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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál v.42 n.1 São Paulo mar. 2008

 

ARTIGOS

 

O corpo e os Demônios da loucura: sobre a teoria psicossomática de Winnicott

 

El cuerpo y los Demonios de Loudon: bajo la teoria psicosomática de Winnicott

 

The body and The devils of Loudun: according to Winnicott’s psychosomatic theory

 

 

Edna Pereira Vilete*

Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A autora estuda um personagem de Aldous Huxley no livro Demônios da loucura. Nesse texto, misto de ensaio histórico e ficção, Huxley aborda o processo de endemoninhamento das freiras ursulinas de Loudun, dando destaque ao padre exorcista Jean Joseph Surin. Surin adoece, padecendo por vinte anos de transtornos psicossomáticos. A autora analisa os seus sintomas à luz da teoria psicossomática de Winnicott, aplicando, em especial, as idéias sobre as bases para o selfno corpo.

Palavras-chave: Corpo; Self; Psique-soma; Cisão; Desintegração; Integração.


RESUMEN

La autora estudia un personaje de Aldous Huxley en su libro Los demonios de Loudun. En el texto, mescla de ensayo histórico y ficcional, Huxley trata sobre el proceso de endemoniamiento de las monjas ursulinas de Loudun, destacando el padre exorcista Jean Joseph Surin. Surin se enferma, padecendo durante veinte años, de transtornos psicosomáticos. La autora analisa sus síntomas a la luz de la teoría psicosomática de Winnicott, usando en especial sus ideas sobre las bases para el self en el cuerpo.

Palavras clave: Cuerpo; Self; Psique-soma; Cisión; Desintegración; Integración.


ABSTRACT

The author studies a character in Aldous Huxley’s Devils of Loudun, a semi-fictional essay. Huxley approaches the subject of the possession of nuns from the Loudun convent by the devils, and their exorcism, giving special emphasis to the exorcist priest Jean-Joseph Surin. Surin becomes ill, suffering psychosomatic ailments for twenty years. The author analyses these diseases in the light of Winnicott’s psychosomatic theory, applying mostly his ideas about the basis of the self in the body.

Keywords: Body; Self; Psyche-soma; Disintegration; Splitting; Integration.


 

 

Em seu livro The devils of Loudun, traduzido por Demônios da loucuraem uma edição brasileira de 1973, Aldous Huxley compõe um misto de romance histórico e ensaio científico no qual descreve o processo de endemoninhamento de dezessete freiras ursulinas, lideradas por sœurJeanne des Anges. Muitos são os personagens, mas ninguém me pareceu tão comovente, tão transparente pela descrição de Huxley e digno de um estudo psicanalítico como Jean-Joseph Surin, o exorcista encarregado de Joana dos Anjos. Ele adoecerá ao livrá-la dos seus demônios.

 

1.

Surin nasceu numa família rica, de costumes rigorosos e voltada com tanta devoção para a religião, que, ao morrer o pai, parte de sua fortuna foi deixada para a Companhia de Jesus, enquanto a mãe ingressava num convento carmelita, realizando, assim, um velho sonho. A criança foi educada com extrema severidade, a ponto de guardar, como única lembrança de um tempo feliz, o período que passara no campo, aos 8 anos, fugindo de uma doença contagiosa em casa, lá permanecendo por todo o verão. A governanta tinha ordem de deixá-la se divertir, e ele escreverá cinqüenta anos depois: “Passava meus dias brincando e correndo, sem ter medo de ninguém”.

Transcorrida a quarentena, porém, Surin foi posto na escola dos jesuítas de Bordeaux, para ser alfabetizado, e, não obstante ter escrito que, a partir de então, “meus maus dias começaram a uma ordem de Nosso Senhor”, foi para a Companhia que ele se voltou quando chegou a hora de definir uma vocação. Os religiosos que cercavam Surin na infância e na adolescência viviam afastados do mundo, num ambiente de austeridade semelhante ao que ele tivera em casa, com os pais.

Dentre eles, Surin se sentiu especialmente atraído pela prioresa do convento carmelita, uma freira espanhola– madre Isabel dos Anjos–, companheira e discípula de santa Teresa. Aos 12 anos, Surin passava seus dias de folga ouvindo fascinado, por detrás das grades do locutório, a voz dessa freira, que falava do amor e da felicidade da união com Deus, da purificação do coração através da humildade e da autonegação. O menino se sentia, então, “tomado da heróica ambição de combater a carne, o mundo, principados e poderes, de lutar e vencer para que fosse digno finalmente de se entregar a Deus”.

