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Acta Comportamentalia

Print version ISSN 0188-8145

Acta comport. vol.21 no.2 Guadalajara  2013

 

ARTIGOS

 

Observações sobre o behaviorismo teleológico: parte I

 

Remarks on teleological behaviorism: part I

 

 

Filipe Lazzeri1

Universidade de São Paulo (Brasil)

 

 


RESUMO

De acordo com o behaviorismo teleológico de Rachlin, as categorias psicológicas ordinárias desempenham suas funções básicas (nomeadamente, de explicar e predizer comportamentos) pela designação de padrões molares de comportamentos manifestos e exemplificados pelo organismo inteiro. Esta abordagem é discutida no presente trabalho, dividido em dois artigos, cujo objetivo geral é apoiar com argumentos complementares algumas das teses de Rachlin, mas também levantar algumas objeções à sua perspectiva. Ou seja, procura-se distinguir, de um lado, o que é plausível nessa perspectiva e, de outro, o que merece ser revisto nela. O âmbito dos argumentos (e objeções) oferecidos neste primeiro artigo ou parte do trabalho concerne, em especial, à mereologia (a lógica das partes e do todo) das categorias psicológicas ordinárias e às condições de verdade de algumas delas. As observações aqui feitas são baseadas em algumas contribuições de autores tais como Wittgenstein, Bennett e Hacker, Ryle e Skinner.

Palavras-chave: Predicações psicológicas; Categorias psicológicas; Behaviorismo; Behaviorismo teleológico; Rachlin; Mentalismo; Comportamento; Perspectiva molar; Mereologia.


ABSTRACT

According to Rachlin's teleological behaviorism, ordinary psychological categories fulfill their central functions (viz. of explaining and predicting behavior) by designating molar patterns of overt behavior of the whole organism. This approach is discussed in the present work, which is divided up into two articles, and whose overall aim is to offer adding support for some of Rachlin's theses, but also to raise some objections to his account. That is to say, we attempt to distinguish, on the one hand, what is reasonably plausible in his account, and, on the other, what is worth being revised. The scope of the arguments (and objections) discussed in this first article concerns, in special, the mereology (or whole/part logic) of ordinary psychological categories, and the truth conditions of some of them. The remarks here presented draw upon some contributions provided by authors such as Wittgenstein, Bennett and Hacker, Ryle and Skinner.

Keywords: Psychological predications; Psychological categories; Behaviorism; Teleological behaviorism; Rachlin; Mentalism; Behavior; Molar perspective; Mereology.


 

 

O tema deste artigo diz respeito às predicações psicológicas ordinárias; ou seja, àquelas formadas por conceitos ordinários que costumam ser entendidos como sendo psicológicos ou mentais. Seguindo algumas das caracterizações usuais (e.g., Kim, 2005, pp. 14-17; Leclerc, 2010; Maslin, 2007, p. 7ss; Rowlands, 2003, p. 123ss), podemos agrupar os conceitos psicológicos ordinários em pelo menos quatro categorias (ou subconjuntos), em uma classificação aproximativa: (a) a categoria de conceitos relativos ao que tem sido chamado de atitudes proposicionais; (b) a de conceitos relacionados a afecções; (c) a daqueles relativos a fenômenos que têm sido chamados de processos cognitivos; e (d) a daqueles para traços de personalidade ou de caráter. Essa classificação não pretende ser exaustiva e tampouco é necessariamente uma de categoriais sem interfaces, antes deixando em aberto se há características comuns entre elas.

A categoria (a) é formada por conceitos tais como '...supor que...', '...querer que...', '...almejar...', '... esperar que...', entre outros, que possuem relação com fenômenos que exibem intencionalidade (no sentido filosófico do termo), ou seja, com fenômenos que são sobre algo ou dirigidos a algo, e este algo não necessariamente existir ou acontecer. Uma opinião é de que algo é o caso, possivelmente algo que, na verdade, não o é; alguém pode querer algo, mas este algo não acontecer; e assim por diante (cf. Brentano, 1995, pp. 88-89; Dennett, 1969, p. 20ss). Tal propriedade é vista refletir-se na opacidade referencial dos enunciados formados por esses predicados. Isto é, estes não obedecem de modo estrito à conhecida Lei da Substituição de Idênticos de Leibniz, segundo a qual a substituição de uma expressão, em um enunciado declarativo, por outra e que seja codesignativa, forma um enunciado preservando o valor de verdade do primeiro; por exemplo, o enunciado "Édipo quer bater em Laio" pode ser verdadeiro, mas ser falso "Édipo quer bater em seu pai", ainda que o termo 'Laio' esteja sendo substituído por uma expressão codesignativa (cf. Chisholm, 1957, pp. 168-172; Dennett, 1969, p. 20ss; Quine, 1960, p. 141ss).

A categoria (b) é formada por predicados relacionados a sensações, tais como '...sentir dor em...', '...sentir coceira em...', '...ter formigamento em...', etc.; a apetites, tais como '...ter fome' e '...ter sede'; a emoções, tais como '...estar magoado com...' e '...estar com raiva de...'; e humores, tais como '...estar com o sentimento de tristeza' e '...estar com o sentimento de alegria'. Julga-se que esses conceitos costumam ser, de alguma maneira, relacionados a fenômenos com propriedades qualitativas ou qualia. Quando alguém está sentindo calor ou irritação, por exemplo, sente, em alguns momentos, determinadas reações que ocorrem, em geral, involuntariamente, têm intensidade (sente-se muito ou pouco calor, irritação, etc.), uma duração contínua (podemos determinar quando essas reações começam e terminam) e que são agradáveis ou desagradáveis. Tende-se a considerar que os fenômenos aos quais esse subconjunto de conceitos diz respeito possuem uma dimensão subjetiva por excelência, o que Nagel (1974) expressa em termos de poder-se perguntar como é estar neles. Alguns autores supõem que haja qualia específicos de sentir dor, estar alegre, tenso, etc., o que, no entanto, é objeto de discussão (cf., e.g., Hacker, 2002; Malcolm, 1984, pp. 56-58). Discute- se também se os qualia são uma condição necessária para a aplicação verídica dos predicados em geral desta categoria, havendo indícios de que fenômenos tais como os de ter fome, prazer com uma partida de xadrez e admirar alguém são apenas às vezes (e não necessariamente) formados por qualia (cf., e.g., Bennett & Hacker, 2003, pp. 203-205).

Os conceitos da categoria (c) são aqueles relacionados (embora não em todas suas acepções), dentre outros fenômenos, aos do pensar, como '...raciocinar...' e '...refletir...'; lembrar, como '...lembrar...' e '... recordar...'; perceber, como '...ver...' e '...ouvir...'; e ter "quase percepções", como '...sonhar...' e '...imaginar...'. Tende-se a julgar que se referem a processos que resultam em produção e mudança de fenômenos relacionados às categorias (a) e (b). Parte desses predicados é muitas vezes concebida em termos de qualia, sobretudo a subcategoria do perceber; no entanto, pelo menos considerando-se qualia como reações involuntárias do corpo e com graus de intensidade, pode-se contestar que formem o perceber em geral, se as coisas que percebemos (cores, texturas, sons, etc.) forem entendidas como estando fora do corpo (e.g., Armstrong, 1984, p. 169ss; Hacker, 2002). O fato é que, subscrevendo-se ou não a categorias psicológicas mais gerais, esses conceitos apresentam aspectos peculiares. Por exemplo, raciocinar, ver e recordar são acontecimentos momentâneos, o que não é característico de opiniões, almejos e atributos similares.

A categoria (d) é aquela que engloba predicados que associamos a traços de caráter ou de personalidade (sem que, no entanto, se pressuponha que se apliquem apenas a pessoas, no sentido comum do termo), tais como '...ser inteligente', '...ser agressivo', '...ser sagaz', '...ser raivoso', etc. Eles não pedem um complemento (sendo predicados monádicos), e, portanto, não têm a forma daqueles da categoria (a). Além disso, é suficientemente claro que não são afecções, mesmo porque inúmeros deles não costumam estar associados a qualia, portanto não sendo da categoria (b). No entanto, vários deles envolvem conceitos de (b) em nível de segunda ordem, alguém tendo um caráter raivoso sendo relativo ao estar com raiva seguidamente, um caráter alegre ao estar alegre com frequência, e assim por diante. Alguns outros envolvem predicados de (c) em nível de segunda ordem, alguém sendo pensativo dizendo respeito ao pensar seguidamente, sendo imaginativo ao imaginar determinados tipos de coisas mais frequentemente do que a média, etc.

