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Acta Comportamentalia

versão impressa ISSN 0188-8145

Acta comport. vol.19 no.4 Guadalajara  2011

 

EDITORIAL

 

Apresentação deste número

 

 

Apesar do controle aversivo englobar a maior parte das relações entre o organismo e o ambiente, ele não vem recebendo atenção proporcional dos analistas do comportamento. Um exame das publicações nos mostra que a ciência denominada Análise do Comportamento tem tradicionalmente se concentrado nos estudos sobre as relações operantes envolvendo controle por reforço positivo. Existe uma enorme distância entre o fenômeno real e complexo a ser compreendido e o conjunto disponível de dados empíricos. Mesmo diante da insuficiência de conhecimento acumulado sobre o tema, algumas interpretações gerais têm se cristalizado na área e acabaram quase virando senso comum. Não raro tais análises comportamentais são parciais, incompletas ou distorcidas. Um exemplo seria a rejeição generalizada e por princípio do controle aversivo que, para muitos, é identificado como sinônimo de controle coercitivo. Não fazer a distinção entre a coerção - tipo de controle socialmente indesejado e não necessariamente derivado de contingências aversivas - e as muitas relações organismo/ambiente denominadas como aversivas, que até podem ser benéficas ao sujeito ou ao grupo, como, por exemplo, garantindo um responder adequado quando prevalecem conseqüências atrasadas ou remotas, indica um desconhecimento sobre o comportamento como um todo. Recentemente, pesquisadores vêm questionando, com dados empíricos (experimentais e clínicos) e reflexões teóricas, algumas "verdades" bem estabelecidas na área, tais como a inadequação generalizada do uso da punição, ou a possibilidade de haver contingências de reforçamento positivas "puras", ou seja, não envolvendo qualquer nível de aversividade.

O Simpósio Sobre Controle Aversivo (SICA) nasceu de uma tentativa de alguns pesquisadores avançarem na análise e na discussão crítica sobre questões relativas a esse tipo de controle comportamental. Inicialmente as discussões foram feitas entre membros de dois laboratórios envolvidos com pesquisa básica com animais - um situado na Universidade de São Paulo (sob a coordenação de Dra. Maria Helena Hunziker) e outro na Universidade Federal do Pará (sob a coordenação do Dr. Marcus Bentes de Carvalho Neto). O grupo de discussão e pesquisa composto por esses pesquisadores e seus alunos se ampliou a ponto de requerer uma organização formal de um evento – que passou a ser realizado na Universidade de São Paulo - destinado a debater mais extensamente esse tema. Na sua primeira ocorrência, em 2009, o SICA I destinou um dia aos debates, tendo a participação de pesquisadores de três universidades brasileiras e uma audiência de cerca de 80 pessoas. Em 2010 realizamos o segundo evento (SICA II) , que contou com dois dias de debates intensos, com palestras de pesquisadores provenientes de seis universidades, distribuídas por cinco Estados brasileiros: Pará, Bahia, Distrito Federal, Paraná e São Paulo. A audiências ultrapassou 100 pessoas, muitas das quais participaram ativamente das discussões que seguiram cada apresentação.

A oportunidade criada pela revista ACTA COMPORTAMENTALIA de publicar alguns dos trabalhos apresentados no SICA II cria a possibilidade de que uma audiência mais ampla, e internacional, discuta o tema. Como o controle aversivo envolve relações comportamentais que são, via de regra, mais criticadas do que estudadas, consideramos que essa publicação estará ajudando a preencher uma lacuna histórica dentro da Análise do Comportamento.

Os textos aqui apresentados são de diferentes naturezas, voltados para questões teóricas, filosóficas, conceituais, experimentais e aplicadas. Dentre os textos, encontramos a análise sobre a rejeição/incompreensão que o tema sofre (Quem tem medo de controle aversivo?), bem como questões conceituais envolvidas no seu estudo (Afinal, o que é controle aversivo?). A punição, abordada em dois textos, é tratada em relação à sua definição (Duas Formulações Comportamentais de Punição) e à assimetria em relação ao reforço positivo (Skinner e a Assimetria Entre Reforçamento e Punição). Experimentalmente, são analisadas as influências que poderão advir de pesquisas que demonstram que o controle aversivo depende, ao menos em parte, de aprendizagens estabelecidas no período pré-natal (As primeiras aprendizagens com estímulos aversivos: considerações iniciais) . Por fim, são propostas questões sobre a (im)possibilidade de se utilizar controle aversivo na clínica, material que pode alimentar novos debates sobre esse tema tão controverso (Porque o controle aversivo não é uma possibilidade na clínica).

Dedicamos essa publicação à Dra .Teresa Maria Pires Sério (Téia), pesquisadora da PUC - São Paulo, cuja discordância lúcida e instigante sobre alguns pontos debatidos ao longo do SICA I foi um incentivo a mais para darmos continuidade a esse evento. Embora sua morte prematura nos tenha privado de suas contribuições inestimáveis, ela será sempre uma presença a nos lembrar a importância da diversidade dentro da ciência, onde pontos de vista discordantes podem, e devem, ser confrontados e debatidos com respeito, visando uma compreensão maior do fenômeno em estudo, nosso objetivo comum.

 

Maria Helena Leite Hunziker e Marcus Bentes de Carvalho Neto
Organizadores do SICA