Mais tarde, ao completar o noviciado, tem como instrutor um grande jesuíta contemplativo– o padre Lallemant–, que, em suas conferências diárias, pregava não haver outro caminho para a união com Deus senão a mortificação levada aos extremos da resistência humana. “O homem natural”, dizia Lallemant, “tem de ser mortificado”. Recomendava por isso uma vigilância interior sem tréguas, uma auto-análise constante, cujo objetivo seria descobrir e mortificar qualquer impulso de sensualidade, orgulho e amor-próprio. Jejuns, noites insones, a dor física pela autoflagelação– a severidade com o corpo– ajudariam a obter graças extraordinárias.

Lallemant hostilizava não somente a natureza em seu interior, mas também a que estava ao redor, pois condenava a admiração e o amor à beleza do mundo e das criaturas, ou o espírito inquiridor sobre os mistérios da vida e da matéria, considerando-os distrações perigosas que afastavam o homem de Deus.

Sob esses preceitos cresceu Surin, e obedientemente se formou. Embora apreciado pelos colegas jesuítas em virtude de seu zelo, da austeridade de sua vida e do fervor com que procurava alcançar a perfeição cristã, era visto, por outro lado, com certa apreensão, pelo extremo a que chegavam essas características suas, tornando-o excessivamente virtuoso e afastado do companheiros. Dizia ele então: “Devemos deplorar nossas vaidades como sacrilégios, punir com a maior severidade nossas ignorâncias e inadvertências”.Ou ainda:

As consolações e prazeres da oração vão junto com as mortificações corporais. Corpos que não sofreram punições mal são capazes de receber a visita de anjos. Para ser amado, acariciado por Deus, deve-se ou sofrer muito interiormente ou então maltratar o próprio corpo.

O seu rigor, o seu exagero tinha, portanto, como propósito principal, atingir um estado de graça que representava a presença viva de Deus. “O homem que não tem idéias excessivas a respeito de Deus nunca se aproximará dele”, afirmava. Parecia-lhe mesmo já ter recebido um sinal, um presságio da aceitação divina, quando aos 13 anos, ao rezar na igreja dos carmelitas, percebeu uma luz sobrenatural. A lembrança dessa iluminação, da felicidade extraterrena que viveu nunca mais o abandonaria, tornando-se o escudo que o protegeria das tentações da vida– muito poderosas, pois ele “era um desses seres nervosos e frágeis, nos quais o impulso sexual é tão forte que chega a causar loucuras”.Entretanto, morreu virgem.

Escritor de grande talento, Surin chegou mesmo a pensar em se dedicar profissionalmente a essa atividade, tratando sobretudo de assuntos ligados à estética. Certamente lhe teriam agradado a fama, o reconhecimento dos críticos e dos leitores, mas, considerando sentimentos como a luxúria, a ambição, a vaidade, acabou queimando a maior parte de sua produção literária.

Quando, aos 34 anos, foi chamado a Loudun, Surin já era um homem doente. Apresentava distúrbios psicossomáticos que o enfraqueciam e o limitavam, como dores de cabeça e cansaço muscular, além de angústia e opressão.

 

2.

Vários foram os religiosos que antes de Surin haviam tentado exorcizar os demônios de Loudun. Tinham transformado os exorcismos, por razões políticas e vaidade pessoal, em espetáculos públicos nos quais exibiam seus talentos e disputavam a curiosidade e o assombro da multidão. As freiras se contorciam, tinham convulsões, rolavam pelo chão, rilhavam os dentes, sopravam, uivavam, grunhiam e gritavam obscenidades e blasfêmias. Examinadas por médicos, não se descobriu nada que levasse à sUSPeita de possessão demoníaca, conforme os critérios que prevaleciam no século xvii. Essa opinião era partilhada pelos juízes que acompanharam o processo, bem como pela maioria dos colegas jesuítas de Surin. Este, porém, convencido de que o mundo estava sempre interpenetrado pelo sobrenatural, acreditava sem ressalvas, sem crítica alguma, em santos, anjos e demônios. Culto e inteligente, era, entretanto, extremamente crédulo. Com relação ao assunto, faltava-lhe sempre discernimento e bom senso. Sua credulidade o tornava alguém fácil de enganar, à mercê dos embusteiros.

Madre Joana dos Anjos inicialmente temera ficar sob os cuidados de Surin, por achar que ele “descobriria seus segredos, saberia quando estava realmente possessa, apenas representando ou colaborando com os demônios”.Por isso, durante as semanas que precederam a chegada do novo exorcista, sondou os jesuítas locais, escreveu a amigos em outros conventos, pediu informações, procurando descobrir tudo o que pudesse sobre ele. Foi-lhe então fácil fazer referências a detalhes particulares da vida de Surin, e em diferentes ocasiões– como ele próprio revelou–, chegou mesmo a ser capaz de ler seus pensamentos antes que ele os expressasse.

