SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.20 issue1An analysis of instructions functions in a free operant procedure with childrenApplied behavior analysis and training for parents: A review of articles published in the Journal of Applied Behavior Analysis author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Acta Comportamentalia

Print version ISSN 0188-8145

Acta comport. vol.20 no.1 Guadalajara  2012

 

Artículo

 

Correspondência verbal: a relação entre os comportamentos verbal e não verbal de professores

 

Verbal correspondence: the relationship between teacher's verbal and non verbal behavior

 

 

Renata Coradi Leme; Maria Eliza Mazzilli Pereira1

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Brasil)

 

 


Resumo

Correspondência verbal consiste na relação entre o dizer e o fazer. O presente estudo pretendeu investigar a correspondência entre os comportamentos verbal e não verbal de professores em sala de aula. Participaram do estudo dois professores que lecionavam para uma turma da 6ª série do Ensino Fundamental. Foram filmadas e posteriormente transcritas quatro aulas de um participante e cinco do outro participante. Com base na transcrição, montaram-se questionários que apresentavam cerca de dez situações observadas em sala de aula, cada uma delas seguida de uma pergunta sobre o que o professor faria ou fez naquela situação. Os dados apontaram que os sujeitos emitiram, com maior frequência, relatos correspondentes à situação observada, principalmente para as questões referentes a um comportamento passado. Por se tratar de um estudo em ambiente natural não foi possível abordar os resultados apenas como correspondência ou não entre os comportamentos verbal e não verbal. Foi necessário distinguir entre correspondência topográfica e funcional, bem como entre correspondência total ou parcial, para melhor apreensão da diversidade de casos que se apresentaram.

Palavras-chave: correspondência verbal; Relação dizer-fazer; Comportamento verbal


Abstract

Verbal correspondence deals with the relationship between what a person says and does. This study aimed to investigate the correspondence between verbal and nonverbal behavior of teachers' classrooms. Two sixth grade teachers participated in the study. Four of the first teacher and five of the second teacher´s classes were filmed and then transcribed. Based on the transcriptions, questionnaires were prepared, which presented approximately ten scenes observed in the classroom, each of them followed by a question about what the teacher would do/had done in that situation. The results showed that the teachers more often than not presented correspondent reports, particularly when the questions were about past behavior. Because the study was in natural environment could not be treated simply as corresponding or non-corresponding verbal and nonbehavior. It was necessary to differentiate between functional and topographical correspondence and between total and partial correspondence, for better understanding of the diversity of cases that were presented.

Key words: verbal correspondence; Correspondence say-do; Verbal behavior.


 

 

Neste trabalho, investigou-se a correspondência entre os comportamentos verbal e não verbal de professores do Ensino Fundamental, analisando-se as situações em que a correspondência ocorreu e aquelas em que não ocorreu.

O relato verbal é um comportamento frequentemente presente nas interações entre indivíduos. Ele é utilizado por diferentes profissionais em suas práticas, como forma de coleta e fornecimento de informações. Na Medicina e na Psicologia, por exemplo, as queixas são obtidas com base no relato verbal. Também em pesquisa, relatos verbais são, com frequência, utilizados como fontes de informação.

Skinner (1957/1978) caracterizou um dos tipos de relato verbal como tato, que é um operante verbal controlado por um objeto característico, uma situação específica ou propriedades de ambos, e que é consequenciado por um reforço generalizado fornecido pelo ouvinte. Esse comportamento informa o ouvinte sobre algo a que muitas vezes ele não tem acesso de outro modo. O evento que controla o tato pode ser o comportamento do próprio falante, como ocorre quando o indivíduo descreve sua própria ação presente, passada ou futura.

Skinner (1957/1978) afirma que, no caso da descrição de eventos passados, tais eventos permanecem na história passada do falante e não podem controlar o relato atual. Nesse caso, estímulos resultantes da auto-observação no momento em que o comportamento ocorreu podem controlar tal relato. Skinner ressalta também que a resposta ao evento passado pode ser evocada a partir de uma estimulação presente oferecida pelo ouvinte e "(...) deve ser entendida como uma resposta a estímulos correntes, incluindo acontecimentos no interior do próprio falante, gerados pela pergunta em combinação com uma história de condicionamento anterior" (p. 178)

Quanto às respostas a um evento futuro, Skinner (1957/1978) afirma, de forma semelhante, que não se pode supor que o evento futuro esteja controlando a resposta, dado que ainda não ocorreu. Assim, tais respostas verbais podem estar sob controle de: (1) um evento encoberto, por exemplo, o falante observa-se ao se engajar em determinado comportamento; ou (2) estímulos gerados por seus comportamentos em situações semelhantes em sua história passada.

