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Acta Comportamentalia

versão impressa ISSN 0188-8145

Acta comport. vol.23 no.1 Guadalajara  2015

 

ARTIGOS

 

 

Desligamento funcional e a análise do comportamento humano

 

Functional detachment and the analysis of human behavior

 

 

Emmanuel Zagury Tourinho1

Universidade Federal do Pará, Brasil

 


RESUMEN

O artigo discute a proposição por Ribes (2015) do conceito de desligamento funcional como referência para a identificação da causa eficiente do comportamento, à luz da teoria aristotélica das causas dos fenômenos A elaboração de Ribes remete a articulações entre sistemas diversos de relações, cujas interações produzem contextos de condicionalidades para as relações (de tríplice contingência) tipicamente investigadas na ciência do comportamento. Desse modo, reafirma o caráter dinâmico e processual do fenômeno comportamental, oferecendo um quadro abrangente para o desenvolvimento da pesquisa na área. Conduz, ainda, a uma reflexão sobre dimensões da ciência comportamental que definem centralmente a sua filosofia e impactam de modos ainda não suficientemente explorados o seu desenvolvimento e contribuição à cultura moderna. Três dessas dimensões são aqui discutidas motivadas pela análise de Ribes: a distinção entre universo e ambiente, a noção de reatividade comportamental e o probabilismo implicado no selecionismo como modo causal.

Palabras clave: Análise do Comportamento, comportamento humano, desligamento funcional.


ABSTRACT

The paper discusses Ribes's (2015) concept of functional disconnection as a reference to identify the efficient cause of behavior, under Aristotle's theory on the causes of phenomena. Ribes's reasoning addresses the links among diverse relational systems, whose interactions give rise to conditionality contexts for (triple contingency) relationships typically investigated by the science of behavior. It, thus, asserts the dynamical and processual features of behavioral phenomena, and provides a comprehensive frame for research development in this field. Additionaly, it raises concerns about dimensions that centrally define the philosophy of the science of behavior, and impacts its development and contribution to culture in ways not yet fully examined. I discuss here three of these dimensions, stimulated by Ribes's analysis: the distinction between universe and environment, the notion of behavioral reactivity, and the probabilism implied in selectionism as a causal mode.

Key-words: Behavior Analysis, human behavior, functional disconnection.


 

 

Ribes-Iñesta (2015) propõe o conceito de desligamento funcional como referência para a identificação da causa eficiente do comportamento, à luz da teoria aristotélica das causas dos fenômenos. Indica, também, o que seriam elementos funcionais para a abordagem dos demais tipos de causas (formal, material e final), que poderiam embasar um recorte molar para o estudo do comportamento.

A causa eficiente, salvo equívoco na interpretação da análise de Ribes-Iñesta (2015), diz respeito à reatividade do organismo ante um ambiente que, do ponto de vista funcional, constituiu-se historicamente enquanto tal. Isto é, desligamento funcional diz respeito a relações de contingência ambiente-comportamento definidas apenas na interação de um organismo com um mundo que, salvo pequena parcela tornada relevante pela filogênese, é antes dessa interação indiferenciado. Desse ponto de vista, o desligamento funcional remete a uma história ontogenética que afasta o organismo gradualmente de uma reatividade biologicamente determinada, em direção a uma reatividade que se atualiza a cada oportunidade de interação com o mundo físico e social potencialmente capaz de adquirir funções de ambiente para o seu comportamento.

A abordagem de Ribes-Iñesta (2015) tem, a meu ver, o mérito de reiterar o caráter dinâmico e processual das relações entre ambiente e comportamento, oferecendo um quadro abrangente para o desenvolvimento da pesquisa comportamental. Ao mesmo tempo, e isso não é um problema de seu enfoque, mas uma limitação do escopo da ciência comportamental contemporânea, deixa à vista a ausência de modelos de investigação que avancem sobre as várias facetas dos processos de determinação que definem seu objeto, algo só acessível com o recurso a recortes molares dos fenômenos comportamentais.

Em diferentes contextos reflexivos, abordagens molares já foram apontadas como necessárias ou relevantes para a compreensão do comportamento (e.g., Baum, 2004; Kantor & Smith, 1975; Rachlin, 1974; Ryle, 1949/1963) e dificilmente há oposição à ideia de que podem prover uma visão mais compreensiva dos fenômenos comportamentais, especialmente daqueles mais desafiadores no terreno das cognições e emoções, em que processos linguísticos/culturais desempenham papel central. Tais abordagens, porém, encontram dificuldades consideráveis para gerar tradições de investigação, seja pelo desafio que passa a ser formular unidades de análise, seja pela consequente escassez de programas de pesquisa que as materializem no sentido mais tradicional da ciência normal (Kuhn, 1962/1978). Desse ponto de vista, o passo seguinte à proposição de Ribes-Iñesta (2015) seria especificar as novas unidades de análise dos processos de determinação do comportamento e os programas de pesquisa que as poderiam tomar como objeto.