Diante dessa evidência, a convicção de Surin se transformou numa grande certeza: os diabos, agora sabia, eram absolutamente genuínos. Vendo, pela primeira vez, um exorcismo público oficiado pelos exorcistas anteriores, Surin se condoeu tanto do estado das possessas, que lágrimas lhe vieram aos olhos. A compaixão despertou-lhe uma idéia original, uma inspiração, no seu entender: complementaria a prática do exorcismo com uma espécie de treinamento espiritual. Conduziria madre Joana por um caminho de purificação e de docilidade ao Espírito Santo, transmitindo-lhe os ensinamentos que recebera de madre Isabel e do padre Lallemant.

Durante dez meses dedicou-se à tarefa de corpo e alma. A prioresa tentou escapar, os demônios escarneceram de suas pregações, mas Surin, infatigável, prosseguiu com as orações e os sermões. Um dia, depois de uma sessão de exorcismo em que mais uma vez viu fracassarem os seus esforços, Surin rezou, pedindo que lhe fosse permitido sofrer no lugar da prioresa. Queria sentir o que os demônios a tinham feito sentir, ofereceu-se para ser possuído no lugar dela, a fim de curá-la, de levá-la à prática da virtude.

Alguns dias depois, começou a ficar obsedado. No início a perturbação se manifestava apenas em seu íntimo. Por exemplo, através de sentimentos ambivalentes: “Sinto uma grande paz, como se estivesse sob a influência divina, e, por outro lado, uma raiva dominadora, um grande ódio a Deus”. Mas havia também uma espécie de cisão que o próprio Surin descreve:

[é] como se eu tivesse duas almas, uma da quais despojada do meu corpo e do uso dos meus órgãos, que se esconde, vendo o outro, o intruso, fazer o que quer. Estes dois espíritos lutam dentro de um campo que é o meu corpo.

Três meses depois, Surin se verá assaltado exatamente em seu corpo, jogado ao chão, em convulsões, rolando como as outras endemoninhadas, tornando-se, também ele, motivo de diversão para a platéia e de escândalo para os jesuítas. Entre os assaltos a seu próprio corpo, Surin pode, entretanto, realizar a missão que se impusera: a santificação de Joana dos Anjos.

Embora durante longo tempo tenha se oposto aos propósitos dele, ela acaba por se submeter. Em parte, porque se via envolvida por sentimentos amorosos e sexuais com relação ao exorcista, ou porque o ardor de Surin fosse contagioso, mas principalmente porque percebia a sua sinceridade, sentia o quanto ele de fato acreditava em tudo o que dizia e credulamente aceitaria sua conversão. Assim como havia sido a rainha das endemoninhadas, desejava agora ser conhecida como santa, ser invocada em orações e realizar milagres. E estes, de fato, não tardaram a acontecer– por exemplo, entre outros, os nomes de santos surgidos em letras vermelhas sobre sua pele. Madre Joana dos Anjos passa a ser objeto de devoção do povo e, após uma peregrinação, chega mesmo a auxiliar o parto de Luís xiv. Retorna ao convento de Loudun cercada de uma aura de santidade, da qual estava plenamente convencida.

Enquanto isso, Surin, responsável pela expulsão de cada um dos seus demônios, via-se afligido por uma mudez que considerava obra do diabo. Este sintoma era parte de um longo processo de aniquilamento que estava apenas começando.

 

3.

Durante o ano de 1638, Surin apresentou intervalos de saúde que lhe permitiam realizar pequenas tarefas, escrever ou subir ao púlpito para pregar. Aos poucos, porém, seus sofrimentos físicos se acentuaram e se estenderam por quase vinte anos. Durante todo esse tempo ele dormiu vestido, pois os menores movimentos lhe exigiam um enorme esforço: era impossível desamarrar as botas, vestir-se ou tirar a roupa. Comer exigia sacrifício semelhante, não só por ser difícil levar o garfo ou o copo à boca, mas também por ele não ter apetite algum, pois sentia dores intensas após as refeições ou, com freqüência, vomitava tudo o que comia.

Diz Huxley que os doutores se esforçaram ao máximo por ele. Foi sangrado, purgado, fizeram-no tomar banhos quentes e nada adiantou, porque a causa de seus sintomas estava não no corpo, mas em sua mente perturbada.

Surin já não se sentia possesso, mas se acreditava amaldiçoado, sem merecer o amor ou a piedade divina. Vivia sob ameaça; se entrava numa igreja e diziam alguma frase sobre a justiça de Deus, ou se faziam ali alguma denúncia dos impuros, estas eram certamente dirigidas a ele; se ele se sentasse perto do fogo, uma brasa– o símbolo da danação eterna– cairia sobre ele; se rezasse à cabeceira de um moribundo, seria responsável pela perdição de sua alma. Tinha visões de Cristo, da Virgem e dos santos, todos o olhando com indignação e raiva, fulminando-o com raios. Sentia-se perdido, nada mais lhe restava a não ser a espera angustiada de uma terrível morte.

