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Acta Comportamentalia

versão impressa ISSN 0188-8145

Acta comport. vol.21 no.2 Guadalajara  2013

 

ARTIGOS

 

Treino e manutenção de correspondência em autorrelatos de crianças com e sem história de fracasso escolar1

 

Training and maintenance of correspondence in self-reports of children with and without a history of school failure

 

 

Mariéle Diniz Cortez; Julio Cesar de Rose; Tathianna Amorim Souza Montagnoli2

Universidade Federal de São Carlos (Brasil)

 

 


RESUMO

Este estudo investigou a correspondência do relato de crianças com e sem histórico de fracasso escolar sobre seus desempenhos em leitura em função do aumento da dificuldade da tarefa e verificou os efeitos do treino de correspondência (reforçamento contínuo e intermitente) no estabelecimento e manutenção de autorrelatos precisos. Participaram quatro crianças com fracasso escolar e quatro crianças sem fracasso escolar. "Fazer" consistiu em ler em voz alta uma palavra apresentada no computador e "Dizer" em relatar se a leitura foi ou não correta após o feedback do computador. Sessões na ausência de contingência para o relato verificaram a frequência de relatos correspondentes em função do aumento da dificuldade da tarefa. Em seguida, realizaram- se sessões de treino de correspondência com reforço contínuo (CRF) e intermitente (VR2, VR3 e VR6) para relatos correspondentes. Por fim, avaliou-se se os relatos correspondentes foram mantidos na ausência de contingências diferenciais. Não foram observadas diferenças acentuadas nos níveis de correspondência entre as crianças com e sem fracasso escolar. O treino produziu relatos correspondentes que foram mantidos tanto na fase de reforçamento intermitente quanto na condição de extinção. O erro pareceu ser variável relevante para a correspondência do relato, independentemente da presença ou ausência de fracasso escolar.

Palavras-chave: correspondência fazer-dizer; treino de correspondência; relato verbal; fracasso escolar; manutenção; reforçamento intermitente


ABSTRACT

This study investigated, in children with or without a history of school failure, the pattern of corresponding reports on their accuracy in reading as a function of task difficulty, and verified the effects of a correspondence training (continuous and intermittent reinforcement) on the establishment and maintenance of correspondence. Four children with school failure and four children without school failure participated. "Doing" consisted in reading aloud a written word presented on the computer's screen, and "Saying" in reporting whether reading was correct or not after the computer's feedback. Frequency of corresponding reports was assessed as a function of probability of errors in the absence of differential contingencies for reports. Then, correspondence training with continuous (CRF) and intermittent (VR2, VR3, and VR6) reinforcement for corresponding reports was conducted. Maintenance of correspondence in the absence of differential contingencies was verified. There were no pronounced differences on the levels of corresponding reports of errors between children with or without school failure. Correspondence training was effective in producing corresponding reports which were maintained during the intermittent reinforcement phase as well during the subsequent condition conducted in extinction. Error seemed to be a relevant variable for self-report accuracy, independently of the presence or absence of school failure.

Keywords: do-say correspondence; correspondence training; verbal report; school failure; maintenance; intermittent reinforcement


 

 

Em Psicologia e também em outras áreas do conhecimento, o relato verbal vem sendo amplamente utilizado como um instrumento para acessar eventos privados, para o levantamento de dados das condições às quais o organismo está exposto, em entrevistas pré e pós-experimento (Wearden & Shimp, 1985), e, sobretudo, em intervenções clínicas ou educacionais (de Rose, 1997; Kern, Childs, Dunlap, Clarke & Falk, 1994).

Existem estudos, no entanto, em que o relato verbal deixa de ser um instrumento para acessar informações sobre um determinado tema e passa a ser, ele mesmo, investigado como variável dependente. O interesse, neste caso, está em identificar as variáveis de controle sobre o próprio comportamento de relatar (Brino & de Rose, 2006; Domeniconi, 2006; Ribeiro, 1989; Rogers-Warren & Baer, 1976). A mentira, a promessa não-cumprida, a omissão ou o uso da fala como forma de intervenção terapêutica ou educacional, são exemplos de assuntos cuja compreensão pode ser beneficiada pela investigação da correspondência entre o comportamento verbal e o não-verbal (Beckert, 2005).

Nos estudos sobre correspondência entre dizer e fazer predominam dois tipos de treino de correspondência, que se diferenciam em termos da sequência comportamental treinada. No treino dizer-fazer, o reforço é apresentado quando a pessoa verbaliza o comportamento não-verbal a ser emitido futuramente (em geral, o comportamento-alvo) e só depois o emite. Na sequência fazer-dizer, o reforço é apresentado quando a pessoa verbaliza sobre o comportamento não-verbal depois que ele foi emitido (Beckert, 2005).

Em geral, a maioria dos estudos que investigam a sequência dizer-fazer tem por objetivo verificar se o comportamento verbal antecedente pode adquirir controle sobre o comportamento não-verbal de interesse (Baer, Detrich, & Weninger, 1988; Guevremont, Osnes, & Stokes, 1986a; Lima & Abreu-Rodrigues, 2010; Luciano, Herruzo, & Barnes-Holmes, 2011; Risley, & Hart, 1968; Ward, & Stare, 1990; Whitman, Scibak, Butler, Richter, & Johnson, 1982). Alguns autores (Deacon & Konarski, 1987; Rogers-Warren, & Baer, 1976), entretanto, defendem que o aumento da frequência do comportamento não-verbal resultante do treino de correspondência não refletiria um episódio de autorregulação, mas sim, os efeitos das contingências de reforçamento que afetariam cada um desses comportamentos independentemente.

Outros estudos nesta área dedicaram-se à investigação da correspondência utilizando a sequência de treino fazer-dizer (Brino & de Rose, 2006; Critchfield & Perone, 1990; 1993; Domeniconi, 2006; Ribeiro, 1989). Ribeiro (1989) desenvolveu um estudo no qual participaram oito crianças com idades entre três e cinco anos. Durante a linha de base, as crianças brincavam livremente e, em seguida, relatavam, por meio de fotos de brinquedos, se haviam brincado ou não com cada um dos itens apresentados. Nesta fase, o relato das crianças apresentou altos níveis de correspondência com aquilo que haviam feito na situação anterior.

