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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.43 no.1 São Paulo Mar. 2009

 

TEMÁTICOS

 

Em busca de um idioma comum1

 

En busca de un idioma en común

 

In search of a common language

 

 

Monica Maria Martins Aguiar,2 Rio de Janeiro

Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

A autora considera que a condição do indivíduo dialogar com o outro tem suas origens na experiência primordial de falar através de alguém que aceite eclipsar sua própria subjetividade (e eventualmente a linguagem própria). Assim, o aparecimento da verdadeira subjetividade alheia é favorecido. A linguagem utilizada pelo analista na análise, com suas características e inflexões, portanto, pode ser a do analisando. Apresenta-se o caso clínico de uma adolescente estrangeira, cujo idioma inglês foi adotado pela analista com todas as suas peculiaridades. Um filme longa metragem de animação é utilizado como paralelo ilustrativo da história da paciente.

Palavras-chave: Diálogo; Linguagem; Idioma; Subjetividade; Objeto subjetivo.


Resumen

La autora considera que la condición para que el individuo dialogue con el otro tiene sus orígenes en la experiencia primordial de hablar a través de alguien que acepte eclipsar su propia personalidad (y eventualmente el propio lenguaje). Así, el aparecimiento da la verdadera subjetividad lejana es favorecida. El lenguaje utilizado por el analista en el análisis, con sus características e inflexiones, por supuesto, puede ser el del paciente. Un caso clínico es presentado, de una adolescente extranjera, cuyo idioma ingles fue adoptado por el analista con todas sus peculiaridades. Una película de animación es utilizada como paralelo ilustrativo de la historia de la paciente.

Palabras clave: Diálogo; Lenguaje; Idioma; Subjetividad; Objeto subjetivo.


Abstract

The author considers that the individuals ability to dialogue with another person, has its origins in the experience of first speaking through someone, who accepts to obscure their own subjectivity (and eventually their own language). This will favor the development of the individual’s true subjectivity. The language used in the analysis, with its characteristics and inflections may therefore be that of the patient. A clinical case is presented, of a foreign adolescent whose English language was adopted by the analyst with all of its peculiarities. An animated feature film is used as a parallel illustration of the patient’s story.

Keywords: Dialogue; Language; Idiom; Subjectivity; Subjective object.


 

 

She kissed him on the forehead and he realized that although they didn’t share a body any more, they still had the same thoughts and the same feelings. He shuddered with relief and stared at the curtains, watching the light flow. (E. St Aubyn)

Ela o beijou na testa e ele se deu conta de que embora não compartilhassem mais um corpo, ainda tinham os mesmos pensamentos e os mesmos sentimentos. Ele se arrepiou aliviado e fitou as cortinas, observando o fluir da luz.3 (E. St Aubyn)

 

Apesar da definição de diálogo comumente encontrada nos dicionários fazer referência a uma fala entre duas ou mais pessoas, conversação ou colóquio, pode-se indagar sobre a origem dessa palavra. Como começou o diálogo? A etimologia tem uma tríplice origem no antigo francês dialoge, no latim dialogos e no grego dialogus, relacionado a dialogesthai que significa conversa. Conversa esta que parte do prefixo dia- significando através + legein- que é falar. Esclarece ainda a etimologia, que a crença enganosa de que só possa significar uma conversa entre duas pessoas parte da confusão entre os prefixos dia- e di-, este último sim, referindo-se a dois.

Poderia um diálogo psicanalítico ser uma fala através de uma pessoa com outra que ainda não chegou? O bebê fala por meio da língua de sua mãe que, por sua vez, fala a voz do bebê. Um lugar (o materno) que é muito mais de intérprete do que de interlocutor. É bem familiar o tom agudo, mais próximo à entonação do bebê, com o qual instintivamente as mães e pessoas em geral se dirigem às crianças. Como se falassem por ele ou como se ele falasse através delas.

Curiosamente, como prefixo verbal, dia- também significa divisão e separação, enquanto o verbo legein, entre outros, traduz escolher cuidadosamente. Do mesmo modo, um bebê vai selecionando, dividindo e separando o que é ele e o que não é, assumindo o que lhe serve e ignorando ou odiando de acordo com sua etapa evolutiva do processo, o que não é. Tudo isto se dá em meio aos cuidados maternos facilitadores que incluem uma certa eclipse da subjetividade materna, abrindo assim espaço para que possa emergir, aos poucos, a subjetividade autêntica do bebê.