Muito embora perseguido por esses pensamentos, Surin mantinha a lucidez, pois

existia uma parte de sua mente que nunca estava doente, e estar louco com lucidez deve ser uma experiência das mais terríveis. Inatingida, a razão de Surin olhava impotentemente, enquanto sua imaginação, suas emoções e o seu sistema nervoso autônomo se comportavam como uma aliança de criminosos maníacos que tinham como objetivo a sua destruição.

No início ele corria atrás dos superiores e colegas, agarrava-os pela manga e tentava explicar o que estava lhe acontecendo. Tudo era inútil, nada entendiam do que lhes dizia; impacientes, afastavam-se dele sem nenhum sinal de simpatia. “Reconheci a verdade do que disse santa Teresa: não há dor mais insuportável do que cair nas mãos de um confessor demasiado prudente.” Sorriam com desprezo, batiam na cabeça. O homem estava louco e ele próprio causara sua loucura. Deus, asseguravam-lhe, o estava punindo por seu orgulho, por querer ser mais espiritual do que as outras pessoas, por imaginar que poderia atingir a perfeição.

O julgamento e a atitude deles aumentaram a desgraça de Surin e o levaram ao desespero. Durante dias lutou contra a tentação do suicídio. Afinal, uma noite, encontrando uma janela aberta sobre um rochedo, sentiu-se atirado sobre o precipício. Seu corpo se chocou contra a projeção de uma rocha, fraturando-lhe o fêmur e deixando-o para sempre coxo.

Sua miséria permaneceu agravada pela culpa, pela convicção do pecado. Sentiu que Deus lhe enviara a doença como purgação e, por isso, ele não devia favorecer a cura; não podia se alimentar melhor, como pediam os médicos, nem buscar qualquer alívio, fosse com recreação ou os seus próprios afazeres. Devia lutar “contra o lado animal e sensual de sua natureza”, contra desejos frívolos de diversão, contra o orgulho, o amor-próprio e a ambição. Mas devia também dar fim “aos produtos brilhantes do seu talento e de sua cultura”– os sermões, os trabalhos teológicos, os poemas de devoção nos quais trabalhara tão duramente e dos quais ainda se sentia vaidosamente orgulhoso.

Depois de longas e torturantes indecisões, sente um impulso de destruir tudo o que escreveu. Os manuscritos de vários livros, juntamente com outros papéis, são queimados e rasgados. Traduzindo o que se passou: está agora despojado de tudo e abandonado, inteiramente nu, ao próprio sofrimento. Está no vazio da morte. Não pode pensar, ler ou escrever e, em certos momentos, é até difícil falar.

Como conclui Huxley, mais adiante, o instrumento de cura de Surin foi a bondade de outra pessoa. O padre Bastide, o único de seus colegas que insistentemente argumentava não estar ele inteiramente louco, é nomeado reitor de um colégio e pede permissão para levar o inválido consigo. Pela primeira vez em dez anos, Surin se sente tratado com simpatia e consideração– e foram físicas as suas primeiras respostas ao tratamento que recebeu.

Durante anos a ansiedade crônica havia mantido sua respiração tão baixa, pela contração do diafragma, que ele parecia estar vivendo à beira da asfixia. “Todos os meus músculos estavam presos como que por grampos e, agora, um se abriu, depois o outro, provocando um alívio extraordinário.” Respirava livremente, enchia os pulmões com um ar revigorante, experimentava no corpo algo como liberdade espiritual. Entretanto, embora pudesse respirar de novo, ainda durante muitos anos lhe foi impossível ler, escrever ou dizer a missa, caminhar, comer ou se despir sem desconforto ou dores agudas. O próprio Surin percebia que, para se sentir melhor mentalmente, tinha de se sentir pior fisicamente.

Um dia, porém, durante uma confissão, deixou evidente a seu confessor, um homem bondoso e sensível, que o único pecado de que se acusava era o de não ter agido de modo suficientemente pecador, de não ser tão mau quanto deveria, já que era uma alma perdida e sem perdão. O confessor– sabendo da inclinação de Surin pelo extraordinário– revelou-lhe sua impressão, uma espécie de inspiração de que tudo terminaria bem, garantindo que ele voltaria a pensar e agir como os outros homens e que morreria em paz.

Surin sentiu, assim, que Deus não o havia abandonado e que ainda havia esperança de salvação. Com a esperança, a saúde lentamente voltou, e uma a uma as paralisias e inibições físicas desapareceram.

