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Acta Comportamentalia

Print version ISSN 0188-8145

Acta comport. vol.20 no.2 Guadalajara  2012

 

ARTIGOS

 

Consequências culturais x consequências comportamentais na literatura experimental de pequenos grupos1

 

Cultural Consequences X Behavioral Consequences in Small Groups' Experimental Literature

 

 

Christian Vichi *,**; Emmanuel Zagury Tourinho**

*Universidade Federal do Vale do São Francisco (Brasil)
** Universidade Federal do Pará
(Brasil)

 

 


RESUMO

Após a proposição, por Skinner, do modelo de seleção por consequências, alguns conceitos têm sido sugeridos para explicar fenômenos culturais sob uma perspectiva epistemológica consistente com o sistema explicativo analítico-comportamental, tais como metacontingências, macrocontingências, macrocomportamentos, produtos agregados e produtos cumulativos. O objetivo deste artigo é discutir sob que condições um determinado estudo compreende a manipulação de comportamento social operante e sob que condições ele compreende a manipulação de seleção cultural. Isso é feito revisando alguns estudos empíricos no âmbito da análise experimental do comportamento, psicologia social experimental, sociologia experimental e sociologia comportamental que manipularam variáveis independentes comportamentais ou culturais. Oito estudos experimentais são discutidos, dois deles em que houve manipulação de variáveiscomportamentaisda interação social dos participantes num grupo e quatro trabalhos em que houve a manipulação de variáveis culturais. O artigo analisa as variáveis designadas como dependentes e independentes, buscando identificar as semelhanças e diferenças entre as variáveis encontradas nos dois tipos de manipulação (linhagens operantesoulinhagensculturais). Apontam-se, ainda,alguns problemas encontrados na literatura e sugerem-se possíveis direções para a investigação experimental futura.

Palavras-chave: Análise comportamental da cultura; seleção cultural; experimentos com grupos; contingências comportamentais entrelaçadas; metacontingências.


ABSTRACT

After Skinner's proposal of selection by consequences model, few concepts have been suggested to explain cultural phenomena from an epistemological explanation consistent with the behavior-analytic system, such as metacontingencies, macrocontingencies, macrobehaviors, aggregate products and cumulative products. The aim of this paper is to discuss under which conditions a particular study involves the manipulation of operant social behavior and under which conditions involves the manipulation of cultural selection. This is done by reviewing some empirical studies in the domain of experimental analysis of behavior, experimental social psychology, experimental sociology, and behavioral sociology that manipulated cultural or behavioral independent variables. Eight experimental studies are discussed, two of them with behavioral manipulation of the social interaction of participants in a group and four studies in which there were manipulation of cultural variables. The paper analyzes the variables designated as dependent and independent, in order to identify the similarities and differences between both types of manipulation (operant lineages or cultural lineages). It also raises some problems encountered in the literature and suggests possible directions for future experimental research.

Keywords: Behavioral analysis of culture; cultural selection; experiments with groups; interlocking behavioral contingencies; metacontingencies.


 

 

Skinner (1953, 1971) sugere que práticas culturais seriam classes de comportamentos de indivíduos num grupo, selecionadas no nível ontogenético, bem como os produtos gerados por estes comportamentos e pela relação deste grupo com seu ecossistema. Definição semelhante é oferecida por Glenn (2004), para quem práticas culturais são "padrões de comportamento aprendido transmitido socialmente, bem como os produtos deste comportamento (objetos, tecnologias, organizações, etc.)" (p. 139).

Segundo Skinner, somente será possível compreender a gênese ou manutenção de tais práticas se as relações funcionais que as definem – individuais e grupais – forem descritas. A análise de certas práticas culturais, porém, pode não ser possível somente com base na contingência de reforço operante, pois as próprias contingências que a compõe são também alvo de um processo seletivo, este, porém no nível cultural, compondoo que se chamou de uma terceira espécie de seleção:

Vimos que certos aspectos do reforço operante se assemelham à seleção natural da teoria da evolução.... Há ainda uma terceira espécie de seleção que se aplica às práticas culturais [ênfase acrescentada]. O grupo adota um dado procedimento – um costume, um uso, um instrumento – seja planejadamente ou através de algum evento que, na medida em que se refira ao efeito sobre o grupo, pode ser inteiramente acidental. Como característica do ambiente social essa prática modifica o comportamento dos membros do grupo. O comportamento resultante pode afetar o sucesso do grupo na competição com outros grupos ou com o ambiente não-social. Práticas culturais que são vantajosas tenderão a se tornar características dos grupos que sobreviverem e que, portanto, perpetuarão essa prática(Skinner, 1953, p. 430).

Para Skinner, o que é selecionado no nível cultural é o produto de comportamentos sociais (operantes) das pessoas que participam da prática. Tais produtos não são efeitos de um processo seletivo no nível operante, mas sim do processo seletivo que ocorre em outro nível e que retroage sobre o grupo como um todo. Neste caso, se estaria falando de um processo de seleção no nível cultural e não mais de seleção comportamental, completando assim seu modelo de "seleção por consequências" (Skinner, 1981).