Não deve ser ignorada, pelas dificuldades que representa para engendrar programas de investigação, a proposição de Ribes-Iñesta (2015) de que a causalidade eficiente só pode ser adequadamente apreendida ante a descrição das várias causas a que o texto aristotélico remete. Tais causas, num certo sentido, modulam a reatividade potencial do organismo frente a certos eventos do mundo. Mas será necessário definir mais claramente o que tomamos como causas formal (aparato anátomo-fisiológico?), material (objetos/ocorrências físicas e/ou sociais potencialmente capazes de adquirir função de estímulo para organismo?) e final (adaptação?). Na impossibilidade de oferecer respostas a essa demanda, algo que o próprio Ribes-Iñesta (2015) apenas começa a desenvolver em seu texto, elenco a seguir uns poucos comentários que dizem respeito ao próprio conceito de desligamento funcional.

A noção de causa eficiente do comportamento remete a dimensões da ciência comportamental que definem centralmente a sua filosofia e impactam de modos ainda não suficientemente explorados o seu desenvolvimento e contribuição à cultura moderna. Incluem-se, aí, o que optei por referir como distinção entre universo e ambiente, a noção de reatividade comportamental e o probabilismo implicado no selecionismo como modo causal. É sobre essas dimensões que gostaria de tecer alguns poucos e curtos comentários, reconhecendo que dialogam com apenas parte (talvez periférica) da argumentação central do artigo de Ribes- -Iñesta (2015), e sem necessariamente alimentar uma elaboração adicional das proposições que pretendem alargar o escopo reflexivo da ciência do comportamento.

 

A DISTINÇÃO ENTRE UNIVERSO E AMBIENTE

Uma ciência do comportamento se ocupa, grosso modo, de relações entre estímulos e respostas. Mas estímulo e resposta não são eventos, são funções que alguns eventos podem adquirir no contexto de relações historicamente estabelecidas. Algumas (poucas) dessas funções são definidas ao longo da história filogenética da espécie e, pelo menos no caso de organismos humanos, a maior parte dessas funções se estabelece ao longo da ontogênese.

Um princípio fundamental que afasta a ciência do comportamento do mecanicismo causal diz respeito ao fato de que as relações supostas e/ou investigadas entre eventos visam identificar funções que esses eventos adquirem apenas na interação uns com os outros. Estímulos e respostas são os conceitos empregados para falar dessas funções, portanto históricas, que, como tal, não são os eventos em si. Isso é o que significa, na minha interpretação, a afirmação de Ribes-Iñesta (2015, p. 9), de que

[um organismo] vê ante o que reflete ou emite luz, porém o objeto luminoso não é a "causa" da visão. O objeto luminoso é a origem da condição que atualiza a potência de ver e de ver certas propriedades e não outras. Nem o organismo "constrói" o objeto visto, nem o objeto de estímulo "causa" a visão como efeito unidirecional.

Ver uma luz é uma reatividade comportamental estabelecida por um processo interacional histórico. É preciso haver o objeto para que tal reatividade se estabeleça, assim como é necessário haver um sistema visual capaz de ser afetado pelas ondas geradas por aquele objeto. Mas essas condições não causam o ver. Apenas contingências de reforço podem produzir essa reatividade.

Tome-se, como exemplo, o que vêem em uma biblioteca indivíduos com diferentes histórias educacionais e de leitura. Alguns poderão ver "apenas" livros; outros verão romances, dicionários, ensaios, obras raras, obras técnicas, obras científicas etc.; alguns verão livros de Psicologia; outros verão livros de Análise do Comportamento, Psicanálise, Cognitivismo, Psicologia Evolucionista, Gestaltismo etc.; alguns verão livros de psicologia comportamental, outros verão livros de behaviorismo clássico, behaviorismo metodológico, behaviorismo radical, behaviorismo mediacional, interbehaviorismo etc.. Raciocínio semelhante pode ser feito para quase tudo que se "vê" e para quase todo tipo de reatividade baseada no contato do organismo com o mundo circundante por meio de todos os sentidos (o "quase" resguarda, aqui, apenas aquela pequena parcela da reatividade humana que tem uma base na história filogenética).