O controle de estímulos exercido no tato nem sempre é perfeito. Skinner (1957/1978) afirma que

(...) é provável que o comportamento verbal nunca seja completamente independente da condição de um falante em particular. Podem ocorrer mudanças nas privações subjacentes a um reforço generalizado. (...) Ele pode ser afetado por variáveis emocionais que, em outra situação, mostram-se bastante irrelevantes para seu comportamento verbal. (p. 182)

Diferentes fatores podem afetar o controle do tato, distorcendo-o. Um deles envolve as consequências do relato: outros reforços, que não os generalizados, podem exercer maior controle sobre um tato, deturpando o operante verbal e produzindo tatos impuros. Por essa razão, analistas do comportamento têm evitado o relato verbal como única fonte de dados em pesquisas, preferindo, quando possível, a observação direta do comportamento e a manipulação de variáveis como forma de identificar os determinantes do comportamento.

No entanto, em muitos casos torna-se necessária a utilização de relatos verbais, devido à inacessibilidade de determinados eventos ao pesquisador, como, por exemplo, no caso de comportamentos ocorridos no passado, de comportamentos encobertos, dentre outros.

Dada a importância do relato verbal, muitos trabalhos vêm sendo desenvolvidos nessa área, por exemplo, aqueles sobre correspondência verbal, em que se analisa a influência de diferentes variáveis sobre a relação entre o dizer e o fazer.

Em alguns desses trabalhos, abordaram-se procedimentos de treino de correspondência, que, geralmente, envolvia três condições típicas: linha de base, reforçamento do relato e reforçamento da correspondência verbal. Também se analisou a possibilidade de se intervir em um dos componentes da relação dizer-fazer e se verificar os efeitos sobre o outro componente; ainda outros estudos, tendo estabelecido correspondência entre os comportamentos verbal e não verbal, investigaram a manutenção e a generalização da correspondência (Baer & Detrich, 1990; Guevremont, Osnes, & Stokes, 1986; Israel & Brown, 1977; Matthews, Catania, & Shimoff, 1985; Pergher, 2002; Mello, 2007; Ribeiro, 1989; Risley & Hart, 1968; Rogers-Warren & Baer, 1976; Wilson, Rusch, & Lee, 1992, apenas para citar alguns).

A maior parte dos trabalhos sobre correspondência foi realizada em ambientes controlados, visando identificar possíveis variáveis que influenciam a correspondência entre os comportamentos verbal e não verbal (Baer & Detrich, 1990; Pergher, 2002; Ribeiro, 1989; Mello, 2007 são alguns deles). No ambiente natural, entretanto, não há esse controle e encontramos uma diversidade de variáveis que podem atuar concomitantemente na relação entre o relato verbal e o comportamento não verbal (Ricci e Pereira, 2006).

Um estudo sobre correspondência desenvolvido em ambiente natural foi o de Ricci e Pereira (2006). Esse estudo será descrito aqui em algum detalhe, pois serviu de base para a proposta do presente trabalho. Ricci e Pereira (2006) trabalharam com a correspondência entre os comportamentos verbal e não verbal de professores em sala de aula, na tentativa de identificar diferentes variáveis que poderiam afetar a relação entre o dizer e o fazer. O estudo teve como objetivo analisar a correspondência entre o relato e a atuação do professor diante de situações envolvendo comportamentos-problema dos alunos.

O procedimento envolveu a aplicação de um questionário que descrevia diferentes cenários encontrados no cotidiano de uma sala de aula, incluindo a condição antecedente e o comportamento dos alunos, em relação aos quais se perguntava o que o professor faria diante daquela situação. O questionário foi montado a partir de observações de diferentes aulas de professores que não foram participantes do estudo.

Um segundo momento envolveu observações das aulas dos dois professores participantes da pesquisa, realizando-se registro dos comportamentos de professores e alunos ocorridos em sala de aula. As observações foram realizadas em duas aulas semanais de cada professor, em duas turmas diferentes de cada, por três semanas. O foco das observações foram situações-problema semelhantes àquelas apresentadas no questionário.