Embora na natureza uma parte significativa dos fenômenos num nível seja responsável pela produção de um fenômeno em outro nível (cf. Glenn &Malagodi, 1991), como por exemplo, fenômenos neurais dão suporte a fenômenos comportamentais e fenômenos comportamentais dão suporte à fenômenos culturais, tais fenômenos só podem ser adequadamente estudados se forem separados em níveis distintos (cf. sugerido pelo modelo de seleção por consequências de Skinner, 1953, 1981).

A atitude reducionista de se tentar explicar um fenômeno de um nível com base no nível que lhe dá suporte parece não ser produtiva, pois, embora um nível possa ter princípios ou leis semelhantes a outro nível, estes podem ter também princípios independentes, justificando seu estudo por campos de saberes distintos, como, por exemplo, neurofisiologia, psicologia e antropologia.

Assim como não se pode explicar o comportamento humano adequadamente fazendo referência somente a eventos neurais, não se pode falar adequadamente de práticas culturais fazendo referência exclusiva ao comportamento individual e os processos que o determinam. Para explicar as contingências que dão origem aos padrões comportamentais sociais de indivíduos numa dada prática cultural é preciso, ao menos em boa parte dos casos, atentar à seleção cultural destas contingências sociais.

Com o objetivo de avançar numa sistematização para o estudo de práticas culturais em uma perspectiva analítico-comportamental, têm sido propostas na literatura (Glenn, 1986, 1988, 1991, 2004; Glenn &Malott, 2004; Malott& Glenn, 2006) algumas ferramentas conceituais que podem auxiliar na descrição e análise destes fenômenos. Estes conceitos serão brevemente introduzidos antes de se chegar ao objetivo do trabalho, que é diferenciar sob que condições um determinado estudo sobre comportamento social compreende processos de seleção comportamental e de quando compreende processos de seleção cultural. Para tanto, serão comparados alguns estudos experimentais de análise do comportamento com estudos da literatura em sociologia comportamental, sociologia experimental e psicologia social experimental.

Na área da análise do comportamento sobre seleção cultural foram escolhidos trabalhos experimentais mais antigos e que iniciaram o campo de investigação empírica acerca do processo de seleção cultural (no caso dissertações ou teses); os trabalhos das áreas externas à análise do comportamento foram selecionados com base nas referências citadas nos trabalhos consultados de análise do comportamento.

 

CONTINGÊNCIAS COMPORTAMENTAIS ENTRELAÇADAS

Toda cultura envolve comportamento social de algum tipo. Este implica um entrelaçamento das contingências que controlam o comportamento de dois ou mais indivíduos, compondo o que se denominou de contingências comportamentais entrelaçadas (CCEs) (Skinner, 1953,1992/1957; Glenn, 1988, 1991, 2004). A idéia de CCEs remete ao duplo papel das ações dos indivíduos, que funcionam como respostas de um sujeito e como ambiente social para o responder de outros (Glenn, 1991, p. 56) tal como num típico episódio verbal em que se observa a interação entre falante e ouvinte.

Quase todas as CCEs envolvem comportamento verbal de algum tipo e, em alguns casos, as CCEs envolvidas podem não se manter naturalmente e exigiriam algum tipo de intervenção externa ao sistema em que se inserem. Nestes casos, algum outro grupo ou agência externamanteria estas contingências, intervindo diretamente sobre o comportamento de um ou mais indivíduos do grupo em questão, por meio do reforçamentodireto da(s)resposta(s) de algum(s) indivíduo(s)que tomam parte nas CCEs.Este tipo de contingências tem sido chamado de contingências de suporte (Andery, Micheletto, & Sério, 2005; Tadaiesky, 2010).

 

PRODUTO AGREGADO, MACROCOMPORTAMENTO E MACROCONTINGÊNCIAS

Nem todos os fenômenos descritos como práticas culturais apresentam um intrincado entrelaçamento de CCEs. Por vezes, os indivíduos se engajam em comportamentos quase idênticos,cujo único entrelaçamento foi a imitação do comportamento de outro individuo.Tais comportamentosde múltiplos atores podem acabar sendo reforçadosdiretamente pelas consequências naturais (físicas) de suas ações, aumentando sua frequência de ocorrência e sendo massivamente emitidos por um grande número de indivíduos de um grupo e ainda se replicar ao longo de múltiplas gerações. Tem-se então o que foi sugerido chamar de macrocomportamento(Glenn, 2004; Malott& Glenn, 2006).Um exemplo muito atual desse fenômeno ocorre quando milhares de pessoas numa cidade dirigem seus carros para o trabalho, suas topografias são semelhantes, mas o comportamento de sair com o carro de um motorista não está necessariamente relacionado ao dos outros motoristas.

Os efeitos comportamentais de múltiplas pessoas num grupo podem gerar dois tipos de efeitos ou produtos: (a) aqueles que resultam de uma simples soma das consequências comportamentais individuais (relacionados principalmente a macrocomportamentos envolvendo poucas CCEs); (b) aqueles que resultam da interação coordenada dos produtos comportamentais de múltiplos indivíduos (sempre envolvendo CCEs). Glenn (comunicação pessoal, 6 de Junho de 2008) sugere denominar (a) como produto cumulativo (PC) e (b) como produto agregado (PA).