Dizer que um "livro" é visto não é dizer que estava ali desde sempre e que passou a ter uma função para o organismo. Até que um indivíduo responda àquele objeto como "livro", ele não é mais do que uma parcela indiferenciada do mundo a sua volta, talvez tão indiferenciada quanto o espaço celeste sobre sua cabeça (obviamente, antes que o indivíduo responda a ele como "espaço celeste sobre a sua cabeça"). Por isso pode ser útil distinguir universo e ambiente (Tourinho, 1997). O primeiro, universo, diz respeito a todos os objetos e eventos com potencial para adquirir uma função para o comportamento; o segundo, ambiente, como a parcela do universo que, num dado momento da história interacional, tem uma função para o responder de um organismo. São processos comportamentais que transformam parcela do universo em ambiente para um organismo. E diferentes indivíduos, interagindo com uma mesma parcela de universo, estão em contato com diferentes ambientes. Nesse sentido, em acordo com o que salienta Ribes-Iñesta (2015), não é o mundo físico que causa uma ação do organismo, mas ambos definem-se mutuamente como ambiente e comportamento em um processo interacional único. Para organismos humanos, grande parte dos processos de diferenciação e constituição do ambiente são linguísticos. Desse ponto de vista, a análise comportamental possível está em acordo com o que postula Wittgenstein (1953/1988), no sentido de que não é o mundo físico (indiferenciado) que determina a linguagem, mas, ao contrário, esta (enquanto processo de diferenciação) impõe uma determinada configuração a parcelas do mundo físico, conferindo-lhe funções para o comportamento de indivíduos.

Os conceitos de critérios e sintomas para o "uso" das palavras, da abordagem wittgeinsteiniana, podem ser tomados como equivalentes das contingências de reforço sob as quais o responder (e o estímulo) verbal adquirem e mantêm certas funções nas interações de indivíduos com uma parcela qualquer de seu ambiente. No domínio dos processos verbais ou linguísticos, a arbitrariedade (não necessidade) das funções adquiridas por eventos ou objetos ganha uma dimensão especial, relativa à possibilidade de afastamento físico e temporal entre os eventos que se relacionam com as funções de estímulo e de resposta.

O texto de Ribes-Iñesta (2015) enfatiza que as relações arbitrárias que vão se estabelecendo entre eventos, afastam os organismos das relações biológicas, materiais e imediatas, como resultado do processo interacional histórico. É interessante que seja colocada ênfase nesse aspecto de uma progressiva autonomia funcional do organismo em relação à história de sua espécie porque, desse modo, colocam-se em destaque peculiaridades da seleção na ontogênese, como os desdobramentos do advento da linguagem, deslocando as relações comportamentais das limitações espaço-temporais originais. Essa ênfase serve, ao mesmo tempo, como boa referência para demarcar o campo de investigações de uma ciência do comportamento.

Quando Ribes-Iñesta (2015, p. 14) afirma que "o desligamento funcional é o aspecto distintivo do comportamento psicológico frente ao comportamento biológico", pode-se entender que está remetendo a esse fato notável do comportamento enquanto fenômeno ontogenético: relações entre eventos do organismo e do mundo com o qual interage que são, ao mesmo tempo, históricas e dependentes de contingências de reforço.

 

A NOÇÃO DE REATIVIDADE COMPORTAMENTAL

O termo (a resposta verbal) comportamento pode ter diferentes funções (correspondendo a diferentes conceitos) na discussão sobre o que ocorre com organismos e outros objetos (astros, corpos físicos sujeitos à gravidade, órgãos de cada um dos sistemas orgânicos etc.). Neste comentário e, como regra, na ciência do comportamento, quando falamos de comportamento estamos falando de reatividade comportamental, um termo que Ribes-Iñesta (2015) emprega, tomando-o, provavelmente, de Kantor (e.g., Kantor & Smith, 1975). Diz Ribes-Iñesta que

Uma forma de entender a atualização, da perspectiva do organismo como participante de um campo de contingências é que, mediante sua atividade/reatividade, faz-se presente, atual, um evento ou relação que, não obstante, não se apresenta em termos de ocorrências absolutas (p. 10).