Depois de dezoito anos de analfabetismo forçado, pegou uma caneta e pôde rabiscar três páginas de pensamentos sobre a vida espiritual. Os caracteres eram tão confusos que mal pareciam humanos, mas isto não importava. O que importava era que sua mão podia afinal cooperar, embora de forma tosca, com sua mente.

Três anos depois, recuperou a capacidade de andar, pois escreve: “Até então não podia dar um passo sem grandes dores. Essas dores não eram como as dos paralíticos, eram dores que tendiam a um encolhimento e contração do estômago e, ao mesmo tempo, uma forte pontada nos intestinos”.

Um dia, porém, ao se despedir de um parente que o visitara, arrastou-se dolorosamente até a porta para lhe dizer adeus. Em pé, depois da partida do visitante, olhou para o jardim e “começou a estudar, com certa minúcia, os objetos que ali estavam, coisa que em razão de uma extrema debilidade dos nervos não pudera fazer por quinze anos”:

Sentindo, ao invés das dores familiares, um certo bem-estar, desceu os cinco ou seis degraus até o jardim e reparou em volta por algum tempo.

Olhou o negro e o verde brilhante das cercas, olhou o gramado e as margaridas das festas de São Miguel e a aléia de troncos entrelaçados. Observou as colinas com suas madeiras outonais, com uma cor marrom de raposa sob o céu pálido, na luz quase dourada do sol. Não havia vento e o silêncio era como um enorme cristal, e tudo era um mistério de cores se misturando, de formas distintas e separadas, do inumerável e único, do tempo que passa e da presença de eternidade.

No dia seguinte Surin se aventurou, de novo, no universo que tinha quase esquecido e então sua viagem de redescoberta o levou até o poço, e não o convidou ao suicídio. Deixou até mesmo o jardim e andou, os calcanhares afundados nas folhas mortas, através do pequeno bosque por trás dos muros. Estava curado.

 

4.

Perdoem esta demorada– mas indispensável– apresentação do livro de Huxley, pois no estudo de um texto literário parte do trabalho já está feito pelo autor, cabendo a nós, leitores afortunados, a tarefa mais humilde de soltar o pensamento e refletir. É o que gostaria de fazer aqui, procurando aprender mais a respeito de nossa teoria e técnica partindo das idéias do escritor e de Winnicott.

Sobre a história de Surin, um relato dramático de angústias, inibições, humilhação e sofrimento, Huxley reproduz, indignado, a prescrição de um importante educador jesuíta da época:

Do mesmo modo como amarramos as pernas das crianças ao berço, para que fiquem do tamanho certo, é necessário amarrar, por assim dizer, desde a primeira juventude, a sua vontade, para que a criança possa manter, através de sua vida, uma feliz e salutar submissão.

Nem feliz nem salutar, como vimos, mas intensa e traumática, a submissão de Surin às exigências severas dos pais e, em seguida, de seus educadores, acarretou distorções na organização do seu ego, que se estruturou com graves características esquizóides.

Não temos registro de como foi o início da vida de Surin, mas podemos recorrer à observação de outro menino, um bebê de um mês e meio, para entender o que seria a invasão do ambiente e a reação de submissão do bebê, constatando que é possível satisfazer um impulso oral e, ao fazê-lo, violar seu selforiginal (Winnicott, 1962/1990, p. 55):

O bebê tem tido prisão de ventre e o pediatra receitou supositórios. O bebê se contorce tentando evacuar. A mãe, buscando ajudar, segura e prende suas perninhas. O bebê tenta esticar as pernas, apesar de continuarem fletidas pela mãe. Mais adiante, durante o banho, se põe a chorar, talvez de fome, pois é hora da mamada. No princípio choraminga, depois chora forte enquanto a mãe o seca e troca suas roupas. A mãe acaba por se impacientar e lhe diz em voz alta, zangada, autoritária, que não a apresse, que pare de chorar. O bebê estanca abruptamente e fica olhando para a mãe. Não chora mais até chegar a mamadeira, que é sugada avidamente. Ao terminar, é posto para arrotar e permanece quietinho aninhado no pescoço da mãe. Em seguida vem uma segunda mamadeira que o bebê suga sem entusiasmo, e sem a mãe perceber que o leite introduzido é posto para fora pelos cantos da boca. A mãe insiste, o bebê continua a sugar e a entornar o leite, até que o seu babador esteja todo molhado.

Adormece depois. Sua musculatura está toda contraída, as mãozinhas cerradas, seu semblante intranqüilo. Durante o sono por vezes se mostra relaxado, mas logo se contrai num sobressalto.

