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Acta Comportamentalia

Print version ISSN 0188-8145

Acta comport. vol.19 no.4 Guadalajara  2011

 

ARTIGOS

 

As primeiras aprendizagens com estímulos aversivos: considerações iniciais1

 

Early learning involving aversive stimuli: Initial considerations

 

 

Tauane P. Gehm2

Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo foi discutir as questões: (1) Quando começam as primeiras aprendizagens envolvendo estímulos aversivos?; e (2) Como são essas aprendizagens? Para tanto, foram analisados estudos experimentais com diferentes espécies, incluindo-se humanos, que se debruçaram sobre aprendizagens pré-natais e aprendizagens durante os primeiros dias após o nascimento. Apontam-se evidências de que a exposição pré-natal a determinados estímulos possa alterar a sua eficácia em um período pós-natal – mesmo com estímulos considerados aversivos incondicionados. Além disso, verifica-se a formação pré-natal de pareamentos respondentes aversivos. Com relação aos primeiros dias de vida pós-natal, apontam-se dados sobre a dificuldade de formação de pareamentos respondentes aversivos quando estes concorrem com a aprendizagem de relações de vinculação com o cuidador. De maneira ampla, sugere-se a importância de determinadas aprendizagens pré e pós-natais na formação e fortalecimento do vínculo entre cuidador e filhote de forma que estas possam retardar o aparecimento de algumas associações com estímulos aversivas. Por fim, conclui-se que considerar o nascimento como o começo de uma história de aprendizagem é um equívoco. Sendo a aprendizagem um fenômeno cumulativo, olhar para o período pré-natal pode somar na compreensão de comportamentos complexos que surjam e/ou que se mantenham a partir do contato com estímulos aversivos.

Palavras-chave: aprendizagem pré-natal; primeiras aprendizagens; estímulos aversivos; vinculação; ontogênese, filogênese.


ABSTRACT

From a radical behaviorist perspective, this article had as objective to look into the early learnings that involve aversive stimuli, selecting and analyzing an experimental literature facing answer two questions: (1) When do the early learnings involving aversive stimuli start?; and (2) How are these learnings? In order to do that, we analyzed experimental studies with different species that looked into learning that occurred in prenatal period and during first days after birth. We indicate evidences that learning begin before birth: the direct observation of fetus rats suggests that the formation of respondent relations with aversive stimuli already within 19 days of gestation in rats (Smotherman & Robinson, 1985); the induction of aversive association during gestation produces the non-choice of the conditioned stimuli (CS) after birth (Gruest, Richer, & Hars, 2004); and the prenatal exposition to stimuli which are normally avoided in early days of life increases the preference for these in the post-birth period, altering its function (Sneddon, Hadden, & Hepper, 1998). We also highlight the importance of attachment in the early days after birth, collecting data that indicate the neutralization of some aversive associations' formation, aversive associations that could harm the bond between the caregiver and the younglet in periods in which such attachment is crucial for the infant's survival: aversive association formation using milk as CS only happens before the 20 first days if the milk is not obtained by the suction of a female lactating rat's nipple (Martin & Alberts, 1979); and the association of neutral stimuli to electric shocks in rats' early days of life increases the preference for such stimuli (Roth & Sullivan, 2005). One of the possible explanations is that if the aversive association occurred with the same ease in the early days of life as they occur in adult age, the mother could become an aversive conditioned stimulus for having behaviors such as biting and kicking the younglets. Nevertheless, the neutralization of some aversive association in early life can facilitate the attachment, and its maintenance, to the caregiver. Therefore, we suggest that considering birth as the beginning of a history of learning with aversive stimuli is a misconception. In addition, the unconditioned aversive characteristic of certain stimuli cannot be justified by the presence of the aversive quality already in birth, since its function may have been altered by experiences prior to parturition. Being learning a cumulative phenomenon, considering prenatal period could count in comprehension of complex behaviors that arise and/or last from the contact with aversive stimuli.

Keywords: prenatal learning; early leanings; aversive stimuli; attachment; ontogeny, phylogeny.


 

 

O comportamento, o objeto de estudo do Behaviorismo Radical, é definido com a interação entre um organismo e seu ambiente (Skinner, 1969). Para compreender por que um comportamento acontece, buscam-se variáveis em três níveis de seleção e variação: (1) contingências de sobrevivência, relacionadas ao processo de seleção natural; (2) contingências de reforçamento, por meio da qual um organismo adquire seu repertório; e (3) contingências mantidas por um ambiente cultural evoluído (Skinner, 1981).

Andery, Micheletto e Sério (2007) apontam que o primeiro nível corresponderia às características filogenéticas, as quais usualmente são chamadas de inatas. De acordo com as mesmas autoras, o segundo nível de seleção, chamado de ontogenético, descreveria como indivíduos desenvolvem um conjunto específico de respostas e de relações entre respostas e mudanças ambientais. Portanto, a seleção ontogenética estaria relacionada à experiência do indivíduo e à sua história de aprendizagem.

A aprendizagem tem sido amplamente estudada por várias linhas da psicologia, embora sua definição ainda seja bastante controversa. Catania (1998/1999) aponta que, de modo geral, aprendizagem "se trata da aquisição ou processo pelo qual comportamento é adicionado ao repertório de um organismo; uma mudança relativamente permanente no comportamento" (p. 385).

Mais controversa ainda são as respostas fornecidas à questão: Em que momento começa a aprendizagem na vida de um organismo? Grande parte dos estudos centra-se no período pós-natal, seja pela dificuldade em se verificar uma história de aprendizagem antes do nascimento, seja pela descrença de que a mesma exista. Nesta direção, é comum considerar-se que o repertório com o qual o indivíduo nasce corresponda a um repertório independente de aprendizagem. Conforme apontado por Skinner (1966), aqueles que buscam estudar variáveis genéticas procuram organismos sobre os quais o ambiente tenha tido pouca oportunidade de atuar e os recém-nascidos são considerados exemplos deste tipo de organismo.