Algo em comum aos conceitos de (a) a (d) e, por extensão, das predicações que formam, é constituírem uma ferramenta ordinária para a explicação e a predição de comportamentos humanos e de outros animais. Alguns autores (e.g., Churchland, 1988; Lewis, 1972; Millikan, 1993; Sellars, 1963) chegam a considerar que esse vocabulário é uma teoria de senso comum do comportamento. Há bastante consenso de que, compondo ou não aquilo que poderia ser caracterizado como uma teoria, trata-se de conceitos que desempenham as funções de prover explicações e predições de comportamentos. Ao dizermos, por exemplo, que um pássaro voará em direção a determinada árvore porque acha que ali há frutas e porque está com fome, estamos inferindo preditivamente um comportamento deste pássaro. Quando dizemos que uma pessoa dedica boa parte do seu tempo com atividades filosóficas porque tem o propósito de escrever uma obra filosófica extensa e é alguém empenhado, estamos oferecendo uma explicação daqueles comportamentos da pessoa, proporcionando alguma inteligibilidade a eles, para alguém que não a conheça.

Uma questão central sobre essas predicações é: em que consiste um comportamento ser explicado ou predito em termos deles? Ou seja, o que quer dizer alguém satisfazer predicações nas quais se atribuem propósitos, humores, traços de personalidade e atributos similares?

Podemos classificar, ainda que de maneira apenas aproximativa, as abordagens que propõem respostas a tal problema em: abordagens mentalistas; abordagens comportamentais; e aquelas que não são mentalistas e tampouco comportamentais. Segundo o que podemos chamar de mentalismo sobre as predicações psicológicas ordinárias, estas, no desempenho de suas funções, designam, em geral, entidades próprias do interior do corpo (sejam concebidas como sendo físicas ou não) e que causam eficientemente os comportamentos que supõem explicar ou predizer. Em outras palavras, de acordo com tal perspectiva, crenças, desejos, emoções, etc. são atributos, em geral, localizados em alguma parte do corpo (frequentemente considerada o cérebro) e que determinam comportamentos. Por exemplo, para o mentalista, quando uma criança corre diante da presença de um cachorro por ter medo de cachorros e querer proteger-se, o medo e o querer são coisas que ocorrem dentro da criança e que determinam aquele comportamento. Trata-se de uma perspectiva usual na filosofia da mente contemporânea, sustentada, por exemplo, por várias versões do funcionalismo (embora isso não signifique que funcionalismo implique em mentalismo), tais como o sugerido por Putnam (1975) e Fodor (1968), aquele formulado por Armstrong (1968, 1984) e Lewis (1966, 1972), e mesmo o teleofuncionalismo (ou funcionalismo teleológico) que encontramos em autores tais como Dennett (1969), Lycan (1981), Millikan (1984, 1993) e Sober (1985).

Por outro lado, as abordagens comportamentais e as do terceiro tipo sugerem que as predicações psicológicas ordinárias não dizem respeito, em geral, a causas eficientes e próprias ao interior do corpo. Isso embora tais predicações, de acordo com algumas dessas abordagens, possam, por vezes ou não exclusivamente, remeter a entidades internas. As abordagens comportamentais caracterizam o funcionamento das predicações em questão em termos, em geral, de remissão a formas de comportamento dos organismos ou (para utilizarmos uma terminologia neutra quanto à constituição física envolvida) sistemas, bem como a aspectos do ambiente maior (externo ao corpo); inclusive, em alguns casos, a aspectos de caráter histórico (por exemplo, interações passadas envolvendo partes do ambiente maior). São exemplos de abordagens comportamentais aquelas que encontramos em Ryle (1949), Skinner (1953, 1976) e Rachlin (1994, 2005). Abordagens do terceiro tipo são, dentre outras, por exemplo, o neorrealismo de Tonneau (2004) sobre algumas das categorias em questão, além de diferentes formas de externismo de veículo, como a abordagem de Rowlands (2003). Elas, ao mesmo tempo, sustentam uma rejeição da tese de que as predicações psicológicas ordinárias designem fenômenos que ocorram apenas no interior do corpo e não as caraterizam de maneira geral por referência a propriedades comportamentais.

O tema específico deste artigo é a abordagem de Rachlin, denominada behaviorismo teleológico. O artigo é o primeiro de um trabalho dividido em dois artigos ou partes, cujo objetivo é fazer uma avaliação de alguns dos aspectos principais da referida abordagem. Procuramos apoiar com argumentos complementares algumas das teses de Rachlin sobre o funcionamento de categorias psicológicas ordinárias, mas também levantar algumas ponderações à sua perspectiva. Ou seja, pretendemos distinguir, de um lado, o que é bastante plausível nessa perspectiva e, de outro, o que merece ser revisto nela. O âmbito deste primeiro artigo concerne, em especial, à mereologia das categorias psicológicas ordinárias e às condições de verdade de algumas delas.

Procede-se, aqui, na seguinte ordem. Na seção inicial, faz-se uma revisão de aspectos gerais do behaviorismo teleológico, com ênfase em sua visão molar das relações operantes e proposta de análise das categorias em questão em termos dessas relações. Na segunda seção, sua visão sobre a mereologia das predicações psicológicas ordinárias é apoiada, ainda que ponderando uma das linhas de raciocínio avançadas por Rachlin em seu favor. Na terceira seção, através, em parte, de uma comparação com algumas análises de Ryle, apoia-se a ênfase do autor naqueles tipos de relações como condições de verdade das predicações relativas às categorias (a), (b) e (d). Pondera-se, porém, que relações respondentes, e não apenas operantes, costumam formar também tais condições (o que não é claro na abordagem de Rachlin), sobretudo em casos (embora não todos) de (b). (No segundo artigo que compõe o trabalho maior, outros raciocínios e teses de Rachlin são analisados, a partir do que resulta um esboço de uma perspectiva comportamental e teleológica alternativa. O âmbito do segundo artigo é a ênfase de Rachlin em comportamentos manifestos e a teleologia que propõe.)

 

O BEHAVIORISMO TELEOLÓGICO DE RACHLIN: UMA BREVE REVISÃO

Segundo o behaviorismo teleológico de Rachlin:

[E]ventos manifestos e o comportamento a eles relacionados [são] constituintes do significado dos termos mentais. … [O]s termos mentais referem-se ao comportamento manifesto de animais intactos. Eventos mentais não são considerados, de modo algum, ocorrerem dentro do organismo. O comportamento manifesto não apenas revela a mente; ele é a mente. Cada termo mental significa um padrão de comportamento manifesto. Isso inclui termos mentais tais como 'sensação', 'dor', 'amor', 'fome' e 'medo' (termos considerados pelos mentalistas como sendo "sentimentos puros" ['raw feels']), e também termos tais como 'crença' e 'inteligência', ditos algumas vezes referiremse a "estados mentais complexos", outras vezes a "atitudes proposicionais" e [ainda] outras vezes a "atos intencionais". (Rachlin, 1994, pp. 14-15)

As categorias psicológicas comuns, de acordo com tal perspectiva, funcionam pela remissão a padrões molares de comportamentos manifestos e exibidos pelo organismo como um todo. Elas subsumem comportamentos singulares aos padrões que compõem, analogamente a encaixar peças de quebra-cabeças ou trechos de músicas àqueles agregados que constituem. Esses padrões são entendidos como relações temporais entre comportamentos, contextos e consequências relevantes. Assim, segundo Rachlin, as predicações em questão não se referem, propriamente, a aspectos internos subjacentes ao organismo, para além dessas relações temporais.

