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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.42 no.2 São Paulo June 2008

 

CORRESPONDÊNCIA

 

Sobre “Compulsão a repetição e princípio do prazer”, de André Green

 

Sobre “Compulsión a la repetición y principio del placer”, de André Green

 

On “Repetition compulsion and the pleasure principle”, by André Green

 

 

Ana Maria Andrade de Azevedo*

Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 

Prezados colegas:

Inicialmente, gostaria de congratular-me com os editores da rbp, pela publicação da tradução da conferência apresentada por André Green, “Compulsão a repetição e princípio do prazer”, por ocasião do Congresso Internacional de Psicanálise da ipa, em Berlim, em julho de 2007 (publicada na rbp, vol. 41, n. 4).

Em geral, decorre um longo tempo entre uma apresentação como esta, feita em um congresso, e sua publicação traduzida numa revista, o que muitas vezes faz com que pontos e aspectos específicos que haviam chamado nossa atenção na época, já tenham sido esquecidos.

Graças à eficiência na publicação rápida desta conferência, pude voltar a refletir sobre os pontos que foram significativos na época, e, que inclusive foram motivo de uma rápida conversão minha com André Green, ocorrida durante o congresso.

Aproveito a oportunidade criada por esta nova sessão da rbp, cartas ao leitor, para contribuir e trocar algumas idéias com os colegas, já que as considero importantes e estimulantes, merecedoras de uma continuada discussão e investigação.

Talvez esta comunicação constitua mais um comentário, do que propriamente uma carta; se assim for, acredito que um novo tipo de contribuição poderá ser caracterizado, visando estabelecer de forma coloquial, um novo canal de troca de idéias.

Ao conversar com Green, percebi sua ênfase em relação a algumas questões consideradas por ele importantes e inovadoras.

Um primeiro aspecto mencionado por Green, referia-se a necessidade de diferenciar e discriminar o sentido do verbo ligar (biding), de seu correlato vincular (link); a conferência proferida em inglês possibilitava uma diferenciação clara o que tornou possível aos ouvintes, dar conta de sua nova contribuição.

A diferença no uso destes dois termos, foi o que na verdade determinou a escolha da apresentação de Green, constituindo o ponto central de seus desenvolvimentos teóricos, naquele momento.

Retomando os trabalhos de Freud 1914 a 1924, Green nos propõe inicialmente, dissociar a compulsão à repetição, da ação (acting out).

Com essa dissociação o aspecto repetitivo da compulsão à repetição passaria a um plano menos importante. Na verdade, esse aspecto poderá nem vir a ser percebido externamente, mas, no entanto, estará mesmo assim determinando grande prejuízo no funcionamento mental; os conteúdos e suas relações com os fragmentos mentais repetidos, perderão a conexão entre si, muitas vezes paralisando a comunicação, ou tornando-a incompreensível.

A ação não constituirá o único meio de expressão pelo qual a compulsão a repetição irá se expressar, a perda de significado e o desligamento serão também consideradas conseqüências importantes na experiência do sujeito. A descarga em si, não significará atuação, e sim, um livrar-se dos significados e conteúdos indesejáveis.

Perguntei a Green, se poderia associar esses movimentos, aos processos por ele descritos em seu artigo, “A posição fóbica central” (2006), com o que ele concordou, enfatizando que seriam os elos entre o ato mental e seus conteúdos que, ao serem destruídos, não permitirão mais o reconhecimento, nem a conscientização dos elementos psíquicos. A atividade da “arborescência”, descrita por ele neste trabalho, ficará interrompida, e a atividade progressiva comprometida (“A posição fóbica central”, 2006).

Embora o conteúdo continue a ser recorrente e a associação livre aparentemente prossiga, só o que tiver sido ligado (binded), poderá vir a ser representado e significado. O não-ligado (unbinded) se repetirá num movimento “regressivo”, sem ser conhecido ou significado pelo sujeito.

Ligar, pois, no sentido de binding, passa a constituir um ato preparatório para que o princípio do prazer possa continuar dominante; binding é proposto como uma função, num nível preliminar que irá permitir a possibilidade de prazer pela descarga, muitas vezes de maneira imperceptível. Quando este processo fracassar, os elos entre os conteúdos serão rompidos e a manifestação se tornará incompreensível; só estará sendo possível uma forma precária de descarga, que a partir daí se repetirá.

