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Acta Comportamentalia

Print version ISSN 0188-8145

Acta comport. vol.14 no.1 Guadalajara June 2006

 

 

Desenvolvendo programas individualizados para o ensino de leitura*

 

Developing individualized programs to teach reading

 

Deisy G. de Souza; Júlio C. de Rose**

Universidade Federal de São Carlos

 

 


RESUMO

Este artigo resume uma linha de pesquisa que busca desenvolver programas individualizados para ensino de leitura a indivíduos com dificuldades na aquisição da linguagem escrita. O principal objetivo do ensino de leitura e escrita é estabelecer o repertório de uma pessoa alfabetizada: ler com fluência e compreensão e expressar-se por escrito. A escrita alfabética permite que uma pessoa aprenda apenas umas poucas unidades e as recombine para ler ou escrever qualquer palavra da língua. Alcançar esse objetivo, no entanto, tem sido um desafio permanente para o sistema escolar. Uma constatação freqüente na literatura referente à pesquisa sobre leitura é que qualquer método de ensino, por melhor que seja, sempre falha com alguns aprendizes. Nossos estudos tem sido conduzidos com crianças que não conseguiram aprender a ler quando expostas ao ensino em escola regular durante pelo menos um ano letivo. Desenvolvemos programas de ensino com o objetivo de estabelecer o reconhecimento de palavras, como um passo inicial em direção ao objetivo mais ambicioso de ensinar leitura com compreensão e escrita fluente. Esses programas foram desenvolvidos ao longo de vários anos de pesquisa e incorporam uma variedade de procedimentos empregados na pesquisa básica sobre controle de estímulos. O artigo descreve aspectos gerais da abordagem e ilustra seus resultados com dados obtidos cm vários dos estudos realizados.

Palavras-chave: Aquisição de leitura, Reconhecimento de palavras, Controle de estímulos, Emparelhamento com o modelo, Equivalência de estímulos, Exclusão, Resposta construída, Alunos analfabetos.


ABSTRACT

This paper summarizes a Une of research that seeks to develop indívidualized programs to teach reading. The maín goal in reading instruction is to establish the repertoire of a literate person: reading with fluency and comprehension and mastering wrítten expression. The alphabetic system enables one to leam just a few units and recombine them in order to read or write any word in the language. The school system has been, however, heavily challenged to achieve this goal. Acommon finding in the reading research literature is that any teaching method, no matter how good it may be, will fail with a number of students. Our initial studies were conducted with chíldren that had been exposed to regular school instruction for at least one year, and had failed to learn. We devised teaching programs aimed to establish word recognition, as a first step in the direction of the more ambitious goal of teaching reading and spelling with both comphreension and fluency. These programs were developed along several years of research and attempt to incorporate various procedures used in basic stimulus control research. The paper desenhes the general approach and illustrates its outeomes with data from a series of those previous studies.

Keywords: Reading acquisition, Word recognition, Stimulus control, Matching-to-sample, Stimulus equivalence, Exclusion, Constructed response, Illiterate students.


 

 

A pesquisa em análise do comportamento gerou métodos poderosos para estabelecer relações de controle de estímulo. Procedimentos de escolha segundo modelo (matching to sample) são centrais para estes métodos: desde o trabalho pioneiro de Itard com o Menino Selvagem de Aveyron (cf. de Rose, 2004; Pessotti, 1988; Sério, Andery, Gioia e Micheletto, 2002) eles vêm sendo usados efetivamente para ensinar relações condicionais e também podem gerar comportamentos que não são explicitamente ensinados (cf. de Rose, 2004; Sério e colaboradores, 2002). A linguagem ou, como preferem os analistas do comportamento, o comportamento verbal, baseia-se em relações de controle de estímulo; a aquisição da linguagem escrita, particularmente, baseia-se em controle do texto sobre o comportamento verbal do leitor, assim como em controle do comportamento oral sobre a produção da escrita. Assim, métodos para desenvolver controle de estímulo, especialmente com base em emparelhamento com modelo, têm sido centrais na intervenção sobre linguagem e no ensino da linguagem escrita.

Neste artigo faremos uma revisão de um programa de pesquisa que temos desenvolvido, verificando a efetividade destes métodos no estabelecimento de repertórios de leitura e escrita. Aspectos deste programa de pesquisa têm sido apresentados em outros trabalhos (de Rose, de Souza e Hanna, 1996; de Rose, de Souza, Rossito e de Rose, 1989; 1992; de Souza, de Rose, Hanna, Calcagno e Galvão, 2004; Hanna, de Souza, Quinteiro, Campos, & Siqueira, 2002; Hanna, de Souza, de Rose e Fonseca, 2004; Melchiori, de Souza e de Rose, 2000). Um dos principais objetivos do nosso programa de pesquisa é desenvolver programas de ensino de leitura e escrita para populações que deles necessitem. Nossa população alvo tem sido, especialmente, de crianças das primeiras séries de escolas públicas que têm fracassado repetidamente na aquisição da linguagem escrita. Neste artigo pretendemos apresentar uma versão compreensiva dos programas de ensino que temos desenvolvido e sua integração em um "curriculum" para ensino remediativo de leitura e escrita. Pretendemos apresentar também desenvolvimentos recentes de nossas pesquisas. Para fazer isto, uma certa dose de redundância com o material publicado em trabalhos anteriores será inevitável, pelo que nos desculpamos antecipadamente com os leitores familiarizados com estes trabalhos.

Uma análise comportamental da linguagem escrita, ou de qualquer outro repertório acadêmico, busca identificar as respostas críticas que precisamos ensinar, bem como as relações de controle sobre estas respostas. As relações de controle são de dois tipos. Uma é a relação entre respostas e conseqüências. Respostas são fortalecidas quando são seguidas por conseqüências reforçadoras. Um outro tipo de relação é entre estímulos e respostas. Este tipo de relação de controle determina a probabilidade de que um dado estímulo venha a controlar uma resposta particular (Skinner, 1953, 1969).

