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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.43 no.2 São Paulo June 2009

 

DIÁLOGO

 

José Goldemberg: entrevista*

 

José Goldemberg: entrevista

 

José Goldemberg: interview

 

 

Doutor em Ciências Físicas pela Universidade de São Paulo da qual foi Reitor de 1986 a 1990, Presidente da Companhia Energética de São Paulo (CESP); Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; Secretário de Ciência e Tecnologia; Secretário do Meio Ambiente da Presidência da República; Ministro da Educação do Governo Federal e Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Foi Diretor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo; professor/pesquisador: da Universidade de Paris (França); Princeton (Estados Unidos); High Energy Physics Laboratory da Universidade de Stanford, EUA; Universidade de Toronto, Canadá e ocupante da Cátedra Joaquim Nabuco da Universidade de Stanford (Estados Unidos). É Membro da Academia Brasileira de Ciências e Academia de Ciências do Terceiro Mundo; Co-Presidente do Global Energy Assessment, sediado em Viena. É autor de inúmeros trabalhos técnicos e vários livros sobre Física Nuclear, Meio Ambiente e Energia em geral. Foi selecionado pela Time Magazine como um dos 13 “Heroes of the Environment in the category of Leaders and Visionaries 2007”. Recebeu o prêmio “Blue Planet Prize 2008” concedido pela Asahi Glass Foundation.

RBP: Professor, a onda de calor que vivemos hoje já é resultado do aquecimento global?

GOLDEMBERG: Não sabemos bem. O que ocorre é que atmosfera aqueceu, mais ou menos, 1 grau nos últimos 100 anos. Você pode pensar que isso não é muito, mas é. É como se a temperatura de uma pessoa aumentasse de 1 grau permanentemente. Seria preocupante. A temperatura média da terra é de 15 graus. Na época das glaciações, há oito mil anos, a temperatura média caiu 8 graus. Então, bastou a temperatura média cair 8 graus para que todo o continente europeu e todo o hemisfério norte ficasse coberto de gelo. Ou seja, 1 grau é muito! Há 100 anos a atmosfera vem sendo modificada, aquecida. Quando aquecemos um líquido ou um gás, ele fica um pouco mais dinâmico. É como uma panela que colocamos no fogo com água e, muito antes que ela comece a ferver, vemos um movimento na água. É isto que está ocorrendo com a atmosfera, está se tornando instável.

Não podemos prever onde esta instabilidade ocorrerá: um dia chove demais em Itajaí e dá no que deu recentemente, outra vez há uma seca tremenda lá na Austrália. Essas variações de temperatura podem ser as primeiras consequências do efeito estufa, é possível que sejam, mas não podemos estabelecer com certeza uma relação de causa e efeito.

RBP: O senhor é físico e hoje seus principais temas parecem ser energia e meio ambiente. Como foi esse trajeto?

GOLDEMBERG: Desde criança eu tinha uma necessidade acentuada de tentar entender as coisas em geral. Lá no Rio Grande do Sul, onde nasci, as escolas eram bastante boas e tive, no Colégio Estadual Julio de Castilho, um professor médico que lecionava física. Ele era ótimo professor, chamava a atenção para o fato de que o que precisamos fazer é buscar explicação para as coisas e isto me conquistou inteiramente, me atraiu para a física. O que eu queria saber na época era como a matéria é constituída. Em geral, as pessoas não se dão conta de que o mundo em que vivemos é muito instável. Este tapete deve estar aí há uns 10/15 anos, sofrendo modificações muito lentas, mas ele oculta uma quantidade enorme de energia. Como o que aconteceu quando as pessoas começaram a fazer bombas atômicas. Como é que um pedaço de urânio – que parece um pedaço de chumbo, uma pedra preta – acaba explodindo na forma de uma bomba atômica? Isto se passava na época em que eu estava na escola e fiquei fascinado ao compreender que a estabilidade que existe no mundo é apenas aparente. Dentro das coisas existe uma quantidade enorme de forças que se neutralizam. No núcleo dos átomos tem cargas positivas e em torno deles tem elétrons negativos e se estabilizam. Então, o mundo tem uma quantidade imensa de energia, mas está neutralizada lá dentro. Se você conseguir mexer naquele equilíbrio pode explodir tudo. Fiquei fascinado por tudo isso e resolvi então estudar física.

Vim para São Paulo, mas entrei no curso errado, em química, que não atendia ao que eu procurava. No ano seguinte fiz vestibular de novo e entrei na física para grande desgosto da minha irmã, que achava que eu deveria fazer engenharia para ganhar dinheiro e que física não tinha futuro.

Lá encontrei, de novo, um professor maravilhoso, um estrangeiro, que foi o melhor professor que encontrei na vida. Comparando com vocês, ele era como Freud, tinha capacidade de explicar para as pessoas como são as coisas. Mais tarde ele foi embora, e aí tive decepções com outros professores locais e com colegas. Acho que me fizeram mal no sentido de que me fizeram perder tempo e eu poderia ter sido um profissional melhor do que fui se essas pessoas tivessem sido um pouco diferentes. Assim que me formei já me sentia impaciente e procurei outros ambientes onde, efetivamente, encontrei pessoas melhores e minha carreira foi ganhando um componente internacional forte. Formei-me em 1950 e durante 15 anos da minha vida, de 1950 a 1965, fui um modelo do físico. No exterior fiz trabalhos que foram considerados significativos, recebi convites e, ainda mocinho, fui para o Canadá e depois Estados Unidos.