Na condição seguinte, foi programado o reforçamento contingente ao relato de brincar, independente da correspondência do relato. Observou-se, para duas crianças, um aumento no número de relatos de brincar com determinados brinquedos, mesmo quando não haviam brincado. A mesma manipulação foi realizada, em seguida, em um contexto de grupo. Nesta situação, em que as crianças puderam observar os colegas recebendo fichas para qualquer relato afirmativo, outras crianças passaram a emitir relatos não correspondentes, além daquelas que já exibiram este padrão. Quando o reforçamento foi contingente à correspondência entre o relato e o comportamento antecedente, a correspondência retornou aos níveis elevados, que foram mantidos na condição de retorno à linha de base.

Ribeiro (1989) propôs uma discussão do treino de correspondência considerando as definições de tato e mando de Skinner (1957). Durante o treino de correspondência, quando eram programadas consequências específicas para a correspondência, a resposta verbal emitida teria função de mando. Por outro lado, na linha de base, quando nenhum reforço específico ou quando reforço generalizado era contingente à verbalização, esta estaria sob controle do comportamento antecedente e então, teria função de tato.

Critchfield e Perone (1990; 1993) manipularam algumas condições antecedentes ao relato, como o tempo limite para a emissão da resposta na tarefa de DMTS (Delayed Matching to Sample), a apresentação ou não do feedback sobre o desempenho do participante (Critchfield & Perone, 1990), o número de elementos presentes no estímulo-modelo (Critchfiel & Perone, 1993) e verificaram seus efeitos no relato de adultos. Os participantes, estudantes universitários, desempenhavam a tarefa e em seguida relatavam se acertaram ou erraram. Observou-se que a correspondência dos relatos diminuiu na medida em que o número de erros aumentou, sugerindo que a característica da atividade, cuja natureza era de acerto ou erro, poderia influenciar a correspondência do relato.

É possível supor que a comunidade verbal reforce igualmente crianças dizerem que brincaram ou não brincaram. O mesmo não deve ocorrer, entretanto, para relatos de erros ou acertos em uma tarefa acadêmica. O reforço diferencial (reforço para relatos de acertos e punição para relatos de erros), nestas ocasiões, poderia levar a distorções na correspondência dos relatos.

Considerando isto, Brino e de Rose (2006) desenvolveram um estudo com quatro crianças com desenvolvimento típico e histórico de fracasso escolar para investigar como seria o relato de respostas de erros em leitura e quais condições possibilitariam relatos fidedignos. "Fazer" consistiu em ler em voz alta uma palavra escrita na tela do computador e "dizer" em relatar se a leitura havia sido correta ou não, clicando em uma de duas janelas (vermelha para relatos de erro e verde para relatos de acerto) apresentadas na tela do computador, após ouvir uma mensagem pré-gravada com a leitura correta da palavra. A condição de ausência do experimentador e reforço de qualquer relato, para a maioria dos participantes, produziu uma diminuição sistemática na correspondência. As outras duas condições (presença do experimentador e reforço da correspondência) foram suficientes para aumentar o número de relatos precisos.

Utilizando procedimento semelhante, Brino e Galvão (2001) realizaram um estudo com uma criança com histórico de fracasso escolar e uma criança sem histórico de fracasso escolar. Os resultados mostraram que a participante com histórico de fracasso apresentou 100% de relatos não- correspondentes enquanto a criança sem fracasso escolar relatou seus erros com fidedignidade em 62% dos casos.

Em ambos os estudos, os autores discutem que, provavelmente, durante as condições de ausência do experimentador, do feedback e do reforço de correspondência, o comportamento verbal dos participantes com histórico de fracasso escolar não estava sob controle do evento antecedente (a resposta de leitura) e sim de uma consequência específica, motivacional, caracterizada por um comportamento de esquiva de uma situação aversiva, estabelecida em função da provável história de punição de erros.

Dando continuidade a estes estudos, Domeniconi (2006) verificou o efeito da dificuldade da tarefa de leitura sobre a frequência da emissão de relatos não-correspondentes e avaliou a eficácia de um treino de correspondência com reforçamento contínuo. Participaram 14 crianças com desenvolvimento típico e histórico de fracasso escolar. A atividade era idêntica à utilizada por Brino e de Rose (2006), no entanto, foi programado o aumento gradual da dificuldade da tarefa (10, 25, 50 e 70% de palavras que a criança não sabia ler), ao longo das sessões de linha de base. Os resultados indicaram que a frequência de relatos não-correspondentes aumentou em função do aumento do número de leituras incorretas. O treino de correspondência empregado foi eficaz em produzir altos níveis de correspondência que foram mantidos, para a maioria dos participantes, na situação subsequente de retorno à linha de base.

Apesar da eficácia do treino de correspondência em desenvolver altos níveis de correspondência (Brino & Galvão, 2001; Brino & de Rose, 2006; Domeniconi, 2006; Guevremont et al., 1986a; Ribeiro, 1989), foi verificado, para alguns participantes, que a passagem abrupta do treino de correspondência com reforço contínuo para a situação de retorno à linha de base (em que não são apresentadas consequências específicas), provocou queda nos níveis de correspondência (Baer, Blount, Detrich, & Stokes, 1987; Domeniconi, 2006). A observação de resultados como esses, aponta para a necessidade de estudos que objetivem desenvolver estratégias que garantam não somente a instalação de relatos correspondentes, mas também a sua manutenção em situações nas quais as consequências específicas programadas já não estejam mais presentes.

