que frequentava uma sala de ensino regular, neste caso, um garoto de seis anos com síndrome de Down. São várias as cenas que eu poderia escolher para falar sobre ele e o quanto ele me ensinou - como quando ele pegou o prato de pudim de chocolate e despejou em cima da cabeça, ou quando saía correndo da sala de aula me fazendo correr junto. Escolhi uma outra, simples, quase boba, para também contar de como fazemos coisas importantes uns com os outros mesmo quando fazemos "bobeira". A cena é: o velcro do tênis dele estava solto, eu percebi, e falei para ele colocar no lugar. Ele, com dificuldade, começou a tentar de muitas formas fazer isso. E eu fiquei ali, ao mesmo tempo assistindo e dando assistência, com algumas instruções que poderiam ajudá-

lo. Eis que uma outra criança começa a olhar para esta cena e fica muito incomodada. Ela diz pra mim, brava: "tia, mas ele não sabe arrumar o tênis sozinho, você tem que ajudar ele! A outra tia que ficava com ele fazia isso!". Eu então disse pra ela que ele iria continuar tentando, e que se fosse preciso, eu iria ajudá-lo. Não me lembro bem se no final das contas ele conseguiu colocar o velcro no lugar, ou se eu acabei fazendo isso depois de algumas tentativas, mas isso pouco importa. E digo que pouco importa porque o importante ali não era "o que" estávamos fazendo - poderia ser uma cena sobre ele guardando os jogos depois de brincar -, mas quem nós estávamos nos tornando enquanto fazíamos aquilo juntos. O que esta criança entenderia sobre quem ela é, caso eu arrumasse o tênis? E o quanto isso é diferente de dizer para ela que eu acreditava que ela conseguiria, e que estaria ali pra ajudar se fosse preciso? O que ela vai entendendo sobre o mundo e sobre os outros enquanto faço a primeira ou a segunda coisa? Qual a diferença? Eu poderia continuar fazendo outras perguntas e reflexões que contam sobre como essa cena boba, na verdade, é um exemplo concreto de alguém aprendendo a ser gente, e criando sentido sobre si e sobre o mundo. E que o terapeuta, enquanto um parceiro fundamental na criação de sentidos junto ao outro, não deve nunca se esquecer de que suas escolhas quanto ao que fazer e/ou dizer nesta relação importam. Então, essa cena me ajuda a falar para outros terapeutas sobre o que realmente importa no processo terapêutico: a qualidade da relação com o cliente, e quem nos tornamos enquanto fazemos qualquer coisa juntos deve preceder, em grau de importância, qualquer conteúdo ou intervenção terapêutica específica.

 

10. Como vocês percebem a formação de psicoterapeutas na atualidade, em termos de potencialidades e necessidades, ou lacunas?

Pedro: Você falou "psicoterapeutas" na sua pergunta, e essa é uma coisa que tem nos chamado atenção. Porque a terapia não é um campo só de psicólogos, né? E essa tem sido uma questão polêmica, quando nós vemos muitas vezes a classe de psicólogos se incomodando muito com isso de uma forma bem apaixonada, do tipo "terapia é com psicólogo!". Mas se a gente olhar historicamente, não foi assim que o campo se desenvolveu. Algumas das nossas maiores referências no construcionismo social, por exemplo, não vêm da Psicologia. A Sheila McNamee é da Comunicação. Tom Andersen era médico. Michael White era assistente social. Isso para dizer apenas alguns. E aí tem o Ken Gergen e a Harlene Anderson que são psicólogos. O John Shotter era psicólogo também. Nós dois, eu e a Marina, inclusive, somos da Psicologia. Mas nós reconhecemos que essa diversidade de saberes marca o campo da terapia - sobretudo a terapia familiar - de uma forma muito especial. Não dá para simplesmente querer acabar com ela. Porque, hoje, o que se vive na prática, no Brasil, é essa contradição: os cursos de formação são abertos a profissionais de diferentes áreas, meio sem critério nesse sentido, mas, depois de formado, tem essa história de que deveria ser só para psicólogo. Na minha opinião, falta uma discussão mais sistematizada e profunda sobre o que é preciso na formação de um terapeuta para ele poder atuar. E também para isso ser passível de fiscalização depois. Essa seria uma lacuna que precisaríamos cuidar como sociedade: a regulamentação da profissão, que não é competência de nenhuma área sozinha.

