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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál v.43 n.1 São Paulo mar. 2009

 

TEMÁTICOS

 

A psicanálise pode ser em português?

 

El psicoanálisis puede ser en portugués?

 

Can psychoanalysis be conducted in portuguese?

 

 

Cláudio Laks Eizirik,1 Porto Alegre

Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

O autor reflete sobre as peculiaridades da prática analítica numa cultura particular, a brasileira. Lançando mão de ilustrações clínicas e de situações que vivenciou em seu convívio com distintas culturas analíticas, conclui que a verdadeira linguagem que – ao mesmo tempo une e desafia todos os analistas – é a do inconsciente.

Palavras-chave: Psicanálise brasileira; Culturas analíticas; O analista e as cidades.


Resumen

El autor hace una reflexión sobre las peculiaridades de la práctica analítica en una cultura particular, la brasileña. Utilizando ilustraciones clínicas y situaciones que pasó en su convivencia con distintas culturas analíticas, concluye que el verdadero lenguaje que al mismo tiempo une y desafia a todos los analistas es el del inconsciente.

Palabras clave: Psicoanálisis brasileño; Culturas analíticas; El analista y las ciudades.


Abstract

The author considers the peculiarities of the analytical practice within a specific culture, Brazilian. Using clinical examples and situations that he experienced while living with different analytical cultures, he concludes that the true language that unites and challenges all the analysts at the same is that of the unconscious.

Keywords: Brazilian psychoanalysis; Analytical cultures; The analyst and the cities.


 

 

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…

Amote assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Olavo Bilac (1865-1918)

Minha pátria é a língua portuguesa.
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego.

Uma paciente que vivera muitos anos no exterior, e que se analisara em três diferentes países, e em outras duas línguas, por períodos longos de tempo, estava num momento em que se examinavam alguns aspectos de sua relação transferencial, e de como a interrupção da análise por uma semana em que eu não pudera atender provocara uma intensa reação que se expressava por sonhos de abandono, e incremento de atuações potencialmente autodestrutivas. Isto naturalmente correspondia a uma encenação de uma vivência infantil de suposto descuido, mas a paciente declarou-se surpreendida por estar vivendo com tal intensidade uma situação que em geral lhe parecia banal ou que já experimentara tantas vezes no passado. Recordou algumas interpretações transferenciais que recebera em situações similares e que a deixaram indiferente ou às quais reagira com sua habitual ironia debochada. Desta vez, contudo, algo novo estava ocorrendo.

Procurei examinar o que poderia ser, até que ouvi esta curiosa hipótese: acho que é porque esta análise é em português. Indo por essa linha, foi possível entender que a atual experiência analítica permitia à paciente um certo sentimento de familiaridade, não só com a língua que praticávamos, mas com inflexões, expressões, associações, talvez certa forma de falar peculiar à região em que ambos havíamos crescido e nos tornado adultos. Se, por um lado, não se pode negligenciar o fato de que esta paciente estava fazendo um amplo movimento de resgate de seu passado e de procurar reencontrar seus elos de ligação perdidos ao longo de décadas, por outro não deixa de ser significativa sua ênfase no veículo por meio do qual estava empreendendo essa busca, nossa pátria comum, a língua portuguesa.

Este fragmento de um material clínico recente me veio à mente quando recebi a surpreendente tarefa da nossa RBP de refletir sobre como é ou pode ser praticada a psicanálise em português. Digo surpreendente porque é uma questão que nunca me havia colocado, pelo prosaico fato de que, apesar de tantas leituras em outras línguas (por exemplo, quase toda a formação analítica ter sido feita em textos escritos em espanhol) ou pelo fato de exercer cargos associativos que obrigam a manejar outros idiomas de forma regular, praticamente toda a minha experiência clínica ser neste “rude e doloroso idioma”, que eu em geral considero mais frequentemente “tuba de alto clangor, lira singela”.

Embora se possa alegar um óbvio conflito de interesse, pelo fato de praticar esse mesmo idioma, tal é a posição também de Rubem Fonseca, num recente livro de memórias: “Mas ler, agora, começava a lhe proporcionar uma incipiente compreensão das coisas e de si mesmo, lhe dava um prazer diferente, pois lia os autores que escreviam sobre o seu país, originalmente na sua língua, que em riqueza e beleza não perde para nenhuma outra”(Fonseca, 2007).