De acordo com Karlan e Rusch (1982), poucos estudos têm se dedicado a estudar a manutenção e generalização dos efeitos do treino de correspondência. Em geral, a investigação destes aspectos têm se dado apenas em estudos realizados na sequência dizer-fazer e vêm utilizando, como estratégias de manutenção, o reforçamento com atraso (Baer, Williams, Osnes, & Stokes, 1984) e sequências mistas de procedimentos para estabelecer contingências indiscrimináveis (Guevremont, Osnes, & Stokes, 1986b). Os autores sugerem que a retirada abrupta da contingência de treino com reforçamento contínuo deve ser evitada e que a reintrodução da contingência de treino ou um esquema de treino com reforçamento intermitente deveriam ser examinados como estratégias para assegurar maiores índices de manutenção do comportamento treinado. Baer et al. (1984) e Kazdin e Polster (1973) também sugerem a utilização do treino com reforçamento intermitente como forma de tornar o comportamento treinado mais resistente à extinção.

O presente estudo dá seguimento a esta exploração de comportamento verbal e parte da constatação de que poucos estudos foram realizados para verificar a eficácia do esquema de reforçamento intermitente como forma de manter relatos acurados. Os estudos encontrados que se dedicaram a estudar estratégias de manutenção (Baer et al., 1984; Baer et al., 1987; Guevremont et al., 1986b) foram realizados utilizando apenas a sequência dizer-fazer e não envolveram habilidades acadêmicas (comportamento de leitura) ou variáveis motivacionais (história de fracasso escolar). Além disso, nota-se nos estudos sobre correspondência realizados no contexto educacional (Brino, & Galvão, 2001; Brino & de Rose, 2006; Domeniconi, 2006), a ausência de dados sistemáticos sobre possíveis diferenças na correspondência dos relatos de leitura de crianças com e sem histórico de fracasso escolar. Considerando-se que crianças com histórico de fracasso escolar, provavelmente, foram expostas, ao longo de suas vidas escolares, a uma maior quantidade de erros em atividades acadêmicas e, consequentemente, a uma quantidade maior de possíveis punições por parte dos pais, professores ou colegas para relatos de erros, faz-se importante, investigar, sistematicamente, se este tipo de história pré-experimental poderia influenciar nos níveis de correspondência dos relatos dessas crianças sobre seus desempenhos em uma atividade acadêmica.

O presente estudo teve por objetivos investigar o padrão de correspondência do relato de crianças com e sem histórico de fracasso escolar sobre seus desempenhos em uma atividade de leitura em função do aumento gradual da dificuldade da tarefa, replicando a linha de base utilizada por Domeniconi (2006) e; verificar os efeitos de um treino de correspondência com esquemas de reforçamento contínuo e intermitente no estabelecimento e a manutenção de autorrelatos precisos.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo oito crianças com desenvolvimento típico (quatro meninos e quatro meninas), com idades entre nove e 10 anos, que frequentavam o ensino fundamental de uma escola pública de uma cidade do interior de São Paulo. Quatro crianças apresentavam histórico de fracasso escolar (Juli, Léo, Bia, Beto) e as outras quatro, (Nati, Luis, Keka, Guto) não apresentavam tal histórico. A Tabela 1 apresenta as características dos participantes.

 

 

Fracasso escolar foi definido, no presente estudo, como baixo desempenho em leitura, considerandose o repertório esperado para a série frequentada pelo aluno. Para fins de recrutamento, os participantes sem histórico de fracasso deveriam apresentar ótimo desempenho em leitura, sendo capazes de ler palavras consideradas difíceis para a série que frequentavam. A caracterização dos alunos com e sem histórico de fracasso escolar foi realizada por meio da indicação da coordenadora pedagógica da instituição que os participantes frequentavam e também pelos resultados obtidos em um Diagnóstico de Leitura (ver adiante).

Situação e Materiais

As sessões foram realizadas em um laboratório de uma Universidade Pública do interior de São Paulo e ocorreram, em média, quatro vezes por semana, no período do dia em que as crianças não estavam na escola. Os participantes permaneciam no local por uma hora e realizavam, em geral, duas sessões por dia, com duração aproximada de cinco minutos cada. No tempo restante, os participantes ficavam em uma sala de espera, na qual podiam escolher entre diferentes atividades de lazer (desenhar, brincar, etc.).

O aparato experimental foi disposto em duas salas. A sala experimental, onde a criança permanecia durante a realização das sessões, dispunha de uma mesa com um computador IBM (plataforma Windows), caixas de som, microfone (que captava as respostas orais emitidas pela criança) e um espelho unidirecional, através do qual o experimentador observava o participante de uma sala adjacente. A sala continha um armário com quatro compartimentos horizontais onde eram colocados pequenos brinquedos e materiais escolares, simulando uma "lojinha". Ao final da sessão, a criança podia escolher um brinde. Em algumas condições, a escolha do brinde era livre, em outras dependia do número de pontos obtido pela criança durante a sessão, conforme descrito na seção de procedimento.

A sala adjacente, onde o experimentador permanecia durante as sessões, era equipada com caixas de som (que reproduziam todo som emitido na sala experimental captado pelo microfone) e com uma televisão que exibia, em tempo real, a tela apresentada ao participante em seu computador e suas respostas com o uso do mouse. Nesta sala, o experimentador registrava as respostas orais emitidas pelos participantes (respostas de leitura) e controlava a apresentação das consequências (pontos) utilizando um teclado comum, conectado ao computador da criança, por meio de uma extensão apropriada para este fim. Na fase de reforçamento intermitente, foram utilizados protocolos que especificavam a sequência na qual os pontos deveriam ser apresentados.

As sessões foram executadas utilizando-se o software para ensino de habilidades básicas de leitura "Lendo e Escrevendo em Pequenos Passos" (Rosa Filho, de Rose, de Souza, Hanna, & Fonseca, 1998), programado para controlar todos os eventos experimentais (apresentação dos estímulos, sequência de tentativas e registro dos dados). O software utilizava como estímulos palavras ditadas, figuras, palavras, sílabas e letras impressas. Para as crianças sem histórico de fracasso escolar, que liam fluentemente até palavras bastante complexas da língua portuguesa, foram utilizadas figuras não-familiares como estímulos (tipos de flores, instrumentos musicais, animais, frutas, letras gregas) ou palavras em inglês, a fim de manipular a probabilidade de erro em respostas de leitura ou nomeação dos estímulos (ver seção de procedimento, adiante).