Respostas sob controle de estímulos escritos (textuais) e estímulos falados (orais) são centrais para a linguagem escrita e constituem um subconjunto de operantes verbais, conforme definidos por Skinner (1957). Assim, a leitura consiste de comportamento oral (manifesto ou encoberto) do leitor, sob controle do estímulo textual. A escrita, por outro lado, consiste de comportamento de produzir texto e pode ou não ocorrer sob controle de estímulos (por exemplo, estímulos orais apresentados por outra pessoa, que dita para quem está escrevendo, ou pela própria pessoa que escreve e que, ao escrever, pode falar para si mesma, mesmo que de modo encoberto).

 

COMPORTAMENTO TEXTUAL E SOLETRAÇÃO COMO COMPONENTES FUNDAMENTAIS DA LEITURA E DA ESCRITA

O comportamento textual pode ser definido como o controle apropriado de estímulos textuais (texto) sobre respostas verbais (Skinner, 1957). Um reforçador generalizado deve estar presente para fortalecer e manter as relações de controle entre estímulos textuais e respostas verbais. Contudo, o que define o comportamento textual é o controle de estímulos do texto sobre respostas verbais (comumente na forma oral). Este controle envolve uma correspondência ponto a ponto entre texto e resposta verbal, de tal modo que mudanças no texto ocasionam mudanças correspondentes na resposta verbal. O comportamento textual é imprescindível para a leitura, embora a leitura com compreensão requeira também um passo além, que o leitor responda como ouvinte do seu próprio comportamento textual.

O componente central da escrita é a ordenação de letras em seqüência (chamada em inglês de spelling); as letras podem ser produzidas concretamente através de diferentes tipos de comportamento motor, como a escrita cursiva, a digitação em um teclado, a soletração oral, etc, mas qualquer que seja a forma de produzir as letras, é necessário ordená-las na seqüência correta (de Rose, no prelo; Skinner, 1957). Além disso, tal ordenação pode ocorrer sob controle de diferentes estímulos (por exemplo, sob controle de uma palavra impressa, no caso cópia, ou da palavra falada, no caso do ditado).

De acordo com essas definições, tanto a leitura quanto a escrita baseiam-se em relações de controle em que há correspondência ponto a ponto entre as unidades do estímulo e as unidades da resposta.

 

EMPARELHAMENTO COM MODELO

Em um procedimento de emparelhamento segundo o modelo, uma tentativa começa com a apresentação de um estímulo modelo; geralmente é requerida uma resposta de observação ao modelo (e.g., tocar o modelo), que produz a apresentação de um arranjo de estímulos de comparação (no mínimo dois), dentre os quais o participante tem que escolher um. Por exemplo, no emparelhamento de identidade, a resposta correta é a seleção do estímulo de comparação idêntico ao modelo, enquanto no emparelhamento por singularidade a resposta reforçada é a seleção de um estímulo diferente do modelo. No emparelhamento arbitrário, contudo, o estímulo de comparação correto é definido arbitrariamente (ou é convencionado, como quando se convenciona que uma palavra é o nome para alguma coisa). Ao longo de tentativas sucessivas, vários estímulos diferentes podem funcionar como modelo e, consequentemente, o estímulo de comparação designado como correto também muda de tentativa para tentativa (cf. de Rose, 2004).

Procedimentos de emparelhamento com modelo vêm sendo usados há muito tempo para ensino de leitura. Um bom exemplo é um programa para ensino de leitura a estudantes com retardo mental, desenvolvido por Florente Lopes (descrito por Ribes, 1972), que combinava procedimentos de escolha segundo o modelo e esvanecimento. Uma palavra escrita era apresentada como estímulo modelo. O instrutor lia a palavra, pedia ao estudante para repeti-la e, então, apresentava duas palavras escritas como estímulos de comparação. Uma destas era idêntica à palavra modelo e escrita na mesma cor que ela. A outra era escrita em cor diferente. O estudante tinha que apontar para a palavra que era idêntica ao modelo. Então, a palavra modelo era apresentada isoladamente, e o estudante devia lê-la (comportamento textual). Ao longo de tentativas sucessivas, a diferença de cor era esvanecida. A palavra incorreta era diferente a cada tentativa. Respostas corretas eram elogiadas e respostas incorretas eram seguidas por uma repetição da mesma tentativa. A seqüência de ensino com uma palavra específica terminava quando o estudante tomava-se capaz de ler a palavra. Então, uma nova palavra era ensinada, e assim por diante. Esta combinação de procedimentos foi efetiva para construir um repertório inicial de leitura de 17 palavras.

 

EQUIVALÊNCIA DE ESTÍMULOS E LEITURA - ESTUDOS INICIAIS DE SIDMAN

Programas de ensino baseados em emparelhamento com modelo têm sido bastante efetivos para ensinar diretamente os comportamentos desejados. Sidman, no início da década de 1970, descobriu que estes procedimentos podem ter um resultado ainda mais valioso. Eles podem gerar comportamentos não explicitamente ensinados.

Por exemplo, Sidman (1971) conduziu um experimento com um estudante com retardo mental severo. Em uma série de pré-testes, Sidman verificou que o estudante já era capaz de emparelhar 20 figuras a seus nomes ditados (emparelhamento arbitrário). Como representado na Figura 1 (em cima, à esquerda) um arranjo de 8 figuras era apresentado (estímulos de comparação) e uma palavra (o modelo) era ditada ao estudante. A palavra era repetida a cada dois segundos, até que o estudante selecionasse um dos estímulos de comparação, tocando-o com o dedo. Seleções da figura correta eram reforçadas com a apresentação de um doce ou uma moeda. Seleções de uma figura incorreta não tinham conseqüências programadas além do encerramento da tentativa. Uma palavra diferente era ditada a cada tentativa, até que todas as 20 palavras tivessem sido ditadas. Outros pré-testes mostraram que o estudante não era capaz de emparelhar as palavras impressas às palavras ditadas (Figura 1, em cima, à direita). Ele também não era capaz de nomear (i.e., ler) as palavras impressas.