Assim, vou abordar esta questão começando com uma hipótese possivelmente impopular e talvez errada, mas que procurarei justificar com alguns dados, e depois relatar algumas situações em que a presença (ou ausência) da língua materna teve uma significativa relevância.

 

Quantos idiomas pode manejar um analista?

Certamente esta é uma pergunta algo ingênua, pois cada pessoa manejará tantos idiomas quantos lhe seja possível, e no mundo contemporâneo este é um critério de sucesso. Contudo, inicio por dois episódios ilustrativos.

O primeiro é uma história judaica, sobre uma jovem pobre que havia se casado com um ricaço e se tornara aristocrata em suas maneiras e em sua vida opulenta. Engravidou e estava chegando a hora do parto, ao que o médico judeu da cidade foi chamado e ficou esperando numa sala ao lado, fumando seu cigarro calmamente, enquanto a parturiente gemia e soltava exclamações de angústia, cada uma num dos diversos idiomas que compunham sua atual condição social: “Oh, my GOD!” ou “Mon Dieu!” O marido, ansioso, instava o médico a se mover, mas ele permanecia fumando calmamente, enquanto a jovem voltava a gritar “Mein Gott!” Alguns momentos depois, contudo, quando ela gritou: “Mamale, guevalt!” (mãezinha, socorro! em iídiche), o médico ergue-se rapidamente e corre para o quarto, dizendo: “Agora, sim, é a hora do parto”.

A outra história ocorreu durante um encontro, há muitos anos, em que um dos nossos mais ilustres autores, um reconhecido poliglota, contava episódios de sua vida e de suas experiências em diversos países e culturas, e de como manejava os distintos idiomas, até que uma criança presente, já possivelmente contaminada pela peste analítica, perguntoulhe em que língua sonhava. O visitante parou, pensou e respondeu que sempre em alemão. Sua língua materna.

Estas duas singelas situações ilustram que há algo irredutível que nos remete à situação descrita por Bilac sobre as palavras com que cada mãe chama seu filho.

Minha hipótese, em suma, é de que, embora cada analista percorra várias cidades ou que seja por elas percorrido, há, em última instância, uma única rua ou cidade ou idioma, em que pode de fato desenvolver o máximo de sua capacidade analítica. Em trabalho anterior sugeri que, como qualquer pessoa, o analista habita e é habitado por várias cidades: aquela em que nasceu, aquelas em que viveu, aquelas que visitou ou deseja visitar, aquelas com que sonha ou que imagina, mas seu particular ofício oferece-lhe também distintas geografias que deve palmilhar a cada dia: as cidades que habitam seus pacientes ou com que sonham ou que desejam habitar, e nesses percursos compartilhados muitas vezes os papéis de Virgílio e Dante se alternam, nessas descidas aos infernos do mundo interno ou no trajeto do purgatório, com raros vislumbres de paraísos possíveis. N ão por acaso o barqueiro diz: “per me si va nella cità dolente”.

Mas além desses percursos há outras cidades na mente e na memória do analista, cidades irrecusáveis como Viena, onde tudo começou ou outros caminhos freudianos: Roma, Trieste, Berlim, Londres, Paris, Atenas, Veneza, Hamburgo…

Viajante infatigável, Freud estabeleceu com esse hábito um paradigma para seus seguidores que, aliado às vicissitudes históricas e políticas, torna os analistas pessoas que gostam ou precisam deslocar-se, migrar, mudar de ares, buscar novas paisagens ou novos cenários para seus intermináveis congressos, reuniões, férias… Ao mesmo tempo, há uma condição de estrangereidade em muitos analistas, a começar por Freud. Conforme Ricci (2005), em seu belo livro As cidades de Freud, considerar-se estrangeiro para o verdadeiro viajante ainda é pouco. E provir do exílio não basta para empreender grandes viagens: somos exilados desde que nascemos, nômades nos tornamos assim que nos damos conta de que a geografia é sempre diferente do que parece. O itinerário começa quando se percebe que somos nós mesmos os mais distantes. Quando, como no caso de Freud, nos aventuramos naquela terra estrangeira que é o inconsciente, o prosseguimento da aventura exigirá uma capacidade de pensar bem diversa e uma pulsão bem outra. As cidades – visitá-las, explorá-las, conhecê-las, habitá-las – nada mais são do que os nós de um fio sutil com o qual tentamos tecer o destino e arriscar.