A noção de padrão de comportamento utilizada por Rachlin é, basicamente, mas com modificações, a de operante, no sentido de Skinner (1953, 1969). A título de breve caracterização, trata-se, como é sabido, de uma visão histórico-funcional dos comportamentos frequentemente ditos voluntários ou propositados, segundo a qual eles se definem pelas suas relações com as consequências que produzem no ambiente e com os contextos de sua ocorrência, que se tornam associados a eles ao produzirem essas consequências. Um operante é um conjunto de respostas que se circunscreve pela consequência ambiental que produzem em comum e pelos contextos em que isso ocorre. Algumas respostas, possuindo propriedades relevantes frente às condições ambientais, são mantidas pelas consequências que produzem, no sentido de passar a haver uma probabilidade maior de emissão de outras, pelo sistema, com semelhantes propriedades. Por outro lado, as respostas destituídas das propriedades relevantes ou que produzem consequências aversivas passam a ter uma menor probabilidade de ocorrência. Por exemplo, podemos gerar, em um macaco, um comportamento de pressionar uma alavanca quando uma luz for acesa, tornando contingente a um determinado número de pressões que ele dê nela, quando a luz acender, uma banana como consequência. As respostas que, relativamente ao contexto do dispositivo, não se ajustam a tal requerimento ambiental, produzindo consequências aversivas ou não produzindo a consequência relevante, ocorrem, paulatinamente, com menor frequência, enquanto que, aquelas que o satisfazem, têm probabilidade de ocorrência aumentada. Estas passam a constituir uma unidade, a qual é, nesse sentido, historicamente estabelecida. À tríplice relação entre respostas, contextos e consequências, Skinner (1969) denomina contingências de reforço ou de punição, dependendo de a consequência ser reforçadora – isto é, aumentar a probabilidade de ocorrência das respostas –, ou ser punitiva – isto é, diminuir a probabilidade de ocorrência destas.

Tais processos, que exemplificam (analogamente aos processos de seleção natural) o modo causal seletivo ou, como os chama Skinner (1988), de seleção pelas consequências, são entendidos como determinantes e mantenedores fundamentais de comportamentos deste tipo, em conjunção com as filogêneses que os predispõem. Quando a produção das consequências relevantes depende de certos contextos, os comportamentos que as produzem tornam-se associados a estes, que, assim, passam a constituir ocasião para a ocorrência de comportamentos e consequências similares. Por exemplo, no caso do operante acima, o contexto formado pelo dispositivo e pela presença da luz acesa, do qual depende a taxa de respostas de pressionar a alavanca e o alimento como consequência, torna-se ocasião para tal interação. Entretanto, o contexto não é entendido como causa eliciadora (ou puramente mecânica) dos referidos comportamentos, no sentido de que esses não são considerados como resultados de estímulos presentes. Se assim fosse, a variação entre os comportamentos não teria um papel central na constituição de um padrão operante. Um comportamento deste tipo é, então, entendido como sendo resultado, fundamentalmente, da história (processos passados) de seleção das variantes que se seguiram das consequências relevantes.

Rachlin (1989, p. 134ss, 1994, 1995) baseia-se nesta noção, mas procurando expandi-la, através de uma interpretação relativamente mais molar; em particular, no sentido de molaridade temporal, o que significa ênfase em variáveis tomadas como entidades estendidas no tempo, e não como sendo discretas e contíguas (cf. também Baum, 1997, 2003, 2004). A visão de Skinner é mais molar do que, por exemplo, visões do comportamento em que este é individuado em termos anatômicos ou proximais, desconsiderandose aspectos tais como suas relações históricas; mas, segundo Rachlin, menos molar do que a sua, na medida em que, segundo ele, Skinner supõe que os comportamentos e consequências são componentes discretos e contíguos. (Esta alegação é, pelo menos em parte, discutível, se considerarmos alguns textos de Skinner; e.g., Skinner, 1972. No entanto, a discussão dela não é relevante para nossos propósitos aqui.) Na visão de Rachlin, os comportamentos de um padrão operante e suas consequências não requerem ser assim. Por exemplo, construir uma casa, em sua abordagem, é um padrão operante com direito próprio (e não apenas uma abstração a partir de vários operantes com consequências contíguas), em que a casa advém como consequência de médio e longo prazo a partir de uma diversidade de atividades, as quais, por sua vez, compõem padrões de comportamentos relativamente menos estendidos no tempo, como os de construir encanamentos, dentre outros. O autor acredita que os comportamentos dos animais são sensíveis não só aos contextos e consequências imediatos, mas também de médio e longo prazo. Alguém que esteja manejando um martelo em um momento, por exemplo, pode estar fazendo isso tanto sob influência – dada uma história interativa apropriada (de reforço e punição) – de fatores relacionados a consequências relativamente mais imediatas, como a junção de duas madeiras e a construção de um piso, mas também de fatores remotos, como a construção de uma casa e o provimento de abrigo.

Cada mordida que damos em uma fatia de bolo pode estar sendo influenciada por relações ambientais de múltiplos níveis (isto é, relações de maior ou menor molaridade, mais perceptíveis ou mais abstratas), desde pela consequência de obtenção do bocado de bolo e, também, de obtenção da fatia inteira, até pelas consequências de punição (eventualmente, inclusive sociais) por saúde instável e sobrepeso e mesmo outras não aversivas, já que o sobrepeso, por exemplo, pode ter uma função em um padrão geral de vida (como a função de evitar certas relações sociais). Um padrão de comportamento como o de dieta, que envolve atos de evitar certos tipos ou quantidades de alimentos, pode estar sob influência parcial de consequências de médio e longo prazo, correspondentes à diminuição na taxa de danos a saúde e aumento do bem-estar – dada uma história interativa apropriada, em que consequências similares se seguiram, depois de um tempo, de comportamentos como aqueles. Tal padrão de comportamento é uma unidade relativamente mais abstrata e menos perceptível do que comportamentos como o de evitar certos tipos ou quantidades de alimentos, e não faz sentido dizer que se dê momentaneamente e sem esses comportamentos.

Rachlin (1994, 1995, 2005) caracteriza (utilizando terminologia aristotélica) os padrões molares de comportamento como causas finais dos comportamentos que os constituem e, inclusive, dos padrões menos molares que agregam (cf. também Dutra, 2003, p. 101ss, 2006, p. 110ss). Eles são entendidos como causas finais na acepção de serem núcleo para dar respostas acuradas a perguntas sobre por que esses comportamentos ocorrem, ou seja, seus determinantes mais fundamentais estão nas relações, estendidas no tempo, com o ambiente maior. Aos aspectos neurofisiológicos e afins subjacentes à sua realização, o autor chama de suas causas eficientes. Estas são concebidas como sendo precondições das interações do organismo e núcleo para respostas a perguntas sobre como ou a maneira em que tais interações se dão.

Um pressionar a alavanca pelo rato é um operante, porque qualquer movimento do rato que resulte em uma pressão na alavanca (ou melhor, em fechamento de um interruptor fixado à alavanca) é um exemplar ['instance'] do mesmo operante, não importando qual seja sua causa eficiente. O rato poderia ter pressionado a alavanca com seu rabo, seu nariz, sua pata; todos seriam repetições do mesmo operante. … Esta concepção aristotélica, o operante, … muda o foco da investigação com portamental … em direção a causas finais – as contingências de reforço [e de punição]. (Rachlin, 1994, p. 84)

Comportamentos que possuem causas eficientes diversas podem ter uma mesma causa final, isto é, comporem um mesmo padrão. Em outros termos, eles podem ser realizados a partir de uma diversidade de entidades e processos estruturais, mas compartilharem uma mesma característica fundamental, que as fazem ser de um mesmo padrão de comportamento; nomeadamente, as consequências que produzem. Assim, esses padrões são multiplamente exemplificáveis (ou realizáveis). Na medida em que, para Rachlin, as predicações psicológicas ordinárias dizem respeito a tais padrões, elas – ou, dito de maneira mais ontológica, atributos psicológicos, isto é, aqueles aos quais elas dizem respeito – são, em princípio, também multiplamente exemplificáveis.