 

PROCEDIMENTO

Tarefa experimental e delineamento geral.

Todas as sessões experimentais compreendiam uma sequência de tentativas, cada uma empregando a sequência fazer-dizer. Havia, portanto, duas respostas da criança, em sequência. "Fazer" consistia em ler ou nomear em voz alta um estímulo-alvo, que poderia ser uma palavra, sílaba, letra ou figura apresentada na tela do computador. "Dizer" consistia em clicar com o mouse em uma de duas janelas apresentadas na tela do computador (janela verde, em caso de leitura/nomeação correta e janela vermelha, para leitura/nomeação incorreta ou não leitura/nomeação). Esta resposta de clicar sobre uma das janelas constituía, portanto, em um autorrelato sobre a acurácia da resposta antecedente, de leitura ou nomeação.

Assim, cada tentativa iniciava-se com a apresentação de um estímulo-alvo (palavra, sílaba ou letra impressas, ou figura), seguida pela instrução oral "Que palavra (sílaba/letra/figura) é essa?" A criança emitia a resposta de ler ou nomear. O experimentador registrava, em seu teclado, se a resposta havia sido correta ou incorreta, pressionando em seguida a tecla enter. A pressão a esta tecla produzia a apresentação das janelas verde e vermelha na tela do computador da criança. O computador da criança então ditava, por meio do seu alto-falante, a letra, sílaba ou palavra-alvo, ou, quando o estímulo-alvo era uma figura, ditava o seu nome. A criança emitia o autorrelato, clicando com o mouse sobre a janela verde quando sua resposta tinha sido correta e sobre a janela vermelha quando sua resposta tinha sido incorreta. A posição das janelas verde e vermelha era mudada, aleatoriamente, ao longo das tentativas.

Uma resposta de leitura ou nomeação era considerada correta quando a palavra pronunciada pela criança ao ler ou nomear o estímulo-alvo constituía uma pronúncia aceitável da palavra para a comunidade verbal local; o experimentador, neste caso reagia como um membro da comunidade verbal, registrando a palavra, conforme havia "compreendido".

Após um diagnóstico de suas habilidades de leitura, cada criança foi submetida a um pré-treino, uma condição de ausência de contingência para relatos, um treino de correspondência e o retorno à situação de ausência de contingência para relatos. Estas condições são descritas a seguir.

Diagnóstico de Leitura (DLE). Foi utilizado o teste de leitura do software "Lendo e Escrevendo em Pequenos Passos" (Rosa Filho, et al., 1998) com o objetivo de avaliar as diferentes habilidades que compõem o repertório de leitura de cada participante; a descrição detalhada do programa de ensino de leitura de onde o teste foi extraído pode ser encontrada em de Rose, de Souza e Hanna (1996). Além de avaliar o repertório de leitura das crianças, os dados obtidos no diagnóstico de leitura foram utilizados como base para a programação das sessões de cada criança, considerando os desempenhos individuais.

O desempenho foi classificado em "Ótimo" (quando a criança lia fluentemente tanto as palavras simples como aquelas com as dificuldades da língua), "Muito bom" (quando lia fluentemente as palavras simples e a maioria das palavras com as dificuldades da língua), "Bom" (quando lia fluentemente as palavras simples, mas não lia ou lia com muita dificuldade as palavras com encontros consonantais, ch, x, ss, etc.), "Regular" (quando lia apenas sílabas ou letras) e "Ruim" (quando lia apenas algumas letras).

Pré-Treino. Esta condição teve por objetivo ensinar os participantes a desempenharem a tarefa de acordo com o esperado neste estudo, ou seja, ler ou tentar ler em voz alta uma palavra-alvo apresentada pelo computador (ou nomear uma figura-alvo) e, em seguida, relatar sobre a acurácia de sua leitura/nomeação, estabelecendo a relação "fazer-dizer". Além disso, o pré-treino tinha por finalidade simplificar as mensagens reproduzidas pelo computador em todos os demais testes de leitura e autorrelato, tornando a aplicação da sessão mais rápida, por meio de um procedimento de fading out da instrução.

A Figura 1 apresenta o esquema das tentativas de leitura e relato.

 

 

Foram realizadas três sessões com dez tentativas na presença do experimentador e pelo menos uma sessão de 20 tentativas, em que a criança era deixada sozinha na sala experimental. A primeira sessão foi programada apenas com mensagens completas, ou seja, após cada resposta de leitura do participante, era reproduzida a seguinte mensagem "Se você disse "XXXX" (a palavra-alvo), aperte o quadrado verde, se não, aperte o quadrado vermelho". Na segunda sessão, ao longo das tentativas, as mensagens completas foram intercaladas com mensagens curtas (mensagens apenas com a leitura correta da palavra). Na terceira sessão, foram apresentadas apenas tentativas com as mensagens curtas. Uma quarta sessão, com 20 tentativas, foi realizada na ausência do experimentador para simular as condições às quais as crianças seriam expostas no decorrer das demais condições experimentais.

O critério para encerramento do pré-treino foi a emissão de, no máximo, um relato não correspondente na quarta sessão (com 20 tentativas). Relatos não correspondentes eram aqueles em que a criança clicava sobre a janela verde após uma leitura incorreta ou clicava sobre a janela vermelha após uma leitura correta. Caso o critério não fosse atingido na quarta sessão, sessões com novos estímulos eram realizadas até critério ou até o momento em que o participante fosse capaz de verbalizar corretamente a regra da atividade (ler em voz alta uma palavra e clicar no quadrado verde para acertos ou no vermelho para erros). A verbalização correta da regra pelo participante foi considerada suficiente para que a criança prosseguisse no procedimento, dado que demonstrava que o participante havia discriminado/aprendido a sequência de respostas requeridas no presente estudo, objetivo do pré-treino.