Estes desempenhos podem ser representados em um diagrama esquemático, no qual os retângulos representam estímulos e as elipses representam respostas1 emitidas sob controle de estímulos (Figura 2, painel superior). Setas ligando dois retângulos representam desempenhos de emparelhamento, com as setas apontando dos modelos para os estímulos de comparação. Estas relações de emparelhamento são representadas pela letra do conjunto dos modelos, seguida pela letra do conjunto dos estímulos de comparação (AB, AC, CB e BC). Setas ligando retângulos a elipses representam relações de controle entre estímulos e respostas e são também designadas pela letra dos estímulos seguida pela letra das respostas: CD significa que as palavras impressas controlam a resposta de nomeá-las (comportamento textual). Na Figura 2 as setas com linhas contínuas representam emparelhamentos que o estudante já era capaz de realizar antes do início do experimento. A seta em negrito representa o emparelhamento ensinado durante o experimento. Ou seja, Sidman ensinou o jovem a selecionar, dentre um conjunto de palavras impressas, aquela correspondente à palavra ditada (as palavras ditadas variavam ao longo de tentativas sucessivas). Para fazer isso, ele usou um procedimento de treino laborioso, que não será descrito aqui. Para nossos propósitos correntes, é necessário considerar apenas os pós-testes que ele conduziu depois que o estudante aprendeu esta relação de emparelhamento. No diagrama da Figura 2 as setas com linhas pontilhadas correspondem a desempenhos emergentes, ou seja, relações que não foram ensinadas durante o experimento, mas que o estudante foi, não obstante, capaz de desempenhar ao final do estudo. Nos pós-testes, o estudante exibiu alta acurácia no emparelhamento de figuras com palavras impressas (cf. Figura 1, embaixo, à esquerda), e de palavras impressas com figuras (Figura 1, embaixo, à direita) e também na nomeação de palavras (comportamento textual).

Em uma importante reconceitualização deste trabalho, Sidman e colaboradores concluíram que estes desempenhos emergentes documentaram a formação de 20 classes de estímulos equivalentes, cada uma delas constituída por uma palavra impressa, um nome ditado e uma figura (Sidman, 1986, 1994; Sidman e Tailby, 1982), e que esta equivalência entre estímulos é a base do comportamento simbólico (sendo a relação entre símbolo e seus referentes definida como uma relação de equivalência). Classes de estímulos equivalentes constituídas por palavras impressas, palavras ditadas e objetos ou desenhos permitem-nos inferir que as palavras impressas simbolizavam os objetos e que o estudante lia as palavras com compreensão.

Assim, para ensinar a ler, mesmo que seja simplesmente a leitura de uma palavra, o ensino do comportamento textual não é o suficiente; é necessário lidar com classes de estímulos equivalentes nas quais o texto é um dos estímulos relevantes, mas não o único2. Na leitura, classes de estímulos equivalentes envolvem pelo menos palavras impressas, palavras ditadas e objetos (ou suas representações pictóricas). E por esta razão que os procedimentos de emparelhamento com modelo são centrais para o estabelecimento de leitura e escrita. Além do controle discriminativo, eles engendram a emergência de novas relações entre os estímulos e até mesmo a emergência de novas relações de controle entre estímulos e respostas (de Rose e colaboradores, 1996; Mackay, 1985;Sidman, 1986,1994; Sidman e Tailby, 1982; Stromer, Mackay e Stoddard, 1992).

 

Figura 1. Tarefas de emparelhamento com o modelo ensinadas e testadas no trabalho original de Sidman (1971): emparelhar figuras a palavras ditadas (acima, à esquerda); emparelhar palavras impressas a palavras ditadas (acima, à direita); emparelhar figuras a palavras impressas (embaixo, à esquerda); e emparelhar palavras impressas a figuras (embaixo, à direita).

 

Figura 2. Representação dos procedimentos de Sidman (painel superior) e das extensões implementadas em nossos estudos (painel inferior). As caixas representam conjuntos de estímulos e as elipses representam classes de respostas. As setas conectando duas caixas representam emparelhamentos entre estímulos, apontando dos modelos para os comparações. As setas ligando uma caixa e uma elipse representam relações de controle do estimulo sobre a resposta. Por exemplo, CD indica controle de uma palavra impressa sobre a resposta oral (nomeação). Linhas sólidas indicam tarefas que os alunos já eram capazes de realizar (AB e BD), linhas cheias tarefas diretamente ensinadas e linhas pontílhadas correspondem a desempenhos emergentes (BC, CB. CD, AE).

 

Se os estímulos envolvidos no emparelhamento com modelo são os componentes dos operantes que definem leitura e escrita, então o ensino de algumas relações resultará na emergência de novas relações entre estes estímulos, não explicitamente ensinadas. A formação de classes de equivalência assegura o estatuto simbólico do comportamento resultante. A emergência de novos comportamentos implica em economia no ensino (estes comportamentos derivam de outras relações explicitamente ensinadas) e este pode ser o mecanismo pelo qual relações específicas vêm a se tornar inter-relacionadas (cf. de Rose e colaboradores, 1992; Stromer e colaboradores, 1992).

 

CONSTRUINDO NOVAS CLASSES 0E EQUIVALÊNCIA POR EXCLUSÃO

Nossos estudos começaram estendendo o trabalho inicial de Sidman, como representado no painel inferior da Figura 2. Nossos estudantes eram crianças com inteligência normal ou limítrofe, provenientes de famílias de baixo nível sócio-econômico. Estas crianças estavam fracassando na escola, provavelmente não devido a quaisquer limitações intelectuais mas ao despreparo, tão repetidamente documentado, da escola brasileira para lidar com as populações mais carentes.