Sobre as primeiras aprendizagens, Bijou e Baer (1978) retomam as idéias kantorianas de que nos meses iniciais da vida haveria uma prevalência de comportamentos biológicos que são associadas intimamente à sobrevivência, como o respirar e a regulação da temperatura orgânica. Em seguida, a experiência de interações com o meio promoveria as primeiras aprendizagens respondentes e operantes e estas relações iniciais estariam fortemente associadas aos processos de vida e crescimento. A maioria das relações respondentes inicialmente aprendidas, por exemplo, continuaria tendo função protetora da vida do organismo. Considerando- se que estímulos aversivos incondicionados podem colocar em risco a sobrevivência do organismo, não é estranho supor que aprendizagens com função protetora que sejam adquiridas a partir do contato com tais estímulos se desenvolvam já nos primeiros momentos da vida.

A partir das considerações até aqui feitas, este artigo teve como objetivo debruçar-se sobre a questão das primeiras aprendizagens que envolvem estímulos aversivos(1)3 analisando uma literatura experimental e adotando um olhar behaviorista radical sobre os dados que tal literatura apresenta. As questões que este texto pretendeu avaliar foram duas: (1) Quando começam as primeiras aprendizagens envolvendo estímulos aversivos?; e (2) Como são essas aprendizagens? Em vista da complexidade de tais questões, não se pretendeu aqui esgotar as respostas, mas sim realizar uma primeira aproximação do tema, possibilitando-se espaço para futuras discussões.

 

EXPOSIÇÃO PRÉ-NATAL A ESTÍMULOS

Nos últimos anos, observa-se um aumento na quantidade de estudos que mostrou que expor o feto humano a determinados estímulos antes do nascimento pode alterar o seu valor reforçador em situações futuras (para uma revisão, ver James, 2010). De forma geral, constata-se um responder diferenciado dos sujeitos frente a estímulos aos quais eles foram expostos durante o período intrauterino em comparação ao responder frente a estímulos novos. O fenômeno é observado em diferentes animais, como coelhos (Coureaud, Schaal, Hudson, Orgeur, & Coudert, 2002) frangos (Sneddon, Hadden, & Hepper, 1998) e ratos (Pedersen & Blass, 1982), evidenciando uma possível generalidade entre espécies.

O efeito de um responder diferencial de fetos humanos a estímulos familiares foi mostrado experimentalmente por Kisilevsky et al. (2009). Eles investigaram se os fetos poderiam distinguir entre a voz materna (estímulo familiar) e a voz de uma pessoa estranha (estímulo novo). Para isso, analisaram a alteração do batimento cardíaco de embriões quando gravações ora com a voz da mãe, ora com voz de outra pessoa eram colocadas próximas ao abdome materno. Essas taxas foram comparadas ao batimento cardíaco em períodos de silêncio. Constatou-se que, em comparação aos períodos de silêncios, o batimento cardíaco dos fetos aumentava diante da voz materna, mas não diante da voz de uma pessoa estranha.

Uma das possíveis funções para essas aprendizagens pode estar relacionada ao vínculo entre o jovem organismo e seu cuidador. Os estímulos que se tornam familiares para o feto são, em geral, aqueles que o circundam – ou seja, aqueles associados à mãe ou ao ambiente materno. Após o nascimento, o responder diferenciado aos estímulos maternos poderia facilitar a formação e o fortalecimento do vínculo entre filhote e cuidador.

A hipótese do vínculo abarca estímulos familiares que normalmente adquirem função reforçadora. Por outro lado, coloca-se a questão de quais seriam os efeitos de expor o feto a estímulos que normalmente são evitados logo ao nascimento? Em outras palavras, quais seriam os efeitos da exposição pré-natal a estímulos que, aparentemente, são aversivos incondicionados? Sneddon et al. (1998) realizaram um estudo que talvez nos ajude a pensar sobre tal questão.

Eles expuseram embriões de galinha a morango, uma substância normalmente evitada por estes animais logo ao nascimento, e verificaram o efeito de tal exposição em um período pós-natal. Detalhando-se melhor o procedimento, ovos de galinha foram divididos em quatro grupos, de acordo com a forma com a qual foram expostos à solução de morango que recebiam entre o 15º e o 20º dia de incubação: (1) Exposição via ar, uma solução de morango era colocada na incubadora, de modo que o odor chegasse até aos ovos; (2) Exposição via casca, uma solução de morango era suavemente esfregada na casca; (3) Exposição via injeção direta no ovo, um buraco de 0,75mm era aberto na casca e a solução era injetada no espaço com uma seringa; ou (4) Não exposição, constituindo um grupo controle.

Após o nascimento, que ocorria entre o 21º e o 22º dia, os animais eram testados de duas formas. O teste de preferência olfativo (I) acontecia aos dois dias de nascimento e consistia em uma caixa, dividida em duas partes. De um lado, a caixa era coberta com maravalha misturada a 5 ml de solução de morango e, de outro, coberta com maravalha misturada a 5 ml de água. Os pintinhos eram colocados no centro da caixa e registrava-se o tempo gasto em cada lado. O segundo teste consistia em um teste de preferência gustativo (II), realizado aos quatro dias de nascimento da ave. Duas garrafas eram colocadas em uma caixa, uma delas com água e a outra com água misturada à solução de morango. Media-se, então, o quanto os pintinhos consumiam livremente cada uma das substâncias em um período de 24h.

Os resultados indicam que aqueles animais não expostos à solução antes do nascimento (Grupo 4) evitaram o morango em ambos os testes. No teste de preferência olfativo, gastaram, em média, apenas 6% do tempo no lado com morango. No teste de preferência gustativo, observou-se que menos de 5% do total de líquido consumido correspondia ao líquido com morango. Notou-se, assim, que o morango é evitado por aqueles que não passaram por manipulação experimental alguma, caracterizando-se como uma possível substância aversiva já nos primeiros dias de vida.