Se nesse contexto etimologicamente primitivo do diálogo houver uma falha real por parte do ambiente facilitador, o processo será detido e ficará aguardando nova oportunidade e condições para retomar o que foi interrompido. N os casos em que o ambiente não se corrige a tempo, e nem suficientemente para que haja superação do trauma original, poderá ocorrer uma distorção da estrutura em desenvolvimento, que, apesar de atingir integração, poderá conter anomalias. Assim sendo, uma tendência antissocial, que muitas vezes se revela, exprime uma privação, além de uma tentativa do indivíduo acomodar e encobrir sua deficiência. Esperançosa de uma possibilidade de voltar à época anterior à privação traumática e poder restabelecer a relação com o bom objeto, a criança, por meio de atuações no mundo externo, provoca o ambiente e invoca sua atenção, demandando reconhecimento e compensação.

Winnicott (1963) fala, em “Psicoterapia dos distúrbios de caráter”, de “… uma falha real de apoio ao ego que deteve o desenvolvimento emocional do indivíduo. Uma reação nesse indivíduo a esse distúrbio tomou o lugar do desenvolvimento, simplesmente” (p. 187).

Assistindo ao filme, A família do futuro, observa-se uma bela cena:

Na penumbra das lâmpadas de rua de uma noite escura, um bebê é deixado à porta de um orfanato onde a responsável o acolhe. É um menino, Lewis, dotado de especial inteligência. Aos 12 anos, empenha-se tanto para inventar engenhocas quanto para, inconscientemente, testar ou até mesmo afugentar pais adotivos prospectivos. Depois de inúmeras entrevistas para adoção mal-sucedidas, revela à encarregada do orfanato a raiz de seu problema.

Diz que não tem futuro, que ninguém o quer, que a própria mãe o rejeitou. Mildred, a sensível funcionária encarregada de cuidar de Lewis, retruca que não, que sua mãe possivelmente pensou no que era melhor para ele, que talvez apenas não pudesse ter cuidado dele. O menino fica surpreso e diz que jamais havia pensado dessa forma. Mildred ainda coloca que talvez sua mãe quisesse ficar com ele, mas não tivesse escolha. Lewis começa a elaborar o pensamento da encarregada, concluindo que sua mãe verdadeira era a única pessoa que, de fato, o havia desejado algum dia. E que se o havia desejado uma vez, haveria de desejá-lo novamente.

Já temerosa de uma possível atuação de Lewis, Mildred protesta, explicando que ninguém sabe nada sobre sua mãe. O menino responde que ele sabe, que a viu uma única vez. E apontando para sua cabeça, explica que está ali dentro, que só precisa se lembrar dela.

Esta cena no início desse longa-metragem de animação, aponta o caminho na direção da recuperação do bom objeto interno, aquele que existia antes que o trauma inviabilizasse o seu uso, em maior ou menor grau, para os fins de desenvolvimento da personalidade. No entanto, para chegar a este momento, do ponto de vista de Mildred, foram necessários 12 longos anos pacientes e repletos de atuações de Lewis, que conseguiu afastar 124 casais de pais adotivos.

Enquanto o longa metragem de animação se desenvolve mostrando um Lewis empenhado em construir uma máquina capaz de recuperar memórias, a música fala do tempo que é preciso para se ter uma nova chance, ainda que pareça tolice. O tempo indispensável para se estabelecer uma relação de confiabilidade em que novos riscos possam ser assumidos.

Assim como o objeto precisa ser criado pelo bebê dentro de uma experiência de onipotência favorecida pelo ambiente facilitador, Lewis inventa o seu scanner de memória e parte para reinventar o objeto perdido se reinventando no processo. E como os caminhos elaborativos são cheios de percalços, muitas vezes é preciso andar para trás, no sentido de adoecer para poder convalescer. Ou então fugir para frente e se assegurar de algum ganho da personalidade para depois poder voltar ao ponto onde existiu a falha.

Lewis torna a decepcionar a si e aos outros, quando o scanner de memórias falha na feira de ciências, reeditando o trauma original de ser rejeitado. Com a ajuda de um rapaz, seu alterego, que possui uma máquina de andar no tempo que poderia suprir a falta de seu scanner, primeiro desiste de lembrar, afirmando que vai para a cama, deitar sob os cobertores até ficar velho, para depois correr para um futuro onde se encontra como homem adulto, empresário/inventor bem-sucedido, pai de família. Mas permanecer no futuro sonhado seria também uma forma de encobrir a falha e, consequentemente, inviabilizar esse mesmo futuro.

