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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál v.42 n.4 São Paulo dez. 2008

 

DIÁLOGO

 

O eterno feminino: comentário à entrevista

 

El Eterno feminino: comentário a la entrevista

 

The eternal feminine: comment to interview

 

 

Henrique Honigsztejn1

Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A partir das palavras de Lygia Fagundes Telles o autor busca responder a uma pergunta que lhe aflorou: o que um autor como Goethe experimenta diante da Mulher e que o faz exclamar: “O eterno feminino nos atrai para si”?

Palavras-chave: Criatividade; Integração; Motor; Orgasmo do ego; Orgasmo do id.


RESUMEN

Basado en las palabras de Lygia Fagundes Telles el autor busca una respuesta a una cuestión que le occurrió: que sentió un autor como Goethe delante de la Mujer e que le hizo escribir: “Lo Eterno- Feminino nos atrae para ella?”

Palabras clave: Ilusión; Mistério; Placer; Atracción; Tesoro.


ABSTRACT

Based on Lygia Fagundes Telles words the author tries to answer a question that raised on his mind: what could have Goethe experienced before the Woman that made him write: “The Eternal- Feminine atracts us to her”.

Keywords: Illusion; Mistery; Pleasure; Atraction; Treasure.


 

 

Ideias, reflexões surgidas a partir do complemento da entrevista de Lygia Fagundes Telles.

“Sem ilusão o mundo é sem graça”, escreveu Nietszche em uma de suas Reflexões Extemporâneas.

Se paro para receber a carga desta linha, vejo-me como alguém que circulasse pelo mundo munido de um olhar que mais que qualquer outro detectasse o real: o D. Quixote seria um punhado de letras impressas em folhas, e folhas que não valeriam o gasto para sua impressão, pois o que se ganha em saber das loucuras de um velho certamente com lesões isquêmicas cerebrais levando a focos demenciais, e assim e assim por diante, até que: esgotado eu me deixaria ficar arriado numa poltrona a espera de juntar-me e ser envolvida à Realidade maior.

Tenho fortes suspeitas que sem ilusão não há como circular na vida sentindo-a justificada. Vem-me de imediato a área potencial de Winnicott, onde se circula brincando, no fluir da espontaneidade. Nesse fluir da espontaneidade atende-se ao chamado, ao vocare. O que ativa esse fluir? A mulher – a mãe suficientemente boa do holding winnicottiano que reveste seu bebê da onipotência primária que o permite circular pelo mundo com confiança, com um reservatório de ilusão que o faz sentir-se em casa onde quer que esteja. Não quero dizer: afaste-o da realidade. Sentir-se em casa permite-lhe estar numa condição de ver, perceber e agir não sei se do melhor modo, mas pelo menos experimentando o que está em volta e com possibilidade de pensar e não fugir. E vai indo atendendo ao chamado. O que é esse chamado? Penso que assim como temos em nós algo que vai articulando os instrumentos necessários à comunicação, algo articula em nós conforme o ritmo circulante entre a mãe e seu bebê, conforme as cargas hereditárias e ancestrais e algumas outras conformações, o chamado à realização do ser de cada um realizado pelo fazer mais com ele encaixado. E assim vai esse ser atendendo ao chamado já nele marcado por um lado, e a um outro: o da Eterna-Mulher, que Goethe expressou dramaticamente: O Eterno-Feminino nos atrai para si. Ele que definiu para Eckerman o gênio como a terceira puberdade. Entendo isso como: se se tem a condição do vidente, percebe-se essa mulher presente chamando, chamando, e o que estava nesse homem que é chamado, apagado, recolhido, volta a ganhar vida, reintegra-se a ele e o faz sentir-se na posse do que é erótico. E buscando a posse dos tesouros que a mulher guarda dentro de si: a sabedoria e algo mais. Penso aqui em Winnicott falando de orgasmo de ego e do id. O orgasmo do ego é experimentado em atividades culturais: o prazer de uma leitura, de em concerto, enfim, de se deixar fluir.

Vou falar de minha visão: o orgasmo do ego seria vivido como uma expansão e daí seu prazer básico, enquanto o orgasmo do id teria reunido em si e daí ser a fonte máxima de prazer: expansão e descarga, às duas experiências acrescentando-se a do poder. A mulher passa, assim, a ser a grande acionadora, o grande motor. Para ela o homem dirige-se na busca do grande tesouro: não apenas as chaves secretas da sabedoria, mas a da fonte do prazer. Ela, que propicia o maior dos prazeres, o que integra Ego e Id, o que revitaliza todos os fluxos eróticos, tem que ser conquistada, possuída. O homem não estará mais sujeito a prazeres que vem e vão, ele será o dono, terá a posse da fonte da vida, o prazer eterno.

Encerro com Machado de Assis, em Brás Cubas: “Grande lascivo, espera-te a voluptuosidade do nada” diz Pandora, mãe e inimiga, ao grande buscador, acenando-lhe com algo que não mais vai passar: a paz. Mas deixar o prazer? Não, ele teima em retornar: “Vamos lá, Pandora, abre o ventre, e digere-me; a coisa é divertida, mas digere-me”. Brás Cubas busca ver “e fixei os olhos” e vê, o fluir das paixões, e as turbulências, e os conflitos, mas não basta ver e conhecer. Ele quer voltar, penetrar o mais íntimo da mãe, ser digerido. Nessa maior das intimidades talvez espere retornar com a posse do que torna a mulher o grande Mistério e o grande Apelo.

Os grandes tesouros estão no seio da Mãe Terra, e ter essa posse é o grande sonho, a fonte dos märchen, das lendas, dos anseios de milhares e milhares de expedições. É um tesouro se apossar daquele ser tão desejado – não mais submeter-se a uma errante busca, carregada de medos e ameaças de não ser recebido e ficar um pobre vagante errante-não, ele irá se apossar da fonte do prazer que agora seu, será sem fim.

 

 

Endereço para correspondência
Henrique Honigsztejn
(Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro SBPRJ)
Rua Tonelero, 265/304 – Copacabana
22030-000 Rio de Janeiro, RJ

Recebido em: 29.1.2009
Aceito em: 5.2.2009

 

 

1 Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro SBPRJ.

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