O tipo de relação que envolve os produtos comportamentais de muitas pessoas, descritos em (a) logo acima,é descrito na literatura como macrocontingência, pois trata da "relação entre uma prática cultural e a soma agregada das consequências dos macrocomportamentos que constituem a prática" (Glenn, 2004, p. 142). Em tais relações, o PC é simplesmente a soma acumulada dos efeitos comportamentais de cada sujeito, podendo constituir um problema social. Como no exemplo acima, em que cada indivíduo dirige para o trabalho e produz, com seu carro,uma certa quantidade de gases que, se somados aos produzidos pelos demais motoristas, podem contribuir para o agravamento do efeito estufa.

Na macrocontingência não ocorre seleção cultural. A consequência contingente à resposta de cada indivíduo do grupo reforça uma dada linhagem operante de cada um dos indivíduos se comportando, de modo que práticas que envolvem macrocontingências só podem ser modificadas por intervenção comportamental direta sobre o responder de cada membro do grupo (cf. Malott& Glenn, 2006).

Seleção cultural e metacontingências

Enquanto alguns fenômenos culturais envolvem macrocomportamentos e macrocontingências, em outros o entrelaçamento das contingências pode gerar uma coordenação entre os comportamentos dos indivíduos,resultando num PA específico. Tal PA é um produto cultural muito mais complexo do que um PC, pois não se trata da simples soma de efeitos comportamentais dos indivíduos, mas sim do resultado da coordenação dos comportamentos de vários indivíduos. Para Glenn (2004) isso significa que: "O resultado produzido pela repetição das CCEs não é o efeito cumulativo do comportamento individual dos participantes, mas sim o efeito de seus comportamentos inter-relacionados [ênfase acrescentada]" (p. 145).

Esta inter-relação, ou coordenação, repete-se ao longo do tempode modo semelhante ao que ocorre com respostas que compõem uma linhagem operante (cf. Glenn, 2004), produzindo, ou não, a cada ocorrência seus PAs. Certas características do PA, bem como a produção ou não dele, afetarão as inter-relações comportamentais (nesse caso, CCEs) ou as inter-relações entre CCEs, PAs e uma consequência cultural fornecida por um Sistema Receptor (SR) que retroage sobre estes (cf. Houmanfar& Rodrigues, 2006; Malott& Glenn, 2006) tornando tais inter-relações mais ou menos prováveis. Isso ocorre, mesmo que, de tempos em tempos, os integrantes do grupo sejam substituídos por indivíduos ingênuos, que passam a desempenhar o papel dos antigos. Tal substituição é possível, pois, ao assumirem as posições dos antigos, os novos integrantes passam a ser controlados pelas mesmas contingências que controlavam seus antecessores, compondo, assim, uma "linhagem cultural" (Glenn, 2004). Novos integrantes e contextos podem gerar variações e produzir resultados muito ou pouco diferentes dos resultados de uma geração anterior, forçando, assim, ajustes nas contingências (cf. Glenn, 2004, p. 146) e impactando na adaptação diferencial da prática cultural.

Uma vez produzida essa variabilidade, devido a fatores internos ou externos, uma prática cultural qualquer pode acumular modificações que a tornem mais ou menos complexa (Glenn &Malott, 2004), caso isso produza certas consequências e aumente sua adaptabilidade. Tal processo de seleção e aumento (ou redução) de complexidade de uma prática cultural, levando a um processo evolutivo, reflete um tipo de seleção diferente: a seleção das CCEs envolvidas na prática ou das CCEs e PAs por um SRe não dos comportamentos individuais de seus integrantes, refletindo o que Skinner (1953) chamou de "um terceiro tipo de seleção"(p.430), a seleção cultural.

O termo metacontingência (Glenn, 1986, 1988, 1991, 2004) vem sendo usado para nomear "relações contingentes entre contingências operantes entrelaçadas [CCEs] tendo um produto agregado e consequências funcionais baseadas na natureza desse produto. As repetições das contingências operantes entrelaçadas de duas ou mais pessoas constituem uma linhagem cultural que se sujeitam à seleção" (Malott& Glenn, 2006, p. 38).

 

SELEÇÃO CULTURAL X SELEÇÃO COMPORTAMENTAL NA LITERATURA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL

Vichi (2004) apontou que a literatura de sociologia e psicologia social experimental com pequenos grupos mostra-se subdividida em duas vertentes: uma enfatizando o efeito de consequências individuais sobre a interação dos participantes; outra enfatizando o efeito das consequências coletivas sobre a interação dos participantes.

Distinção semelhante foi feita por Malott e Glenn (2006) ao investigarem trabalhos aplicados na análise do comportamento que abordam seleção ontogenética e seleção cultural. A seguir serão descritos quatro trabalhos que, embora manipulem o comportamento social, o fazem com base numa apresentação diferencial de contingências individuais (ontogenéticas), ou contingências culturais.

Sob influência da psicologia social experimental, Pierce (1975) conduziu um experimento em que quatro participantes num pequeno grupo deveriam debater problemas sociais. Ao longo das sessões de discussão era solicitado que cada participante avaliasse, em termos de "contribuição de idéias", os membros do grupo. Diante de cada participante havia um contador de pontos com uma luz âmbar que, ao piscar, acrescentava pontos a um contador; e outra azul que, ao piscar, subtraía pontos.