Para Rachlin, então, predicações psicológicas ordinárias, em geral, funcionam encaixando comportamentos em seus padrões estendidos no tempo. Não designam aspectos estruturais subjacentes (por exemplo, neurofisiológicos), embora, certamente, esses aspectos sejam importantes, posto que precondições para as interações do sistema. Antes, dizem respeito às interações manifestas mesmas do sistema como um todo. É nessa medida que Rachlin (1994, 2007) sustenta que tais interações formam o que ele chama de "vida mental", enquanto que os aspectos estruturais são apenas mecanismos desta.

Segundo essa perspectiva, por exemplo, ao dizermos que alguém foi à biblioteca porque queria estudar para uma avaliação, estamos (se a predicação for verdadeira) fazendo a subsunção daquele comportamento de ir a tal local a um ou mais padrões de comportamento, um deles provavelmente envolvendo relações entre atividades relacionadas ao estudar (como o ler e fazer anotações), locais similares em serem contextos para tais atividades e relativa eficiência em avaliações dentre os resultados que se costuma obter a partir de tais atividades nesses contextos. Fornecemos, desta maneira, alguma inteligibilidade ao comportamento da pessoa de ter ido até lá, sem que isso suponha designação de algo mais do que as relações ambientais históricas e presentes nas quais ele se encaixa (cf. Rachlin, 2007, p. 133ss; também Baum, 2006, p. 97ss).

Similarmente, quando dizemos que alguém ama seu marido ou sua esposa, estamos referindo-nos a um padrão de comportamento que inclui uma série de padrões menores bastante conhecidos, tais como os de cordialidade e carinho quando juntos, proteção de um ao outro em circunstâncias adversas, etc. Ao dizermos, em particular, que certo comportamento da pessoa ocorreu porque ama outra (na presente acepção do predicado) – por exemplo, que lhe deu um abraço caloroso quando chegou em casa após o trabalho –, é como se estivéssemos encaixando o trecho de uma peça musical àquele agregado maior que ele compõe. Os padrões de comportamento que formam o amar são entendidos como causas finais daquele comportamento particular. A fisiologia e anatomia subjacente a ele não é concebida como o porquê dele, mas como a maneira em que ocorre. Na lógica (disposicional) do conceito de amar, é irrelevante que, em determinados contextos – como, por exemplo, no trabalho –, não ocorram ações deste tipo, conquanto haja uma frequência relativa coerente delas nos contextos que lhes são ocasião. Isso está de acordo com o fato de que dificilmente julgamos que haja amor conjugal dado apenas um curto tempo ou dados poucos comportamentos típicos nos contextos apropriados (cf. Rachlin, 1994, pp. 16-17, 1995, pp. 115-116; também Baum, 2006, p. 60; Dutra, 2003, pp. 105-106).

Mesmo um conceito como o de perceber é analisado por Rachlin como remissão a um padrão de comportamento; no caso do perceber a troca de cor do vermelho para o verde em um sinal de trânsito, um padrão envolvendo o comportar-se de acordo com a mudança do estímulo respectivo, por sua vez parte de um padrão de perceber a diferença entre as cores de objetos (desenvolvido em outras interações que aquela com relação ao sinal de trânsito). Um ato particular de perceber a mudança de cor de um sinal de trânsito, em um momento específico, é concebido, então, como tendo tais padrões como causas finais ou que explicam seu porquê, em conjunção com os fatores do contexto em que ocorre, e tendo o aparato visual bem como certos eventos estruturais subjacentes como suas causas eficientes (cf. Rachlin, 1994, pp. 96-98, 2005, pp. 48-49).

 

MEREOLOGIA DAS PREDICAÇÕES PSICOLÓGICAS ORDINÁRIAS

Uma das teses do behaviorismo teleológico, portanto, é de que as predicações psicológicas ordinárias recaem sobre o organismo ou sistema como um todo, e não sobre partes (ou reputadas partes) dele (por exemplo, uma mente localizada dentro dele, partes do cérebro, etc.). Em outras palavras, a abordagem sustenta que elas recaem sobre o que Dennett (1969) chama de nível pessoal, ao invés do nível subpessoal (embora isso não signifique o âmbito apenas de pessoas). O próprio Rachlin (1995, p. 110) diz (mencionando Dennett) que "O behaviorismo teleológico é uma 'teoria de nível pessoal'" (cf. também Rachlin, 2007, p. 133). Isso significa que expectativas, temores, pensamentos, etc. são propriedades apenas do sistema como um todo. Há boas razões em favor desta tese, ainda que uma razão oferecida por Rachlin seja problemática.

A razão apontada por Rachlin é de que, quando predicamos atributos em termos do vocabulário psicológico comum a um organismo – por exemplo, dizendo que sente dor ou sente frio se estiver, respectivamente, contorcendo-se ou tremendo de maneira típica, após a apresentação de certos estímulos –, podemos constatar, ao observarmos seu interior, que há múltiplas regiões ativas em todo ele e que não há correlatos discretos invariáveis em alguma destas.

[N]ão há um evento neural singular ou lugar singular no cérebro invariavelmente ativo sempre que, por exemplo, um estímulo de vermelho afeta o comportamento. Quando o estudo de fisiologia do cérebro se desenvolveu, não encontrou nenhum ponto natural de parada, onde o input acaba e o output começa, para chamá-lo de uma sensação …. Se você começa a partir do estímulo e vai adiante pelo sistema nervoso, o estímulo ramifica-se e torna-se mais e mais difuso, cada ramo sendo afetado diferentemente por retroalimentação ['feedback'] de estruturas do cérebro mais afastadas. Se você começa de um dado ato manifesto e faz o caminho inversamente, fontes de influência de diferentes lugares do sistema nervoso imergem como vários córregos pequenos confluindo de diferentes lugares para formar um rio maior com canais atrás afetando o fluir rio acima. Alguém poderia ter a tentação de dizer que o cérebro inteiro tem a sensação. Mas a múltipla influência sobre o comportamento não para na borda do cérebro; ela começa no órgão sensorial e acaba apenas na ação manifesta mesma. Ao invés de dizer-se que o cérebro inteiro tem a sensação, seria mais correto dizer que é a pessoa inteira que tem a sensação. (Rachlin, 2005, p. 47)

Rachlin, então, argumenta a partir da premissa de que, se múltiplas regiões do corpo estão envolvidas quando alguns fatores que consideramos em nossas predicações psicológicas comuns são o caso e, além disso, não há regiões invariavelmente ativas no cérebro quando disso, então o organismo como um todo é objeto próprio delas. O autor afirma que, de fato, o que se constata é isso e que, assim, se segue a referida mereologia (ou seja, lógica das partes e do todo).

Não descartamos a possibilidade de que tal argumento seja correto, mas temos uma ponderação a ele. Mesmo que, eventualmente, haja correlações entre, por exemplo, ativação de certas áreas do cérebro com estímulos e comportamentos relevantes na aplicação de conceitos em questão, não se segue que o cérebro seja o objeto próprio destes predicados. O máximo que se pode inferir, a partir apenas disso, é que aquelas regiões do corpo são condições subjacentes àqueles fenômenos, talvez apenas tal como a língua é condição para a comunicação oral humana. Conforme apontamos em seguida, há razões que tendem a diretamente excluir a aplicação desses predicados a algo que não ao organismo vivo ou sistema como um todo que se comporta, mostrando que tal aplicação não faz sentido (ou seja, é um contrassenso), salvo metaforicamente. Entretanto, não é claro se Rachlin assume a premissa condicional, acima representada, como sendo, de fato, de tipo hipotético ('se..., então...'), ou se a assume como um bicondicional ('...se, e só se, ...'). Caso a premissa tenha a forma de um bicondicional (nomeadamente, da forma, de modo aproximado: múltiplas regiões do corpo estão envolvidas quando alguns fatores que consideramos em nossas atribuições psicológicas comuns são o caso etc., se, e só se, elas dizem respeito ao organismo como um todo), ela é implausível. Pois, se houvesse correlações como aquelas, o raciocínio teria uma mereologia mentalista como resultado, sendo que, na verdade, tais correlações são insuficientes para tanto. Logo, o argumento apresentado por Rachlin para a tese acerca da mereologia só tem eventual peso caso o condicional for um de tipo hipotético (a saber, de modo aproximado: se múltiplas regiões do corpo estão envolvidas quando alguns fatores que consideramos em nossas atribuições psicológicas comuns são o caso etc., então elas dizem respeito ao organismo como um todo). Dizemos ‹eventual peso› porque, mesmo assumindo a melhor forma lógica do argumento, ainda resta, para sua plausibilidade, sabermos se a premissa empírica é, de fato, verdadeira.