Antes da primeira sessão em que a criança ficaria só na sala, a experimentadora a instruía a fazer a leitura/nomeação em voz alta e clara. A experimentadora informava à criança que se as janelas não fossem apresentadas após uma leitura/nomeação, isto significava que "o computador não tinha entendido a sua resposta", devendo a criança, neste caso, repetir a leitura/nomeação em voz mais alta. Anteriormente, nas sessões em que a experimentadora havia permanecido com a criança na sala, sempre que a leitura/nomeação ocorria em voz baixa, a experimentadora instruía a criança a falar em voz mais alta e clara. Estas instruções foram suficientes para garantir que, ao longo do experimento, eventuais respostas pouco inteligíveis fossem imediatamente seguidas por respostas em voz alta e clara, sem ambiguidades.

Ausência de contingência para relatos. Nesta condição não eram apresentadas consequências (pontos) contingentes às respostas de leitura ou relato, com o objetivo de verificar como era o repertório de autorrelato dos participantes sobre seus desempenhos em leitura. Verificou-se o efeito do aumento da dificuldade da tarefa sobre a correspondência do relato das crianças com e sem histórico de fracasso escolar, por meio da manipulação da probabilidade de erro, assim como em Domeniconi (2006). As sessões foram programadas com 10, 25, 50 ou 70% de tentativas com palavras ou figuras que a criança não sabia ler ou nomear. Para cada uma das faixas de probabilidade de erro foram realizadas, em geral, três sessões com 20 tentativas, na ausência do experimentador. Ao final de cada sessão, o participante escolhia um brinde por sua participação, independentemente de seu desempenho de correspondência.

Introdução da tela de pontos. Logo após as sessões de ausência de contingência para relato, foram realizadas duas sessões com 50% de probabilidade de erro, durante as quais pontos eram apresentados na tela do computador a cada tentativa por meio de um contador numérico virtual, que era exibido em dois momentos distintos, sendo o primeiro logo após a leitura/nomeação (para visualização da quantidade de pontos acumulada) e o segundo, após a tela de relato, ocasião na qual os pontos eram acrescidos. Concomitante à apresentação de cada ponto, um estímulo sonoro era reproduzido.

Nesta fase, os pontos eram contingentes a quaisquer relatos (isto é, clicar na janela verde ou na janela vermelha), independentemente da correspondência. Estas sessões tiveram por objetivo proporcionar a familiarização do participante com as modificações subsequentes no procedimento.

Treino de Correspondência com reforço contínuo (TC). Esta condição teve por objetivo produzir relatos correspondentes por meio de reforçamento diferencial. Relatos correspondentes foram definidos como clicar sobre a janela verde após uma leitura/nomeação correta e clicar sobre a janela vermelha após uma leitura/nomeação incorreta. Todos os relatos correspondentes foram consequenciados com a apresentação de pontos, configurando um esquema de reforçamento contínuo para relatos correspondentes.

As sessões de treino eram programadas com 30 tentativas com 50% de probabilidade de erro. A criança poderia receber, no máximo, trinta pontos, se relatasse de forma correspondente todas as tentativas. Durante o treino, os itens da "lojinha" eram dispostos em três compartimentos, de forma que, para obter os brindes de maior preferência, os participantes deveriam obter 29 ou 30 pontos (ou seja, deveriam emitir 29 ou 30 relatos correspondentes). Os itens de média preferência foram alocados no compartimento com a etiqueta indicando 11-28 pontos e os de baixa preferência no compartimento indicando 0-10 pontos. A preferência da criança pelos itens foi avaliada a partir da observação das escolhas realizadas pelos participantes durante as sessões de ausência de contingência para relato, na qual a escolha pelos brindes era livre e também por meio da verbalização dos participantes. Ao final de cada sessão, a criança poderia trocar os pontos recebidos pelos itens expostos, de acordo com a pontuação obtida. A realização de três sessões consecutivas com no máximo um relato não correspondente por sessão foi o critério utilizado nesta condição.

Treino de Correspondência com reforçamento intermitente (TCI). Esta fase teve por objetivo verificar se o treino com reforçamento intermitente seria capaz de garantir a manutenção de relatos correspondentes em uma situação na qual as consequências programadas para o responder acurado fossem menos frequentes ou inexistentes. Utilizou-se um esquema de razão variável (VR2, VR3 e VR6) para autorrelatos de acertos e erros em leitura/nomeação. As sessões foram programadas com 30 tentativas com 50% de probabilidade de erro. Antes da apresentação da primeira tentativa de cada esquema de razão empregado, o computador reproduzia uma mensagem que sinalizava as mudanças nas contingências. Os pontos eram apresentados pelo experimentador, para cada esquema de VR, considerando-se um protocolo impresso no qual estavam especificadas, de forma aleatória, as tentativas em que os pontos deveriam ou não ser apresentados. O participante recebia pontos apenas quando emitia relatos correspondentes.

Esta condição foi iniciada em VR2, quando o participante poderia receber, no máximo, 15 pontos. Os brindes na "lojinha" foram dispostos da mesma forma que no treino anterior, no entanto, os valores para cada compartimento mudaram. Para obter os itens de maior preferência, o participante deveria fazer 14 ou 15 pontos. Os itens intermediários ficaram com a etiqueta de 6-13 pontos e os de menor preferência, com a etiqueta 0-5 pontos. A mensagem apresentada antes da primeira sessão desta condição era: "De agora em diante o computador só vai dar pontos algumas vezes. O número de pontos que você irá precisar para pegar o que quer, será menor. Continue fazendo bem a tarefa, como você vinha fazendo". O critério para finalizar cada fase, ou seja, para iniciar um novo valor de razão foi o mesmo da condição anterior (três sessões consecutivas com no máximo um relato não correspondente).

No esquema em VR3, para obter os itens de maior preferência, a criança precisava receber 9 ou 10 pontos. Os itens intermediários foram dispostos no compartimento com a etiqueta de 4-8 pontos e os de menor preferência no compartimento rotulado com 0-3 pontos. A mensagem apresentada antes da primeira sessão desta fase era: "Atenção! O computador vai continuar dando pontos só algumas vezes. O número de pontos que você irá precisar para pegar o que quer, será ainda menor. Mas lembre-se: continue fazendo bem a tarefa, como você vinha fazendo".