Essa questão destacada por Ricci, a inevitável condição de estrangeiro face aos mistérios e às possibilidades inesgotáveis do contato com o inconsciente torna, cada um de nós um viajante incansável como Freud, pois apesar da imensa bibliografia de mais de cem anos que lemos e relemos, nesse ofício não há manuais nem guias de viagem nem dicas privilegiadas, recursos tão usados ao se empreender uma viagem a um local ainda desconhecido (Eizirik, 2008).

Retomando o argumento que proponho, reconheço que ele pode ser reducionista ou não levar em conta a complexidade e a multiplicidade de possibilidades que o nosso mundo oferece, mas se baseia em algumas constatações, como a da situação clínica que descrevi há pouco. N ão descarto a óbvia possibilidade de que um analista poliglota possa analisar em mais de uma língua, mas penso que cada uma dessas análises talvez perca algo à medida que não ocorre em sua língua materna. Um argumento contrário ao que estou propondo é o de que minha experiência analítica é restrita ao idioma português, o que me tiraria a possibilidade de constatar as amplas possibilidades de trabalhar com outras línguas.

Muitas vezes observamos situações em que o uso de outro idioma pode ter uma função defensiva.

Vamos a uma nova situação clínica.

Outro paciente poliglota, de tempos em tempos, passava a falar em italiano na sessão, com distintos possíveis propósitos: seduzir-me com sua ampla cultura linguística, arrastar- me a um diálogo em outro idioma, fazer com que eu não entendesse ou demonstrar sua superioridade. Por razões complexas, contudo, consigo entender esse idioma, o que me permitia seguir sua fala, ao mesmo tempo em que tentava resistir à tentação de engajar-me num diálogo na bela língua peninsular, para provar-lhe que podia competir, narcisicamente, com seus dotes, mas consegui manter-me em silêncio, resistindo ao seu desafio, embora não tenha podido evitar a última palavra: la seduta e finita.

Outro paciente, com uma extraordinária dificuldade de expressar suas emoções, após ser reiteradamente interpretado sobre isto, conseguiu arrancar esta frase de si mesmo: non posso vivere senza te! Ou seja, tentava expressar sua necessidade ou dependência do analista, mas para fazê-lo precisava vestir essa expressão afetiva com uma roupagem que de fato tirava o impacto “do arrolo da saudade e da ternura”. Da mesma forma, penso que no exemplo anterior também deixei-me arrastar para uma troca de frases em que, de forma análoga, minha resposta era igualmente defensiva. Num campo analítico minado por sucessivas atuações do paciente e por uma psicopatologia de difícil acesso, na qual os limites do método analítico ficam claramente expostos, a saída para uma excursão por outros idiomas oferece um momento de fuga do “gênio sem ventura e amor sem brilho”.

 

Por que esta questão?

Dito isto, o que tem a ver com o português como veículo da análise ou língua em que se podem desenvolver e manejar conceitos analíticos?

A própria formulação da questão é passível de um questionamento. Por que nos perguntaríamos isto? Algum analista britânico ou francês ou alemão ou norte-americano ou argentino teria essa questão a formular? Possivelmente não, porque a autoestima de cada um desses grupos é suficientemente alta para dar-lhes a tranquila convicção de que podem pensar e praticar psicanálise em seus idiomas. Começamos, então, com um problema local, que consiste no ainda remanescente complexo de vira-latas, de que falava N elson Rodrigues antes da Copa de 1958. Poder-se-ia argumentar que há uma consistente produção científica psicanalítica em cada um desses países, o que não é necessariamente o caso do Brasil. Será este o caso, atualmente? Penso que não, e que temos não só uma abundante produção local em termos psicanalíticos, como estamos presentes no cenário internacional, em congressos ou publicações e traduções, como em nenhum momento antes estivemos. De qualquer forma, apesar de se observar uma mudança no eixo de produção e publicação nos últimos anos, ainda há uma luta dos centros menos hegemônicos, como, além de nós, Itália e Alemanha, por exemplo, para ocupar de fato o espaço que sua produção justifica.