Os resultados encontrados por Ricci e Pereira mostram poucas ocorrências de correspondência entre o comportamento verbal e o não verbal, se considerada a topografia da resposta do professor em relação àquelas apresentadas no questionário. Considerando-se a possível funcionalidade da resposta verbal e da não verbal, ou seja, entendendo-se que, embora topograficamente diferentes, as respostas verbais e não verbais possivelmente produziam consequências semelhantes, foi possível observar correspondência para cerca de metade das respostas.

Ricci e Pereira (2003) aplicaram um questionário antes da realização das observações, apresentando cenários que, embora propostos com base em observações realizadas na mesma escola, não representavam situações vividas pelos participantes da pesquisa. Assim, ao realizar as observações, muitas vezes as pesquisadoras verificaram que as situações não ocorreram exatamente como apresentadas no questionário, o que pode ter influenciado os resultados.

Seguindo a perspectiva de Ricci e Pereira (2003), o presente estudo pretendeu investigar a correspondência entre o comportamento verbal e o não verbal de professores, analisando as situações em que a correspondência ocorreu e aquelas em que não ocorreu. No entanto, diferentemente do estudo de Ricci e Pereir, neste trabalho a observação em sala de aula precedeu a aplicação do questionário, que foi elaborado com base nas situações observadas (assim, foi proposto um questionário diferente para cada aula de cada professor). Além disso, pretendeu-se verificar se a forma da pergunta, referindo-se ao que o professor faria ou ao que ele fez, exerceria controle sobre os diferentes relatos dos participantes nos questionários.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo dois professores que lecionavam numa sala de 6ª série do ensino fundamental em uma escola municipal do interior do estado de São Paulo. A seleção dos participantes se deu por indicação da coordenadora da escola, depois de lhe ter sido apresentada a proposta do trabalho.

Foi solicitado aos participantes que assinassem um termo de consentimento anteriormente à coleta de dados, que explicitava os objetivos e procedimentos do estudo, tendo o trabalho sido submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição à qual as pesquisadoras se filiavam.

Materiais

Foram utilizados uma filmadora portátil, para registrar as ocorrências de sala de aula, cinco fitas de vídeo cassete e questionários elaborados a partir das observações em sala de aula.

Os questionários eram específicos para cada participante e continham cerca de 10 perguntas cada, nas quais se descreviam situações observadas em sala de aula, especificando-se a condição antecedente e o comportamento dos alunos e, em seguida, apresentava-se uma pergunta sobre o comportamento do professor, formulada de uma de duas maneiras: como comportamento passado ("O que você fez em relação a esse comportamento do aluno no momento em que ele ocorreu?") ou como comportamento futuro (" Imagine que você é o professor A. O que você faria em relação a esse comportamento do aluno no momento em que ele ocorresse?").

Procedimento

A turma observada foi a mesma para ambos os professores: a 6ª série do ensino fundamental. As aulas tinham a duração de 45 minutos. Foram realizadas cinco sessões de observação nas aulas do Professor A e quatro nas aulas do Professor B. As duas primeiras sessões de observação, para ambos os participantes, geraram perguntas referentes a um comportamento futuro. A 3ª e a 4ª sessões, também para ambos, e a 5ª, apenas para o Professor A, geraram perguntas referentes a um comportamento passado.

As aulas foram filmadas pela pesquisadora e em seguida era realizada a transcrição do filme. Selecionavam- se 10 situações da cada aula para a elaboração do questionário.

Os questionários referentes a comportamentos futuros foram aplicados aos participantes nas semanas seguintes às observações, de acordo com a disponibilidade de cada professor. Os questionários referentes a comportamentos passados foram aplicados aos participantes na semana seguinte à observação, antes que a próxima aula fosse ministrada para a mesma turma. Isto só não foi possível para o terceiro questionário do Professor A.

 

Resultados

Os dados coletados foram organizados em tabelas contendo: (a) situação antecedente; (b) respostas dos alunos; (c) respostas do professor observadas (imediatamente após as respostas dos alunos); (d) respostas do professor relatadas (no questionário); (e) classificação quanto à correspondência – com base na comparação entre os itens (c) e (d).