Embora nossas crianças não tivessem deficiência mental, decidimos tentar ensiná-las usando todas as precauções usadas no ensino de portadores de deficiência, ou seja, consideramos que elas não dominavam nada do que queríamos ensinar e tratamos de ensinar cada desempenho desejado de uma forma gradual e com o mínimo possível de erros (cf. Stoddard, de Rose e Mcllvane, 1986), verificando e garantindo sempre a aquisição de cada etapa antes de passar para a seguinte. Começamos, como Sidman, ensinando estas crianças a emparelhar palavras impressas a palavras ditadas (a relação AC, representada na Figura 2). Começamos com três palavras ditadas que se alternavam como modelos ao longo de tentativas sucessivas. Em cada tentativa, duas palavras impressas eram apresentadas como estímulos de comparação, sendo que uma delas correspondia à palavra ditada. Depois que os estudantes aprenderam estes três emparelhamentos, nós passamos a expandir este repertório de emparelhamentos. Para minimizar a ocorrência de erros nessa aprendizagem de novas palavras, usamos o procedimento de aprendizagem por exclusão (Dixon, 1977; Mcllvane e Stoddard, 1981).

A aprendizagem por exclusão é uma variante do procedimento de emparelhamento com modelo, na qual um dos estímulos de comparação é definido, ou seja, já relacionado a um modelo específico e que é diferente do modelo apresentado na tentativa corrente. Em nosso procedimento, em uma tentativa de exclusão, um dos estímulos de comparação impressos (bolo) era definido (daqui em diante denominado uma palavia de linha de base). O outro (vaca) era um estímulo de comparação indefinido (ver Figura 3, em cima, à esquerda); o estudante ainda não sabia relacioná-lo ao modelo correspondente e isto é o que nós queríamos ensinar no momento. Quando ditávamos, como modelo, a palavra que estava sendo ensinada, o estudante podia detectar sua não correspondência com a palavra já conhecida e, assim, excluir esta, selecionando a palavra impressa indefinida. Depois de uma seqüência de várias tentativas deste tipo, os estudantes aprendiam a relacionar cada palavra ditada à palavra impressa correspondente.

Há várias similaridades funcionais entre este procedimento e aquele descrito por Ribes (1972). Naquele programa de ensino, o modelo era um estímulo composto, contendo a palavra impressa e uma palavra ditada, enquanto em nossos estudos o modelo era uma palavra ditada. No programa descrito por Ribes, a discrepância de cor entre os estímulos de comparação correto e incorreto servia como dica para o estudante selecionar a palavra correta. Em nosso estudo, uma palavra impressa definida, que o estudante já havia aprendido a relacionar a uma palavra ditada correspondente, foi usada como dica para a seleção, por exclusão, da palavra indefinida. Como em qualquer programa comportamental, nós procuramos guiar a resposta do estudante e estabelecer respostas corretas aos estímulos relevantes, mantendo, ao mesmo tempo, uma alta acurada no responder.

A fim de estabelecer o responder a estímulos relevantes, é essencial evitar o controle do responder por estímulos irrelevantes. Se nós apresentássemos apenas tentativas como a mostrada no painel superior esquerdo da Figura 3, os estudantes poderiam responder corretamente pela mera seleção de qualquer palavra não familiar. Eles não precisariam nem mesmo prestar atenção aos modelos. Para assegurar que eles atentariam para as palavras ditadas como modelo, nós também apresentamos "tentativas de controle", nas quais a palavra indefinida era apresentada junto com uma palavra de linha de base (familiar), mas a palavra de linha de base era ditada como modelo (F igura 3, painel superior direito).

Nós também acrescentamos uma tarefa com a finalidade de servir como resposta de observação que poderia aumentar o controle pela palavra falada: em tentativas de exclusão, nós requeríamos que os estudantes construíssem a palavra que estava sendo ensinada, com letras soltas. Depois que eles selecionavam a palavra impressa diante do modelo ditado, um conjunto de letras era apresentado e pedia-se ao estudante para construir a palavra com as letras. A palavra permanecia visível, de tal modo que o estudante precisava apenas copiá-la usando as letras soltas. Esta tarefa é denominada emparelhamento com modelo com resposta construída, porque o estudante precisa construir um estímulo que corresponde ao modelo (Dube, McDonald, Mcllvane e Mackay, 1991; Mackay e Sidman, 1984; Stromer e Mackay, 1992). 0 painel inferior na Figura 3 mostra uma versão desta tarefa, como tem sido usada em versões recentes do programa. Em estudos anteriores (e.g., Dube e colaboradores, 1991), programas especiais foram desenvolvidos para ensinar estudantes com deficiência mental a construir corretamente as palavras. Nossos estudantes, todavia, já tinham considerável experiência com tarefas de cópia na escola. Tendo a palavra a ser copiada visível à sua frente, eles geralmente não precisavam de qualquer instrução elaborada para reproduzí-la a partir das letras soltas. Se, contudo, eles apresentassem qualquer dificuldade, dicas e instruções apropriadas eliminavam estas dificuldades nas tentativas iniciais.

Estas tarefas, emparelhamento de modelos ditados com palavras impressas e a construção (cópia) de palavras impressas, foram organizadas em uma série de unidades de ensino componentes de um programa planejado para ser aplicado individualmente, de acordo com os princípios do Sistema Personalizado de Instrução (PSI; Keller, 1966; 1967; 1968; Skinner, 1968). Uma descrição mais detalhada pode ser encontrada em de Rose e col. (1996). O programa tinha 25 unidades, das quais 15 eram unidades de ensino e 10 eram destinadas à avaliação da aprendizagem. Diferentes conjuntos de palavras foram selecionadas para cada unidade de ensino e o número de palavras por unidade aumentava gradualmente, de dois nas unidades iniciais para quatro nas unidades finais. Cada unidade de ensino compreendia um pré-teste, um bloco de tentativas de ensino (quatro tentativas de exclusão e duas de resposta construída com cada palavra, apresentadas em uma ordem randomizada e misturadas com tentativas de controle) e um pós-teste.