É a este ponto que Green quer chamar nossa atenção, restituindo na verdade a soberania ao princípio do prazer, questionado por Freud em 1920, em Mais além do princípio do prazer. Ele propõe as funções de Binding e Unbinding, como preliminares a qualquer movimento posterior (retomando talvez aqui, a idéia freudiana de energia ligada e desligada), e, estas preliminares já se constituindo numa descarga prazerosa, a serviço do Principio do Prazer.

Assim, Green afirma e mantém a inexorabilidade do prazer pela descarga, mesmo frente à conceituação do instinto de morte e da compulsão à repetição como expressão deste, em Mais além do princípio do prazer.

Ele não acredita que todos os processos de ligar e desligar, possam ser abarcados e entendidos apenas pela passagem do processo primário ao processo secundário. A ligação (binding), como já dissemos, é uma função preliminar necessária, e a não-ligação (unbinding) acontecerá quando devido a falhas nas atividades primitivas, o acesso de elemento pulsionais (não-ligados), ao princípio de prazer/desprazer estará prejudicado. Nesse contexto, não será possível o alcance ao prazer pela descarga, e, esses elementos não-ligados surgirão sob a forma do que Green descreve, ao falar de unbinding, como estado de excitação e de desorganização no corpo e na mente. Estes provavelmente, terão tido sua origem numa não-resposta inicial do objeto, ou do meio ambiente, e só precariamente terão alcance a algumtipo de descarga.

Vivências estranhas (the uncanny), e sentimentos demoníacos, seriam exemplos de um estado de não ligação, onde nada pode ser reconhecido, onde a ligação não se faz e o movimento é de fuga, às custas da possibilidade de satisfação e de significação.

Green refere se a estes elementos sem mediação, sem representação e sem adiamento possível, como impulsos instintivos, algo entre corpo e mente, que se aproxima da idéia do domável– indomável; um funcionamento inconsciente cuja mais primitiva e antiga organização irá depender da necessidade de algum tipo de ligação da pulsão, para que esta possa ter acesso à descarga.

A própria organização pulsional que se pensava como algo elementar, mostra-se então complexa, muitas vezes falha e menos organizada do que necessário.

A descrição apresentada por Green no artigo citado (2008), de uma paciente que repete a excitação no próprio corpo, de forma alucinante com a embriaguez, parece ser um excelente exemplo de sua proposta. É o estado de excitação e de desorganização da paciente, sendo compulsivamente repetido, frente ao risco de uma re-elaboração de elementos incompreensíveis, que a leva à fuga de qualquer contato ou relação que possa despertar a necessidade de rever conteúdos e relações significativas entre eles.

Embora esta seja minha apreensão do trabalho apresentado por Green, quero deixar claro a todos aqueles que porventura leiam estas minhas colocações, que elas são transformações minhas do trabalho de Green, e, que o objetivo desta comunicação é apenas colocar idéias para discussão e não propor a concordância com meu ponto de vista; são questões que me surgiram a partir da conferencia, que agora proponho para discussão.

Seria possível pensar que estes elementos e a função de ligar, como considerada por Green, se constituiriam numa forma de dar conta da origem do psíquico? Da formação da memória e do significado, posteriormente transformado em representação? A idéia de “memória sem lembranças”, como proposta pelo próprio Green, ou a idéia de impulsos instintivos como elementos que nunca alcançaram representação, mas que corporalmente continuam a agir, também se originaria dessa não-ligação?Impulsos (corporeidade) que no dizer de Armando Ferrari nunca adquirem psiquicidade?

E quanto aos elementos Beta de Bion? E a Barreira de Contato?

O sinistro e demoníaco poderiam ser também relacionados ao que Bion propõe como experiências de “Terror sem nome”? Provenientes de falhas iniciais e de situações catastrófica, onde a função de binding não se estabelece, dando lugar a uma vivência insuportável?

Estas, dentre outras questões, levaram-me a buscar interlocutores, sabendo de antemão que o assunto é difícil, talvez até árido e complicado para ser discutido sem a presença do autor. No entanto, talvez possam vir a prosseguir como novas áreas de investigação.

Cordialmente,

A. M. A. A .

 

P.S.: Gostaria de agradecer a amiastosa acolhida de Maria Aparecida Nicoletti e Leopold Nosek a esta minha proposta.

 

 

Endereço para correspondência
Ana Maria Andrade de Azevedo
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP
Av. Brig. Faria Lima, 1903/92
01451-000 – São Paulo SP – Brasil
E-mail: amaaz@osite.com.br

Recebido em 7.5.2008
Aceito em 3.6.2008

 

 

* Membro efetivo e analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP.

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