O leite dado em excesso, a recepção passiva pelo bebê após um débil protesto, o entornar pelos cantos da boca ou o vômito em jato após a mamada, é um padrão a se repetir durante outras observações. Junto a isto, o sono do bebê é, em diversas ocasiões, perturbado pelos barulhos que, sem cuidado algum, fazem à sua volta.

Enquanto dorme, uma ruga franze suas sobrancelhas, os sobressaltos e os pequenos tremores são freqüentes. Não tem mais o sono tranqüilo e relaxado dos primeiros dias.

O que teria ocorrido com esse bebê?

Acredito que o grito impaciente e irritado da mãe bruscamente rompeu a ilusão de uma unidade, a união sem fronteiras entre ela e o bebê, o estado de não-integração conceituado por Winnicott, condição necessária para que o ser humano atinja a vivência de relaxamento e paz. Ao contrário, ao viver uma invasão ambiental, o bebê vive, numa fração de segundo, uma ansiedade inimaginável, contra a qual se estabelece uma reação somática como defesa. A contração muscular surgiu, assim, como que formando uma barreira de proteção, um escudo, substituindo aquele que a mãe não foi capaz de oferecer, por não perceber as necessidades do bebê e não atender a vontade dele; ao invés disso, impõe a sua própria.

Ao enrijecer os músculos nos sobressaltos, porém, o bebê delineia as fronteiras de seu corpo, passando a ter uma prematura consciência do seu ego corporal e, portanto, de si mesmo. Ao mesmo tempo, ele se dá conta, prematuramente, da existência de um mundo não-eu, que se mostra hostil e provoca expectativas continuadas de perseguição.

Podemos supor, assim, a violência que Surin sofreu, toda a vida, por ter a sua vontade amarrada, uma vontade que seria a expressão do seu ser, da sua individualidade, e o mundo persecutório em que passou a viver, amaldiçoado e ameaçado por santos com olhares raivosos que o fulminavam. Mas foi sobretudo no corpo que Surin sentiu a expressão da doença, desde os assaltos dos demônios, quando começa a sua história, e adiante, ao longo dos dezoito anos mais penosos, cuja descrição apresentei aqui. Nesse período, o sintoma que sobressai e perdura é, exatamente, o enrijecimento muscular, impedindo Surin de se movimentar, de caminhar, de trocar de roupa ou mesmo de engolir e até respirar.

Dois sintomas opostos, poderíamos pensar: de um lado, o corpo aberto à invasão dos demônios, no caso de madre Joana dos Anjos; do outro, o corpo que se fecha, com músculos que se contraem, impedindo a entrada e saída do ar, dificultando a deglutição ou provocando vômitos intensos. Ambos os sintomas, porém, revelam o precário estabelecimento das fronteiras do ego corporal, ou seja, o fracasso do processo de personalização, expressão criada por Winnicott para traduzir a conquista de uma psique que passa a residir no soma, que tem, assim, o corpo como morada.

Winnicott, entretanto, ressalta o valor positivo do transtorno psicossomático, como uma proteção do psique-soma contra a fuga para uma vida espiritual ou intelectualizada, como ocorreu com Surin. De acordo com essas idéias, podemos supor que Surin, através de seus sintomas físicos, fechando o corpo com o enrijecimento muscular, por exemplo, tentava reencontrar, nos momentos de perigo, de risco de aniquilamento, um primitivo sentido de entidade– a consciência de existir, de possuir uma vida própria, de se sentir, ainda que através da dor. Talvez por isso ele próprio dissesse: “para me sentir melhor mentalmente, tenho de estar mal fisicamente. Só a dor ou uma doença aguda me distraem do constante terror e desespero”.

Surin era um homem do seu tempo. A violação que sofreu foi determinada pela educação severa que recebeu, por uma idealização do ascetismo e a mortificação de sua natureza. Nos tempos atuais, de sensualidade e sexualidade livres, a violência pode, entretanto, continuar a existir e assumir outras feições, como na observação que relatei, em que a mãe, em suas dificuldades pessoais, submete o bebê, não sendo capaz de reconhecer o seu gesto espontâneo.

Pessoas assim submetidas podem se tornar adultos semelhantes a Surin. Sem acreditar em demônios, estão igualmente sujeitas ao sobrenatural– por exemplo, em versões modernas de crença em duendes, mães-de-santo e rituais de proteção mágica. Trata-se, muitas vezes, de pacientes que vêm até nós em permanente dúvida sobre si mesmos, sem saber o que realmente sentem, pensam ou querem. São pessoas crédulas, influenciáveis, que se deixam enganar pelos outros, presas fáceis e alvo da vontade e acusações alheias, pois mais facilmente dão razão aos demais do que a si mesmos. Como reação, podem construir defesas de natureza somática, primitivas, a exemplo do bebê de nossa observação. Tensão muscular, doenças de pele, obesidade ou mesmo a versão saudável de um corpo “sarado” demarcam um território que é pessoal, como que impedindo invasões.