As respostas do professor relatadas no questionário foram classificadas em três conjuntos de categorias: 1) correspondência topográfica – quando o relato do professor era igual ou muito semelhante, quanto à sua forma e conteúdo, à resposta emitida por ele em sala de aula e observada pela pesquisadora; 2) possível correspondência funcional – quando o relato do professor não era igual nem semelhante, quanto à sua forma e conteúdo, à resposta emitida por ele em sala de aula, mas possivelmente tinha a mesma função, isto é, gerava as mesmas consequências; e 3) não correspondência.

As categorias utilizadas para essa classificação encontram-se na Tabela 1 e exemplos de algumas delas, no Anexo 1

 

 

As Tabelas 2 e 4 apresentam o número de relatos classificados em cada categoria, em cada questionário respondido pelo o Professor A e B, respectivamente. As Tabelas 3 e 5 apresentam uma comparação entre o total de respostas classificadas como correspondentes (soma dos relatos categorizados como CT, CP1, CP2 e CP1,2), possíveis correspondentes funcionais (soma dos relatos categorizados como CF, CF1 e CF2) e não correspondentes, nos diferentes questionários aplicados ao Professor A e ao Professor B, respectivamente.

 

 

Quanto aos casos de correspondência topográfica completa (CT), verificamos que nas questões sobre comportamento passado, respondidas como tal, observa-se, proporcionalmente, a maior quantidade de respostas: cerca de um terço delas (três em dez ocorrências). Já nas questões sobre comportamento passado, mas respondidas como comportamento futuro e nas questões sobre comportamento futuro, respondidas como tal, observam-se, respectivamente, cerca de um quarto das respostas (cinco em 19 ocorrências), e cerca de um quinto das respostas (três em 16 ocorrências), respectivamente.

Nos casos de correspondência topográfica parcial, nas questões sobre comportamento futuro, houve muito mais casos de CP1 do que de CP2 (cinco e um, respectivamente), isto é, o professor mais frequentemente relatou mais respostas do que aquelas emitidas.

Nas questões sobre comportamento passado, respondidas como tal, o professor, inversamente, apresentou apenas casos de CP2 (n=3), isto é, emitiu mais respostas do que aquelas que relatou. Nas questões sobre comportamento passado respondidas como comportamento futuro, foi igual o número de casos de CP1 e de CP2 (em ambos os casos). A única ocorrência de CP1,2 se deu com uma questão sobre comportamento futuro.

Nos casos de possível correspondência funcional, houve mais ocorrências de correspondência total (CF = 3) do que parcial (CF1 + CF2 = 1) quando as questões se referiam a comportamento futuro; e nas questões sobre comportamento passado, respondidas como tal, houve apenas casos de correspondência total (CF = 3). Já nas questões sobre comportamento passado, mas respondidas como comportamento futuro, houve apenas casos de correspondência parcial (CF1 = 1; CF 2 = 2).

Nos casos de correspondência topográfica, houve mais ocorrências de correspondência parcial (CP1 + CP2 + CP1,2 = 14) do que de correspondência total (CT=11). Nos casos de possível correspondência funcional, deu-se o contrário: mais ocorrências de correspondência total (CF = 6) do que de correspondência parcial (CF1 + CF2 = 3)

Quanto aos casos de não correspondência, podemos observar que houve apenas duas ocorrências nas questões sobre comportamento futuro, uma em cada tipo de questionário. Nas questões sobre comportamento passado, respondidas como tal, houve um único caso de não correspondência. No entanto, nas questões sobre comportamento passado, mas respondidas como comportamento futuro, foi bem mais alto o número de casos de não correspondência: oito em 19 ocorrências.

 

 

A Tabela 3 apresenta uma comparação entre o total de respostas apresentadas como correspondente, correspondente funcional e não correspondente topograficamente, nos diferentes questionários aplicados ao Professor A.

Se considerarmos apenas os casos de correspondência topográfica completa (CT), verificamos, de acordo com os dados da Tabela 2, que apenas um quarto dos relatos do Professor A (11 em 45) foi correspondente ao comportamento não verbal.

Se acrescentarmos aos casos de correspondência topográfica completa aqueles de correspondência topográfica parcial (CP1, CP2 e CP1,2), verificamos, de acordo com os dados da Tabela 3, que mais da metade dos relatos do Professor A (25 em 45) foi correspondente aos comportamentos emitidos em sala de aula.

Se acrescentarmos, ainda, aos casos de correspondência topográfica (completa ou parcial) aqueles de possível correspondência funcional, verificamos que cerca de 3/4 dos relatos do participante foram correspondentes ao seu comportamento não verbal.