É advertido de que precisa fazer as escolhas certas. Então, de posse da nave do tempo, volta àquela noite sob a penumbra das luminárias e, assistindo à cena em que é deixado na porta do orfanato, desiste finalmente de tentar mudar o passado, aceitando ficar tão somente com a recordação do abraço final e saudoso que precedeu o momento de separação.

Parte então para consertar e acertar a máquina de recuperar lembranças na feira de ciências, encantando um casal de professores que o adota e finalmente encontrando o seu lugar.

Assim como Lewis, a paciente, Yvonne, foi adotada tardiamente, aos 10 anos de idade. Havia passado os primeiros anos de sua vida entrando e saindo de orfanatos e de uma instituição de crianças maiores na Europa. Havia sido frequentemente resgatada por sua mãe biológica que, não obstante, não conseguia mantê-la consigo, devido a crises de alcoolismo em que repetidamente perdia a guarda da criança.

Diferentemente de Lewis, não teve a sorte de encontrar uma Mildred nos seus primeiros anos, alguém que pudesse de alguma forma atenuar a experiência de ter sua linha de vida interrompida, o que também acontecia numa frequência bem diferente da história do pequeno inventor. Alguém que aceitasse ocupar esse espaço amparando sem ser intrusivo, oferecendo sem reivindicar autoria. E, sobretudo, entendendo que tudo que por ora poderia ali existir, seria apenas a promessa de uma semente. O terreno que melhor favorece a semente da subjetividade é justamente aquele que conta com seu potencial inerente. Toda a intersubjetividade futura se calca na diligência daquele que cuida e teima em manter-se tão atento e discreto como um dedicado jardineiro.

Em cada bebê há uma centelha vital, e seu ímpeto para a vida, para o crescimento e o desenvolvimento é uma parcela do próprio bebê, algo que é inato à criança e que é impelido para a frente de um modo que não temos que compreender. Por exemplo, se você acabou de colocar um bulbo na estufa de plantas, sabe perfeitamente que não precisa interferir para que o bulbo se desenvolva e converta num narciso. Você providenciará o tipo exato de terra e conservará a planta regada na dose certa; o resto vem naturalmente, porque o bulbo possui vida em si mesmo. Ora, a assistência às crianças é muito mais complicada do que a assistência a um bulbo de narciso, mas o exemplo serve ao meu objetivo porque, tanto no bulbo quanto na criança, algo está em marcha que não é da sua responsabilidade. (Winnicott, 1982, p. 29)

No entanto, as experiências de Yvonne no orfanato constituíam-se em lembranças de maus-tratos ou de indiferença. E apesar das recordações do vilarejo miserável para onde ia com sua mãe guardarem a marca de momentos de relaxamento dentro de uma aparente simplicidade, esses encontravam-se entremeados de uma certa crueza.

Aos dez anos de idade, foi adotada por um casal de estrangeiros, tendo a mãe adotiva, família radicada no Brasil. Conta Mary, mãe adotiva, que desde o primeiro momento, Yvonne expressava seu sofrimento, tendo crises de agitação sucessivas e violentas, em que tinha que ser fisicamente contida. N ão suportava frustração alguma, sendo frequentemente necessária a mobilização de toda família para contornar a situação.

Em pouco tempo, a mãe adotiva descobriu que a melhor forma de conter Yvonne nos seus acessos de fúria, era envolvê-la com seu próprio corpo, dando um continente físico ao que parece terem sido algumas de suas muitas experiências desintegrativas.

Alternava sua moradia entre um país da América do N orte e a Europa Oriental, por força do trabalho do pai adotivo. Fez tratamento psiquiátrico e submeteu-se a tratamento psicoterápico, o qual foi interrompido com a sua vinda ao Brasil. Como cada um de seus irmãos adotivos haviam passado alternadamente um ano aqui, com a família brasileira, alegou que queria ter a sua chance.

Quando chegou ainda encontrava-se fazendo uso de antidepressivo e falando pouco ou nenhum português.