O comportamento, nessa descrição, pode ser uma atividade atual, presente, embora, como lembra Skinner (1953/1965), seja sempre "fluido e evanescente". Mas o comportamento subsiste a uma atividade presente como reatividade do organismo, sua capacidade de, dadas certas condicionalidades, responder ante certos eventos ou objetos com função de estímulo. Essa noção tem certa centralidade na filosofia de uma ciência do comportamento, desafiando concepções bem estabelecidas acerca do fenômeno psicológico com algo com as dimensões de uma substância que tem permanência. Com o conceito de reatividade, estamos falando de uma permanência, no sentido de algo que subsiste à interação presente, como possibilidade de interação futura, mas sem uma substância (física ou mental) que possa ser tomada como sua contrapartida (quando se tentam identificar as mudanças neurais que acompanham os processos interacionais não é mais dos próprios processos interacionais que estamos falando). É o organismo como um todo modificado em termos de sua reatividade comportamental que subsiste a cada interação (Skinner, 1969). A noção de uma substância do organismo para definir o que tem permanência só faz sentido quando se ignora a dimensão relacional do fenômeno psicológico/comportamental.

Um mentalista confrontado com a análise comportamental dos fenômenos psicológicos indaga justamente sobre isso: se o pensar, por exemplo, é comportamento, onde está o pensamento, ou o comportamento, quando um indivíduo não está pensando? Uma vez que não é possível identificar o comportamento com qualquer mudança anátomo-fisiológica específica, com qualquer arranjo de mudanças nos vários sistemas orgânicos, sob o risco de operar um reducionismo à biologia, onde está o comportamento senão em uma substância imaterial de algum modo contida no sujeito do comportamento? A armadilha lógica está no essencialismo, na "metáfora do armazenamento" (cf. Skinner 1969) e no afastamento das relações que definem o pensar.

O conceito de reatividade, por fim, remete ao fato de que uma história ambiental é capaz de produzir repertórios complexos, envolvendo controles de estímulo múltiplos e refinados. É a exposição continuada a contingências progressivamente complexas (a complexidade está nas contingências, não nos eventos/objetos com os quais se interage) que produz o comportamento complexo. A reatividade correspondente realiza-se na interação com essas contingências (ou com dimensões dos eventos/objetos delas participantes). Ribes- -Iñesta (2015), porém, supõe que essa evolução comportamental só se torna explicável com a referência às várias "causas" do comportamento. Após argumentar que as causas precisam ser analisadas conjuntamente, pois "não há causas materiais, formais, eficientes ou finais por si mesmas" (p. 12), Ribes-Iñesta aponta, com respeito às duas primeiras, que "a diferenciação e complexidade estrutural de uma entidade forçosamente vem acompanhada da transformação qualitativa da matéria como substância idônea de dita organização" (p. 12). Do mesmo modo, as causas eficiente e final teriam uma complementaridade, já que "ambas estão relacionadas com a atualização da potência" (p. 12).

O conceito de "potência" de uma contingência, referido por Ribes-Iñesta (2015) como relevante para tratar a atualização da reatividade do organismo, tem relação com o processo de aquisição de funções por eventos/objetos. Porém não estão claras as dimensões que são trazidas ao plano da análise com esse conceito e que permanecem ignoradas na sua ausência. Segundo Ribes-Iñesta (p. 10), "em cada tipo de função estímulo- resposta, a potência reside no que torna possível ou permite o elemento mediador das condicionalidades que se conformam em um determinado campo de contingências". Essa elaboração parece fazer sentido se com ela se pretende transitar para as causas materiais referidas por Aristóteles, isto é, transcendendo o plano das causas eficientes. Em sendo essa a abordagem pretendida, de quais causas materiais estamos falando, quando referimos a potência de uma contingência? E como essas causas entram na descrição da reatividade comportamental?

Correndo o risco de transitar para um terreno muito distante dos objetivos deste debate, a indagação sobre sobre como causas materiais e formais condicionam de algum modo a reatividade comportamental remete à distinção kantiana entre as condições para o conhecimento e o campo fenomenal que circunscreve o conhecimento propriamente possível. Isto é, ao referir aquelas causas, estamos tratando de condições sobre as quais podemos refletir, com o objetivo de criar um enquadre conceitual/filosófico mais abrangente para interpretar a reatividade comportamental atual e futura, ou pretendemos incluí-las em nossa descrição científica do comportamento?