O pré-teste e o pós-teste verificavam a leitura (comportamento textual). É importante observar que a leitura não era diretamente ensinada. O procedimento de emparelhamento ensinava o estudante a relacionar a palavra ditada com a palavra impressa (emparelhamento arbitrário). Assim, a tarefa de ensino era a relação AC no diagrama da Figura 2, enquanto a leitura corresponde à relação de controle emergente designada como CD. Nestas relações, tanto A quanto D são palavras faladas, mas A é a palavra ditada pelo instrutor/experimentador, enquanto D é a palavra falada pelo aluno. Se ocorressem erros durante o bloco de tentativas de emparelhamento, a tarefa era repetida. Pós-testes eram conduzidos somente depois que o estudante alcançava um critério de 100% de respostas corretas em um bloco de tentativas de emparelhamento. Quando o estudante lia, no pós-teste, todas as palavras que estavam sendo ensinadas, e as lia novamente em um teste de retenção conduzido no início da sessão seguinte, estas palavras eram incluídas na linha de base e o estudante avançava para a próxima unidade de ensino. Caso contrário, a unidade era repetida no(s) dia(s) seguinte(s), até que o critério de leitura fosse alcançado. Unidades subsequentes usavam o procedimento de exclusão para estabelecer novas relações de emparelhamento, e assim por diante.

 

Figura 3. Amostra de tentativas informatizadas das tarefas de ensino. A= Tentativa de exclusão; B = Tentativa de controle (similar à de exclusão, mas a palavra ditada era a de tinha de base); C=Tentativa de construção de resposta (neste caso, sob controle do modelo impresso, o que caracteriza a tarefa como cópia; se o modelo fosse uma palavra ditada, a tarefe saia de ditado com resposta construida). Nas tentativas de exclusão a palavra ditada era indefinida (nova), não relacionada a uma palavra impressa; nas tentativas de controle a palavra ditada havia sido previamente definida, isto é, o aluno era capaz de relacioná-la à palavra impressa. No exemplo, bolo corresponde à palavra definida (ou de linha de base) e vaca corresponde á palavra nova. A palavra impressa correta em uma tentativa de exclusão era o modelo para a construção de palavra (copia) na tentativa seguinte de emparelhamento com resposta construída.

 

Depois de cada duas unidades de exclusão, a unidade seguinte verificava a formação de classes de equivalência compreendendo as palavras impressas das duas unidades anteriores e as correspondentes palavras ditadas e figuras. No meio e no final do programa (depois das Unidades 11 e 24), eram conduzidos testes de leitura para verificar se os estudantes eram capazes de ler todas as palavras ensinadas e também outras palavras, não ensinadas, produzidas pela recombinação de sílabas das palavras ensinadas (testando a generalização ou abstração). Estes testes consistiam de uma seqüência de tentativas de leitura em que cada palavra era apresentada isoladamente. Também nestes testes as respostas corretas eram seguidas por confirmação e elogio por parte do instrutor.

Um resultado consistente foi o de que o procedimento de exclusão ajudou os estudantes a emparelhar as palavras ditadas às palavras impressas com acurácia de virtualmente 100%. Os estudantes também apresentaram acurácia muito alta na construção das palavras. Os escores de leitura nos pós-testes ao final de cada unidade eram geralmente altos, embora algumas unidades tivessem que ser repetidas até a obtenção de escores de 100%.

A Figura 4 sumaria os escores de leitura obtidos com 29 estudantes que participaram de uma série de diferentes experimentos já publicados (de Rose e cola­boradores, 1989, 1996; Maia, Pereira e de Souza, 1999; Melchiori e colaboradores 2000) e de uma dissertação de mestrado não publicada (Ynoguti, 2002). A figura mostra a porcentagem de palavras lidas corretamente nos testes de leitura conduzidos ao final do programa. Os escores de leitura das palavras ensinadas são apresentados no painel superior. O painel inferior apresenta os escores para leitura recombinativa (de palavras de generalização), mas estes resultados serão descritos posteriormente. Em cada painel, os dados à esquerda são medianas de todos os estudos. A porcentagem de palavras ensinadas que foram lidas corretamente foi alta para a maior parte dos estudantes (de 67% a 100%) com a maioria dos pontos próximos a 100% (média de 91,9% para todos os estudantes). Os dados publicados foram coletados em situação de ensino face a face, enquanto o estudo de Ynoguti usou uma versão computadorizada dos procedimentos de ensino. Os resultados relativos à leitura de palavras ensinadas (painel superior) demonstraram que os procedimentos foram funcionalmente equivalentes, sugerindo que as constingências instrucionais são provavelmente mais relevan­tes do que o meio usado para o estabelecimento dos comportamentos de interesse.

 

Figure 4. Porcentagem de palavras lidas corretamente (mediana), para palavras ensinadas (painel superior) e palavras novas (painel inferior), na avaliação conduzida ao final do programa de ensino, nos estudos conduzidos por de Rose e colaboradores. Em cada painel, o eixo indicado como mediana representa o resultados de todos os estudos (n - 29) tomados em conjunto; os pontos à direita mostram os dados de cada estudo. Os losangos cinzas representam a mediana e a extensão das linhas indica a faixa de variação (o menor e o maior escore) nos dados individuais. Os demais símbolos indicam dados individuais, que podem encontrar-se sobrepostos.