Na entrevista, revelava-se uma moça de 15 anos de excepcional beleza física, embora a linguagem sugerisse uma origem humilde, sem maiores elaborações intelectuais, e um vocabulário de inglês não condizente com as condições socioculturais de seus pais adotivos. Após um curto período de inibição e desconfiança, começa a falar de sua história de vida até ali. Confidencia detalhes relativos a situações de grande violência, vividas ou imaginadas, antes dos dez anos. O sentimento predominante era de raiva e até mesmo rejeição da família adotiva. Sentia-se sequestrada de sua mãe biológica que afirmava ser a melhor mãe que poderia ter. Sua mãe adotiva não lhe inspirava confiança. Yvonne sentia-se condenada a esperar por uma maturidade considerada suficiente para poder visitar a mãe biológica. Desconfiava da sua falta de condição emocional para lidar com uma experiência tão impactante. N o entanto, o que entendia era que Mary não gostava dela realmente.

Nessa época qualquer tentativa de interpretar suas projeções eram ignoradas, como se nada de útil houvesse sido dito, ou geravam descontinuidades por meio de resfriados, alergias e uma sensação geral de fadiga.

Quando finalmente era possível dizer alguma coisa aproveitável, curiosamente a linguagem utilizada pela analista, involuntariamente, era uma linguagem como a de Yvonne. Era um inglês com uma entonação totalmente estranha a essa língua e à própria analista, que com o passar do tempo foi se assemelhando cada vez mais ao som do português, com suas inflexões. Além disso, o vocabulário era restrito e as concordâncias precárias. Tudo isso Yvonne parecia assimilar bem. E à medida que a paciente aceitava essa nova linguagem como natural, a analista foi sentindo que aquilo também lhe vinha naturalmente. Aliás, uma das questões de sua mãe adotiva, era a de que Yvonne não parasse de estudar inglês, pois Mary sentia que seu domínio do idioma era muito inferior ao esperado. A experiência de mutualidade na transferência através de uma língua peculiar àquela relação analistapaciente, estabelecia uma comunicação com um objeto que poderia ser apenas subjetivo. E apesar do inglês não sofrer progresso, uma outra língua sem diferenças começava a se estabelecer.

Como não foi possível conseguir uma vaga no colégio bilíngue pretendido, ao final de um semestre sem escola, com a família brasileira já exasperada com as muitas atuações de Yvonne que insistentemente burlava as regras bem estabelecidas da casa onde residia, foi encerrada a permanência inicial de um ano. Yvonne se despediu, para voltar a ficar com sua mãe adotiva, quem sabe indefinidamente ou por mais um semestre até o início do ano letivo seguinte e a possibilidade de uma vaga na escola escolhida.

Desta maneira, era reeditada uma nova versão da história de Yvonne, suas entradas e saídas institucionais, suas chegadas e partidas do colo materno. N uma segunda etapa, ficou mais dois anos no Brasil, para estudar e se tratar. Iniciou um relacionamento com um rapaz que durante um longo tempo foi o esteio emocional externo de sua permanência aqui.

Já não falava de sua mãe europeia de modo tão idealizado, começando a achar que “não deveria beber tanto” e que, embora ainda quisesse salvá-la de sua condição, quando teve concretamente a oportunidade de revê-la, achou que não seria bom, preferindo passar as férias com o namorado. N a transferência, continuava podendo ouvir somente o reconhecimento de suas razões, embora a tendência a atuar houvesse amenizado muito. E ainda que saísse com adolescentes da escola, não exibia nenhum comportamento promíscuo nem tendência ao abuso de substâncias, declarando com orgulho que não bebia. Isto caracterizava uma mudança da época que precedeu sua primeira vinda.

Na sua segunda interrupção do tratamento, por ocasião de vir a saber que sua mãe biológica havia falecido, escreveu à sua analista um e-mail. Infelizmente, por motivo de doença, a analista não pôde responder ao seu e-mail e ao cabo de alguns meses Yvonne estava de volta ao Brasil.

Retomou o tratamento, indagando logo à analista porque ela não havia respondido. A analista disse que tinha estado doente, e que por isso não respondera. Uma vez elucidada a questão, Yvonne nunca mais tocou no assunto, ignorando-o como convinha, depois de sua serventia.

Os meses se passaram e, embora sofrendo as pressões relativas agora à sua ensimesmice, suportou o término de seu relacionamento com o namorado recém-ingressado na universidade e resolveu fazer um vestibular com êxito.