Por outro lado, aqueles animais expostos à solução de morango antes do nascimento, gastaram em torno de 50% de seu tempo em cada lado da caixa no teste olfativo, sem diferenças significantes entre os Grupos 1, 2 e 3. No teste de preferência gustativo, todos os grupos expostos ao morango aumentaram o consumo do líquido com gosto em comparação ao Grupo 4 e o fenômeno foi mais robusto para aquele exposto via casca.

O contato com o morango antes do nascimento possivelmente diminuiu seu valor aversivo, ou a familiaridade com a fruta aumentou a atratividade dele! Há, portanto, evidências de que a função dos estímulos aversivos é passível de alteração antes do nascimento.

Seja com estímulos potencialmente aversivos, seja com estímulos potencialmente reforçadores, podese concluir que o responder fetal já é sensível a eventos ambientais. Ou seja, eventos ambientais já adquirem função de estímulo no período intrauterino, permitindo a formação de relações entre estes e as respostas de um organismo. Como apontado anteriormente, Bijou e Baer (1978) sugerem que um dos primeiros tipos de relações comportamentais aprendidas seja as respondentes com função de garantir a sobrevivência. A seguir, foram analisados dados que sugerem que estas relações também já estão presentes em um período anterior ao nascimento.

 

PAREAMENTOS AVERSIVOS PRÉ-NATAIS

O condicionamento respondente, clássico, ou pavloviano é definido por Skinner (1953/1978) como o processo pelo qual um estímulo antes neutro, quando seguido por um estímulo incondicionado (US), passa a eliciar respostas semelhantes àquelas eliciadas pelo estímulo incondicionado, tornando-se um estímulo condicionado (CS).

O estudo do condicionamento respondente em fetos envolve, em geral, procedimentos invasivos. Portanto, estudos com humanos são escassos. Spelt (1948) realizou um dos poucos experimentos com humanos, sugerindo que relações respondentes poderiam ser observadas nos últimos meses de gestação. Como estímulo incondicionado, foi utilizado um ruído forte e como estímulo neutro, um estímulo vibratório ajustado para que vibrasse perpendicularmente a qualquer parte do abdome materno. Como resposta, registrava-se o movimento fetal por meio de uma goma sensitiva a variações ligeiras de pressão que era colocada no abdome da mãe. O grupo experimental consistia de cinco mulheres grávidas, nas quais foi aplicada uma série de estímulos pareados (vibração seguida por som). Tais pareamentos foram repetidos por aproximadamente quatro minutos. Observou-se variação nos graus de condicionamento entre as participantes. Dois sujeitos apresentaram três respostas sucessivas ao estimulo inicialmente neutro na oitava sessão; um produziu sete respostas sucessivas na sexta sessão e outro mostrou duas respostas sucessivas na sétima. Grupos controles com mulheres não grávidas passando pelo mesmo procedimento e mulheres grávidas expostas apenas ao estímulo vibratório foram feitos. Nestes casos, a frequência de registro dos movimentos no abdome foi nula para o grupo não gravidez e sem relação com a vibração para o outro grupo.

Spelt tirou conclusões grandiosas deste experimento, defendendo que os dados evidenciavam a formação de condicionamento clássico em fetos humanos. Entretanto, Bijou e Baer (1978) apontam falhas no procedimento que impedem tal conclusão – por exemplo, os dados nunca foram replicados e existe a possibilidade de que as respostas registradas pudessem ser contrações uterinas das mulheres grávidas que também ouviam o som e não respostas fetais eliciadas pela exposição ao estímulo incondicionado.

Com ratos como sujeitos, entretanto, há um número considerável de estudos confiáveis sobre condicionamento clássico em fetos – grande parte deles realizados por Willian P. Smotherman (por exemplo, Smotherman, 2002a, 2002b, 2003). De maneira geral, o procedimento empregado por ele e por seus colaboradores envolve a observação direta de ratos fetos. O método consiste em, através de uma preparação cirúrgica ou química, trans-seccionar a medula espinhal de ratas grávidas, de forma a produzir uma anestesia espinhal permanente. Em seguida, o útero da fêmea é externalizado e tal preparação é colocada em uma banheira de salina com temperatura controlada, permitindo-se a observação do comportamento espontâneo do feto enquanto ele flutua livremente na banheira.

Os movimentos do ratinho são categorizados por um observador-cego às variáveis experimentais manipuladas. As categorias correspondem às seguintes: (1) movimento da cabeça; (2) movimento da boca; (3) movimentos da perna dianteira; (4) movimento da perna traseira; (5) Contração – espasmo ao longo da lateral do tronco; (6) ondulação – flexão ou torção do tronco; (7) extensão – esticar do tronco; (8) movimento complexo – duas ou mais das categorias anteriores ocorrendo simultaneamente; (9) atividade completa – total de tempo que o feto é registrado como ativo, sendo que o movimento complexo é registrado como um ato único; e (10) atividade componente total – número total de movimentos de partes do corpo do feto, sendo que cada um dos movimentos que forma o movimento complexo é registrado como um ato separado. Há duas outras categorias adicionais: (11) período de inatividade – período de 15s em que o feto não se movimenta; e (12) Atividade da mãe – na qual se registram quaisquer possíveis movimentos da fêmea enquanto ela está contida (2)4 (Smotherman & Robinson, 1988).

Smotherman e Robinson (1985) observaram que a exposição dos ratos fetos ao sabor/odor de menta durante o 19º dia de gestação aumentou a frequência de movimentos de contração e de atividade complexa em comparação a fetos expostos a uma solução salina. A frequência das outras categorias não sofreu alterações. Metade dos sujeitos desse estudo já havia sido exposta à menta no 17º dia de gestação, porém, a despeito das experiências anteriores com o estímulo, os resultados foram equivalentes àqueles expostos à salina apenas no 19º dia.