A potencialidade, nesse caso, está em encarar a terapia como esse campo múltiplo, que bebe de diferentes fontes. Acho que uma formação é tão boa quanto ela é capaz de apresentar e utilizar conhecimentos terapêuticos diversificados para os alunos de forma coerente. Outro dia, eu ouvi um podcast (The Radical Therapist, por Chris Hoff) sobre fatores terapêuticos, e um pesquisador chamado Sean Davis disse uma frase que eu gostei muito. Ele fala para os alunos dele: "se apaixonem por teoria; e não por uma teoria" (Fife, Whiting, Bradford & Davis, 2013). Eu gostei demais disso! É claro que eu mesmo me apaixonei por uma teoria, o construcionismo social, mas é uma teoria que, como a gente falou antes, nos permite olhar para as outras teorias como recurso. Então, esse é um grande potencial a ser explorado nas formações. Isso não quer dizer que qualquer coisa pode.

Marina: O grande desafio é transformar uma base epistemológica coerente em práticas transformadoras no cotidiano. Muitas vezes, a forma como os conteúdos são organizados sustenta uma cisão entre academia e prática, entre teoria e ação. Se fosse para generalizar em dois polos, nós vemos, de um lado, os acadêmicos falando sobre a prática de um lugar distante, nada corporificado, teorizando sobre o que não vivem e, com alguma frequência, criticando o que eles mesmos não fazem. Já cansei de ouvir profissionais mais da prática dizendo que não querem nem saber desses acadêmicos incompreensíveis. E essa distância é discutida na literatura também (Sprenkle & Piecy, 2005). Acho que os acadêmicos precisavam reconhecer mais que é muito diferente atender em estágios e dar supervisão para alunos do que estar ali, no cotidiano do trabalho, no chão de fábrica, todos os dias. No polo oposto, nós percebemos pessoas da prática desconectando-se muitas vezes da academia e das teorias, fazendo as coisas apenas com base na intuição. Algumas vezes, isso inclusive se transforma em certo desprezo pelo conhecimento acadêmico.

Isso é muito perigoso. O desafio maior é aproximar essas duas coisas: teoria e prática. No nosso curso on-line, nós tentamos cuidar disso ao elaborar o conteúdo programático a partir da prática. Primeiro, fizemos os atendimentos e, deles, construímos o curso. Além disso, tentamos mostrar para os alunos que, para cada intervenção, cada fala do terapeuta, existem premissas teóricas em ação. Nós apostamos que teoria e prática deveriam ter uma interlocução mais próxima em todas as formações.

 

11. Considerando que estamos refletindo sobre a interação com mídias, o diferencial do projeto é também ser algo on-line, com vídeos, diálogos, material didático, o diálogo contemporâneo que temos com mídias digitais, as quais cada vez mais precisamos integrar ao nosso cotidiano. Como vocês têm visto esta integração?

Pedro: O engraçado é que quando começamos a pensar na ideia de produzir conteúdo on-line, há três anos, nosso principal objetivo era o de oferecer uma formação que alcançasse quem estava longe de Uberlândia. Isso porque, a cada vez que divulgávamos o nosso curso presencial, recebíamos mensagens de pessoas de outras cidades nos pedindo para levar o curso até elas. A comunidade construcionista social é muito organizada, mas costuma se reunir somente a partir de eventos importantes, que acontecem em sua maioria em cidades como Rio e São Paulo. Então, o nosso interesse pelo mundo digital começou por aí, por essa vontade de oferecer um contexto de encontro e estudo sobre construcionismo social em que a distância não fosse um impeditivo. Mas agora, diante deste momento extremamente difícil de enfrentamento ao Coronavírus, todos nós, terapeutas, chegamos neste ponto em que digitalizar nossa profissão deixa de ser uma escolha ou um projeto, e passa a ser uma condição para continuarmos trabalhando.

Marina: A nossa profissão sempre foi "analógica", e nós seguimos valorizando muito o encontro e as experiências que só são possíveis através no mundo concreto do atendimento presencial. Mas, sem abrir mão disso, também começamos a nos dedicar cada vez mais a criar novos sentidos sobre o trabalho on-line - seja na clínica, seja no curso - e a nos organizarmos enquanto comunidade para pensar sobre esta nova ética da profissão. Então, voltando à pergunta, nós vemos essa integração como indissociável ao nosso trabalho, agora mais do que nunca. Isso inaugura novos desafios, perguntas e negociações que não precisávamos fazer antes. E esse desconforto, de alguma forma, pode ser muito produtivo porque nos faz desacostumar o olhar para aspectos importantes do nosso trabalho. Por exemplo, quando nos perguntamos "como garantir a dialogia na formação dos nossos alunos do curso on-line?". Nós nunca perdemos isso de vista em nenhuma formação presencial, mas temos a tendência de nos acostumar com a ideia de que ela está garantida no encontro presencial. Uma vez que transportamos essa relação de ensino-aprendizagem para o formato on-line, com todos os estranhamentos que essa mudança produz, passamos a ficar mais criativos e ainda mais cuidadosos quanto a garantir uma relação dialógica com os alunos, mesmo que não estejamos juntos em carne e osso.