No último valor de razão empregado, VR6, os intervalos das etiquetas para os itens da "lojinha" foram novamente alterados, ficando em 4- 5 pontos para os de maior preferência, 2-3 pontos para os itens de preferência intermediária e 0-1 ponto para os itens de menor preferência. A mensagem apresentada ao início desta condição era: "Fique atento! O computador vai continuar dando pontos só algumas vezes, mas agora o número de pontos que você irá precisar para pegar o que quer, será menor que antes. Continue fazendo bem a tarefa, como você vinha fazendo".

Ausência de contingência para relato II. Esta fase teve por objetivo avaliar se as condições anteriores de treino foram suficientes para promover a manutenção de autorrelatos acurados de leitura/nomeação em uma situação em que as consequências programadas para a correspondência eram inexistentes. Não eram apresentados pontos contingentes aos desempenhos de leitura/nomeação ou relato. Foram realizadas três sessões de 20 tentativas com 50% de probabilidade de erro e uma com 70% de probabilidade de erro. No início da primeira sessão desta fase, o computador reproduzia uma mensagem sinalizando a mudança nas contingências experimentais: "Atenção! A partir de agora o computador não vai mais dar pontos. Continue fazendo bem a tarefa, como você vinha fazendo". Ao final da sessão, a criança escolhia um brinde por sua participação, independentemente do desempenho apresentado.

O resumo do procedimento pode ser observado na Tabela 2.

 

 

Acordo entre observadores. Neste estudo não foi empregado um observador independente para medida da fidedignidade dos registros da experimentadora sobre correção ou incorreção das respostas de leitura/ nomeação. Porém, imediatamente após a experimentadora registrar se a resposta de leitura/nomeação era correta ou incorreta, o participante clicava sobre a janela verde ou vermelha, registrando também se a resposta de leitura/nomeação havia sido correta ou incorreta. Portanto, a comparação entre o registro do participante e da experimentadora pode atestar a fidedignidade da categorização das respostas. Com base em Kazdin (1982), os acordos entre os observadores, para as respostas de leitura das crianças, foram divididos pelo número de acordos mais o número de desacordos multiplicados por 100, de forma a gerar a porcentagem final. Para todos os participantes, o acordo com a experimentadora chegou a 100% durante o treino de correspondência, mantendo-se em valores próximos de 100% a partir daí (com uma exceção a ser tratada nos resultados) o que comprova a fidedignidade da categorização pela experimentadora. Todas as demais medidas foram automáticas.

 

RESULTADOS

As Figuras 2 e 3 mostram, respectivamente, os desempenhos dos participantes com e sem histórico de fracasso escolar, ao longo das diferentes condições experimentais (ausência de contingências para relato, introdução tela de pontos, treino de correspondência e ausência de contingências para relato II). Cada barra vertical refere-se a uma sessão realizada e representa a porcentagem de erros em leitura apresentados pelos participantes em cada sessão. As linhas contínuas indicam a porcentagem de relatos correspondentes de erro em leitura (ler errado e relatar o erro) e as linhas pontilhadas representam a porcentagem de relatos correspondentes de acerto em leitura (ler corretamente e relatar o acerto).

Fracasso escolar e correspondência

De forma geral, observou-se, tanto para os participantes com histórico de fracasso escolar quanto para os sem histórico de fracasso escolar, que os níveis de correspondência de relatos de acerto mantiveram-se elevados ao longo de todas as condições experimentais. No que diz respeito à correspondência dos relatos de erro, três dos quatro participantes com histórico de fracasso escolar (Beto, Juli e Bia) exibiram os menores índices de correspondência na faixa de 50% de probabilidade de erro, enquanto Léo demonstrou menor correspondência nas sessões programadas com dificuldade em torno de 10%. Para todos estes participantes, os níveis de correspondência aumentaram quando a dificuldade da tarefa foi elevada para 70%.

As crianças sem histórico de fracasso escolar exibiram os menores níveis de correspondência nas faixas com as menores porcentagens de probabilidade de erro. Os participantes Luis, Nati e Keka mostraram os menores níveis de correspondência nas sessões programadas com 25% de probabilidade de erro, enquanto Guto exibiu os menores índices de correspondência na faixa de 10%. Nas sessões programadas com 50 e 70% de probabilidade de erro, observou-se aumento nos níveis de correspondência para todos os participantes.

Durante a inserção da tela de pontos, foi possível observar pouca variação em relação ao padrão de correspondência que os participantes vinham demonstrando nas sessões anteriores, realizadas com 70% de probabilidade de erro em leitura.

Treino de correspondência com reforçamento contínuo

O treino de correspondência com reforço contínuo aumentou a frequência de autorrelatos correspondentes de erros para todos os participantes aos níveis requeridos pelo presente estudo (no máximo um relato não-correspondente por sessão). Foram observadas, no entanto, diferenças na velocidade de aquisição do repertório de correspondência entre os participantes e entre as condições (com e sem histórico de fracasso escolar), como demonstrado na Tabela 3. Em média, foram necessárias 10 sessões até que o critério fosse atingido pelos participantes com histórico de fracasso escolar, enquanto que para as crianças sem histórico de fracasso escolar, foram necessárias cinco sessões, em média.

 

 

 

 

Somente a participante Bia, com histórico de fracasso escolar, necessitou de procedimentos adicionais para que o critério fosse atingido. Após a décima segunda sessão de treino, foram programadas quatro sessões com dez tentativas que utilizaram como estímulos figuras familiares e não-familiares. O experimentador permanecia na sala de coleta ao lado da participante e consequenciava diferencialmente o comportamento da criança, utilizando uma cartela dividida em dez células, que eram preenchidas com círculos de E.V.A. Quando um relato correspondente era emitido, o experimentador colocava uma ficha em uma das células e elogiava o desempenho da criança. Utilizou-se, também, a restrição física da resposta de clicar o mouse, para aumentar a probabilidade de que a criança atentasse para os estímulos relevantes na atividade. Quando a tela de relato era apresentada, o experimentador colocava sua mão sobre o mouse e perguntava à participante qual janela iria clicar e o porquê. Após a resposta, o mouse era liberado para a criança e a consequência era apresentada. Ao final de cada sessão, o experimentador perguntava à participante o que deveria fazer para ganhar pontos.