 

O SELECIONISMO COMO MODO CAUSAL E O PROBABILISMO A ELE ASSOCIADO

O conceito de desligamento funcional implica afastar-se da lógica causal mecanicista, de acordo com a qual eventos possuem funções causais por sua natureza e independentemente dos efeitos observados, relações lineares, unidirecionais e permanentes. Em contraposição ao mecanicismo, na lógica apresentada por Ribes- Iñesta (2015), a causa não é um evento em si, mas uma função que um evento adquire, renova, perde, potencializa etc., no contexto de uma relação. A função causal, portanto, a cada contexto de interação entre eventos atualiza-se, transforma-se. No lugar da permanência, a nova lógica coloca o fluxo dinâmico de interações que produz, a cada momento, uma relação em que eventos têm alguma função uns para os outros. Nos fluxos que definem fenômenos comportamentais, são os eventos que sucedem a ação do organismo, não eventos que a antecedem, que adquirem funções causais, selecionando o comportamento, de modo apenas probabilístico. A consequência "causa" o responder do organismo apenas no sentido de que afeta a probabilidade de sua recorrência. A probabilidade de recorrência é essencial para que o selecionismo faça sentido como modo causal.

Ao final do século XIX, o selecionismo foi introduzido na psicologia comportamental com o trabalho de Thorndike. Na primeira metade do século XX, essa tradição já estava bem estabelecida, assim como sua leitura em termos de um probabilismo e contextualismo, principalmente a partir dos trabalhos de Skinner e Kantor, ganhando contornos diversos nos estudos de comportamentalistas que os sucederam. A elaboração de Ribes-Iñesta (2015) acerca do desligamento funcional localiza-se nesta tradição de pensamento, chamando a atenção para algumas de suas implicações.

Uma pergunta que Ribes-Iñesta (2015) busca responder em sua discussão da causa eficiente é "O que se atualiza em cada função de estímulo-resposta?" (p. 9). Uma possível resposta é justamente que o fluxo interacional de um organismo com seu ambiente leva a uma atualização da responsividade em termos de probabilidade de recorrência de uma classe de respostas. Relações comportamentais, mais do que fenômenos como a queda dos corpos, ou a evaporação da água, estão sujeitas a fatores condicionantes muito numerosos e complexos, como ilustrado nas referências de Ribes-Iñesta às suas várias causas. O selecionismo com o qual a ciência do comportamento trabalha não ignora esse fato e, ao destacar em sua unidade de análise apenas alguns eventos relevantes, implica certa "imprevisibilidade" do fenômeno comportamental. Apesar disso, o esforço dessa ciência é para identificar regularidades.

Uma vez que esta análise esteja em acordo com a abordagem oferecida por Ribes-Iñesta (2015), então cabe notar que os paralelos estabelecidos para com outros sistemas psicológicos (piagetiano, psicanalítico etc.) não selecionistas (alguns, talvez, até mecanicistas) podem mais confundir o leitor do que contribuir para a compreensão do desligamento funcional. Nesses outros sistemas, o desligamento no máximo diz respeito a eventos que evocam o responder dos organismos, sem, no entanto, alterarem sua reatividade em termos de probabilidade de recorrência.

 

UMA PALAVRA FINAL

Ribes-Iñesta (2015) constrói, sobre elaborações prévias de uma teoria do comportamento, uma proposta de interpretação dos processos de determinação que é, ao mesmo tempo, heurística e desafiadora. Heurística, no sentido de que lança luz sobre processos pouco discutidos, investigados, ou conhecidos, potencialmente importantes para a compreensão do comportamento humano. Desafiadora, porque obriga a refletir e pensar em desenvolvimentos científicos orientados por referências teóricas/filosóficas que ainda demandam, elas mesmas, refinamento. Como resultado, trata-se de um texto diante do qual o leitor vê-se mais na necessidade de estudar as categorias analíticas introduzidas do que em condições de prover uma pronta interlocução. O recurso à taxonomia aristotélica das causas dos fenômenos possibilita conceber, para além de relações de tríplice contingência, articulações entre sistemas de relações relevantes para uma visão compreensiva dos fenômenos comportamentais. As interações desses sistemas produzem contextos de condicionalidades para as relações ambiente-comportamento que mereceriam a atenção em um programa de investigações empíricas, o que é muito difícil e requer, em parte, uma prévia elaboração conceitual refinada, tarefa sobre a qual Ribes-Iñesta (2015) se debruça em seu texto. Os recursos analíticos que oferece permitem avançar sobre a natureza excepcionalmente complexa do objeto da ciência do comportamento, deixando mais nítidas algumas das lacunas que precisam ser preenchidas com vistas ao desenvolvimento de seus conceitos e métodos. Esse esforço talvez possa ter alguns novos desdobramentos com a problematização das noções de ambiente e de reatividade comportamental e com a atribuição de centralidade ao selecionismo como modo causal e ao probabilismo a ele associado.

 

REFERÊNCIAS

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1 A elaboração deste artigo foi apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, Brasil. E-mail: eztourinho@gmail.com

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