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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.41 no.3 São Paulo Sept. 2007

 

EDITORIAL

 

Leopold Nosek

 

Isaias Raw nos diz, referindo-se à atividade científica, que ela é infinita. O conhecimento é parcial e dá margem sempre a novos descobrimentos. Ao falar dos parâmetros que definem o campo de uma ciência, cita Severo Ochoa, Prêmio Nobel de Medicina em 1959, que dizia a membros de sua equipe: “‘Esse é o buraco que você vai cavar’. E aí, quanto mais você cava, mais tem para cavar”. Isso é indiscutível – e conhecemos bem a situação em relação a nossa prática clínica e teórica. Mas Isaias acrescenta o risco: você pode morrer dentro do buraco sem enxergar o que está lá fora. A prática científica requer uma ética, e, estando no mundo, sofre sua influência. Na entrevista que publicamos na seção Diálogo, Isaias nos oferece uma pequena descrição desse seu trajeto fortemente comprometido com a realidade que vive, com escolhas políticas e recortes ideológicos. Viver num buraco não nos torna puros, nem deveria aquietar nossas consciências.

O Diálogo, na Revista, permite-nos conhecer as vicissitudes e os êxitos que outros campos do pensamento enfrentam e como estes podem impulsionar a discussão em sua própria prática. Assim, Isaias nos aproxima de várias questões que poderiam ser nossas.

Em primeiro lugar, o compromisso com a prática e a possibilidade de pensá-la em circunstâncias problemáticas. Eles nos fala de sua opção pela juventude, pela formação de novos pesquisadores, o que o insere não na esfera do consagrado, mas na busca incessante do passo à frente. Questões como o que prestigiamos em nossos institutos e o que fazemos para facilitar a presença da juventude se colocam imediatamente. Põem o pesquisador no mundo, tanto em culturas diferentes como em formas de Estado diversas: democracia e autoritarismo.

Obviamente, estas também permeiam as possibilidades da nossa prática. Isaias fala de influência, de circunstâncias sociais e seus valores, e não esquece o mercado. Até que ponto essas circunstâncias estão presentes em nossa reflexão? Que influências econômicas permeiam a discussão acerca da freqüência necessária para a presença de fatores ligados ao mercado? Até que ponto políticas sociais e planos de saúde não determinam, na prática, uma forma de pensar positivista? Até que ponto a concorrência com políticas de saúde determinadas por grandes campanhas farmacêuticas não nos trazem a tentação da pesquisa empírica? São questões que não se esgotam com a reflexão científica propriamente dita. Até que ponto, diante das novas seduções que nos tentam, não surge uma insidiosa corrupção dos nossos valores?

Podemos pensar que, como em qualquer ciência, temos a precedência da ética: o respeito pela infinitude do nosso objeto. A impossibilidade de sua captura, ou melhor, a percepção da violência implícita nessa tentativa de posse. Se ética é pressuposto, nossa ética se compromete com a psicanálise ou com o humano?

Questionar é importante, mas ainda mais importante é permitir que sejamos questionados. Deixar que o mundo nos ensine a ouvir. Se podemos pensar um analista mudo, é impossível concebê-lo surdo. Acreditamos que o momento da Revista Brasileira de Psicanálise não é tanto de ensino ou de divulgação. Será, sim, de aprendizado, para que tenhamos lucidez na crítica ao patrimônio que herdamos e possamos torná-lo apropriado aos novos tempos.

A definição do objeto e o rigor do método tornam-se ainda mais necessários. A metapsicologia, tal como definida pelos clássicos, é o guia que impedirá a confusão com a psicoterapia, evitará a fuga em direção ao academicismo e manterá a possibilidade de reflexões férteis.

L. N.

São Paulo, novembro de 2007

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