Digitalizamos as aulas, mas continuamos garantindo múltiplos contextos de troca com os alunos: mensagens na própria plataforma, e-mails e até videoconferências com toda a turma para tirar dúvidas e também para conhecermos "pessoalmente" - só que em vídeo - cada um deles. Além disso, fizemos questão de basear todo o conteúdo do curso em trechos de atendimentos reais, para que, ao assistir cada aula, o aluno não perca de vista o quanto a performance do terapeuta e a relação dele com o cliente são primordiais para o sucesso do processo terapêutico. Isso do aluno poder assistir aos seus professores atuando em um contexto de clínica real é algo valiosíssimo para a formação de um terapeuta, e que só foi possível a partir do contexto de um curso on-line. É um bom exemplo de como, diante do novo, fazemos adaptações para garantir valores que, para nós, são inegociáveis na formação dos nossos alunos.

Pedro: Acho que esse é o ponto. De que quando criamos qualquer projeto, seja no mundo real ou virtual, precisamos estar sempre atentos ao que queremos garantir com aquilo, quais são os valores dos quais não vamos abrir mão e, a partir daí, pensamos em como vamos cuidar deles, independente do contexto. E esta mesma reflexão vale para o contexto da clínica.

 

REFERÊNCIAS

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PEDRO MARTINS

Psicólogo pela Universidade Federal de Uberlândia, mestre e doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Cofundador do projeto Intervenções Terapêuticas, que busca levar conhecimento honesto e descomplicado sobre a prática clínica para terapeutas. É membro associado do Taos Institute. Hoje, atua como psicólogo clínico na cidade de Uberlândia - MG, onde atende indivíduos, famílias e casais a partir de uma perspectiva construcionista social. Coordena o curso "Construcionismo Social na Prática", no qual anualmente oferece uma introdução aos principais conceitos teóricos e práticos relacionados à construção social. Além disso, é docente convidado na formação em Terapia Familiar do Instituto ConversAções, em Ribeirão Preto. Sua pesquisa e prática estão voltadas para o trabalho com famílias em contextos clínicos e de saúde mental. Atuou como pesquisador no Laboratório de Pesquisa e Estudo em Práticas Grupais da FFCLRP-USP e como colaborador no Programa de Atendimento às Famílias do Hospital-Dia de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto. Em 2012 e 2015 foi pesquisador visitante na University of New Hampshire, Estados Unidos da América.
CRP (04/48637)
https://orcid.org/0000-0002-3513-7352
E-mail: pedropablomartins@gmail.com
MARINA ARANTES
Psicóloga pela Universidade Federal de Uberlândia e mediadora de conflitos pelo Instituto Conversações. Cofundadora do projeto Intervenções Terapêuticas, que busca levar conhecimento honesto e descomplicado sobre a prática clínica para terapeutas. É membra associada do Taos Institute. Como psicóloga clínica, atua com crianças, adultos e famílias em uma prática sensível às premissas do construcionismo social sobre realidade e produção de sentidos. Está envolvida em diferentes contextos de formação, comprometidos com a disseminação das ideias construcionistas sociais: como cosupervisora de alunos da Universidade Federal de Uberlândia trabalhando com populações vulneráveis em diferentes contextos, como coordenadora e docente no curso "Construcionismo Social na Prática", e como supervisora clínica de outros terapeutas. É cofundadora e docente do Instituto Verso: Mediação de Conflitos, onde trabalha como mediadora, além de articular múltiplos contextos que têm por objetivo a propagação de formas alternativas de resolver e entender conflitos.
CRP (04/41234)
https://orcid.org/0000-0001-9616-2319
E-mail: marina.arantes.s@gmail.com
ADRIANO BEIRAS
Psicólogo e Psicoterapeuta. Doutor Europeu em Psicologia Social pela Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha). Professor do Departamento e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Supervisor de Estágios em Terapia de Família e Casais no SAPSI (Serviço de Atenção Psicológica) na UFSC. Especialização em Terapia Relacional Sistêmica pelo Familiare Instituto Sistêmico (Florianópolis). Editor Coordenador da revista Nova Perspectiva Sistêmica (NPS).
https://orcid.org/0000-0002-1388-9326
E-mail: adrianobeiras@noos.org.br

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