Eles também verificaram como se dava o responder ao cloreto de lítio (LiCl), um estímulo aversivo incondicionado que causa irritação gastrointestinal e que era injetado nos fetos via intraperitoneal (ip) (Smotherman & Robinson, 1985). Quando a injeção foi dada no 17º dia de gestação, observou-se uma redução dos movimentos das pernas dianteiras e um aumento nos movimentos de ondulação em comparação a um grupo que havia recebido salina. Já quando se injetava aos 19 dias de gestação, oito das categorias foram afetadas, sendo o efeito mais difundido. Das oito categorias afetadas, sete indicam uma redução na frequência do responder (cabeça, pernas dianteiras, pernas traseiras, atividade complexa, atividade componente total, atividade completa e períodos de inatividade), à exceção dos movimentos de contração. Os autores sugerem que o LiCl poderia afetar o comportamento fetal em ambas as idades, mas, conforme o desenvolvimento acontece, mais padrões de respostas se tornam suscetíveis à supressão pela substância.

Os efeitos da menta e do LiCl são quase opostos, enquanto o último reduz as atividades do feto, a menta aumenta alguns padrões de resposta. Smotherman e Robinson (1985) testaram, então, como os fetos reagiriam à exposição da menta seguida pela exposição ao LiCl. No 17º dia, fetos foram expostos à menta ou salina e, 60s depois, a LiCl. Como resultado obteve-se que tanto o grupo exposto à menta, quanto o grupo exposta à salina apresentaram uma redução nas taxas de atividade semelhante àquela já observada em animais que só receberam LiCl no 17º dia. Mesmo os movimentos geralmente ativados pela menta não sofreram aumento de frequência.

Uma última manipulação experimental foi proposta por eles neste estudo, com o objetivo de verificar a responsividade do feto à menta quando esta era pareada ao LiCl, testando-se a possibilidade de condicionamento clássico com estímulo aversivo. Os fetos foram, então, expostos à menta (Grupo Pareamento) ou à salina (Grupo Controle) no 17º dia e, 60s depois, recebiam uma injeção de LiCl. No 19º dia, todos foram expostos à menta e a responsividade dos sujeitos à mesma foi observada. Comparando-se ao grupo que recebeu salina, os animais que passaram pelo pareamento no 17º dia apresentaram alteração em pelo menos seis categorias quando expostos à menta no 19º dia. As categorias de movimentos com a cabeça e com pernas traseiras, atividade complexa, atividade completa e atividade componente total reduziram de frequência, observando-se um efeito de supressão semelhante àquele observado em resposta ao LiCl. O movimento de ondulação e os períodos de inatividade aumentaram de frequência.

Verificou-se, assim, que após o pareamento com um estímulo aversivo incondicionado (LiCl), um estímulo (menta) que antes não eliciava algumas respostas passou a eliciar respostas semelhantes àquelas produzidas pelo próprio estímulo aversivo. Tal resultado evidencia a aprendizagem de um condicionamento clássico aversivo no período intrauterino já no 17º dia de gestação de ratos. Afora isso, como foi observado, a exposição ao LiCl produz um aumento dos movimentos de ondulação no 17º, mas não no 19º dia. A menta, que foi pareada ao lítio no 17º dia, também eliciou respostas de ondulação no 19º dia. Os autores hipotetizam, assim, que os fetos respondam ao estímulo condicionado pela repetição da expressão ao estímulo incondicionado tal como a expressão se dá no período em que o pareamento foi formado.

Outra questão que se coloca é sobre a manutenção de tais aprendizagens. Ou seja, pareamentos formados antes do nascimento se manteriam no repertório do animal após o seu nascimento? Uma segunda linha de pesquisa com condicionamento clássico fetal induz pareamentos durante o período gestacional, testando a aprendizagem apenas no período pós-natal. Uma das vantagens dessa linha é que os procedimentos empregados não são tão invasivos quando o citado anteriormente, além de não demandar a anestesia permanente da rata grávida. Grande parte dos estudos utiliza ratos como sujeitos (por exemplo, Gruest, Richer, & Hars, 2004; Smotherman, 1982, Stickrod, Kimble, & Smotherman, 1982), mas resultados positivos já foram obtidos também com primatas (Kawai, Morokuma, Tomonaga, Horimoto, & Tanaka, 2004).

Antes de esmiuçar os procedimentos e resultados dessa linha de pesquisa, cabe aqui apontar uma difi- culdade metodológica. No caso de estudos que envolvam o condicionamento clássico de estímulos aversivos incondicionados, uma das dificuldades consiste na medida para verificar a formação do pareamento aversivo possivelmente estabelecido no útero. Muitas vezes, a medida consiste no consumo pós-natal do estímulo condicionado no útero, ou na quantidade de vezes em que o animal escolhe o braço onde está presente o estímulo condicionado em um teste realizado em um labirinto em Y. De uma forma ou de outra, não se avaliam diretamente as respostas eliciadas condicionadas, mas sim padrões operantes de escolha e consumo. A premissa por trás disso é a de que, se o condicionamento respondente ocorrer, o estímulo condicionado adquirirá propriedades operantes aversivas semelhantes àquelas do estímulo incondicionado. Assim sendo, pressupõe-se encontrar dados que sugiram que o CS é menos escolhido ou evitado.