De acordo com a Tabela 3, verifica-se que, considerados todos os casos de correspondência (topográfica – completa ou parcial – e funcional – completa ou parcial), a maior freqüência de resultados correspondentes, de qualquer tipo, foram obtidos com as questões sobre comportamento passado, que foram respondidas como tal, em que na quase totalidade das respostas (nove em dez) houve correspondência entre o relato verbal e o comportamento não verbal. Nas questões sobre comportamento futuro obtiveram-se resultados semelhantes, sendo que 14 das 16 respostas foram correspondentes ao comportamento não verbal. A menor frequencia de relatos correspondentes foi obtida nas questões sobre comportamento passado, respondidas como comportamento futuro, em que pouco mais da metade dos relatos (11 em 19) correspondeu ao comportamento não verbal.

De uma maneira geral, dos 45 relatos emitidos pelo Professor A, 34 deles mostraram-se correspondentes ao comportamento não verbal e 11, não correspondentes.

 

 

A Tabela 4 apresenta o número de relatos emitidos pelo Professor B em cada categoria. Diferentemente do Professor A, o Professor B não apresentou relatos no condicional, como se tratasse de um comportamento futuro, ao responder os questionários referentes a comportamento passado. Todos os relatos emitidos por ele foram no tempo passado, com uma única exceção, em que o professor relatou na forma "Devo ter...".

O número de ocorrências que tratam de comportamento futuro e comportamento passado foi o mesmo (18 em cada) no caso do Professor B, o que facilita a comparação entre eles. É possível observar que nos questionários de comportamento futuro o Professor B apresentou três relatos classificados como correspondência topográfica total (CT), cerca de 1/6 das respostas. Naqueles referentes a um comportamento passado, o Professor B emitiu o dobro de relatos com classificação igual, seis, isto é, 1/3 deles.

Quanto aos relatos classificados como correspondência topográfica parcial, o professor apresentou três relatos que foram classificados como CP1 e um como CP2, totalizando quatro respostas. Já nos relatos sobre um comportamento passado, o Professor B apresentou dois que foram classificados como CP1 e dois como CP2, num total também de quatro relatos. Verifica-se, assim, que, como no caso do Professor A, quando se tratou de comportamento futuro, o Professor B mais frequentemente relatou mais respostas do que aquelas emitidas, o que não ocorreu ao se tratar de comportamento passado.

Quanto aos relatos classificados como CP1,2, houve apenas uma ocorrência quando se tratou de comportamento futuro, e três, quando se tratou de comportamento passado. Nos casos de correspondência topográfica, em ambos os tipos de questionários, o Professor B emitiu maior números de relatos classificados como parcialmente correspondentes do que aqueles classificados como (plenamente) correspondentes (três CT contra cinco CP1, CP2 ou CP1,2 para comportamento futuro; e seis CT contra sete CP1, CP2 ou CP1,2 para comportamento passado).

Nos casos de possível correspondência funcional, observa-se que o Professor B apenas emitiu relatos classificados como CF, em ambos os tipos de questionários, não apresentando casos de possível correspondência funcional parcial. Nas questões sobre comportamento futuro, o Professor B apresentou mais relatos classificados como CF (n=4) do que nas questões de comportamento passado (apenas um).

Em relação aos questionários sobre comportamento futuro, podemos verificar que o Professor B apresentou seis relatos classificados como não correspondentes (NC), dois em um questionário e quatro em outro. Quanto aos questionários sobre comportamento passado, o participante apresentou quatro relatos classificados como não correspondentes, sendo dois em cada.

 

 

A Tabela 5 apresenta o total de relatos classificados como correspondência topográfica, correspondência funcional e não correspondência dos relatos apresentados pelo Professor B.

Se considerarmos apenas os casos de correspondência topográfica completa (CT), verificamos, de acordo com os dados da tabela 3, que apenas 1/4 dos relatos do Professor B (nove, em 36) foi correspondente ao seu comportamento não verbal.

Se aos casos de correspondência topográfica completa acrescentarmos aqueles de correspondência topográfica parcial (CP1, CP2, CP1,2), verificamos, de acordo com os dados da Tabela 5, que mais da metade dos relatos de do Professor B (21, em 36) foi correspondente aos comportamentos emitidos em sala de aula.

