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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál v.43 n.1 São Paulo mar. 2009

 

Editorial

 

Linguagem ambiente linguístico

 

 

Leopold Nosek

 

 

Marcel Proust, em seu pequeno e maravilhoso texto “Sobre a Leitura”, cogita que os livros são o que de melhor o autor poderia nos dar. Podem nos propiciar um tipo particular de amizade e por que não de amor? O que o autor nos dá poderíamos chamar de “Conclusões” e o que recebemos como leitores poderia ser denominado “Incitações”. Diz Proust: “Sentimos muito bem que nossa sabedoria começa onde a do autor termina, e gostaríamos que ele nos desse respostas, quando tudo o que ele pode fazer é dar-nos desejos. Esses desejos, ele não pode despertar em nós senão fazendo-nos contemplar a beleza suprema à qual o último esforço de sua arte lhe permitiu chegar. Mas por uma lei singular e, aliás, providencial da ótica dos espíritos (lei que talvez signifique que não podemos receber a verdade de ninguém e que devemos criá-la nós mesmos), o que é o fim de sua sabedoria não nos aparece senão como o começo da nossa, de sorte que é no momento em que nos disseram tudo o que podiam nos dizer que fazem nascer em nós o sentimento de que ainda nada nos disseram. Aliás, se lhes fizermos perguntas, às quais não podem responder, também pedimos-lhe respostas que não nos instruirão em nada.”

Após uma citação com essa força é um problema continuar escrevendo, mas precisamos prosseguir: não é o mesmo que sentimos ao prosseguir escrevendo após Freud? Mas não temos alternativa, temos que desenrolar nossa própria sabedoria. N ossa humilde arte segue nas páginas desse número da RBP e se não temos o saber e o talento dos mestres, temos em nossos textos a generosidade de nos ofertar no que de melhor pudermos alcançar. Seguros de que nosso papel não é o de ensinar, contamos com a generosidade dos leitores que ao se debruçarem sobre os resultados de nossos esforços se deixem ferir em sua intimidade e por sobre as cicatrizes resultantes possam produzir um passo além na construção de seu patrimônio teórico e, de seu expediente diante do fazer psicanalítico. Esperamos que os leitores possam sentir um pouco da amizade com que a equipe da RBP se dedica à construção de cada número, e que possamos além do respeito pelos textos cultivar um amor que as ofertas dos leitores e dos autores podem potencialmente nos propiciar. Livros e revistas são para serem levados no colo, apertados em nossa intimidade, esse é o desafio que uma publicação se propõe: ser amada. Bastante difícil e improvável, mas qual a alternativa?

Pretendemos, nestas páginas iniciar uma reflexão acerca do ambiente de pensamento que uma determinada língua possibilita. É diferente uma psicanálise pensada em inglês ou em francês ou ainda em alemão? Praticamos nossa arte em português, quais as consequências? Quais facilitações e quais impedimentos uma organização de linguagem particular apresentam? Além do histórico, das peculiaridades de nossa sociedade, não haverá também uma cultura plasmada na linguagem? Boris Schnaiderman nos lança um desafio; a língua portuguesa é muito apropriada para a manifestação de sentimentos, mas não é assim tão boa para a organização de uma reflexão. É um ponto de vista respeitável vindo de um intelectual tão preparado e experiente no trato de diferentes línguas.

Haverão outras possibilidades?

Esperamos que a RBP tenha iniciado um debate, que o resultado final deste número possa ser o início de uma reflexão acerca dos fatores que nos passam desapercebidos no decurso de uma análise. Percebemos o que nos conflita ou o que faz contraste contra um fundo.

 

L. N.
SP, abril de 2009

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