 

Nosso programa usou as mesmas tarefas que o estudo de Sidman (Figura 2, painel superior) e as expandiu com o acréscimo de um componente de soletração (ver Figura 2, painel inferior). Nós ensinamos as relação AC (relacionar palavra ditada com palavra impressa) e CE (cópia ou transcrição). Verificamos então se isto havia produzido a relação CD, ou seja, a leitura (cada palavra impressa controlando uma resposta oral específica) e a relação AE, ou seja, escrita sob ditado (cada palavra ditada controlando uma resposta específica de escrita). Nós também avaliamos as relações CB e BC (relacionar uma palavra impressa à figura e vice-versa). Isto era feito periodicamente, para todas as palavras que haviam sido aprendidas até o teste específico que estava sendo conduzido. Os resultados mostraram que os estudantes aprenderam a ler (CD) as palavras ensinadas e que este repertório foi mantido até o final dos estudos. Nós também documentamos a emergência das relações CB e BC: as palavras impressas tornaram-se equivalentes às respectivas figuras; isto indicava que os estudantes liam com compreensão. A escrita sob ditado (relações AE) também emergiu, mas os efeitos foram menores do que os obtidos para a leitura e foram mais variáveis entre os estudantes. Por exemplo, no estudo de de Rose e colaboradores (1996), enquanto a média de leitura das palavras de treino foi de 93,2% (e o escore mais baixo foi de 80,4%), a acurácia média de escrita sob ditado para estas mesmas palavras foi de 33,5%. Este resultado aparentemente baixo na escrita representa, na verdade, um progresso apreciável, porque 33,5% das palavras foram escritas sem nenhum erro.

 

RESULTADOS COM POPULAÇÕES DIFERENTES

Como sumariado na Figura 4, nós testamos amplamente este programa de ensino com estudantes de classes regulares que haviam fracassado na aquisição de um repertório de leitura e os resultados gerais foram replicados com fidedignidade tanto intra-estudante (ao longo de sucessivas unidades de ensino) quando inter-estudantes da mesma população. Contudo, seria importante verificar se os procedimentos funcionariam com estudantes com repertórios diferentes. O programa foi, então, aplicado a outras populações de estudantes: crianças de pré-escola, estudantes de uma classe especial para portadores de retardo mental, e adultos que não sabiam ler (Melchiori, de Souza e de Rose, 2000). Os estudantes de pré-escola aprenderam a ler as palavras ensinadas e todos eles apresentaram leitura recombinatiya. Resultados similares foram obtidos com os adultos e com as crianças de classe especial. Em geral, os escores destes estudantes replicaram aqueles mostrados na Figura 4 para os estudantes de classes regulares. Contudo, as crianças de classe especial necessitaram de muito mais treino. Enquanto os pré-escolares, adultos e crianças de classe regular precisaram de, respectivamente, 1,1; 1,5; e 2,0 sessões (em média), para completar cada unidade de ensino, as estudantes de educação especial requer eram aproximadamente quatro repetições de cada unidade para atingir perfeita acurácia na leitura de palavras de treino nos pós-testes. O desempenho final, contudo, foi pelo menos tão acurado quanto o dos demais grupos.

 

LEITURA RECOMBINATIVA

Com a expansão gradual do repertório de equivalências e leitura, nós estávamos interessados em verificar se os estudantes leriam novas palavras, formadas pela recombinação das sílabas das palavras de treino (leitura recombinativa, ou generalização para outras palavras). A língua portuguesa provavelmente favorece isso, uma vez que há uma regularidade substancial na correspondência fonética entre grafemas e fonemas. Nós maximizamos esta regularidade, selecionando apenas palavras compostas por duas ou três sílabas, sendo as sílabas do tipo CV, ou seja, consoante seguida por vogai, com cada consoante correspondendo sempre ao mesmo fonema. Depois de aprender a ler palavras como bolo e vaca, por exemplo, seriam os estudantes capazes de ler também palavras como boca e lobo? Embora os estudantes não tenham sido explicitamente ensinados a ler estas palavras, elas eram formadas por recombinação de sílabas das palavras de treino. Como Skinner (1957) observou, o ensino da leitura de palavras inteiras pode gradualmente produzir o controle por unidades menores, levando à recombinação e leitura de novas palavras.

No nosso programa, o controle pelas unidades menores se desenvolveu sem treino explícito, para a maioria dos estudantes, mas em graus variáveis. Alguns estudantes começaram a ler novas palavras em algum ponto do programa de leitura e, daquele ponto em diante, aumentaram gradualmente o número de palavras de generalização que eles liam. Os resultados no teste final demonstraram o quanto eles tinham progredido até aquele ponto: os escores variaram de zero a 100% e a mediana foi de 44,6%, como mostrado no painel inferior da Figura 4. De fato, estes dados mostram a habilidade de ler novas palavras como virtualmente um efeito tudo ou nada: uma vez que os estudantes começam a ler novas palavras, eles vão provavelmente ler um número crescente delas à medida que o treino continua. Os escores variáveis em nossos estudos são devidos provavelmente aos diferentes momentos nos quais os estudantes começam a apresentar leitura recombinativa. Alguns estudantes, contudo, nunca leram uma palavra nova (7 casos em um total de 29, ou 24%) apesar de terem apresentado altos escores na leitura de palavras de treino. Este foi um resultado recorrente em nossos estudos iniciais (ver, porém, a discussão na próxima secção) e ocorreu com a maioria dos alunos no estudo de Ynoguti (2002), como mostrado na mesma Figura 4.