As frequências das respostas verbais dos participantes eram medidas em linha de base e os participantes codificados como N1 (o mais ativo verbalmente) e N4 (o menos ativo). Passou-se, então, a reforçar diferencialmente N1 com adição de pontos por ficar em silêncio e puni-lo com perda de pontos por falar. O inverso era aplicado a N4.

Embora a contingência aplicada, que Pierce (1975) chamou de Reforçamento Centrado no Indivíduo (ICR), tenha sido efetiva para alterar a frequência das respostas verbais, verificou-se que ela não teve grande influência nas avaliações dos participantes. Um segundo experimento foi então conduzido, empregando o que o pesquisador chamou de Reforçamento Mediado pelo Grupo (MGR).

Neste tipo de contingência, os participantes ganhavam ou perdiam pontos individualmente, porém isso ocorria mediado pelo ganho ou perda de pontos dos indivíduos-alvo. Quando o participante N1 ganhava pontos, N2 e N3 ganhavam também, o mesmo ocorrendoquando N4 ganhava pontos. Os dados de Pierce sugerem que este procedimento produziu uma "mudança de status" de maior magnitude no grupo, pois os ganhos de todos dependiam dos ganhos dos indivíduos-alvo.

Outros trabalhos dentro da análise do comportamento voltaram-se prioritariamente para o processo de seleção cultural. Por exemplo, Vichi (2004), assim como Pierce (1975), apoiou-se nos estudos externos à análise do comportamento para propor um modelo experimental para investigar seleção cultural em laboratório.

Vichi (2004) realizou uma variação do experimento de Wiggins (1969), adaptado para uma análise de sujeito único, em que quatro indivíduos compunham uma prática cultural de laboratório (cf. Jacobs&Campbel, 1961; Weick&Gilfillan, 1971) na forma de um jogo.

Cada participante deveria apostar algum valor de suas próprias fichas a cada ciclo do jogo. A soma das apostas compunha a aposta do grupo, que em seguida deveria escolher uma linha numa matriz de 8 colunas X 8 fileiras. Nas células de interseção das colunas com as fileiras existia um número equivalente de sinais positivos e negativos, randomicamente distribuídos, que determinavam os ganhos do grupo.

Após a escolha dos participantes por uma linha, o experimentador indicava sua coluna. Caso o grupo obtivesse um sinal positivo na célula de interseção, recebia o dobro das fichas apostadas; se o sinal fosse negativo, perdia metade da aposta. Em seguida, deveriam poupar algum dinheiro numa "caixa dos jogadores", antes de dividir o restante entre si. A sequência descrita representava um ciclo, que era sucedido imediatamente por outro até atingir 30 ciclos, que compunham uma sessão. O experimento teve ao todo nove sessões.

O experimentador manipulava os ganhos dos participantes produzindo acertos (sinais positivos) ou erros (sinais negativos) contingentes a certas CCEs programadas, de modo que os participantes ganhavam ou perdiam cada ciclo com base no modo de divisão das fichas no ciclo anterior: igualmente ou desigualmente. Os resultados indicaram que os grupos estudados desenvolveram diferentes estratégias para maximizar os ganhos, ou seja, CCEs distintas, mas funcionalmente equivalentes.

Um estudo posterior, mas metodologicamente semelhante ao de Vichi (2004) e Wiggins (1969), é o de Martone (2008). Neste estudo, além da informatização do método, o pesquisador alterou as "gerações" de indivíduos, produzindo experimentalmente "linhagens culturais" (cf. Glenn, 2004). Isso foi realizado por meio de substituição sistemática de participantes (como realizado por Baum, Richerson, Efferson, &Paciotti, 2004; Jacobs, & Campbell, 1961 e Weick&Gilfillan, 1971).

O procedimento era semelhante ao de Vichi (2004), porém,Martone (2008) reduziu o número de participantes para 3 (experimento 2) e posteriormente exigiu que os participantes passassem por ao menos duas condições experimentais diferentes antes da troca de geração (experimento 3).

Os resultados de Martone (2008) variaram em seus diferentes experimentos. Apesar de todos os grupos terem mudado de condição experimental, isso ocorreu com diferenciados graus de sucesso. Martone apontou para o fato de que, embora o controle do entrelaçamento tenha sido demonstrado, devido às reversões, o resultado encontrado ainda era inconclusivo. Para ele, o "critério de estabilidade (cinco acertos consecutivos) não parece ter sido suficiente para garantir que as consequências externas estivessem de fato exercendo controle sobre as práticas de distribuição dos ganhos" (pp. 167-168).

Também com um viés analítico-comportamental, e enfocando a questão da seleção cultural, tem-se o estudo de Pereira (2008), que empregou uma metodologia distinta das anteriormente descritas, permitindo separar os efeitos de contingências comportamentais do efeito de contingências culturais. Seu estudo demonstrou um controle experimental mais rigoroso da topografia do entrelaçamento, devido à redução do número de participantes e das interações possíveis entre eles. Neste experimento, com duplas, um primeiro participante começava o experimento sozinho e posteriormente o segundo era inserido. Na tarefa, os dois compartilhavam uma tela de computador com um quadro para cada sujeito. Cada um dos participantes via quatro colunas e duas fileiras. A linha superior apresentava números aleatórios e os participantes ganhavam 10 pontos individualmente se preenchessem a linha abaixo com números cuja soma com os números acima produzissem um resultado ímpar.