Quanto ao inglês, começava a dizer que sua família brasileira achava muito errado estar fazendo análise em inglês, que estava no Brasil onde a língua corrente era o português e que precisava dominá-lo. Embora a afirmativa fosse colocada como mais uma situação de incompreensão do ambiente em relação às suas necessidades, era também a sinalização para alguma mudança na transferência. De modo que o inglês até então corrente entre analista e paciente começou a se entremear ocasionalmente de palavras em português. Após certo tempo, adquiriu um celular e constatou-se que, ao receber uma ligação de colega universitário durante uma sessão, Yvonne já possuía um domínio fluente da língua portuguesa.

Pode-se pensar na história de Lewis esquematicamente como a história de um único trauma que foi resolvido por uma única ida ao passado do momento que imediatamente o antecedeu. N o entanto, infelizmente, esta não é nem a história de Yvonne e nem de grande parcela dos pacientes que sofrem com múltiplas situações que rompem com a continuidade do viver, num período primitivo em que as defesas organizadas ainda não dão conta dos fenômenos.

E como diz Winnicott (1963) em “Psicoterapia dos distúrbios de caráter”, “A tendência antissocial sempre se origina de uma privação e representa o pedido da criança para voltar à época anterior à privação, ao estado de coisas que conseguia quando tudo ia bem.”

O resultado é que o psicanalista necessita de um longo tempo, sem nenhuma garantia, dentro de uma condição em que a subjetividade do paciente ainda está por se firmar. Nesta situação, o analista precisa estar atento à sua condição de objeto subjetivo, para não reeditar a condição traumática do paciente à medida que sua subjetividade for percebida como algo fora da esfera onipotente dele.

O estado de dependência absoluta ou quase absoluta tem a ver com o estado, no começo, do bebê que ainda não separou um NÃO-EU do que é EU, do bebê que ainda não se acha aparelhado para desempenhar esta tarefa. Em outras palavras, o objeto é um objeto subjetivo, não objetivamente percebido. (Winnicott 1969/1994 p. 197)

Portanto, tal como uma mãe que conhece as muitas idades de seu filho e não se assusta com as suas oscilações, confiante que dentro da perspectiva dos seus cuidados o caminho deverá necessariamente ser de integração, o analista poderá falar a língua corrente do momento do paciente e de seus interesses sem prejuízo de uma real intersubjetividade que ainda poderá surgir.

Através da música do filme, Lewis nos esclarece,

Se para mim você se volta,
Eu já sei, sentimento prevalece no final
A vida se faz com essas horas,
Aquelas maravilhas da voz do coração,
Tudo se vai, mas essas horas,
Breves horas brilharão
Tudo que eu errei as águas levam,
Mas eu agora sei que estou no meu lugar.
(R.Thomas, 2007)

 

Referências

Thomas, R. (2007). Tradução brasileira de Little Wonders. Trilha sonora de A Família do Futuro. EUA: Disney.        [ Links ]

St Aubyn, E. (2006). Mother’s Milk. London: Picador.

Winnicott, D.W. (1975). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago.

______ (1982). O bebê como organização em marcha. In: A criança e o mundo. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

______ (1983). Teoria do relacionamento paterno-infantil. In: O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 1960)

______ (1983). Provisão para a criança na saúde e na crise. In: O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 1962)

______ (1983). Psicoterapia dos distúrbios do caráter. In: O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 1963)

______ (1994). A experiência mãe-bebê de mutualidade. In: Explorações psicanalíticas. Porto Alegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 1969)

______ (1999). Alguns aspectos psicológicos da delinquência juvenil. In: Privação e delinquência. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1946)

______ (1999). A tendência anti-social. In: Privação e delinquência. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1956)

 

 

Endereço para correspondência
Monica Maria Martins Aguiar [Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro SBPRJ]
Rua Gago Coutinho, 66, apt. 703
22.221-070 Rio de Janeiro, RJ
Tel: 21 2265-6880 21 9297-1166
E-mail: monaguiar@aol.com

Recebido em 8.12.2008
Aceito em 23.3.2009

 

 

1 Trabalho apresentado em mesa-redonda no XXI Congresso Brasileiro de Psicanálise, em Porto Alegre.
2 Membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro SBPRJ.
3 Tradução da autora.

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