 

ENSINANDO OS ESTUDANTES A LER UNIDADES TEXTUAIS MÍNIMAS

Uma questão importante diz respeito aos pré-requisitos comportamentais que estão faltando nos repertórios destes estudantes quando eles reconhecem palavras inteiras mas não apresentam controle de estímulos por unidades textuais menores. Talvez a literatura sobre consciência fonológica possa fornecer pistas. A consciência fonológica é definida como o conhecimento que as pessoas têm sobre os sons que constituem as emissões faladas (para nossos propósitos, as palavras). Em termos comportamentais, isto pode ser definido como controle de estímulo por unidades sonoras menores do que palavras. Se os estudantes não respondem a fragmentos de palavras ditadas, eles terão dificuldade para relacionar sons a componentes específicos da seqüência de letras que compõem uma palavra impressa. A literatura sugere que resultados melhores poderiam ser obtidos se os métodos usados em nosso programa fossem combinados com o ensino explícito de relações entre letras e sons (e.g., Adams, 1994; Ehri, 1991; Morais, 1995; Stanovich, 1991). Isto poderia reunir os benefícios da equivalência de estímulos para promover a compreensão, com os benefícios do ensino explícito das relações letra-som para produzir controle mais fidedigno e mais rápido por unidades menores. Apoio empírico para esta suposição foi obtido recentemente em um estudo que acrescentou, a nosso programa de ensino, uma tarefa em que os estudantes tinham oportunidade de emparelhar sílabas impressas a sílabas ditadas e, também, selecionar sílabas impressas e ordená-las para construir uma palavra que correspondia a uma palavra ditada (de Souza, de Rose, Hanna, Cazati, Huziwara, & Toledo, 2004). O emparelhamento de sílabas foi introduzido, em cada unidade de ensino, depois que os estudantes alcançaram o critério de leitura das palavras ensinadas naquela unidade. As sílabas utilizadas eram as componentes das palavras de treino. Todos os 20 estudantes expostos a este procedimento mostraram generalização recombinativa. A média foi de 80,0% e apenas quatro estudantes tiveram escores abaixo de 50%, sendo o escore mais baixo de 36% (próximo à media obtida nos estudos anteriores).

É possível que, à medida que utilizemos este programa para o ensino de estudantes com repertórios ainda mais limitados, nós encontremos estudantes para os quais até mesmo este treino não seja suficiente. Eles podem necessitar instrução explícita sobre como recombinar as sílabas para formar novas palavras. Isto acontecia com os estudantes com retardo mental no programa descrito por Ribes (1972). Depois que o programa estabelecia um repertório inicial de leitura de 17 palavras, os estudantes aprenderam a recombinar as sílabas destas palavras para formar novas palavras. Para ensinar isto, o instrutor apresentava, separadamente, duas sílabas e pedia ao estudante para lê-las. Em passos sucessivos de esvanecimento, estas sílabas eram apresentadas em proximidade espacial crescente, até que se juntavam para formar uma palavra.

 

ENSINANDO ESTUDANTES A LER PALAVRAS COMPLEXAS: DESENVOLVIMENTO ADICIONAL DO CONTROLE POR UNIDADES TEXTUAIS MÍNIMAS

O programa de ensino descrito nas secções precedentes tem sido efetivo para ensinar a leitura de palavras simples isoladas e para implementar algum grau de leitura recombinativa. Um segundo programa foi planejado para ensinar palavras com unidades textuais mais complexas, tais como agregados de consoantes (como, por exemplo, pasta, pente, vidro, cobra, telhado, carro, etc). Para este programa, cada unidade complexa específica foi focalizada em quatro sessões sucessivas de ensino, com um conjunto diferente de quatro palavras ensinado em cada unidade. O procedimento de exclusão foi usado para ensinar estas novas relações de emparelhamento (emparelhamento de palavras ditadas com palavras impressas, com a palavra indefinida apresentada como estímulo de comparação juntamente com uma palavra definida). O estímulo de comparação definido em cada tentativa era uma das palavras simples ensinadas no programa anterior. Uma vez que queríamos ensinar agora um conjunto mais amplo de palavras, muitas das quais não são facilmente representáveis pictoricamente, não foram usadas figuras nesta fase. Como nos estudos anteriores, usamos somente palavras inteiras. Os dados mostraram, consistentemente, que, neste segundo programa, os estudantes não apenas aprenderam a ler as palavras ensinadas, mas também mostraram uma habilidade crescente na leitura de palavras novas (de Rose e colaboradores, 1992). Estes resultados dão suporte adicional à noção de que o controle por unidades textuais menores pode ser abstraído a partir do ensino de um conjunto de unidades maiores (palavras inteiras) contendo as unidades-alvo menores (de Rose e colaboradores, 1996; Skinner, 1957). Sob as condições deste programa, a apresentação sistemática das unidades alvo em palavras diferentes pode ter um importante papel em sua discriminação e, sobretudo, favorecido sua abstração (cf. Alessi, 1987; Skinner, 1957). Nosso procedimento é similar à manipulação sistemática de unidades intrassilábicas (ataque e rima) realizada no estudo conduzido por Mueller, Olmi e Saunders (2000) e pode ser ainda um outro modo, relativamente pouco explorado até o presente, de desenvolver o controle por unidades textuais mínimas requeridas para a leitura recombinativa.

 