Havia também uma consequência coletiva programada para certo padrão de entrelaçamento entre o comportamento dos participantes. Isso era feito através de um bônus, pago caso a soma dos valores digitados pelo participante da esquerda fosse inferior à digitada pelo participante da direta. Um novo participante era introduzido quando a estabilidade era atingida, simulando o surgimento de linhagens culturais (cf. Glenn, 2004). O procedimento de Pereira (2008) permitiu dissociar de maneira precisa as consequências individuais das consequências coletivas produzidas pelo entrelaçamento das contingências, pois tanto pontos (individuais) quanto bônus (coletivos) podiam ser independentemente produzidos.

Os trabalhos aqui apresentados (sintetizados na Tabela 1) ilustraram possibilidades metodológicas de se abordar o fenômeno da seleção comportamental e sua relação com a seleção cultural, em laboratório, dentro de uma perspectiva analítico-comportamental. A seguir, são apresentados alguns trabalhos externos à Análise do Comportamento que influenciaram os estudos já descritos.

 

SELEÇÃO CULTURAL X COMPORTAMENTAL FORA DA LITERATURA ANÁLITICO-COMPORTAMENTAL

Uma revisão de alguns experimentos da área de sociologia experimental, sociologia comportamental e psicologia social experimental (sintetizados na Tabela 1) indica que as alternativas metodológicas para se estudar experimentalmente fenômenos culturais foram ou vêm sendo desenvolvidas também fora da literatura analítico-comportamental.

Ressalta-se que estas áreas sofreram grande influência das "teorias da aprendizagem", dentre elas a análise do comportamento. Portanto, termos comportamentais como reforço, punição, extinção são frequentemente empregados (cf. Homans, 1969;Molm, 1981). Ao longo da descrição dos estudos,alguns detalhes são descritos em termos específicos de análise do comportamento que se referem aos mesmos fenômenos, a fim de tornar as descrições de alguns detalhes e resultados mais amigáveis para o leitor não familiarizados com a terminologia específica da literatura não-comportamental.

Um primeiro estudo deste grupo é representado pelo conjunto de experimentos realizados por Bavelas, Hastorf, Gross e Kite (1965) e que foram a base do trabalho de Pierce (1975). Bavelaset al. (1965) procuraram investigar a possibilidade de alterar a posição hierárquica dos integrantes de pequenos grupos em laboratório. Para isso, empregaram 36 grupos recrutados para discutir relações humanas enquanto a "dinâmica" das discussões seriam analisadas. Como no experimento de Pierce (1975), os participantes faziam avaliações sociométricas periódicas do desempenho uns dos outros. Um ranking era então construído e as respostas verbais dos participantes eram diferencialmente reforçadas. Entretanto, os participantes em posições mais altas no ranking sociométrico somente eram punidos por falarem e os participantes em posição inferior eram somente reforçados.

Diante de cada participante, visível apenas para si mesmo, havia um par de luzes nas cores verde e vermelha, respectivamente com funções de estímulo reforçador ou punidor para as respostas verbais. Os participantes eram, então, informados de que havia "especialistas" em debates observando e que estes sinalizariam aos participantes, através das luzes, se suas contribuições estavam ajudando ou atrapalhando o grupo. Bavelaset al. (1965) relatam que seu procedimento foi efetivo em alterar tanto o tempo de interação verbal dos participantes, quanto em alterar a posição hierárquica no grupo. Neste estudo, as contingências incidiram exclusivamente sobre o comportamento individual dos participantes, não havendo consequências sobre as CCEs.

Outros estudos, que compartilham preocupações sobre as variáveis relevantes na determinação do comportamento social, diferem daqueles de Bavelaset al. (1965) e Pierce (1975), na medida em que buscam abordar processos os quais, na análise do comportamento, vêm se convencionando chamar de "seleção cultural".

 

Tabela 1

 

O experimento de Wiggins (1969) apresentava uma tarefa semelhante às usadas por Vichi (2004) e Martone (2008), servindo de base para estes e diferindo em alguns aspectos. Em Wiggins (1969), um dos participantes do grupo recebia a função de líder, o que implicava a obrigação de sempre apostar fixamente a cada jogada um valor de US$ 0,03, valor mais elevado que o apostado pelos demais participantes no jogo.

Os outros participantes eram designados como: secretário, que possuía certas informações privilegiadas sobre o jogo; e tesoureiro, cuja função era somente coletar o dinheiro das apostas para o experimentador. O grupo recebia o valor fixo de US$ 0,30 de uma reserva chamada Player Pool por ciclo, caso ganhassem, e nada se perdessem. Além disso, o experimento seguia um delineamento de grupo e não ocorriam reversões à condição experimental inicial (como em Vichi, 2004 e Martone, 2008). Os dados de Wiggins (1969) indicam que certo modo de divisão das fichas pode ser mantido ou revertido a partir da manipulação de uma consequência contingente ao modo de divisão executado (dividir os ganhos igualmente ou desigualmente), a despeito do conflito com as contingências individuais (perder dinheiro momentaneamente investindo mais). Neste sentido, parece que a uma consequência contingente a certas configurações das CCEsestavam relacionadas à produção de uma divisão igual ou desigual (a depender do momento) e ter sido selecionada.