Recentemente estive na China, para o início formal da formação analítica em Beijing, o que me permitiu inúmeros contatos com os novos candidatos, todos psiquiatras ou psicólogos com ampla experiência clínica. Tendo lido ou ouvido de vários colegas de distintos países reservas quanto à real capacidade dos chineses – devido à sua formação cultural e à história recente de restrições à liberdade de pensamento – de poderem desenvolver um pensamento analítico, decidi questionar os colegas chineses sobre isto. Sua reação foi um misto de perplexidade e indignação, pois não entendem que diferença pode existir entre o que estudam e praticam e o que ocorre em outros países. De fato, tanto nos seminários quanto na discussão de material clínico, não se percebe qualquer diferença com o que se observa em outras regiões.

Assim, penso que a ampla experiência clínica que temos acumulado ao longo de décadas, bem como a sucessão de livros e trabalhos psicanalíticos escritos em português, nos confere o estatuto de uma das pátrias da psicanálise.

Refletindo agora mais precisamente sobre como é ou talvez seja analisar no português brasileiro, o que me chama a atenção é uma forma coloquial, conversada, algo espontânea, povoada de interjeições ou expressões da linguagem corrente, que possivelmente confira às nossas análises um tom menos solene do que talvez possa ocorrer em outras latitudes, mais setentrionais. Observo algumas diferenças, por exemplo, quando leio ou supervisiono material analítico de nossa e de outras realidades clínicas. Parece que nossas interpretações são veiculadas ao longo do diálogo com o paciente ou que surgem sob a forma de perguntas ou assinalamentos ou descrições do que o analista está percebendo no curso da sessão.

Em algumas discussões sobre material clínico com colegas europeus, no marco dos grupos de trabalho organizados pela Federação Européia, percebi que algumas vezes a forma de interpretar – ou mesmo de algumas atitudes tomadas por analistas brasileiros – parecem excessivamente espontâneas ou naturais, em comparação com maneiras mais contidas ou formais que parecem ser as adotadas naquelas latitudes. É possível, e bastante provável, que estejamos face a uma questão relacionada a distintas culturas, cujas marcas identificatórias irão colorir as formas de relacionamento, inclusive dentro do campo analítico.

Num trabalho anterior (Eizirik, 2007), ao procurar expor minha forma de entender a ação terapêutica da psicanálise, lançando mão principalmente das contribuições de Freud, Klein, Faimberg e dos Baranger, mencionei algo relacionado ao controvertido tema da neutralidade analítica, um conceito que já há algum tempo desperta meu interesse. Ao tentar propor uma revisão desse conceito (Eizirik, 1993), um dos aspectos que me pareceu importante foi o de que o analista não deveria deixar de lado a naturalidade e a espontaneidade, mesmo mantendo uma certa distância possível em relação ao paciente, e respeitando a inevitável assimetria que existe no campo analítico.

Penso, por fim, que estas considerações se destinam a caracterizar a psicanálise que se pratica no português brasileiro como uma das estradas reais para o inconsciente, ao mesmo tempo em que procuram identificar o que talvez sejam algumas de nossas características. Ou talvez sejam apenas algumas características do autor deste trabalho, que com alguma frequência se recorda destas palavras lidas no prólogo para O informe de Brodie; “Durante muitos anos acreditei que poderia compor uma boa página mediante variações e novidades; agora, cumpridos os setenta, creio ter encontrado minha voz… Cada linguagem é uma tradição, cada palavra um símbolo compartilhado; é inútil o que um inovador possa alterar… A já avançada idade me ensinou a resignação de ser Borges” (Borges, 1970, p. 10).

Mais do que resignação, enfim, talvez precisemos reconhecer a nossa voz e buscar identificar mais aspectos que compõem essa peculiar experiência de ser psicanalistas no português brasileiro, talvez nem esplendor nem sepultura, mas apenas uma das vias pelas quais procuramos um certo idioma comum, o mais difícil de escutar.