Embora o fato alegado por Rachlin possa dar algum suporte à tese sobre a mereologia, não é requerido para se constatá-la. Basta levarmos em conta as regras que regem o uso desses conceitos. Uma delas, da qual tratamos na seção seguinte e que, provavelmente, é uma razão implícita de Rachlin para a tese, diz respeito aos critérios de aplicação de tais conceitos. Seus critérios costumam ser relações entre comportamentos e situações do ambiente. Quem se comporta ou faz algo, em tais casos, são sistemas inteiros (coisas como pessoas, macacos, cachorros, etc.), embora haja, certamente, partes do corpo que permitam isso. Nos termos de Ryle (1949):

[Q]uando falamos da mente de alguém, não estamos falando de um segundo teatro de acontecimentos de estatuto especial, mas de certas maneiras em que alguns desses acontecimentos de sua vida estão ordenados. … Segue-se que é um solecismo lógico falar-se … da mente de alguém conhecer tal e tal coisa ou escolher aquilo. A pessoa mesma conhece tal e tal coisa e escolhe aquilo, ainda que o fato de que o faça possa, se se desejar, ser classificado como um fato mental da pessoa. Em parte pelo mesmo motivo, é impróprio dizer-se que meus olhos vejam isso ou que meu nariz cheire aquilo; devemos dizer, antes, que eu vejo isso ou cheiro aquilo, e que tais asserções carregam consigo certos fatos sobre meus olhos e nariz. (pp. 167-168)

As predicações psicológicas ordinárias têm como condições de verdade relações que podemos expressar com Rachlin em termos de padrões de comportamento, modos como alguém se comporta diante de certas circunstâncias. Não as formulamos levando em conta o que partes do corpo fazem isoladamente, mas aquilo que é feito por alguém inteiro, inclusive, por vezes, quando se trata de uma pessoa, naquilo que ela diz. Por exemplo, quem é sagaz ou pouco esperto não é a cabeça de um animal, mas o animal como um todo; diante de circunstâncias variadas que vivencia em seu nicho, ele próprio (embora, certamente, por ter precondições neurofisiológicas apropriadas), e não suas partes, costuma ser ou não ser sucedido na obtenção de recursos, lida com ameaças e coisas similares. Conforme Bennett e Hacker (2003, pp. 70-72; cf. também Wittgenstein, 1953, §281ss), não saberíamos dizer o que é, por exemplo, para o cérebro ou parte dele pensar algo, sentir frio ou amar alguém, pois não é nisso que nos fundamentamos quando predicamos tais atributos.

Bennett e Hacker (2003) apresentam um argumento paralelo que mostra simplesmente não fazer sentido aplicar esses conceitos a partes (ou supostas partes) do organismo. Segundo esses autores, a lógica desses conceitos, em seu uso ordinário, exclui tal aplicação.

Não faz qualquer sentido ['it makes no sense'] atribuir-se tais predicados ou suas negações ao cérebro. … O cérebro não é um sujeito logicamente apropriado para predicados psicológicos. Apenas um ser humano e o que se comporta como ele pode inteligivelmente e literalmente ser dito ver ou ser cego, ouvir ou ser surdo, fazer perguntas ou refrear-se de perguntar. (p. 72)

Portanto, trata-se de chamar atenção para o fato de que o emprego dos predicados em questão a partes do organismo fere as regras de seu emprego (salvo em casos metafóricos) e que eles se aplicam apenas aos organismos como um todo, ou a sistemas em geral que, eventualmente, satisfaçam os critérios relevantes. Não dizemos, por exemplo, que o cérebro queira beber água, mas, tampouco que ele não esteja com sede; antes, por uma questão de gramática, é uma pessoa que quer beber algo e que está ou não com sede. Não faz sentido dizer que o cérebro de um cachorro espera que seu dono lhe lance uma lasca de madeira para buscar, e, tampouco, que não o espera; antes, é o cachorro mesmo que espera isso. De modo geral, as categorias psicológicas ordinárias dizem respeito a propriedades apenas de sistemas inteiros.

Esta visão é adequada inclusive com relação aos predicados para sensações, tais como '...sentir coceira em...', '...sentir formigamento em...' e '...sentir latejo em...', que estão relacionados a fenômenos que dizemos darem-se em partes do corpo (perna, braço, rosto, etc.). Aplicamo-los a alguém como um todo; quem as sente é alguém como um todo, e não pernas, braços, cabeça, etc. Sensações, com efeito, têm alguma forma de localização, mas, como salientam Bennett e Hacker (2003, pp. 95-96, pp. 122-123), não se trata de localização no mesmo sentido em que uma moeda esteja no bolso ou um jantar na cozinha. Se uma moeda está no bolso e o bolso está na calça, então a moeda está na calça; se um jantar ocorre na cozinha e a cozinha está no lar de alguém, então o jantar ocorre no lar desta pessoa (há transitividade). Por outro lado, se uma dor, uma coceira ou um formigamento está ocorrendo no pé e o pé está calçado, não se segue que a dor, a coceira ou o formigamento está no calçado (não há transitividade). Além disso, moedas e jantares são coisas que podemos observar ou deixar de observar e, assim, sermos sucedidos em maior ou menor grau em observar. Porém, como aponta Ryle (1949, p. 199ss), não há uma coisa como o ser obstruído ou desobstruído na observação da própria sensação que se tem, ou o aproximar-se ou afastar-se dela. Logo, sensações não são coisas que estejam contidas em determinado lugar do corpo; e, portanto, a mereologia própria de conceitos para sensações é a do sistema inteiro que se comporta.

 

CONDIÇÕES DE VERDADE DE PREDICAÇÕES PSICOLÓGICAS ORDINÁRIAS

A abordagem de Rachlin preserva os aspectos fundamentais de algumas das análises de Ryle (1949) acerca de categorias psicológicas ordinárias. Além da tese sobre a mereologia delas, preserva também a tese de que relações apropriadas entre comportamentos e contextos formam as condições de verdade das predicações de boa parte das categorias em questão. Um diferencial de Rachlin nisso é que retém tal contribuição com auxílio do conceito de operante, que nos permite caracterizar com maior clareza aquelas relações. Procuramos, aqui, apoiar esta sua perspectiva, ainda que restringindo-nos às categorias (a), (b) e (d) – assim, não estendendo esta tese particular à categoria (c) –, ao mesmo tempo levantando-lhe algumas ponderações.

