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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.41 no.1 São Paulo Mar. 2007

 

RESENHAS DE LIVROS

 

 

Maria Elisabeth F. B. R. de Moraes1

Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

 

 

Gley Silva de Pacheco Costa. Conflitos da vida real. Porto Alegre: Artmed, 2006, 196 p., 2a edição revista e ampliada

Ao apresentar esta edição revisada de seu livro Conflitos da vida real, lançado em 1997, Gley Costa ampliou a dificuldade que sua proposta impõe: como abordar com profundidade psicanalítica a amplidão dos conflitos que são oferecidos ao longo da existência do homem? Ampliou a dificuldade por incluir sua percepção sobre as mudanças de relacionamento conjugal e as características da sociedade pós-moderna – ampliação solicitada pelas realidades da demanda clínica.

No sétimo capítulo, “Casamento de roupa nova”, apresenta sua percepção sobre as conseqüências psíquicas das novas realidades sociais afirmando que, a partir da independência econômica da mulher, mesmo que os “ingressos sejam inferiores ao do marido”, “os papéis sexuais, a maternidade e a paternidade tornam-se equivalentes, complementares e indispensáveis à obtenção do prazer, à construção de uma família e à realização de um projeto de vida compartilhado” (p. 74). Ainda nesse capítulo, analisa como os diferentes papéis resultantes da maior liberdade para o rompimento do primeiro vínculo conjugal e estabelecimento ou não de novos vínculos conjugais trazem novos conflitos e dificuldades, sobretudo para o exercício das funções materna e paterna. Essa igualdade e maior liberdade também explicariam o aumento, estatisticamente confirmado, da infidelidade feminina.

Ante essas novas razões para instabilidades conjugais, propõe dez itens (p. 80 e 81) considerados importantes para a estabilidade do vínculo. Acrescenta também um capítulo dedicado às “Dúvidas que surgem na hora da separação”, no qual, ponderadamente, diz que: “Mais importante do que informar por que o casamento não deu certo é explicar aos filhos que eles não têm nenhuma responsabilidade e prepará-los para nova experiência de vida que terão de enfrentar” (p. 85). Lembra ainda que tal experiência não deve incluir os filhos tomarem partido de um dos pais para minimizar nestes os sentimentos de culpa e temores de abandono – para tanto, também menciona a importância de os pais realizarem visitas regularmente e trabalharem seus sentimentos de culpa pela separação.

O autor nos oferece ponderações sobre as características culturais do segundo milênio no capítulo “A busca da perfeição corporal”, cujo título nos resume sua visão. “Trata-se de um entre vários paradoxos da pós-modernidade: o corpo se tornou um valor, é verdade, mas apenas esteticamente, pois deixando de representar a sede do ser e do sentir, ele deixou de ser a fonte de desejo para se tornar a fonte de Narciso” (p. 121). Esse capítulo termina com um anseio esperançoso:

Estaria, então, o homem pós-moderno, ou hipermoderno, como prefere o fi lósofo [refere-se a Lipovetsky], voltado para o seu período de constituição do ego como forma de tentar reinstalar em seu corpo a sede do ser e do sentir? Associo-me à esperança de Béjart [o coreógrafo Maurice Béjart], para o qual a palavra prazer, e inscrita em letras de fogo no coração do homem e ocultada por diversas forças negativas, guarda uma potência explosiva e construtiva. A esperança, dizia Aristóteles, é sonho do acordado (p. 125).

As conseqüências da maior longevidade do ser humano e da adoção de fi lhos são também consideradas nos acréscimos a esta nova edição. Gley trabalha as questões dos confl itos da vida real com a liberdade criativa que aparece desde a Introdução, iniciada com uma história que ele inventou. Essa liberdade associa-se à clareza didática, com a qual sumariza informações históricas, sociológicas e mitológicas que apóiam as referências psiquiátricas, psicológicas e psicanalíticas.

O autor verbaliza suas identificações ao tratar dos aspectos do primogênito ou ao abordar o segundo capítulo, “Medo diante da mulher”, no qual se dedica integralmente ao relacionamento da mãe com o filho homem, procurando explicar a “existência de uma chamativa contradição entre a posição de superioridade que o homem tradicionalmente ocupa na sociedade em relação à mulher e as fantasias aterrorizantes da mãe e da mulher que povoam seu mundo interno, interferindo em seus relacionamentos heterossexuais na vida adulta” (p. 25) através da imagem da mãe fálica, onipotente, alimentadora e atraente sexualmente, tornada na fantasia masculina um objeto assustador, sobretudo porque também investida da agressividade projetada. Aqui a figura paterna aparece como possibilidade identificatória e libertária da cumplicidade simbiótica mãe-filho.

Gley pensa sua clínica e a de seus supervisionados (embasado nessa liberdade criativa e na clareza), oferecendo-nos resumos de casos clínicos que ilustram o modo como trata os diferentes conflitos da vida real na atualidade.

Sua sensibilidade e concisão destacam-se na indicação e supervisão de tratamentos familiares, como se lê no capítulo 16, “Uma doença chamada família”, em que também identifica comportamentos ou atitudes que podem simbolizar conflitos parentais, desde a escolha dos nomes dos filhos. Alerta-nos para o cuidado de não tomar o paciente identificado como foco do trabalho em família, pois ele pode ter sido escolhido para funcionar como depositário dos aspectos não reconhecidos dos familiares, que podem seguir se sentindo melhor, mais capazes (p. 163). E acrescenta ainda: “o fato interessante é que o agente indutor do sintoma ou da doença costuma ser o membro da família supostamente mais sadio, ou seja, aquele que se considera e, geralmente, é considerado pelos demais como o mais sadio” (p. 162).

A mesma capacidade de síntese aparece em frases como “sabemos da iniludibilidade da morte mas cremos na sua iludibilidade” (p. 176) ou quando, ao tratar da dúvida sobre o momento adequado de revelar ao fi lho adotivo sua condição, afi rma que “uma verdade só precisa ser revelada quando paira uma inverdade, caso contrário ela estará sempre presente” (p. 194).

Embora não deixe de fazer referência a outros autores quando usa suas idéias, Gley prescinde de bibliografia, citando Alejandro Piscitelli: “Cada vez estou mais convencido de uma inteligência coletiva, da qual quem assina não é senão o mais ousado, ou quem está mais próximo de converter seu desejo em letra”.

 

 

1 Membro associado da SBPSP.

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