 

O idioma cuja escuta nos desafia

A dificuldade de escutar às vezes assume proporções ditadas por barreiras aparentemente intransponíveis. Entre outras estimulantes experiências proporcionadas por uma peregrinação pelo mundo psicanalítico internacional, gostaria de ilustrar este fato com a situação de ter realizado supervisão coletiva com dois grupos distintos de analistas, há alguns anos, na Croácia, como parte da escola de verão do Instituto Psicanalítico do Leste Europeu. N o primeiro grupo, todos os participantes só falavam russo, e uma tradutora intermediava suas comunicações e as minhas, em inglês. Muitas vezes, ela não entendia claramente o que eles ou eu estávamos querendo dizer, e precisava esclarecer ponto a ponto. Era um caso em avaliação para análise, com um quadro psiquiátrico complexo, uso de medicação e duvidosa indicação. N um primeiro momento parecia que nada sairia de produtivo daquela sala, porque eu não conseguia distinguir, pela expressão dos demais colegas, qualquer coisa do que estavam dizendo – não era só a língua, mas uma forma de expressão facial que me parecia incompreensível. Apenas com a tradução algo se esclarecia. N um dado momento entendi uma palavra em russo, pois era a mesma que meu avô, imigrante russo, usava em certas ocasiões, e isso se repetiu algumas vezes. Algum tipo de sintonia se estabeleceu, fazendo-me pensar inevitavelmente no estranho, descrito por Freud, o desconhecido que um dia foi familiar, depois reprimido e por fim perseguidor. De fato, algo se conseguiu trabalhar e produzir naquele improvável grupo, porque o que era comum era a busca de compreensão do inconsciente. O outro grupo, comparativamente, parecia mais fácil, pois todos falavam inglês, e o caso relatado, uma análise standard de boa qualidade realizada em Zagreb, poderia ocorrer em qualquer cidade do mundo. Mas o que havia em comum entre os dois grupos de colegas era o debruçar-se à procura dessa misteriosa linguagem, esse russo familiar-desconhecido-infantil-adulto-antigo-atual que é o que nos permite momentos de congraçamento em qualquer encontro analítico.

Deste modo, compartilhamos com analistas de todas as latitudes essa condição de estrangeiros, esse percorrer infindável por ruas, cidades e países, essa busca por significados, essa tentativa de entender esse misterioso outro com o qual nos reunimos ao longo de horas, dias, meses e anos. N essa busca, esteja o analista sentado numa cidade brasileira, chinesa, alemã, argentina, francesa, norte-americana ou, enfim, qualquer cidade visível ou invisível, ele terá necessariamente que buscar a maior familiaridade possível com as misteriosas expressões desse fascinante idioma que, a despeito da Babel de línguas que caracteriza o movimento psicanalítico, é o que afinal nos une: o inconsciente.

 

Referências

Borges, J. L. (1970). El informe de Brodie. Buenos Aires: Emecé.        [ Links ]

Eizirik, C. L. (1993). Entre a escuta e a interpretação: um estudo evolutivo da neutralidade analítica. Revista de Psicanálise da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, 1(1): 19-42.

_____ (2007). On the therapeutic action of psychoanalysis. The Psychoanalytic Quarterly, vol. LXXVI, p. 1463-1478.

_____ (2008). As cidades no analista. Trabalho apresentado na Sociedade Brasileira Psicanalítica de São Paulo em 12.4.2008.

Fonseca, R. (2007). O romance morreu. São Paulo: Companhia das Letras.

Ricci, G. (2005). As cidades de Freud. Rio de Janeiro: Zahar.

 

 

Endereço para correspondência
Cláudio Laks Eizirik, Porto Alegre [Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre SPPA]
Rua Marquês do Pombal, 783/307
90540-001 Porto Alegre, RS
Tel: 51 3224-4364
E-mail: ceizirik.ez@terra.com.br

Recebido em 12.1.2009
Aceito em 11.3.2009

 

 

1 Membro efetivo da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre SPPA.

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