Pele, músculos e gordura dão “ênfase à membrana limitadora do corpo (e portanto da personalidade)”, diz Winnicott (1994/1969, p. 91), pois “por trás disto acha-se a ameaça de despersonalização e de uma perda das fronteiras corporais, bem como da impensável ansiedade quase física que pertence ao processo inverso do que é chamado integração”. Winnicott compara essa ansiedade impensável a um estado em que não existe moldura no quadro, ou seja, nada para conter o entrelaçamento de forças na realidade psíquica interna e, diz ele ainda, em termos práticos, nada para sustentar o bebê.

Por tudo isso, no processo analítico, nas situações de regressão, inevitáveis, necessárias, quando perdem as molduras que criaram, os pacientes vivem uma sensação de se esparramar que vem acompanhada como que de um extravasamento dos líquidos corporais, aparecendo então, entre outros, quadros clínicos como as diarréias, a polaciúria, a sudorese e a hipermenorréia.

Na minha experiência, a sensação angustiante de se esparramar vai cedendo aos poucos, dando lugar a sintomas corporais localizados que podem trazer a marca do funcionamento orgânico infantil, como engasgos e sufocações, refluxo gástrico, batimentos cardíacos acelerados; assim, ao reviver as situações traumáticas do início da vida, o paciente estaria buscando resgatar fragmentos de um ego (self) que é, “primeiro e acima de tudo, um ego corporal”.

Para esses pacientes, a doença psicossomática seria, então, a tentativa de encontrar a sua verdade, ou seja, o núcleo verdadeiro do eu, impedido de se desenvolver, de desabrochar, mesmo que para isso, tal como aconteceu com Surin, seja preciso se desfazer de tudo, viver no vazio e recomeçar do nada– sem saber ler, escrever ou falar.

A propósito, Huxley comenta ao ler as cartas dele: “Nós o conhecemos como ele se conhece, de dentro e sem disfarces”. A doença de Surin foi, pois, a sua corajosa reação à submissão, à anulação e à passividade em que até então vivera. Podemos pensar que, por esse significado de rebeldia que os seus sintomas possuíam, Surin se sentisse amaldiçoado e em pecado. Curiosamente, para são Tomás de Aquino, o pecado de Lúcifer teria sido não a tentativa de se igualar a Deus, mas o de se rebelar, buscando uma beatitude natural com os próprios poderes.

A consciência do eu soufoi o que Surin, afinal, conquistou depois de sua penosa doença. Dali em diante, encontrou prazer em escrever seus ensaios e em apreciar a natureza– as aves e os insetos, o colorido das folhas, o vento, a luz do sol.

Em determinado momento do livro, Huxley faz uma crítica à psicanálise: “os psicólogos freudianos prestam mais atenção ao pecado que à virtude, examinam os ratos e os besouros negros, mas relutam em ver a luz interior”.

De pecados e de culpas, da agressividade de nossos pacientes, talvez saibamos realmente mais, desde os primeiros tempos da psicanálise, do que da necessidade e da importância que o objeto amado– o objeto subjetivo, na concepção de Winnicott– possa ter para alguém, necessidade e importância tão manifestas em Surin, quando nos lembramos de sua fascinação ao ouvir Isabel dos Anjos. Para ele, a suprema graça estava representada na união com Deus– o estado necessitado de não-integração–, e para alcançá-la oferecia o corpo em sacrifício, chegando até a anulação de si. Todos nós temos bons exemplos de pessoas que, no dia-a-dia, pagam um preço semelhante pelo amor que necessitam receber.

Para Huxley, o instrumento de cura foi a bondade de outra pessoa. A sorte de Surin foi ter encontrado um confessor bondoso e sensível que acreditou nele. Que lições de técnicas podemos aprender aqui? Será que, ao interpretar os sintomas como resistência, não estaríamos deixando de ver a luz interior em busca de expressão? Quando acreditamos numa destrutividade inata e assim trabalhamos, não podemos reforçar, no paciente, a crença em sua própria maldade? Quando nos mantemos num rigor de neutralidade, deixando de usar o manejo de que o paciente necessita, não estaríamos sendo demasiado prudentes e pouco empáticos com o seu sofrimento, como o foram os primeiros confessores de Surin?