Se a esses casos adicionarmos, ainda, aqueles classificados como possível correspondência funcional, observamos que cerca de 3/4 dos relatos do participante foram correspondentes ao seu comportamento não verbal. Esses resultados são muito semelhantes àqueles do Professor A.

Considerados todos os casos de correspondência (topográfica – completa ou parcial – e funcional – completa ou parcial) o Professor B apresentou maior número de relatos correspondentes nos questionários referentes a um comportamento passado (14, contra quatro classificados como não correspondentes). Nas questões referentes a um comportamento futuro, os resultados foram semelhantes: o Professor B emitiu 12 relatos correspondentes e seis não correspondentes.

De uma maneira geral, dos 36 relatos apresentados pelo Professor B, 26 mostraram-se correspondentes ao comportamento não verbal observado em sala de aula e dez não correspondentes.

 

Discussão

Conforme mostraram os resultados, os dois participantes apresentaram mais relatos correspondentes do que não correspondentes. O Professor A apresentou cerca de ¼ de relatos não correspondentes, enquanto o Professor B apresentou cerca de 1/3 desses relatos.

Para o Professor B, houve mais relatos não correspondentes sobre comportamento futuro do que sobre comportamento passado, embora o número de relatos não correspondentes seja semelhante nas duas situações; para o Professor A ocorreu o inverso: mais relatos não correspondentes sobre comportamento passado do que sobre comportamento futuro. No entanto, há que se lembrar que o Professor A respondeu muitas das questões sobre comportamento passado como se fossem sobre comportamento futuro, sendo que a quase totalidade dos relatos não correspondentes ocorreu nesses casos. Assim, desconsiderados tais casos, houve mais relatos não correspondentes do Professor A quando se tratava de comportamento futuro do que quando se tratava de comportamento passado.

De acordo com Skinner (1957/1978), nos relatos caracterizados como CT podemos supor, no caso daqueles relativos a um comportamento passado, que o participante apresentou uma resposta de auto-observação precisa e que os estímulos resultantes da auto-observação controlaram o relato, uma vez que ele foi (plenamente) correspondente ao comportamento observado em situação de sala de aula. De forma equivalente, nos relatos sobre comportamento futuro, podemos supor que estímulos gerados por auto-observações precisas em situações semelhantes na história passada dos participantes tenham controlado seu relato.

Já nos relatos classificados como CP1, CP2 e CP1, 2, é possível que tenham ocorrido respostas de auto-observação parciais – nos casos classificados como CP2, em que o participante descreveu apenas parte dos comportamentos observados – ou imprecisas – nos casos de comportamentos passados classificados como CP1 e CP1,2, em que o professor descreve outras respostas, além daquelas efetivamente emitidas. Ou, ainda, é possível que tenham ocorrido respostas adequadas de auto-observação, mas que apenas parte dos estímulos gerados por elas tenham controlado o relato.

Como exemplo, podemos considerar um relato do Professor A classificado como CP2. Na situação, o professor está passando um filme para a classe, e um aluno diz o horário e acrescenta que o sinal irá tocar. O professor, então, diz que terminará o filme em outro momento e, em seguida, discute parte do filme que estava passando. Quando questionado sobre o que fez diante da situação mencionada, o Professor A diz que interrompeu o filme e que informou que continuaria em outro momento. Assim, ou o professor não emitiu respostas de auto-observação adequadas ou, se o fez, não ficou sob controle, no momento do relato, de todos os estímulos gerados por elas, uma vez que não relatou que havia discutido parte do filme com a classe.

Nos resultados do presente estudo, ambos os professores apresentaram relativamente menos relatos classificados como correspondentes (consideradas as correspondências topográficas – totais ou parciais – e funcionais) nos questionários referentes a comportamento futuro do que naqueles relativos a comportamento passado.

Também se observam nos questionários sobre comportamento futuro, para ambos os professores, mais relatos classificados como CP1 do que como CP2, isto é, ocorria mais frequentemente a situação em que o participante relatava mais respostas do que aquelas que foram observados na situação de aula. Isto pode ter ocorrido pelo fato de, por se tratar de comportamento futuro, em que o professor pode responder sob controle de estímulos gerados por seus comportamentos em situações semelhantes em sua história passada, os professores, no caso do presente estudo, ao responder, não ficar sob controle de uma instância específica, mas sim de várias instâncias em que ocorreram situações semelhantes na sua história com os alunos. Isto parece corroborado por instâncias em que os professores responderam com a seguinte frase: "Faria uma das seguintes alternativas:...".