Como exemplo deste tipo de pesquisa, encontra-se o estudo de Gruest et al. (2004). Eles investigaram a possibilidade de formação de um pareamento aversivo no período gestacional e testaram a sua expressão após seis semanas do nascimento, verificando os efeitos em longo prazo do pareamento. Para tanto, fetos de ratos foram utilizados como sujeitos, essência de alho como CS e LiCl como US. No grupo experimental, os sujeitos foram submetidos a dois pareamentos, separados pelo intervalo de um dia. No primeiro deles, água aromatizada com alho era dado para a mãe consumir e, 45min depois, injetava-se na mãe LiCl via ip. O intervalo de 45min era para maximizar o contato do feto com o alho antes da exposição ao cloreto de lítio. No segundo dia, como as mães haviam adquirido aversão ao alho, o CS era administrado nelas via ip e, 45 min. depois, injetavam-se o LiCl. Metade dos animais passou pelo procedimento aos 15/16 dias de gestação, a outra metade, aos 18/19 dias de gestação. Havia três grupos controles para cada uma das idades avaliadas: um deles recebia apenas alho no primeiro dia do procedimento e alho seguido de uma injeção de salina no segundo; outro recebia apenas LiCl no primeiro e água seguida por LiCl no segundo; e um terceiro grupo recebia água no primeiro dia e água seguida por uma injeção de salina no segundo.

Aos 22 dias de gestação os animais nasceram. Após seis semanas, todos os animais passaram por testes em que se verificou o consumo de água com essência de alho em comparação ao consumo de água pura em dias anteriores. Os dados indicaram que, quando o procedimento foi realizado aos 15/16 dias de gestação, não havia diferenças na aversão à substância de água com alho entre os animais do grupo experimental e animais de grupos controle. Para os animais que passaram pelo procedimento aos 18/19 dias, observou-se que o grupo experimental diferiu dos demais, apresentando maior aversão ao alho.

Contatou-se, portanto, que a indução de pareamentos aos 18/19 dias de gestação produz respostas de aversão dos sujeitos mesmo após seis semanas do nascimento, mostrando que aprendizagens intrauterinas podem influenciar o comportamento pós-natal. Entretanto, o mesmo compoortamento não se observa quando os pareamentos são induzidos aos 16/17 dias, embora Smotherman e Robinson (1985) já tenham observado evidências de que pareamentos aversivos podem ocorrer aos 17 dias de gestação. Algumas hipóteses sugeridas pelos autores são de que os estímulos podem não ter sido detectados pelos fetos, uma vez que o sistema olfativo/gustativo pode não estar suficientemente maduro biologicamente. Outra hipótese aventada é a de que os efeitos do pareamento tenham ocorrido, mas apenas momentaneamente, não havendo a consolidação da experiência e, portanto, sua expressão seis semanas após o nascimento.

Esse estudo levanta a dúvida de se algumas experiências pelas quais a mãe passa durante a gestação podem ou não ser "transferidas" para o feto, uma vez que foi a própria mãe quem ingeriu a solução de alho. Mais estudos são necessários, entretanto, para se verificar isso, uma vez que o segundo pareamento não foi feito através da ingestão direta do líquido pela rata prenha, mas sim via ip.

De forma geral, o conjunto de estudos apresentado nessa sessão fornece evidências que sugerem que a aprendizagem de relações respondentes aversivas se inicie antes do nascimento, influenciando não só o comportamento fetal, como o comportamento pós-natal.

De posse das informações sobre aprendizagens pré-natais, a seguir serão analisadas como algumas aprendizagens com estímulos aversivos se dão nos primeiros dias de vida pós-natal.

 

PRIMEIRAS APRENDIZAGENS AVERSIVAS PÓS-NATAIS

Os dados apresentados inicialmente sobre o responder diferenciado de fetos frente a estímulos aos quais foram expostos durante o período pré-natal sugerem que uma das possíveis funções desse tipo de aprendizagem seja a de facilitar a formação do vínculo entre neonato e cuidador. Não parece absurdo pensar que, sobretudo no caso de espécies em que o indivíduo nasce dependente dos cuidados parentais (isto é, espécies altriciais), as primeiras aprendizagens sejam, de uma forma ou de outra, relacionadas à vinculação entre cuidador e infante.

Martin e Alberts (1979) realizaram estudos com ratos que ilustram a importância desse primeiro vínculo em aprendizagens envolvendo estímulos aversivos. Em um primeiro experimento, eles testaram ratos com 10-12 dias, 13-15 dias, ou 16-18 dias de vida pós-natal. Esses animais eram retirados temporariamente de suas mães e recebiam uma infusão oral de leite proveniente de ratas alimentadas com geraniol (dieta diferente daquela dada à mãe do filhote) e, portanto, o leite tinha o gosto do geraniol. Em seguida, recebiam uma injeção ip de LiCl. Após o desmame, eram colocados em um local com três dietas sólidas disponíveis: (Dieta P) ração comum; (Dieta G) ração com geraniol adicionado; e (Dieta A) ração com acetofenona, um novo e distinto sabor. Observou-se que aqueles animais que receberam leite com gosto de geraniol e, depois, LiCl apresentaram uma supressão no consumo da Dieta G quando comparados a grupos controle. O mesmo não se deu com as outras duas dietas. Esses resultados foram observados para todas as idades manipuladas. Os dados sugerem que já aos 10 dias de vida os filhotes de ratos conseguem detectar o CS e evitar, posteriormente, a ingestão de geraniol quando este é pareado a estímulos aversivos.

Os autores relatam um segundo experimento, em que o tratamento e o teste foram realizados na situação de amamentação, permitindo-se a realização do teste antes mesmo que os filhotes conseguissem ingerir alimentos sólidos. Os sujeitos tinham as idades entre 3-7 dias, 8-10 dias, 11-13 dias, ou 21-22 dias durante o tratamento. O tratamento consistia em, após 3,5h de privação, expor os filhotes a uma rata lactante estranha ao infante, na qual era permitido que ele mamasse durante 1h. Tal lactante estranha era mantida em uma dieta diferente daquela fornecida à mãe do filhote e o seu leite era o CS. Em seguida à amamentação, os filhotes recebiam LiCl. O teste ocorria 24h depois, privando-se os filhotes por outras 3,5h e os colocando por 1h junto a uma segunda lactante estranha exposta à mesma dieta da lactante estranha do tratamento. Antes e após esta 1h, o peso corporal dos filhotes era medido e a diferença entre eles consistia na medida de consumo. Comparando-se os animais que passaram pelo pareamento entre leite da lactante estranha e o cloreto de lítio e os animais dos grupos controle, constatou-se que em nenhuma das idades avaliadas os sujeitos apresentaram aversão ao CS no teste.