A tela de pontos foi reintroduzida na quinta sessão do procedimento adicional. O experimentador, que permanecia na sala, perguntava à criança, ao final de cada tentativa, se ela havia ganhado pontos e o que tinha feito para ganhá-los. Em seguida, foi realizada uma sessão em que metade das tentativas era programada com figuras e metade com palavras. Outra sessão idêntica foi realizada, na ausência do experimentador. Nas sessões seguintes, foram inseridas, gradativamente, mais palavras, até que as sessões voltassem a ser programadas sem figuras. Foram realizadas duas sessões nestas condições e, na sessão seguinte, o procedimento padrão foi retomado.

A décima terceira sessão de treino (indicada na Figura 2 por um asterisco) foi realizada logo após o procedimento adicional. É possível observar que os níveis de correspondência foram elevados, mas não de forma suficiente para que o critério fosse atingido (em geral, a participante emitia 27 ou 28 relatos correspondentes). Ao final da décima quinta sessão de treino (indicada por dois asteriscos na Figura 2), o experimentador pediu que Bia dissesse o que deveria fazer para ganhar pontos e que dissesse, também, o que não podia fazer. As verbalizações da participante foram corretas nas duas circunstâncias. A partir de então, foram necessárias apenas três sessões para que a criança atingisse o critério, mas optou-se pela realização de outras três sessões adicionais com o objetivo de estabilizar o responder recém-adquirido.

Treino de Correspondência com reforçamento intermitente e manutenção de relatos correspondentes

Os altos níveis de correspondência produzidos durante o treino com reforçamento contínuo foram mantidos, na fase subsequente de reforçamento intermitente, para todos os participantes, a despeito do aumento no valor da razão. Nesta condição, o número de sessões necessárias para atingir o critério em cada valor de VR, foi menor que o número necessário para atingir o critério na situação de reforçamento contínuo.

No que diz respeito ao desempenho durante a segunda fase de ausência de contingência para relatos, foi possível observar, para sete das oito crianças, a manutenção dos altos índices de correspondência para relatos de erros. O participante Léo, por outro lado, exibiu queda acentuada nos níveis de correspondência ao longo das sessões desta condição. Optou-se por realizar um retreino com algumas modificações. Intercalaram- se, inicialmente, sessões com reforçamento contínuo e sessões com reforçamento intermitente (VR2). Quando o responder mostrou-se estável neste valor de razão, foram realizadas, subsequentemente, sessões em VR3 e VR6. Assim que o critério foi atingido, o participante foi exposto a novas sessões de ausência de contingência, durante as quais exibiu altos índices de correspondência.

 

DISCUSSÃO

O presente estudo investigou a correspondência do relato de crianças com e sem histórico de fracasso escolar sobre seus desempenhos em uma atividade de leitura, em função do aumento da dificuldade da tarefa, e examinou os efeitos de um treino de correspondência com reforçamento contínuo e intermitente na instalação e manutenção de autorrelatos correspondentes.

O erro, para todos os participantes, pareceu ser uma variável relevante sobre a correspondência. Ao longo do experimento, foi possível observar, para todas as crianças, altos índices de correspondência de relatos de acerto. O mesmo, por outro lado, não ocorreu para os relatos de erro, que apresentaram menores índices de correspondência. Esses dados confirmam e estendem os resultados obtidos por Critchfield e Perone (1990, 1993) e Domeniconi (2006), que verificaram uma tendência em relatar acertos (ao invés de erros) quando a tarefa tornava-se mais difícil e a proporção de erros aumentava.

No presente trabalho, diferentemente dos dados encontrados por Domeniconi (2006), no qual os níveis de correspondência de relatos de erros foram inversamente proporcionais ao aumento da dificuldade da tarefa (quanto maior o número de erros, menor a frequência de relatos correspondentes de erros), os menores índices de correspondência ocorreram na faixa de 50% de probabilidade de erro, para as crianças com histórico de fracasso escolar e na faixa de 25%, para as crianças sem histórico de fracasso escolar. O aumento da dificuldade da tarefa não pareceu ser, portanto, uma variável crítica, dado que nas sessões programadas com 70% de probabilidade de erro, os relatos correspondentes de erros foram emitidos em frequência maior do que nas probabilidades de erro menores, pela maioria dos participantes.

De forma geral, não foi possível identificar diferenças sistemáticas no grau de correspondência entre os participantes com e sem histórico de fracasso escolar, com exceção da faixa de 50% de probabilidade de erro, na qual foi notada uma diferença mais acentuada entre as duas condições. A diferença nos níveis de correspondência entre os participantes com e sem histórico de fracasso escolar somente se deu no que se refere à faixa em que os menores índices de correspondência foram apresentados (50% de probabilidade de erro para as crianças com histórico de fracasso escolar e 25% para aquelas sem fracasso escolar). Ao que tudo indica a variável relevante foi o erro per se, e não necessariamente a história de fracasso escolar ou o aumento da dificuldade da tarefa.

As situações manipuladas experimentalmente neste estudo reproduzem, em certa medida, o ambiente natural de muitas dessas crianças. Na sala de aula, por exemplo, é comum constatarmos a emissão de relatos não-correspondentes (dizer que entendeu a lição quando não entendeu ou dizer que acertou um problema de matemática, quando na verdade errou) por parte de muitas crianças para escapar de situações constrangedoras e aversivas, como a repreensão de professores ou a humilhação por parte dos colegas.

No estudo de Ribeiro (1989), em que as crianças exibiram altos níveis de correspondência entre fazer-dizer na condição em que nenhuma verbalização era treinada, o comportamento sobre o qual a criança relatava pode ser considerado "neutro" em relação às contingências, ou seja, pode-se presumir que a criança, usualmente, não é punida ou reforçada socialmente por brincar ou não, assim como por relatar que brincou ou não brincou. Em outros estudos (Brino & de Rose, 2006; Domeniconi, 2006; Critchfield & Perone, 1990; 1993), ao contrário, as atividades propostas implicavam em errar ou acertar e pode-se presumir que as pessoas foram, na sua história, mais reforçadas por acertar do que por errar e, consequentemente, por relatar acerto mais do que relatar erro, produzindo então, relatos menos acurados nas condições em que nenhuma consequência é contingente ao relato ou ao desempenho.

