SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.43 issue2José Goldemberg: interview author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.43 no.2 São Paulo June 2009

 

EDITORIAL

 

Herdeiros que somos da obra de Freud, sempre nos movimentaremos em espaço de dupla cidadania. Por um lado nos moveremos no interior de uma herança iluminista; pretenderemos a construção de um conhecimento positivo que nos propicie um maior domínio da natureza. Tenderemos a procurar a luz, a clareza que nos trará a confiança no espírito humano e o orgulho de sermos racionais. Estaremos procurando a companhia de nossos pares produtores de conhecimento, desejando seu reconhecimento apesar de, inevitavelmente, sermos observados com desconfiança. Há, em nossa ciência, sempre algo de incômodo. Ao mesmo tempo disruptiva e fascinante e, por que não dizer, muitas vezes determinando ódios aparentemente incompreensíveis. Qual disciplina de conhecimento produz tão abundante bibliografia contrária? Não vemos isto acontecer com outros modos de conhecimento.

Por outro lado, somos herdeiros de algo novo, resgatamos da esfera da superstição e da magia a disciplina dos sonhos. Sobre este território nos debruçamos e dele surge este peculiar objeto de escrutínio: o inconsciente. Acompanhado de seu cortejo: pulsões, sexualidade, recalque, transferência e tantos outros, seu reino não será da claridade ou da luz. Como dizia Freud a respeito dos sonhos “… eles desaparecem diante das impressões de um novo dia como as estrelas diante da luz do sol”. São inúmeras as configurações técnicas que propõem qualidades negativas para a prática da psicanálise. Freud, em seu livro sobre parapraxias, dizia que o leitor deveria se aproximar de seus escritos munido de atenção flutuante; em outro momento dizia que o leitor se comportaria como o neurótico, e que inevitavelmente se aproximaria do texto com resistência.

Com o surgimento da psicanálise a tradição está posta em questão. Não haverá área do saber que não enfrentará desafios novos com a entrada em cena do desvendamento desse território que é o inconsciente. Assim será com a filosofia, com a epistemologia, com a crítica estética, a pedagogia e tantas outras. Com isto sua presença será inevitável no debate contemporâneo, com o qual buscamos enfrentar os novos tempos. Ao mesmo tempo uma terapia e uma visão do homem não poderão se furtar de intervir em ambos os campos.

Temos inúmeras questões para uma editoria.

Qual direção devemos privilegiar?

Devemos destacar seu caráter científico? Se assim for, com qual ideia de ciência trabalharemos? Como focar a ideia nova acerca do conhecimento que a psicanálise propõe?

Se privilegiarmos a percepção e a realização dos conceitos, qual será o estilo dos nossos escritos?

Eles deverão ter como modelo os escritos de outras ciências ou o modelo da forma ensaio, como são os escritos de Freud?

Teremos lugar para breves reflexões e vinhetas clínicas, como são muitos dos escritos de Ferenczi? Devemos participar das reflexões, das perplexidades e soluções que nossa época nos propõe?

Estas questões tornam-se ainda mais urgentes se, como é o nosso caso, muito teríamos a ganhar com boas classificações das agências oficiais de regulação científica e de agentes patrocinadores que nem sempre compreendem as especificidades de uma publicação psicanalítica. Deveremos nos submeter a esses critérios ou intervir junto a essas agências de modo a nos fazer entender?

Além disso, nossa Revista tem um caráter institucional, pertence à FEBRAPSI e, portanto terá que acolher as reivindicações do seu grupo como um todo. Aqui vale recordar que a Revista foi doada à federação pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP, com a ressalva de manter o direito de apontar seu editor. Constatamos com isto que, apesar de nossos esforços, permanece certo “sotaque” paulista. Com a finalidade de aprimorar seu caráter federado estamos organizando números temáticos com editoria dos colegas editores associados pertencentes a outras sociedades. Esta foi uma resolução aprovada em reunião do último Congresso Brasileiro. Já estão encaminhadas propostas dos colegas Miguel Calmon du Pin e Almeida da SBPRJ e Gley Silva de Pacheco da SBPdePA. Insistimos que outros editores regionais também participem.

Temos ensaiado propostas provisórias que estão no corpo da Revista, mas muito teremos a ganhar com sugestões de nossos leitores, autores e sociedades federadas, pois estes são a razão de ser desta Revista.

 

Leopold Nosek
SP, junho 2009

Creative Commons License