A não observação da aprendizagem de aversão não pode ser atribuída à qualidade do CS, uma vez que no experimento anterior observou-se aprendizagem tendo como CS o leite retirado diretamente da rata que consumia Dieta G. O que diferia os dois experimentos era que no segundo o CS era sugado diretamente da mama da rata e no primeiro era injetado oralmente no sujeito. Uma possibilidade apresentada pelos autores para explicar os dados do segundo delineamento é que o leite não pudesse ser recusado pelo filhote por não haver fontes alternativas de alimentação no momento do teste, o que não ocorria quando o teste era feito com alimentos sólidos (os animais podiam escolher entre três dietas). Outra possibilidade levantada foi que a sucção seja para os infantes uma atividade tão reforçadora que é capaz de mascarar os efeitos da aversão condicionada.

Um terceiro experimento foi então realizado para determinar os resultados do teste com alimentos sólidos, mantendo-se o tratamento em que o infante mamava na lactante estranha. Os sujeitos eram tratados entre os 7-13 dias, 14-17 dias, ou 21-22 dias. Observou-se que a única idade manipulada que diminuiu o consumo da Dieta G após o desmame foi aquela em que o tratamento foi feito aos 21-22 dias. Os animais tratados entre os 7-13 dias apresentam, inclusive, um sutil aumento do consumo da Dieta G. Sugere-se, assim que a capacidade de associar o leite obtido por meio da amamentação (CS) a estímulos aversivos só apareça por volta dos 20 dias de vida, embora a aprendizagem de outros pareamentos aversivos seja possível já no período pré-natal, como visto por Smotherman e Robinson (1985).

Em um último experimento, o CS (leite de uma rata tratada com Dieta G) era liberado diretamente por uma cânula na boca do rato entre 10-11 dias, 15-16 dias, ou 21-22 dias e, durante esse tratamento, permitiase que, paralelamente, os filhotes sugassem a mama de uma lactante estranha. Entretanto, a saída do leite da mama era bloqueada. Em uma parcela dos animais, o leite era liberado contingente às respostas de sucção da mama bloqueada e, em seguida, o pareamento com lítio era induzido. Nestes animais, apenas os sujeitos tratados aos 21-22 dias apresentaram supressão do consumo da Dieta G quando testados com alimentos sólidos. Para outros animais, a liberação do leite seguida por LiCl não era contingente às respostas de sucção. Neste caso, os sujeitos de todas as idades apresentaram aversão à Dieta G. O aparente bloqueio do condicionamento aversivo em ratos no período de amamentação é, então, coincidente com respostas de sucção. Sugar implica, em geral, em consequências nutritivas para os infantes. Os autores aventam a hipótese de que, possivelmente, o reforçamento do sugar possa neutralizar a formação do pareamento aversivo. Aos 21-22 dias, entretanto, os ratos já estão em período de desmame e a relação entre a resposta de sugar e a obtenção de nutrientes já está enfraquecida, possibilitando a formação do pareamento aversivo (Martin & Alberts, 1979).

Outras hipóteses explicativas neurobiológicas e comportamentais estão presentes na literatura. Trabalhos de algumas pesquisadoras como Regina M. Sullivan, Stephanie Moriceau e Tania L. Roth (por exemplo, Moriceau, Roth, & Sullivan, 2010; Moriceau & Sullivan, 2005; e Roth & Sullivan, 2001) têm sugerido que a neurobiologia envolvida na aprendizagem de estímulos aversivos nos primeiros dias de vida seja diferente daqueles observados em adultos. Fornecendo explicações orgânicas (Moriceau et al., 2010; Moriceau & Sullivan, 2005), elas apontam que, no adulto, aprendizagens de aversão envolvem órgãos como amígdala, hipocampo e o córtex frontal. No infante, o circuito neural ativado em aprendizagens com estímulos aversivos seria diferente, envolvendo regiões como o bulbo olfativo e o lócus cerúleo. As pesquisadoras relatam também evidências da existência um período sensível de aprendizagem, que vai até os nove dias de vida, em que ratos apresentam facilidade em aprender preferência por odores e dificuldade em aprender relações de condicionamento aversivo.

Resumidamente, Roth e Sullivan (2005) mostraram que o pareamento entre menta e choque elétrico realizado no 12º dia de vida resulta em uma diminuição da quantidade de vezes em que o braço com menta é escolhido em um teste de labirinto em Y em comparação à escolha do braço com um estímulo neutro. Sugere- se, assim, que evitar a menta seja evidência da formação do pareamento aversivo. Entretanto, quando os ratos passam pelo pareamento no 8º dia de vida (dentro do período considerado sensível), o braço com menta é escolhido na quase totalidade das tentativas. O dado sugere que, aos oito dias de vida, parear um estímulo inicialmente neutro a choque elétrico aumente a preferência pelo estímulo neutro ao invés de diminuir!

As explicações comportamentais que Moriceau et al. (2010) dão para o fenômeno é que, até os nove dias de vida, o animal é extremamente dependente do cuidado materno. Nesta fase de vida, as mães costumam maltratar os infantes, com mordidas, patadas e comportamentos semelhantes. A formação de um pareamento aversivo entre a mãe e o filhote, contudo, seria desvantajosa para a sobrevivência do animal. As pesquisadoras retomam a teoria do apego de Bowlby, apontando que uma das características do vínculo inicial é que, a despeito do abuso físico que sofram, os infantes continuam apegados ao cuidador. Por outro lado, aos 9 dias de vida os ratos começam a andar e o ambiente com o qual eles têm contato aumenta, sendo as aprendizagens aversivas necessárias para a sobrevivência fora do ambiente materno. E isso coincidiria com o término do período sensível e com a maturação neurobiológica.