A associação de conceitos psicológicos ordinários a padrões operantes de comportamento captura analogias que Ryle (1949, p. 11ss) sugere ao ilustrar o que seriam alguns erros de categoria em geral; por exemplo, a analogia entre o emprego de alguns deles e o de conceitos como o de universidade. A universidade não está para alguma coisa paralela ao conjunto de relações existentes entre as ocorrências de certas atividades (de pesquisa, ensino, estudo, etc.) e determinados prédios, salas de aula, laboratórios, etc., que são contextos destas atividades. Alguém que visitasse tais locais e contemplasse algo daquelas atividades, mas, ainda, indagasse "Onde está a universidade? Vi laboratórios e cientistas fazendo experimentos, a reitoria, a biblioteca e estudantes, contudo não vi ainda a universidade", estaria supondo equivocadamente que 'universidade' se refere a algum prédio ou atividade à parte. Analogamente, as predicações corretas de atributos como os de almejar algo e ser inteligente não estão para algo paralelo aos comportamentos que alguém exiba nas circunstâncias que lhe são ocasião; por exemplo, no caso do almejo de algo, comportamentos como aqueles que são meios para se chegar ao resultado relevante, nos momentos propícios. Assim, alguém que, tendo observado um organismo satisfazendo tais correlações ao longo tempo, ainda se perguntasse por onde está seu almejar, ou inferisse que é uma ocorrência à parte, estaria cometendo um equívoco com respeito ao emprego ordinário de tal predicado. Rachlin (1994) chega a dizer que, em razão de Ryle (1949) argumentar que "[T]ermos mentais intencionais ... não se referem a eventos discretos, mas …. estão para classes de ações particulares manifestas … Ryle, é, portanto, um behaviorista teleológico" (p. 136). (cf. também Baum, 2006, p. 56ss; Rachlin, 2005, p. 49, n. 2)

A proposta de Rachlin está em consonância com a sugestão de Ryle (1949, p. 43ss, p. 86ss) de que, quando predicamos atributos relativos a várias das categorias psicológicas comuns, estamos fazendo remissão, de uma maneira indireta e abreviada, a comportamentos que o agente, em certos contextos, exibiu ou está exibindo e provavelmente exibirá. Trata-se de predicações disposicionais, ou seja, alguém pode satisfazê- las sem que haja alguma ocorrência relevante em um dado momento específico, tal como uma pessoa ser fumante não significa que ela esteja fumando agora. Alguém pode ter o propósito de escrever uma obra filosófica mesmo depois que vai dormir, ser um apreciador de certo tipo de alimento sem estar degustando-o em dado momento, amar seu marido ou esposa enquanto está trabalhando, etc. Predicações disposicionais têm a forma de enunciados condicionais hipotéticos, significando que, se certas condições fossem o caso, então ocorreriam, provavelmente, tais e tais coisas. Por exemplo, dizer que alguém é fumante significa poder-se inferir que, de tempos em tempos, em ocasiões propícias, ele fuma. Segundo Ryle, predicações psicológicas comuns possuem tal feição com a diferença de que, ao invés de significarem condicionais hipotéticos simples (single-track) e indicarem condições ambientais e ocorrências relativamente homogêneas, sumarizam, antes, uma série disjuntiva de condicionais hipotéticos (são multi-track) e dizem respeito, geralmente, a contextos e ocorrências heterogêneos. Por exemplo, se alguém tem o propósito de escrever uma obra filosófica, não há um comportamento unívoco tal que se pudesse dizer "Seu propósito é apenas a tendência a, nesta circunstância específica, agir deste modo específico"; pois esse propósito pode envolver múltiplas relações, tais como, dentre muitas outras, relações entre certos lugares da casa e da universidade com atividades de ler livros de filosofia, fazer anotações, discutir sobre questões e posições filosóficas, etc. O relevante para a veracidade da atribuição deste propósito é que algumas dessas relações se deem ao longo do tempo.

De acordo com Ryle, as predicações em questão não explicam ou predizem pela designação de causas internas, mas pela subsunção de comportamentos a relações estendidas ao longo do tempo, geralmente heterogêneas, entre comportamentos e contextos apropriados, que podemos expressar em termos de condicionais hipotéticos. Tais predicações não possuem a forma de explicação ou predição em que um comportamento é dito ser causado por determinada ocorrência; mas, antes, a forma conforme a qual ele é dito ser o tipo de coisa que se daria em circunstâncias semelhantes. Nos termos de Ryle, possuem um caráter disposicional, e não episódico.

Além disso, decidimos sobre sua verdade ou falsidade com base nos comportamentos dos agentes. Podemos testar sua veracidade ou falsidade averiguando se certos comportamentos do agente satisfazem algumas hipóteses correlacionando-os com contextos que lhes estão tipicamente associados. É preciso olhar para além do comportamento singular a fim de se explicá-lo em termos dessas atribuições, mas isso não significa que ocorrências internas causais sejam apontadas.

[Q]uando caracterizamos as pessoas com predicados mentais … estamos descrevendo as maneiras em que aquelas pessoas conduzem partes de seu comportamento predominantemente público. É verdade, vamos além daquilo que vemo-las fazer e ouvimo-las dizer, mas este ir além não é … fazer inferências a causas ocultas. (Ryle, 1949, p. 51)

Esse ir além de um comportamento particular é ter em conta aquilo que é feito pelo agente ao longo do tempo. O papel dessas atribuições não é reportar eventos singulares (de um momento específico), como fazem os enunciados não disposicionais (por exemplo, relatar que esteja chovendo ou que alguém esteja erguendo o guarda-chuva), mas nos permitir ir de um fato específico a outros fatos. Ou seja, o papel delas é o de colocar um comportamento em seu âmbito maior de relações, assim contextualizando-o (cf. também Ryle, 1949, pp. 121-124; Tanney, 2009).

Rachlin, como vimos, apresenta sua visão de maneira aparentada. Segundo sua perspectiva, predicações psicológicas ordinárias têm significado apenas considerando-se um tempo em algum grau estendido, ou seja, no âmbito das relações interativas nas quais a conduta se encaixa. Se, por exemplo, o dono de uma loja restituiu a um cliente o pagamento que este lhe deu a mais, aquilo que qualifica o ato do dono como sendo devido a querer ganhar apreço do cliente, ou, ao invés, a ser alguém honesto, ou, ainda, a ambas as coisas, não é, conforme Rachlin, alguma ocorrência interna ao ato. É, na verdade, a maneira como tal pessoa se comporta nesses e outros contextos.

[O] ato justo particular é parte de uma série mais geral de atos, o todo do qual constitui um caráter justo. Se ele não é parte de tal série, ele não é um ato justo. …. [S]e a mesma série de três notas aparece em dois diferentes prelúdios, um de Verdi e outro de Puccini, digamos, uma orquestra tocando aquelas três notas no contexto da execução do prelúdio de Verdi não está de modo algum tocando o prelúdio de Puccini. Se você entrasse na sala de concerto durante aquelas três notas e identificasse o prelúdio como sendo de Puccini, … seu engano não seria sobre qualquer estado interno oculto, mas sobre eventos externos perfeitamente manifestos, eventos que haviam tido lugar previamente a entrar na sala de concerto e que teriam lugar subsequentemente. (Rachlin, 1994, pp. 106-107)

Escolher um tempo t para determinar se alguém satisfaz uma determinada predicação psicológica ordinária, ao invés de uma oposta, é como querer determinar qual prelúdio está sendo tocado a partir apenas de três notas. Tal como as notas podem aparecer no prelúdio de outro músico, uma única relação efetiva comportamento- contexto pode ser um ingrediente de diferentes atributos psicológicos; e, tal como o acerto ou erro da predicação sobre o prelúdio é uma questão de eventos que se passam antes e depois do excerto, também assim com as predicações em questão.

Por conseguinte, o fato de alguém exibir comportamentos que constituem critério para determinadas predicações psicológicas ordinárias sem que verdadeiramente as satisfaçam, como acontece nos filmes, é acomodado por esta visão. Deve-se considerar que a diferença entre um ator e a pessoa que ele interpreta reside no fato de os comportamentos de apenas um (os da pessoa interpretada) comporem os padrões relevantes (ou seja, comporem padrões de interação entre comportamentos e contextos que se lhes tornaram ocasião em processos interativos passados). Nos termos de Ryle, a conduta do ator, estendida no tempo, não satisfaria a um teste de condicionais hipotéticos (que, por outro lado, a pessoa interpretada satisfaria) estabelecendo correlações apropriadas entre comportamentos e contextos (Lazzeri & Oliveira-Castro, 2010, p. 50).

As condições de verdade de predicações em questão, de fato, estão em padrões de comportamento. Se precisamos saber se alguém, verdadeiramente, tem ou teve algo como um determinado interesse ou traço de caráter, o tribunal último é o que ele fez ou está fazendo. Por exemplo, quando alguém tem um interesse em ser um profissional na área de medicina, o tribunal último é a adequação de suas condutas relativamente aos meios e às consequências relevantes que constituem o que chamamos de sua meta (isto é, a de realizar aquele ofício), tais como realizar um curso de medicina. Se a pessoa não se empenha nas atividades que tipicamente conduzem a isso, no mínimo colocamos em dúvida se ela tem o respectivo propósito. Quando alguém é vaidoso, emite comportamentos tais como de demorar-se a se vestir e colocar adereços que lhe fazem parecer mais belo. Julgamos que a pessoa é mais vaidosa do que outrem conforme emita uma taxa comparativamente maior desses comportamentos em ocasiões tais como as de sair de casa e de recepcionar uma visita. Averiguamos isso pelo confronto de enunciados hipotéticos que correlacionam comportamentos e circunstâncias relevantes com os fatos disponíveis.