Considerando a proposta de análise do comportamento verbal de Skinner (1957), durante a primeira fase de ausência de contingência para relatos, apesar de não terem sido arranjadas experimentalmente contingências específicas para respostas específicas, a provável história de punição a relatos de erros gerou respostas que não estavam sob controle do estímulo antecedente, mas sim sob controle de um reforçador específico ou esquiva de uma estimulação aversiva. Os relatos nesta condição podem ser caracterizados, portanto, como tatos com função de mando.

No que diz respeito ao treino de correspondência com reforçamento contínuo, observou-se que este foi eficaz em produzir altos índices de relatos correspondentes, tanto de erros quanto de acertos, para todos os participantes, confirmando os resultados encontrados em diversos estudos (Brino & de Rose, 2006; Brino & Galvão, 2001; Critchfield & Perone, 1990, 1993; Domeniconi, 2006; Guevremont et al., 1986a; Ribeiro, 1989). De acordo com Beckert (2005), o treino da sequência fazer-dizer é um treino de autotato que pode ser utilizado como um instrumento para o estabelecimento de verbalizações mais fidedignas sobre o comportamento antecedente e suas variáveis de controle.

Quanto ao treino com reforçamento intermitente, foi possível observar, durante as sessões desta fase, para todos os participantes, a manutenção dos altos níveis de correspondência adquiridos na fase anterior (com reforçamento contínuo), padrão que foi observado, também, na condição subsequente de retorno à ausência de contingência para relatos. Estes resultados confirmam a discussão de Stokes e Baer (1977) de que este tipo de reforçamento (intermitente) é eficaz na medida em que mantém o responder mais resistente à extinção, quando comparado com o reforçamento contínuo. A efetividade ocorre porque, segundo os autores, a imprevisibilidade da apresentação do reforçamento, característica do reforçamento intermitente, impossibilita que o participante discrimine se a contingência é ou não de reforçamento, o que faz com que o indivíduo continue se comportando de acordo com as contingências estabelecidas previamente.

Baer et al. (1987) sugerem que a delimitação marcante das fases experimentais (como uma instrução sinalizando o término da situação de treino) pode prejudicar a manutenção do comportamento treinado, por tornar as contingências discrimináveis. Este efeito não foi observado no presente estudo, a despeito da existência de mensagens que demarcavam a passagem de uma condição experimental para outra.

A manutenção dos altos índices de correspondência após o retorno à condição de ausência de contingência, mesmo com mensagens que demarcavam a mudança entre as condições, pode ainda, estar relacionada ao controle por regras. A instrução emitida pelo computador, além de descrever a mudança de uma condição para outra, requisitava que o participante continuasse trabalhando na tarefa, da forma como vinha fazendo. Neste caso, a correspondência observada poderia ser analisada como um comportamento controlado por regras, ou seja, sob controle de antecedentes verbais, mais do que por suas consequências particulares diretamente (Catania, Shimoff, & Matthews, 1989).

A presente pesquisa contribui para a área de correspondência fazer-dizer ao demonstrar, experimentalmente, variáveis relevantes no controle do relato verbal. O erro em atividades acadêmicas pareceu exercer grande influência na fidedignidade do relato de crianças sobre seus desempenhos. O mesmo não pôde ser observado, sistematicamente, para os efeitos da presença ou ausência de histórico de fracasso escolar.

Além disso, o treino de correspondência proposto (com reforçamento contínuo e intermitente) traz contribuições significativas no sentido de desenvolver tecnologias que possam não apenas produzir, mas manter, relatos correspondentes. A identificação de variáveis que favoreçam o desenvolvimento de tatos precisos é de grande relevância não apenas para a validação empírica dos conceitos propostos por Skinner (1957), mas, também, para as áreas aplicadas, que utilizam o relato verbal como instrumento de coleta de dados ou para intervenções.

Apesar da relevância desta temática em nossa sociedade e no campo científico, poucos são os estudos de correspondência realizados na sequência fazer-dizer. Pesquisas futuras deveriam investigar outras variáveis relevantes que possam vir a ocasionar distorções nos relatos, além de identificar os efeitos de possíveis variáveis não controladas (como o efeito das instruções presentes no treino de correspondência). Ainda nessa perspectiva, seria importante que tais variáveis fossem também investigadas com outro tipo de população e com outras tarefas.

Além disso, questões relativas a condições que possam garantir a manutenção de relatos correspondentes devem ainda ser exploradas de forma mais refinada. Seria importante comparar a eficácia de diferentes estratégias de manutenção, buscando identificar variáveis relevantes na promoção e manutenção de relatos correspondentes, uma vez que é de grande interesse da comunidade desenvolver indivíduos capazes de relatar o mais fidedignamente possível as ações e eventos aos quais estão expostos.

 

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Received: February, 04, 2012
Accepted: July, 19, 2012

 

 

1 Este manuscrito é baseado em dissertação submetida pela primeira autora como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação Especial na Universidade Federal de São Carlos, contando com bolsa do CNPq e posteriormente da FAPESP (Processo No. 2006/54261-6). Para a preparação do manuscrito os autores contaram com apoio do CNPq (Processo No. 573972/2008-7) e FAPESP (Processo No. 2008/57705-8), para o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (Coordenação de Deisy G. de Souza). O segundo autor contou com bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq. A terceira autora contou com bolsa de Iniciação Científica da FAPESP (Processo No. 2007/57574-8). Agradecemos a contribuição de Deisy de Souza, Carmen Bandini, Camila Domeniconi e Elenice Hanna durante a realização deste trabalho. Agradecemos especialmente à contribuição da saudosa Profa. Téia por ocasião do Exame de Qualificação da primeira autora.
2 Correspondência para: Mariéle de Cássia Diniz Cortez, Email: maridiniz@yahoo.co.