Outros trabalhos (Gray, Judson, & Duran-Aydintug, 1993; Judson& Gray, 1990) utilizaram duplas de participantes e manipularam o sucesso dessas díades numa tarefa contingente à interação dos participantes. Judson e Gray (1990) manipularam a direção do controle que um participante da dupla tinha sobre o outro. Em termos analítico-comportamentais, modificaram as CCEs que promoviam uma dada estrutura de poder numa dupla.

Empregando nove duplas como controle e nove duplas experimentais, Judson e Gray (1990) estabeleceram a assimetria, formando duplas de sexos mistos. No início da pesquisa, os participantes faziam um falso "teste de padrão de sensibilidade" e em seguida os participantes das duplas eram informados de que o individuo do sexo masculino obteve um escore em torno do percentil 75 e que o individuo feminino obteve um escore em torno do percentil 30.

A tarefa que a dupla executava consistia em tentar adivinhar se o próximo número de uma sequência que lhe era informado seria randômico. Qualquer um dos participantes poderia arriscar um palpite levantando uma das mãos. Cabia ao outro concordar ou não. Os acertos eram anunciados ao final de cada tentativa e a probabilidade de acerto era determinada pelo participante que fizesse o palpite. O participante masculino, com maior status pré-experimental na dupla, tinha uma probabilidade menor de acerto em relação ao feminino (por exemplo, p.=0,20 para o masculino e p.= 0,80 para o feminino) na condição experimental.

A probabilidade de consequência positiva (certo) iniciava igual para ambos (e.g. 50% participante masculino e 50% participante feminino) e, então, ia sendo gradativamente alterada. Os dados sugerem que o participante com maior probabilidade de acertos tinha maior chance de ter seu palpite seguido, independentemente do sexo.

Um estudo posterior conduzido por Gray et al. (1993) empregou 14 casais juntos há pelo menos um ano. Inicialmente determinavam-se quem tinha mais influência na relação, através de uma entrevista. Em seguida, os participantes iniciavam separadamente a tarefa, composta da apresentação de 50 diferentes padrões com múltiplos retângulos brancos e negros numa tela. Os participantes deveriam então dizer quais retângulos eram mais numerosos. O participante mais influente acertava 70% de seus palpites, enquanto o outro acertava somente 30% numa fase em que trabalhavam sozinhos, mas vendo um ao outro.

Na fase subsequente, o experimento tornava-se interativo e cada participante que desejasse podia iniciar a participação emitindo um primeiro palpite que poderia, ou não, ser seguido pela concordância do outro, dando à dupla a sua respectiva probabilidade de reforço. Novamente os dados indicam a possibilidade de reversão de dominância numa dupla, mesmo que esta tenha uma longa história de interação.

Gray et al. (1993) e Judson e Gray (1990) reverteram a dominância nos casais que integraram seus experimentos. Embora isso pudesse ser feito por meio do reforçamento diferencial das respostas verbais de cada um dos sujeitos, a metodologia empregada por estes pesquisadores fazia com que as consequências diferenciais incidissem sobre a dupla, como um PA de uma dada configuração das CCEs, semelhante a um processo de "seleção cultural" (cf. Glenn, 2004; Malott& Glenn, 2006).

Diferenças entre a manipulação culturale a manipulação comportamental

Ao diferenciar-se um nível de seleção de outro, é preciso atentar-se às varáveis independentes (VIs) manipuladas e analisar se estas constituem produtos comportamentais ou culturais. Malott e Glenn (2006) indicam que, quando há o produto cumulativo (PC), se estaria sempre diante de um processo seletivono nível comportamental. Porém, quando o produto é agregado (PA) se estaria diante de um processo seletivo no nível cultural.

Com a nova terminologia distinguindo PCs e PAs, essa distinção deverá ficar mais clara, pois, embora tanto PCs como PAs sejam encontrados em práticas culturais, somente o último está sujeito a um processo seletivo no nível cultural (ver Tabela 1). É possível, no entanto, que uma prática cultural, cujas CCEs são mantidas por um PA, produza também um PC colateralmente. Por exemplo, uma empresa mineradora cujo PA seja a produção de minério de ferro, pode também produzir como PC uma deterioração no ambiente, em função do processo contínuo de extração.

Se, num experimento qualquer, a variável dependente (VD) for claramente uma linhagem operante, ou mais de uma, e o delineamento experimental prever que a variável independente deve ser contingente apenas a essa linhagem, então, claramente o estudo estará realizando um processo de seleção no nível ontogenético.

No estudo de Bavelaset al. (1965), observa-se que, embora haja um entrelaçamento, pois os participantes devem debater temas, não há um PA e nem um PC, uma vez que os reforçadores empregados contingentes ao comportamento individual são luzes que piscam e não têm efeito cumulativo. Já no estudo de Pierce (1975) poder-se-ia até afirmar que existe um PC, pois os participantes ganham somas individuais de pontos que são trocados por dinheiro. Ao final, somando-se o que cada indivíduo produziu, tem-se uma soma variável de valores incidindo sobre o grupo, mas de modo algum havia outro processo seletivo, senão o ontogenético (apenas na contingência ICR).