DE PALAVRAS COM SIGNIFICADO A TEXTOS COM SIGNIFICADO: ENSINANDO OS ESTUDANTES A LER TEXTOS COM COMPREENSÃO E FLUÊNCIA

A maioria dos nossos estudos ensinaram os estudantes a ler palavras isoladas. Esta é uma habilidade bem importante, mas não é suficiente para que os estudantes leiam e compreendam textos narrativos ou expositivos. Depois de passar pelo nosso primeiro programa de ensino, os estudantes tinham de fato dificuldades na leitura de textos curtos, embora eles fossem capazes de ler palavras isoladas em novos contextos (por exemplo, palavras exibidas em cartazes publicitários) especialmente arranjados para testar esta habilidade (Ferraz, 2002). Como a aprendizagem tinha sido conduzida apenas com substantivos, eles também tinham dificuldades quando encontravam outras categorias de palavras. Com base no trabalho experimental anterior de uma de nossas estudantes (Miura, 1992), implementamos um terceiro programa, que apresentava aos estudantes livros com pequenas histórias. Devido ao extenso repertório de emparelhamento entre palavras ditadas e impressas que os estudantes haviam adquirido, as novas dificuldades encontradas quando os estudantes tentavam ler estes livros foram eliminadas fornecendo-lhes oportunidades para ler, com a apresentação de dicas simples quando eles faziam pausas longas ou liam incorretamente. Dois tipos de dicas foram usados. Sempre que o estudante fazia uma pausa longa o suficiente para sugerir que ele não reconhecia uma palavra, o experimentador dizia a palavra em voz alta e o estudante era instruído a repetir a palavra. A resposta dos estudantes nesta situação particular podia ocorrer sob controle simultâneo da palavra falada pelo instrutor (sendo, portanto, uma resposta ecóica) e da palavra impressa (que podia ser emparelhada também com a palavra falada pelo experimentador) e isto podia ajudar na transferência de controle do comportamento ecóico para comportamento textual, à medida que a experiência de leitura aumentava. Um outro tipo de dica era apresentado imediatamente depois que o estudante pronunciava uma palavra incorretamente: o experimentador dizia a palavra correta para que o estudante repetisse; o estudante podia, então, emparelhar a palavra impressa à palavra falada pelo experimentador. Esta combinação de dois tipos de dicas, o procedimento de dica atrasada (Halle, Marshall e Spradlin, 1979) e a modelação da resposta verbal apropriada foi efetiva para ensinar a leitura de sentenças. Depois de ler todas as palavras de uma sentença, o estudante repetia a sentença. Os primeiros livros selecionados para essas atividades tinham apenas uma sentença por página; assim, as crianças logo estavam lendo uma história completa, apesar de curta. Então, nós aumentávamos gradualmente a complexidade dos textos. Quando os estudantes conseguiam ler aceitavelmente as palavras do texto, os procedimentos de dica eram aplicados a novos aspectos das respostas vocais, tais como inflexão e pontuação. Isto ampliava o repertório de leitura e tornava possível a diferenciação de um repertório mais refinado e sofisticado, de modo que as crianças passavam a ler com fluência. Adicionalmente, as ilustração dos livros e a conversação sobre a história mantida com o instrutor depois da leitura (o título, enredo, cenário, personagens e assim por diante) podem ter tido algum efeito na compreensão de leitura de histórias.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da noção de que os repertórios de leitura e escrita constituem uma rede interligada de repertórios verbais, cujos estímulos discriminativos fazem parte de classes de equivalência, combinamos e integramos três programas de ensino em um currículo para ensinar leitura a iniciantes ou estudantes que apresentam dificuldades na aprendizagem de leitura na escola regular. Ensinamos estudantes que não liam a emparelhar palavras ditadas a palavras impressas e expandimos este repertório de emparelhamento através do procedimento de exclusão. Em tentativas de exclusão, nós também requeremos que os estudantes construíssem as palavras impressas com letras soltas. Estas tarefas foram arranjadas em uma série de unidades de ensino, como componentes de um programa individualizado de ensino. Os estudantes emparelhavam as palavras ditadas a palavras impressas com acurácia virtualmente perfeita. Eles também alcançaram acurácia muito alta na construção (cópia) de palavras. Testes de equivalência demonstraram que as palavras impressas tornaram-se equivalentes às palavras ditadas e às figuras correspondentes: os estudantes aprenderam a ler as palavras com compreensão. A generalização de leitura também emergiu, mas os escores foram bastante variáveis entre estudantes. Estes resultados foram replicados com outras populações de estudantes: pré-escolares, estudantes de classe especial e adultos não alfabetizados. Um segundo programa foi planejado para ensinar, por exclusão, palavras com unidades textuais mais complexas, tais como agregados consonantais. Uma unidade complexa específica era focalizada em unidades sucessivas de ensino, com um conjunto diferente de palavras em cada unidade. Os estudantes aprenderam a ler as palavras de treino e também, gradualmente, um número crescente de novas palavras, mostrando abstração de unidades menores a partir de palavras inteiras. Os resultados foram replicados através de uma série de "problemas" específicos. Em um terceiro programa, os estudantes trabalharam com livros de histórias curtas e receberam dicas e modelação quando encontravam dificuldade. Este programa gerou leitura com compreensão e fluência. Os resultados indicaram que uma combinação de métodos de controle de estímulo, incluindo emparelhamento com modelo, treino de resposta construída, exclusão, equivalência de estímulos e técnicas de esvanecimento e fornecimento de dicas pode ser bastante efetiva para ensinar leitura a diferentes grupos de pessoas com repertórios limitados.

 

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* O preparo do artigo contou com apoio do MCT/FINEP/PRONEX (66.3098/1997-1). Os autores são bolsistas de pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa - CNPq (Processos #522290/95-7 e 520732/95-2). Agradecemos a Elenice Hanna, Maria Stella Gíl e Gerson Tomanari por contribuições valiosas para o aperfeiçoamento do texto. Informações adicionais sobre o programa de ensino ou cópias do artigo podem ser solicitadas a Deisy G. de Souza ou Júlio C. de Rose, Departamento de Psicologia, UFSCar, Caixa Postal 676,13569-905, São Carlos, SP. (E-mail: ddgs@powCT.ufscar.bi; djcc@power.uftcar.br
** Departamento de Psicologia - Universidade Federal de São Carlos. Caixa Postal 676.13.565-905, São Carlos, SP.BRAZIL Telefone/Fax: (55-16) 3351-8492 E-mail: ddgs@power.ufscar.br; djcc@power.urscar.br
1 Respostas de seleção dos estímulos sâo fundamentais e estão implícitas no diagrama; as elipses destacam respostas com topografias específicas (como dizer o nome da figura, dizer a palavra, escrever uma palavra ditadas)
2 Por conveniência, vamos nos referir às relações CD como leitura, a despeito da afirmação de que o comportamento textual é apenas um componente da leitura com compreensão. Relações CD podem ser tratadas como leitura se o texto (C) é membro de uma classe de equivalência.

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