Já nos questionários referentes a um comportamento passado, o Professor A apresentou mais relatos classificados como CP2 do que como CP1, isto é, aqueles em que o professor só relatou respostas efetivamente emitidas, embora não todas as respostas emitidas. Isto pode ter ocorrido pelo fato de, por se tratar de comportamento passado, em que a pergunta do questionário fazia referência a uma situação específica, de uma aula determinada, o professor ter ficado sob controle de estímulos mais restrito. No caso do Professor B, o número de relatos classificados como CP1 e como CP2 foi o mesmo, quando se tratou de comportamento passado.

Os relatos verbais emitidos pelos professores no presente estudo deveriam ser entendidos, de acordo com o que afirma Skinner (1957/1978), como respostas a estímulos correntes, incluindo acontecimentos no interior do próprio falante, sob controle das perguntas feitas nos questionários, em combinação com a história de condicionamento anterior dos participantes.

Nos relatos classificados como não correspondentes as perguntas do questionário não parecem ter constituído estímulos adequados no controle das respostas do professor, no sentido de sinalizar os aspectos relevantes da história de condicionamento anterior ou os estímulos relevantes, entre os gerados pela auto- -observação, para a resposta à pergunta. Uma auto-observação falha, no entanto, é uma explicação também possível para esses casos.

Os relatos não correspondentes também podem ser descrito como tatos distorcidos que, assim como definiu Skinner (1957/1978), tratam-se de relatos afetados por reforços generalizados que distorceram o controle de estímulos.

Alguns dados mostram relatos correspondentes a respostas efetivamente emitidas pelo professor, porém em uma outra situação, sob controle de outros estímulos que não aqueles sobre os quais foi feita a pergunta no questionário. Em cinco dos casos classificados como não correspondência ou como correspondência apenas parcial ou possível correspondência funcional, observou-se que os relatos emitidos foram correspondentes a respostas emitidas pelo Professor A em situações diferentes daquelas sobre as quais foram feitas as perguntas dos questionários, isto é, foram casos em que se verifica que o relato corresponde a uma resposta emitida pelo professor, porém em uma outra situação, sob controle de outros estímulos. Isto sugere que, como afirma Rose (1997), mesmo quando o participante atentou para o seu comportamento, ele pode não saber sob controle de que estímulos ele o emitiu, não sendo capaz de identificar as variáveis das quais seu comportamento é função.

Skinner (1957/1978) afirma que, sob controle de estímulos privados, o falante descreve seu próprio comportamento, presente, passado ou futuro, no que chamou de auto-tato, pelo qual o falante "conscientiza- -se" do que faz. Simonassi (1999) definiu como consciência "a descrição do próprio comportamento e das condições que produziram tal comportamento". Desta maneira, no caso das repostas classificadas como CT, os Professores A e B tinham consciência de seus comportamentos. Os relatos CP1, CP2 e CP1,2 revelariam consciência parcial e àquelas classificadas como NC revelaria não consciência dos professores.

Os resultados do presente estudo sugerem que os questionários podem ter auxiliado no processo de autoconhecimento do Professor B. Nos questionários referentes a um comportamento passado – aplicados após aqueles referentes a um comportamento futuro –, o participante apresentou o dobro de respostas correspondentes topograficamente (CT), se comparadas às respostas dos questionários referentes a um comportamento futuro. Responder aos diferentes questionários que descreviam contingências vivenciadas pelo participante possivelmente controlou a resposta de auto-observação do Professor B nas filmagens seguintes realizadas em suas aulas. E mesmo o Professor A apresentou mais respostas classificadas como CT nos questionários sobre comportamento passado do que naqueles sobre comportamento futuro, embora a diferença não tenha sido grande.

Esses resultados indicam uma possível contribuição para que professores analisem a própria ação na interação com seus alunos em sala de aula. A educação, segundo a análise do comportamento, é uma agência que tem o compromisso de preparar indivíduos competentes para a construção de uma cultura com chances de sobrevivência. O professor é um de seus agentes, e deve planejar as contingências instrucionais adequadas para a aprendizagem eficiente de seus alunos. Deve, também, ser capaz de descrever e analisar o próprio comportamento como parte dessas contingências (Hübner & Marinotti, 2004).