Pode-se observar na Figura 1 que em estudos como os de Bavelaset al. (1965) e Pierce (1975) são as contingências individuais de cada participante que são manipuladas diretamente pelo pesquisador (setas contínuas negras), configurando uma espécie de contingência de suporte (cf. Andery et al., 2005), pois as consequências são comportamentais e aplicadas diretamente por um agente externo (experimentador) com o objetivo de manter os indivíduos se comportando, já que a consequência coletiva era inexistente ou inacessível a eles.

Entretanto, existem também outras CCEs possíveis em que as respostas de um participante podem servir como ocasiões para as respostas de outros (setas cinza contínuas), ou socialmente reforçar ou punir a fala de outros (setas pontilhadas cinza). Estas consequências certamente têm algum efeito sobre a probabilidade da resposta em questão (verbalizações dos participantes), mas acabam suplantadas pelas contingências de suporte experimentalmente estabelecidas.

No caso do estudo de Pierce (1975), os participantes acumulavam ou perdiam pontos por falar ou não no experimento, caracterizando um tipo de macrocomportamento, pois individualmente cada sujeito estaria gerando pontos que poderiam se acumular. Os padrões comportamentais, porém, eram selecionados individualmente pelas contingências de suporte programadas para cada um dos participantes e o PC não tinha um efeito retroativo sobre as contingências (seta interrompida ligando o PC às contingências na Figura 1). Neste caso, o arranjo assemelha-se a uma macrocontingência, exceto pelo fato de que, na literatura, o PC de uma macrocontingência é descrito como um problema social (Glenn, 2004).

 

 

Estudos como o de Bavelaset al. (1965) e Pierce (1976) planejaram a aplicação de contingências sobre padrões individuais de comportamento. Entretanto, dada a natureza da tarefa (discutir problemas), diversificados tipos de entrelaçamentos podem ocorrer, como ilustrado na Figura 1, e eventualmente variações metodológicas no experimento poderiam produzir um padrão de entrelaçamento em que a consequência, mesmo que aplicada de modo individual, dependa de uma interação entre dois ou mais participantes.

Pierce (1975) obteve algo parecido com a condição experimental que ele denominou de MGR. Nesta condição o participante que teria a fala reforçada ou punida produzia consequências (ganho ou perda de pontos) para ele e para todos os demais participantes. Esse desenho experimental possivelmente levou à emergência de contingências entrelaçadas, em que o participante que mediava o reforço era levado a falar devido à apresentação de estímulos antecedentes pelos demais membros do grupo, tais como: "O que você pensa sobre isso?".

Tais contingências poderiam levar o participante alvo de fortalecimento a falar mais e produzir reforçadores para todos. Por outro lado, o inverso deveria ocorrer com o participante a ser punido por falar, pois sempre que este falasse todos perdiam pontos, levando-o a ter contato com contingências que minimizassem sua fala, tais como: "Espera um pouquinho, deixa o participante X falar antes".

Diferentemente dos estudos em que a variável manipulada é uma contingência de reforço sobre uma linhagem operante, os estudos que abordam experimentalmente a seleção cultural (Gray et al., 1993; Judson& Gray, 1990; Martone, 2008; Pereira, 2008; Wiggins, 1969; Vichi, 2004) planejaram consequências contingentes a uma linhagem cultural, ou seja, a recorrência de certos padrões de entrelaçamento das contingências ao longo do tempo. A consequência cultural era aplicada de modo contingente às CCEs e aoPA produzidoafetando assim a performance do grupo. Tal PA sequer seria possível de ser produzido individualmente pelos integrantes do grupo.

Os estudos descritos apresentam certa variabilidade metodológica, basicamente optando por maior ou menor controle experimental das CCEs (ou das topografias dos entrelaçamentos) e desenvolvendo experimentos com maior ou menor número de CCEs. Se, por um lado, o maior controle experimental da topografia do entrelaçamento pode ser desejável para certos objetivos de investigação, por outro ele limita a observação de variabilidade na configuração das CCEs.

Os experimentos de Gray et al. (1993), Judson e Gray (1990) e,e em menor escala, os de Pereira (2008) caracterizam-se por um controle bastante rigoroso da topografia do entrelaçamento, isto é, das possibilidades de variações comportamentais entre os integrantes dos pequenos grupos. As instruções eram muito restritas e todos empregaram apenas dois participantes. Em alguns dos estudos, as próprias respostas dos participantes eram limitadas a fazer um palpite e concordar ou discordar do palpite do colega de grupo sobre o jogo, não havendo nem mesmo a possibilidade de uma discussão entre a dupla para a resolução do problema conjuntamente (ver Gray et al., 1993; Judson, & Gray, 1990).

Um desenho experimental diferente foi utilizado por Wiggins (1969), Vichi (2004) e Martone (2008), pois estes estudos empregaram três ou quatro participantes, multiplicando as possibilidades de entrelaçamento das contingências. Além disso, as possibilidades de interação entre os participantes eram mais livres (ver Figura 2), gerando um correlato cultural mais próximo (embora não inteiramente comparável, por razões discutidas adiante) do "operante livre".

Esses últimos estudos têm em comum o fato de envolverem ciclos em que certas tarefas deveriam ser cumpridas pelos integrantes dos grupos, cada um dos ciclos com suas CCEs, as quais poderiam tornar-se mais ou menos complexas. Inicialmente, como ilustrado na Figura 2, o ciclo 1 era seguido de acerto, pois as CCEs relevantes para determinar a produção do PA (divisão) não haviam ocorrido nesse momento. Uma vez que uma divisão ocorresse, as CCEse o PA poderiam começar a sofrer um processo seletivo ao logo do tempo por parte de um SR, que atuava como consequência cultural.