As hipóteses formuladas a partir do conjunto de dados apresentados até aqui corroboram com a visão de que as aprendizagens nos primeiros dias de vida possuem forte relação com a vinculação entre cuidador e infante, mesmo quando elas envolvem estimulação aversiva.

Quando se inicia e como são as primeiras aprendizagens com estímulos aversivos?

O presente texto pretendeu debruçar-se sobre duas questões: quando e como as primeiras aprendizagens envolvendo estímulos aversivos acontecem. Embora não se tenha esgotado as respostas para tais perguntas, apontaram-se evidências de que aprendizagens de relações respondentes aversivas e uma diferenciação no responder frente a estímulos aversivos familiares se iniciem antes do nascimento. Ainda não existem pesquisas tão desenvolvidas para que se possa dizer o exato momento da vida pré-natal em que uma história de aprendizagem começa. Por vezes, processos de aprendizagem com estímulos aversivos e com estímulos apetitivos acontecem paralelamente no desenvolvimento, sem a primazia de um sobre o outro. Os dados sobre aprendizagem respondente pré-natal são evidências de tal afirmação, uma vez que o processo de formação de pareamentos é observado tanto com estímulos aversivos, quanto com estímulos apetitivos (Smotherman, 2002a, 2002b). Em contraposição, a exposição a estímulos no período gestacional tem o possível efeito de diminuir a eficácia do valor aversivo e aumentar a eficácia do valor reforçador de um estímulo em testes de preferência. Parece haver, portanto, o favorecimento do aparecimento de estímulos reforçadores e a desfavorecimento do aparecimento de estímulos aversivos.

A seleção filogenética não acontece apenas com características anatômicas do organismo: processos de aprendizagem foram também selecionados (Skinner, 1966). Entretanto, na ontogenia, tais aprendizagens só podem acontecer tendo-se um organismo minimamente maduro, com órgãos sensoriais e sistema nervoso desenvolvido o suficiente para que o meio possa atuar como estímulo sobre o organismo, alterando o seu responder por meio da experiência. Há um ritmo ontogenético normal de maturação próprio de cada espécie e, portanto, o início da aprendizagem deve ser visto em cada espécie.

A despeito dessas diferenças entre espécies, o que se observa com os dados da literatura expostos neste trabalho é que é um equívoco considerar o nascimento como o momento em que um organismo começa sua história de aprendizagem com estímulos aversivos. Os dados de Sneddon et al. (1998) com frangos e de Smotherman e Robinson (1985) com ratos são evidências disso. Se humanos não estivessem prontos para aprender antes dos nove meses de gestação, por exemplo, é provável que crianças nascidas prematuramente não resistissem. Além disso, o caráter incondicionado de determinados estímulos não pode ser justificado pela presença já ao nascimento, dado que a sua função pode ter sido alterada por experiências anteriores ao nascimento (Sneddon et al., 1998).

A respeito de como as primeiras aprendizagens com estímulos aversivos se dão, os dados indicam uma relação entre elas e a formação de vínculo com os cuidadores – ao menos entre os animais altriciais. O estudo realizado por Sneddon et al. (1998) demonstra os efeitos da familiaridade com estímulos no período pré-natal, em que um estímulo normalmente evitado por pintinhos passa a ser mais consumido em função de experiências anteriores com o mesmo. Juntando-se esse resultado aos dados coletados com humanos (Kisilevsky et al., 2009), sugere-se a possibilidade de infantes responderem diferencialmente a estímulos familiares e que tal responder facilite o vínculo materno. Isso acontece mesmo com estímulos que seriam "naturalmente" evitados caso a exposição não tivesse ocorrido – como o morango no estudo de Sneddon et al. (1998). Portanto, o caráter aversivo de um estímulo pode, possivelmente, sofrer alterações a ponto de facilitar a vinculação.

Pesquisas desse tipo têm sido explicadas pelo fenômeno da familiaridade (ver em James, 2010), em que a mera exposição a determinados estímulos durante o período pré-natal alteraria a sua função Por outro lado, Smotherman e Robinson (1985) mostraram que expor um rato pela primeira vez à menta aos 19 dias de gestação, ou expô-lo pela segunda vez à menta aos 19 dias de gestação (maior familiaridade), não altera a forma como este feto responde ao estímulo. Pode ser que as variáveis dependentes adotadas como medida por Smotherman e Robinson não conseguissem captar os efeitos da familiaridade. No caso deles, as variáveis medidas eram as alterações nas taxas de respostas "espontâneas" no repertório do feto frente à menta. Já no caso dos estudos sobre familiaridade, as variáveis medidas eram alterações em padrões operantes de consumo. Apenas no segundo caso tem-se um teste que reflete uma possível alteração no valor reforçador do estímulo. Outra possibilidade é que o número de exposições à menta não tenha sido suficiente para se verificar efeitos de familiaridade com estímulo. De qualquer forma, os mecanismos comportamentais subjacentes ao que tem sido chamado de "aprendizagem por familiaridade" (ou "aprendizagem por exposição") não estão claros, necessitando de maiores investigações.