A revisão dos estudos sobre a relação entre o dizer e o fazer mostra que a maioria das pesquisas desenvolvidas na área de correspondência verbal foram experimentais, em que se manipulavam algumas variáveis. O presente estudo, não experimental, realizado em ambiente natural, aponta algumas variáveis que possivelmente influenciam a correspondência entre os comportamentos verbal e não verbal. Neste estudo, em que não foram planejadas contingências para a correspondência ou para a não correspondência, foi possível verificar que os participantes com frequência apresentaram relatos correspondentes aos seus comportamentos não verbais (cerca de três quartos dos relatos, se considerados tanto os casos de correspondência topográfica – completa e parcial – como os de possível correspondência funcional – completa e parcial). Esses resultados são compatíveis com aqueles obtidos por outros autores (entre eles Ribeiro, 1989; Baer & Detrich, 1990), que verificaram alta frequência de relatos correspondentes quando a emissão de respostas verbais era livre, sem qualquer contingência programada.

No presente trabalho, que se desenvolveu em situação natural e que lidou com as respostas naturalmente emitidas pelos professores em sala de aula, quaisquer que fossem elas, houve necessidade de inserção de modulações na análise e discussão dos resultados, isto é, não foi possível tratá-los apenas como correspondência ou não entre os comportamentos verbal e não verbal, mas foi necessário distinguir entre correspondência topográfica e possivelmente funcional, bem como entre correspondência total ou parcial, para melhor apreensão da diversidade dos casos que se apresentaram.

 

Referências

Baer, R. A. & Detrich, R. (1990). Tacting and manding in correspondence training: effects of child selection of verbalization. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 54, 1, 23-30.         [ Links ]

de Rose, J. C. (1997). O relato verbal segundo a perspectiva da análise do comportamento: contribuições conceituais e experimentais.In R. A. Banaco (org.) Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. [pp. 148-163. Santo André: Arbytes.] tirar do itálico        [ Links ]

Guevremont, D. C., Osnes, P. G. & Stokes, T.F. (1986). Programming maintenance after correspondence training interventions with children. Journal of Applied Behavior Analysis, 19, 215-219.         [ Links ]

Hübner, M. M. C. & Marinotti, M. (2004). Análise do Comportamento para a Educação: Contribuições recentes. 1ª Ed. Santo André, SP: Esetec        [ Links ]

Israel, A.C. & Brown, M. (1977). Correspondence training, prior verbal training, and control of nonverbal behavior via control of verbal behavior. Journal of Applied Behavior Analysis, 10, 333-338.         [ Links ]

Matthews, B. A., Catania, A. C., & Shimoff, E. (1985). Effects of uninstructed verbal behavior on nonverbal responding: contingency descriptions versus performance descriptions. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 43, 155-164.         [ Links ]

Pergher, N. K. (2002). De que forma as coisas que nós fazemos são contadas por outras pessoas? Um estudo de correspondência entre comportamento não verbal e verbal. Dissertação de mestrado não publicada, Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil.         [ Links ]

Ribeiro, A. de F. (1989). Correspondence in children's self-report: tacting and manding aspects. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 51, 361-367.         [ Links ]

Ricci, L. S. V. & Pereira, M. E. M. (2006). Uma análise da relação entre o dizer e o fazer do professor. Psicologia da Educação, 23, 27-55.         [ Links ]

Rogers-Warren, A. & Baes, D. M. (1976). Correspondence between saying and doing: teaching children to share and praise. Journal of Applied Behavior Analysis, 9, 335-354.         [ Links ]

Simonassi, L. E. (1999). Cognição: contato em contingências e regras. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 1, 83-93.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1978). O comportamento verbal. (M. P. Villalobos, Trans.). São Paulo: Cultrix. (Trabalho original publicado em 1957).         [ Links ]

Wilson, P. G., Rusch, F. R. & Lee, S. (1992). Strategies to increase exercise-report correspondence by boys with moderate mental retardation: collateral changes in intention-exercise correspondence. Journal of Applied Behavior Analysis, 25, 681-690.         [ Links ]

 

 

Received: July 25, 2010
Accepted: March 21, 2011

 

 

1 Endereço para correspondência: R. Comendador Querubim Uriel, 279. Cambuí - Campinas-SP - CEP. 13024-470. Tel/Fax. (19) 32522024 . email: renataleme@excellis.com.br

 

Anexo