Observa-se, na Figura 2, que as primeiras CCEs a ocorrerem são as apostas. Alguns estudos empregaram grau de liberdade bastante amplo nas apostas (Martone, 2008; Vichi, 2004) e, mesmo assim, após algum tempo observou-se que passou a ocorrer certa coordenação destas apostas ao longo das sessões. Em momentos em que o grupo ainda não havia se adequado à condição experimental, perdendo seu investimento, as apostas caíam.

Na Figura 2, de modo semelhante à Figura 1, as setas contínuas em preto indicam as possibilidades de entrelaçamento das contingências, em que um participante pode reforçar ou punir diferencialmente a resposta de outro. As setas cinza contínuas indicam entrelaçamentos em que a resposta de um participante pode servir de ocasião para a resposta de outro. As setas cinza mais espessas ligam as consequências das respostas dos participantes a um PA, que é a aposta do grupo, composta pelos produtos comportamentais das apostas individuais de cada sujeito. Portanto, nestes experimentos, conjuntos coordenados de comportamentos individuais (CCEs) levam a um PC (número de fichas) que, juntamente com outras CCEs (divisão), determinarão o PA a partir do segundo ciclo.

Uma vez que os participantes escolhessem a linha e a informassem, o experimentador, que atuava como um SR (cf. Houmanfar& Rodrigues, 2006) produzia o ganho ou perda e pagava o valor a ser dividido na etapa seguinte. Esse valor, ou PA (segundo ciclo), era determinado tanto pelo PC da fase inicial como pela divisão das fichas ganhas anteriormente. Observa-se, na Figura 2, que uma seta liga a etapa de divisões ao PA.

A seta num tom de cinza mais escuro que sai do PA e o liga às CCEs da primeira etapa do segundo ciclo representa o processo seletivo no nível cultural operando. Neste caso, existe uma retroação do SR sobre o PA e asCCEsque o produziram na primeira etapa e esta retroação vai tornando, ao longo do tempo, certo tipo de entrelaçamento mais provável que outros, selecionando assim CCEs que contribuam a uma divisão igual ou desigual dos ganhos (PA). Dependendo da condição experimental exigida, algumas destas CCEs podem, inclusive, ser "supersticiosas" e não se relacionarem, de fato, à produção do PA.

 

 

CONCLUSÃO

A noção de seleção cultural constitui uma preocupação da literatura analítico-comportamental, sobretudo recentemente, e a análise do comportamento vem se aproveitando de métodos já empregados em áreas como a psicologia social experimental, a sociologia comportamental e a sociologia experimental, que há muito apresentam alternativas para abordar o comportamento social, tanto em nível ontogenético (e.g.,Bavelaset al., 1965) como em seus determinantes culturais (e.g., Gray et al., 1993; Judson& Gray, 1990; Wiggins, 1969).

A manipulação de padrões comportamentais sociais mais simples tem sido realizada com sucesso já há algum tempo (cf. Hake&Vukelich, 1972). Entretanto, só recentemente tem sido possível investigar experimentalmente o nível cultural de seleção, manipulando sistematicamente uma consequência cultural contingente a certa configuração das CCEse seus PAs(Martone, 2008; Pereira, 2008; Vichi, 2004).

Essa dificuldade talvez tenha origem nas mesmas razões apontadas por Malott e Glenn (2006) para a rara presença de analistas do comportamento em programas aplicados de intervenção cultural: "Acreditamos que nossa quase não existente participação pode também dever-se parcialmente à falta de clareza entre os analistas do comportamento sobre como investigar fenômenos culturais enquanto permanecem comprometidos com um quadro analítico-comportamental"(Malott& Glenn, 2006, p. 53).

Experimentalmente, tais estudos ainda apresentam complicações para que se possa fazer um paralelo entre a seleção comportamental e a seleção cultural. Nos estudos tradicionais de um "operante livre" (Skinner, 1938), o sujeito pode emitir qualquer tipo de resposta a qualquer momento e consequências são planejadas para uma classe específica de respostas (no caso de uma caixa experimental, a pressão à barra). Os métodos dos estudos aqui apresentados ainda não demonstram tal versatilidade.

Como se pode observar, mesmo nos experimentos onde os participantes dispõem de maior liberdade (Martone, 2008; Vichi, 2004), o método impõe restrições às possibilidades de entrelaçamento das contingências. Dentre estas restrições, está o fato de todos os experimentos serem compostos por ciclos, o que impõe uma limitação à variação temporal das CCEs, tornando muito difícil realizar um estudo sobre um esquema intermitente como FI.

Espera-se que, com os recentes esforços dos analistas do comportamento no estudo dos determinantes culturais do comportamento, se possa alcançar um entendimento maior sobre: a) que fenômenos exatamente referem-se ao nível de determinação cultural; b) que variáveis estão envolvidas; c) quais as diferenças nas variáveis envolvidas em um ou outro tipo de seleção; d) como aprimorar os estudos experimentais; e e) por fim, como produzir tecnologias de intervenção social.

 

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Received: February 03, 2011
Accepted: June 28, 2011

 

 

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