Ainda que não saibamos os mecanismos subjacentes, o caráter facilitador do vínculo permanece. A importância da relação com o cuidador fica ainda mais evidente quando os trabalhos pós-natais com ratos são observados, em que a formação de pareamentos aversivos é dependente do contexto materno (Martin & Alberts, 1979). Os dados de Roth e Sullivan (2005), em que a escolha da menta aumenta quando pareada ao choque elétrico nos primeiros nove dias de ratos, sugere a dificuldade de formação de pareamentos aversivos nos primeiros dias de vida pós-natais. Elas falam de um período sensível no desenvolvimento do organismo, em que o organismo estaria preparado para o vínculo. Neste sentido, trata-se também de um organismo com caminhos neurais e estruturas ativas diferentes daquelas observadas em adultos da mesma espécie. Isso justifi caria, por exemplo, o estudo das características de aprendizagens em função de diferentes fases de vida, uma vez que estamos lidando com organismos com maturações biológicas diferentes.

Se, por um lado, pode-se falar em períodos sensíveis, por outro, pode-se buscar possibilidades alternativas de análise. Martin e Alberts (1979), por exemplo, sugerem que a sucção no início da vida seria um comportamento tão reforçador que poderia impedir a formação de pareamentos aversivos envolvendo a resposta de sugar. O caráter extremamente reforçador se daria porque o sugar tem como consequência a obtenção do leite, único alimento de ratos nos primeiros dias. Quando tal comportamento deixa de ser tão importante para a sobrevivência, na medida em que outras fontes de alimentação se tornam acessíveis, a formação de pareamentos aversivos acontece da mesma forma como as observadas em adultos. Tal justificativa comportamental daria conta dos dados observados por eles, mas não explicaria como estímulos pareados a estímulos aversivos nos nove primeiros dias de vida se tornam preferidos. Aponta-se, assim, para a necessidade de maiores investigações na área.

Outro ponto a ser considerado é que, em um primeiro momento, os dados de Martin e Alberts (1979) e Roth e Sullivan (2005) podem parecer contraditórios aos de Smotherman e Robinson (1985). Enquanto Smotherman e Robinson (1985) mostram a formação de pareamentos aversivos já no período pré-natal, os demais apontam para a dificuldade de formação de tais pareamentos nos primeiros dias de vida pós-natal. Há, entretanto, que se considerar mais uma vez que as medidas adotadas nos estudos são diferentes. Smotherman e Robinson (1985) medem respostas em função do estímulo antecedente e estão, por conseguinte, mais próximos de uma medida direta do condicionamento respondente. Martin e Alberts (1979) e Roth e Sullivan (2005), por outro lado, apresentam medidas de consumo ou escolha em labirinto, que se aproximam mais de medidas operantes: supõe-se que o consumo/escolha poderia sofrer alterações em função de possíveis pareamentos respondentes (medida indireta de condicionamento respondente). Neste sentido, tais resultados não são comparáveis: é possível que nos primeiros dias de vida haja uma dificuldade em aprendizagem de relações operantes com estímulos aversivos condicionados, mas que as relações respondentes aversivas já estejam presentes como estão em animais adultos. Ou seja, é possível que o condicionamento respondente aversivo tenha ocorrido, mas que o organismo não esteja biologicamente maduro o suficiente para aprender relações operantes como as de fuga ou esquiva do estímulo aversivo condicionado.

A investigação das primeiras aprendizagens de relações operantes é outro campo que demanda maiores estudos. Os trabalhos de Smotherman aqui citados sugerem que a formação de pareamentos respondentes aconteça já desde a gestação de ratos. Gruest et al. (2004) mostraram que a formação de pareamentos respondentes aversivos intrauterinos pode afetar um comportamento de consumo operante pós-natal de ratos com seis semanas de vida. Entretanto, não foram encontrados trabalhos que verificassem os efeitos de consequências aversivas sobre o responder (seja eliminando-as ou evitando-as em esquemas de reforçamento negativo, seja produzindo-as em esquemas de punição). O método de exposição direta utilizado nos estudos de Smotherman possibilitaria pesquisas que investigassem se ratos fetos são sensíveis às consequências de suas respostas. Como exposto anteriormente, os estudos de Smotherman utilizam categorias de movimentos espontâneos. Se um desses movimentos fosse escolhido pelo pesquisador como alvo para ser consequenciado por um estímulo incondicionado, poder-se-ia analisar a alteração na frequência de tal resposta em função da consequência. Há, portanto, a possibilidade de estudos sobre aprendizagem de relações operantes intrauterinas analisadas em função da maturação orgânica.

Os dados levantados e as considerações feitas até aqui não esgotam as perguntas que este artigo se propôs a discutir. Entretanto, lançam a possibilidade de novos campos de estudos para a Análise do Comportamento: a aprendizagem intrauterina e possíveis especificidades das aprendizagens em função do desenvolvimento biológico de um organismo. Uma vez que a aprendizagem é um fenômeno cumulativo, a compreensão do que acontece antes do nascimento poderia complementar as interpretações sobre comportamentos complexos que surgiram ou que se mantenham a partir da sua relação com estímulos aversivos.

 

REFERÊNCIAS

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Received: December, 18, 2010
Accepted: January, 11, 2011

 

 

1) A autora agradece à CAPES pelo apoio financeiro e a Luiz Eduardo de Vasconcelos Moreira pelo auxílio na tradução do resumo.
2) E-mail: tauane.gehm@gmail.com.
3) A definição de "aversivo" também é controversa na literatura. No presente trabalho, a inclusão de um estímulo na categoria de aversivos seguiu um dos três critérios: (1) estímulos evitados pelo organismo em testes de consumo/escolha entre dois ou mais estímulos, sendo um deles neutro e o outro possivelmente aversivo; ou (2) estímulos evitados em testes de consumo/ escolha em comparação a grupos controle; ou (3) estímulos já postulados pela literatura como aversivos incondicionados, como o choque elétrico e cloreto de lítio (LiCl).
4) No inglês, os nomes dado às categorias são, respectivamente, movements of the (1) head, (2) mouth, (3) foreleg, (4) hindleg, (5) twitch, (6) curl, (7) stretch; (8) complex activity; (9) whole activity; (10) total component activity; (11) periods of inactivity; (12) mother active (Smotherman & Robinson, 1988).