Além disso, ao vermos alguém emitindo, frente a situações apropriadas, ações ou reações típicas (ao longo de um tempo relativamente longo ou curto, dependendo do caso) de, por exemplo, raiva, fome, deleite ou inteligência, podemos dizer que vemos a raiva, a fome, deleite ou a inteligência nesses comportamentos. É uma propriedade de categorias em questão aplicarem-se por referência a relações mesmas entre certas ações ou reações e circunstâncias, e não como meros sinais de supostos fatores designados de outro nível. Seria um contrassenso dizer, por exemplo, que não vemos a raiva em certos franzimentos do rosto e nos comportamentos agressivos de alguém frente a situações como as de outrem lhes insistir em provocar danos (Bennett & Hacker, 2003, pp. 89-90; Wittgenstein, 1967, §225, 1980, §§170-171, §570).

Entretanto, temos uma ponderação à ênfase praticamente exclusiva de Rachlin em padrões operantes de comportamento e, outra, sobre sua ênfase exclusiva em comportamentos manifestos. A segunda ponderação é desenvolvida apenas no segundo artigo que compõe o trabalho maior. A primeira é de que elementos de padrões respondentes de comportamento, e não apenas operantes, constituem também, por vezes, as condições de verdade em questão, sobretudo (embora não só) em casos de predicações relativas à categoria (b); no entanto, não é inteiramente claro se a abordagem de Rachlin considera esses outros fatores, exceto talvez em sua análise do conceito de dor (Rachlin, 1985, p. 46ss, 1994, p. 143ss). Dizemos 'talvez' porque, mesmo ao abordar o conceito de dor, Rachlin tende a amenizar os aspectos respondentes, o que ocorre, por exemplo, ao dizer que "a dor mesma é evitação constante" (Rachlin, 2005, p. 53, n. 3). A exposição de sua visão por Baum (2006, pp. 60-61) acerca do referido conceito também conota isso.

É plausível a visão de que, quando fazemos atribuições de afecções em geral (sensações, emoções, apetites e humores), estamos afirmando algo mais geral do que a existência de uma ocorrência singular momentânea e considerando relações operantes entre comportamentos do sistema com determinados contextos. Quando dizemos, por exemplo, que alguém está com certo aspecto facial porque está irritado, estamos remetendo-nos a relações típicas entre certos comportamentos e contextos, alguns deles efetivos e outros prováveis, tais como os de evitar aquilo que se diz ser objeto da irritação. Se uma criança está irritada com outra em razão de esta ter-lhe pego seu brinquedo sem pedir, provavelmente evita conversar com esta durante o tempo em que continua com o brinquedo ou imediatamente depois de tê-lo recuperado, tem propensão a comportar-se de modo agressivo se esta não lho devolver, não contém, entrementes, franzimentos em seu rosto, etc. Isso fica claro, particularmente, no caso de emoções, apetites e humores, ao levarmos em conta que esses fenômenos podem ter lugar sem que haja eventos singulares ocorrendo permanentemente; por exemplo, alguém pode estar magoado ou ansioso, com orgulho ou raiva, estar triste ou alegre ao longo de um tempo considerável, sem estar fazendo coisas específicas ou sentir reações orgânicas agradáveis ou penosas. Dito em outros termos, os predicados relativos a esses tipos de afecções são disposicionais. Eles são sobre agregados de ocorrências heterogêneas, e não nomeiam ocorrências singulares e homogêneas (Bennett & Hacker, 2003, pp. 203-205; Oliveira-Castro, 2000, pp. 19-21; Ryle, 1949, p. 93ss). Podemos ver, a partir disso, que padrões operantes compõem emoções, apetites e humores.

Skinner (1953, p. 160ss) salienta isso, em seu tratamento da noção de emoção, na qual inclui humores, ao realçar que, quando predicamos esses atributos, estamos considerando o aumento e a diminuição da probabilidade de certos comportamentos, alguns dos quais claramente em função de suas consequências. Segundo Skinner (1953), no contexto ordinário, ao falarmos que, por exemplo, alguém está com raiva, medo ou apaixonado, estamos "falando sobre predisposições para agir de certas maneiras".

Aquele 'com raiva' mostra uma probabilidade aumentada de bater, insultar ou de outra maneira infligir injúria, e uma probabilidade diminuída de ajudar, favorecer, confortar, ou fazer amor. Aquele 'apaixonado' mostra uma tendência aumentada de ajudar, favorecer, estar junto e acariciar, e uma tendência diminuída a injuriar seja de que modo for. 'Com medo', tende a reduzir ou evitar contato com estímulos específicos – tal como fugindo, escondendo-se ou cobrindo seus olhos ou ouvidos –; ao mesmo tempo, é menos provável que avance em direção a esses estímulos ou territórios não familiares. (p. 162)

É plausível inclusive que a remissão a relações operantes é propriedade dos conceitos relacionados a sensações. Quando dizemos, por exemplo, que alguém está com calor, estamos querendo dizer que, provavelmente, se comportaria de determinadas maneiras, e, menos provavelmente, de algumas outras; a saber, beberia água com mais frequência caso tivesse acesso fácil ao líquido, vestir-se-ia com roupas leves se tivesse a oportunidade para tanto (e se fosse uma pessoa), pegaria ar fresco se fosse possível na prática, evitaria os locais que estão mais quentes se não tivesse obrigação em contrário, etc., e efetivamente demonstra isso no momento.

Evidentemente, alguém pode ter sensações e as esconder (como, ademais, outros tipos de fenômenos psicológicos), mas isso não significa que relações operantes não as constituam. O que ocorre em tais casos é que os comportamentos relevantes são, em alguma medida, inibidos, estando-se em contextos nos quais tais comportamentos não são apropriados. Eles ocorrem, então, de maneira menos perceptível (às vezes, inclusive, encobertamente, conforme tratamos na seção seguinte). Por exemplo, pode ser conveniente para alguém não exibir, por algum tempo, um comportamento costumeiramente depreciado (e punido), diante de um grupo de pessoas que lhe são importantes. Um chefe pode falar algo que provoque tensão em seu subordinado, sem que este, ao ouvi-lo, aja em resolução do problema apontado pelo chefe, expresse uma interjeição, etc., mas podemos esperar que comportamentos propositivos como esses ocorram em outros momentos. Assim, aquilo que é escondido quando sensações são escondidas são, em parte, respostas operantes.

Entretanto, em muitos casos de predicações relativas à categoria (b), estamo-nos remetendo não só a relações operantes; mas também (como já vimos salientando) a relações entre certas condições do ambiente e reações orgânicas. As afecções, diferentemente de fenômenos relativos à categoria (a) e pelo menos parcela de (c) e (d), costumam envolver ocorrências involuntárias (ou passivas) e que têm graus de intensidade, podendo ser reações penosas, sufocantes, agudas, brandas e assim por diante. Elas são coisas que transparecem: na fisiologia do organismo, como descargas hormonais e aumento ou diminuição dos batimentos cardíacos, pressão arterial e respiração; na pele, como palidez, rubor e suor; em expressões faciais, como sorrisos e franzimentos de diferentes formas; em tonalidades da voz (pense-se naquelas que adjetivamos de irritadiças, melancólicas e similares); e em tremores do corpo, contorções e gemidos.