A propósito, chamou-me a atenção a conduta do confessor bondoso, que revela a Surin sua impressão de que tudo terminaria bem e de que ele voltaria a pensar e agir como os outros homens, provocando com essas palavras uma chama de esperança que conduzirá à cura. Lembrei-me de uma afirmação instigante de Winnicott– e só então a entendi– sobre pacientes que padecem de uma angústia de desintegração. Diz ele:

Esses pacientes necessitam absolutamente de que o analista seja onipotente […] Acrescentamos a explicação […] de que é a própria onipotência e onisciência do paciente que o analista deve assumir de modo a permitir ao paciente entrar em colapso aliviado (Winnicott, 1963/1990, p. 214).

Ao tratar de um paciente psicossomático, Winnicott acredita que, concedendo-se tempo e circunstâncias favoráveis, as forças de integração que nele existem acabam por conduzir a um estado de organização interna e unificação do self. Tais idéias estão baseadas em sua própria teoria do amadurecimento humano. Ele vê em cada bebê uma centelha vital e um ímpeto inato para a vida, um potencial herdado que entretanto, para se desenvolver, depende de um ambiente favorecedor. Por isso afirma: “[…] os distúrbios mais insanos ou psicóticos se formam na base de falhas da provisão ambiental e podem ser tratados, muitas vezes com êxito, por nova provisão ambiental” (Winnicott, 1963/1990, p. 205)– tal como aconteceu com o personagem de Huxley.

Podemos deduzir, assim, que na situação analítica, entre as circunstâncias favoráveis de que o paciente necessita, Winnicott inclua um analista com atitude esperançosa, pois recomenda: “É preciso que haja, no analista, uma crença na natureza humana e nos processos de desenvolvimento… e isto é rapidamente percebido pelo paciente”. (Winnicott, 1954/2000, p. 90). Na verdade, o analista faz parte de um settingque provê uma situação adaptativa à extrema dependência que esse tipo de paciente apresenta. Cria, desse modo, uma área de ilusão onde ele, analista, enquanto houver necessidade, será sentido pelo paciente como um objeto subjetivo.

Surin, em seus últimos anos, refletindo sobre sua sofrida experiência e observando a subida calma e irresistível das marés do Atlântico, escreveu um texto que lembra muito o pensamento de Winnicott sobre a espontaneidade, o gesto impulsivo e as forças agressivas como expressão do amor primitivo, condições básicas para a saúde mental:

Descobrimos que no Apocalipse o Espírito de Deus faz menção a uma música de harpas e alaúdes que soa como um trovão. Do mesmo modo, quem jamais acreditaria que possa haver torrentes de paz que derrubam diques, derrubam as muralhas do mar? E, no entanto, é isto o que acontece, pois pertence à natureza de Deus fazer assaltos de paz e silêncios de amor […] Esta paz invasora faz coisas que não parecem próprias à natureza da paz, porque vem de um golpe, com impetuosidade […] vem como o barulho da maré enchente quando se aproxima, não para destruir a terra, mas para ocupar a cama preparada para ela por Deus. Vem como que ferozmente, vem como barulho de um rugido, mesmo que o mar esteja calmo. Este rugido é causado somente pela abundância das águas e não por sua fúria, porque o movimento das águas não é provocado por uma tempestade, mas por elas próprias em toda a sua calma nativa, quando não há um sopro de vento. O mar em sua plenitude vem visitar a terra e beijar as praias assinaladas como seus limites. Vem em majestade e magnificência. Assim também sucede à alma […] Esta abundância não comete violências a não ser para os obstáculos no caminho de sua bênção.

Se o mar, em sua plenitude, vem beijar as praias assinaladas como seus limites, podemos então concluir que Surin, ao final do processo por que passou, tomou conhecimento e posse de seu corpo finito e, libertando o próprio espírito, se sentiu parte integrante da natureza e de um projeto eterno. Por isso, termina Huxley, “quando na primavera de 1665 a morte o surpreendeu, não havia necessidade de ir para lugar algum, pois ele já estava lá”.

 

Referências

Huxley, A. (1973). Demônios da loucura. Rio de Janeiro: Americana. (Trabalho original publicado em 1952.)        [ Links ]

Winnicott, D. (2000). Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão no settinganalítico. In Explorações psicanalíticas. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1954.)

______ (1990). A integração do ego no desenvolvimento da criança. In O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original em 1962.)

______ (1990). Os doentes mentais na prática clínica. In O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1963.)

______ (1990). Distúrbios psiquiátricos e processos de maturação infantil. In O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1963.)

______ (1994). Transtorno psicossomático. In Explorações psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1969.)

 

 

Endereço para correspondência
Edna Pereira Vilete
Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro SPRJ
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Tel.: 55 21 2511-5893
E-mail: edvilete@uol.com.br

Recebido em 17.3.2008
Aceito em 24.3.2008

 

 

* Analista didata da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro SPRJ.

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