Seguindo Skinner (1953, p. 160ss; cf. também Darwich & Tourinho, 2005), que chama atenção para isso, tais reações comumente são itens de padrões respondentes de comportamento. Esses padrões são correlações entre estímulos (ou condições ambientais) presentes e respostas (ou alterações no organismo), tais que os primeiros eliciam (no sentido de causar eficientemente) os segundos. Como os comportamentos operantes, os respondentes definem-se em razão de suas relações com o ambiente. Diferentemente do comportamento operante, que se dá em razão de suas consequências passadas, o comportamento respondente se dá em razão de estímulos que o antecedem, pelos quais se define. Assim, por exemplo, a correlação entre temperatura relativamente alta e suor é um padrão respondente, em que o evento ambiental elicia a resposta orgânica de suor. A correlação entre apresentação de um alimento e o salivar subsequente de um cachorro também é um padrão respondente, o alimento sendo um estímulo antecedente eliciador do salivar. Esses exemplos são de respondentes incondicionados, eminentemente inatos; mas eles podem ser condicionados, o que ocorre quando um estímulo inicialmente neutro (ou seja, não eliciador) passa a ser apresentado em conjunção com um estímulo incondicionado (ou seja, um eliciador inato), e, disso, passa a eliciar a resposta associada a este. Por exemplo, a apresentação repetida de um som imediatamente antes da apresentação de um alimento ao cachorro passa a ganhar poder eliciador, isto é, transforma-se em um estímulo condicionado da resposta de salivar. Sabe-se que, no cotidiano, estímulos incondicionados que eliciam respostas de emoções são frequentemente pareados com estímulos inicialmente neutros. Por exemplo, sons estridentes são estímulos incondicionados de respostas como tremores e aumento do batimento cardíaco, e pode-se ter tais reações diante de um objeto inofensivo simplesmente pelo fato de este ter ocorrido em conjunção com aqueles estímulos incondicionados (cf., e.g., Mazur, 2006, p. 60ss; Skinner, 1953, p. 45ss).

Considerando-se que padrões respondentes, como Rachlin salienta em suas observações sobre o conceito de dor, tornam-se, às vezes, operantes, passando a ser controlados pelas consequências que produzem (Rachlin, 1985, p. 47, p. 75, 1994, p. 147), não estamos dizendo que aquelas reações sejam sempre exemplares de padrões respondentes. Por exemplo, um choro pode ser um comportamento (neste caso, respondente) eliciado por um estímulo particularmente aversivo, como a ponta de um espinho; mas pode ser o comportamento (neste caso, operante) de uma criança com a função de chamar atenção da mãe, em razão de uma história de reforço que tenha estabelecido a emissão deste comportamento ao efeito de a mãe dar atenção.

A perspectiva sugerida é compatível com fato de haver propriedades fenomenais em afecções. Graças a determinados receptores (interoceptivos, proprioceptivos e exteroceptivos), muitas espécies são suscetíveis a sentir reações como aquelas mencionadas, conforme aponta Skinner (1953, pp. 261-262, 1969, pp. 242-243, pp. 255-256, 1976, pp. 24-25). O organismo é suscetível a experimentar aquelas reações ocasionadas pela interação no ambiente mediante esses receptores, o que, presumivelmente, propicia as propriedades fenomenais.

Afirmamos que predicações formadas por conceitos da categoria (b) costumam estar conectados, em parte, a relações respondentes, sem generalizar para todos os casos, porquanto vários conceitos desta categoria não requerem tais elementos para sua aplicação, ainda que às vezes os envolvam. Quando dizemos, por exemplo, que alguém tem prazer em jogar uma partida de xadrez ou que admira Darwin, não estamos necessariamente inferindo que sinta reações acompanhando sua conduta em algum momento (Bennett & Hacker, 2003, p. 203-205; Ryle, 1949, pp. 107-109). Se um sistema exibe os comportamentos de procura por alimento após longo tempo sob privação (como o caçar uma presa, no caso de animais predadores; ir até um restaurante ou preparar algo para comer, no caso de seres humanos em nossa sociedade; etc.), por mais que não tenha reações que acompanham estes comportamentos, não deixamos de dizer que ele tenha fome. Além disso, algumas vezes, ao comermos muito em uma refeição ou ao bebermos muita água, dizemos que não sabíamos que estávamos com tanta fome ou sede, ou seja, a emissão desses comportamentos vem a determinar a veracidade das predicações respectivas.

Nesta perspectiva, em que o uso de predicados notoriamente de (b) tem como condições de verdade relações operantes e, por vezes, respondentes, a lógica das predicações respectivas ainda é disposicional, com uma qualificação apenas para as predicações de sensações, em particular, que possuem uma lógica que Ryle (1949, pp. 47-48, pp. 140-142) chama de semidisposicional ou semiepisódica. Isto é, essas, ao mesmo tempo em que implicam relações entre comportamentos e circunstâncias ao longo do tempo, também implicam relações concretas no momento particular em que se aplicam. Nas sensações, certas reações são, tipicamente, presentes; aquele que está sentindo uma coceira, uma dor ou um formigamento em uma região do corpo, tem alguma reação. Já no caso de apetites, emoções e humores, as reações são apenas ao longo de algum tempo e eventuais, tratando-se de tendências a exibi-las (e outros comportamentos), quando certas circunstâncias se apresentam; pode-se, por exemplo, ter fome, estar com raiva de algo e estar contente ou alegre sem estar tendo uma reação particular durante um momento específico. Assim, as predicações de sensações possuem, normalmente, uma feição peculiar.

Em nenhum dos casos se trata de explicações ou predições de comportamentos por referências a causas internas eficientes deles, mas, antes, pela sua subsunção a padrões que compõem. Os componentes respondentes desses padrões não alteram esta lógica, pois eles mesmos são relações comportamentais. Ao dizermos, por exemplo, que alguém suou e tremeu ao ver um bicho morto porque estava com medo, a atribuição de medo não é, propriamente, uma inferência de alguma causa interna subjacente àquelas reações, mas, antes, uma subscrição de tais reações a padrões de comportamento (englobando respondentes e operantes) que as incluem como respostas condicionadas a estímulos como o do bicho morto. Dito de outro modo, estamos, mediante tal predicação, contextualizando aquelas reações no âmbito de relações entre certos atos ou atividades e reações e certas circunstâncias ambientais, relações essas que podemos expressar sob a forma de enunciados condicionais hipotéticos. A afecção, assim, está no padrão de comportamento, e não é uma causa eficiente interna, no que fundamentalmente concordarmos com Rachlin.

 

CONCLUSÃO

O behaviorismo teleológico sustenta que as predicações psicológicas ordinárias explicam e predizem comportamentos pela referência aos padrões molares que eles compõem, exibidos pelo sistema como um todo. Essas predicações, de fato, incidem apenas sobre o sistema inteiro. Embora o raciocínio de Rachlin em favor desta tese seja problemático, há boas razões em favor dela, relacionadas ao modo como essas predicações se dão nas práticas linguísticas cotidianas (as quais constituem seu "nicho" próprio). Seus critérios de aplicação não incluem partes do corpo; e, de maneira mais geral, sua lógica exclui partes do corpo como seus sujeitos. Além disso, as predicações pelo menos relativas às categorias (a), (b) e (d), de fato, dizem respeito a relações estendidas no tempo entre comportamentos e circunstâncias. Há raciocínios articulados por Ryle, Skinner e pelo próprio Rachlin, dentre outros autores, que contribuem para elucidar isso. No entanto, sugerimos que relações respondentes são também parte constitutiva, às vezes, das condições de verdade de algumas dessas predicações.

 

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Received: April 19, 2012
Acepted: May 11, 2012

 

 

1 O trabalho contém algumas partes da introdução e do capítulo I da dissertação de mestrado do autor, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade de Brasília. Agradecemos, em especial, a Paulo C. Abrantes, Luiz Henrique Dutra, Jorge M. Oliveira-Castro e Felipe S. Amaral, pelos comentários feitos no contexto da defesa da dissertação (realizada em 2011) ou no exame de qualificação da mesma; a dois pareceristas anônimos da Acta, pelos comentários ao manuscrito; bem como à CAPES, pelo apoio financeiro (bolsa de mestrado) com que o trabalho parcialmente contou. Uma versão resumida do presente trabalho foi apresentada no VII Simpósio Internacional Principia.