Nunca me afastei por muito tempo do Brasil, me afastava 1 ou 2 anos e depois voltava. Em 1962 fui para a Universidade de Stanford, onde fiz meus melhores trabalhos como físico nuclear. Fui nomeado professor titular da Universidade de Paris aos 30 anos. Nessa época já era casado, tinha filhos e aí minha esposa ficou muito doente, vindo a falecer. Regressei por volta de 1963, e percebi que eu não queria viver para sempre no exterior. Apesar de já ter feito lá uma carreira como professor permanente, decidi que viveria no Brasil.

RBP: O que o levou a esta decisão?

GOLDEMBERG: Achei que se meus filhos não fossem criados no Brasil, seriam cidadãos de segunda classe e eu não queria isso. É curioso, porque nos Estados Unidos, onde trabalhei muitos anos, nunca tive essa sensação. Quando fui para a França, enquanto meu francês não era muito bom, era um cidadão de segunda classe. Só quando ele ficou bom é que me tornei de primeira classe. Eu achei que ficar lá não seria bom para meus filhos. Por volta de 1965 resolvi ficar definitivamente no Brasil, o que não significou que eu deixasse de viajar.

Era época da repressão, e havia amplas oportunidades para um envolvimento nas lutas sociais. Não que eu fosse um alienado, até que lia bastante sobre política, mas não me tornei um militante envolvido com a política. Trabalhando na USP, aos poucos fui me tornando um chefe de departamento, me envolvi na Sociedade Brasileira de Física e depois na Sociedade Brasileira do Progresso da Ciência.

Em 1970 me tornei diretor do Instituto de Física, que era um grande instituto, incluindo, naquela altura, toda a física da universidade, inclusive a da Escola Politécnica. Fui indicado pelo prof. Miguel Reale, que era reitor da universidade em 1970, isso apesar de eu não ter nenhuma simpatia pelo governo militar, ser considerado mais esquerdista do que era na verdade, ser um judeu.

Fiz concurso para a Politécnica de novo, e aí surge um problema que provavelmente mereceria uma sessão de psicanálise: havia duas cátedras vagas, uma na Faculdade de Filosofia e outra na Escola Politécnica.

A Faculdade de Filosofia era o mundo dos críticos insatisfeitos que queriam mudar o mundo, e a Politécnica, a Medicina e a Faculdade de Direito eram os centros da estabilidade, tinham um clima mais conservador. De vez em quando algum jornalista me perguntava por que não fiz concurso para a Faculdade de Filosofia. Bem, havia duas coisas contra mim: em primeiro lugar era ainda moço e o pessoal de lá era mais velho, e era judeu ainda por cima. Provavelmente, essa é a explicação que me dou, como vocês são psicanalistas, talvez tenham uma explicação mais profunda. Minha escolha me permitiu participar da sociedade de uma maneira mais realista, porque a Politécnica era muito mais próxima do Brasil real do que a Faculdade de Filosofia, que nunca fez parte do real. Era o Brasil dos sonhos, como acontecia na França.

Isso foi em 1970, depois vivemos todo o regime militar e aí acabei me tornando muito ativo politicamente, mas não partidariamente. Nunca escondi minhas opiniões e logo comecei a me manifestar sobre energia nuclear que via como péssima para o Brasil. Isso na época dos militares que prendiam todo mundo quando bem queriam.

Comecei a escrever no jornal O Estado de S. Paulo onde conhecia o Julio Mesquita; tínhamos sido colegas na época da faculdade, ele, o Fernando Henrique e eu. Éramos de cursos diferentes, mas éramos colegas. Publiquei uns artigos atacando o governo federal e o programa nuclear, eu era físico nuclear e entendia disso.

RBP: Isto aconteceu durante o governo Geisel?

GOLDEMBERG: Sim. Em certa ocasião, um colega meu que era ministro do Geisel em Brasília, me telefonou e disse que eles queriam me nomear para uma posição importante com a condição de eu parar de escrever no Estado de S. Paulo, atacando o programa nuclear. Aí eu falei: Olha, assim não vai dar! Eu me lembro bem do que ele me respondeu, apesar de saber que, com a idade, a gente esquece muitas coisas, mas desta não me esqueci: Olha José – só pessoas muito íntimas que me chamam assim, minha irmã, por exemplo - é uma pena, porque assim você nunca vai ser nada neste país. Bom, afinal a posição não era assim tão boa, tive outras, muito melhores, mais tarde.

Isso foi em 1975. Nessa época, eu viajei pouco, fiquei aqui em uma época em que o governo estava caçando as pessoas e, no próprio Instituto de Física, pessoas haviam sido afastadas, aposentadas. Era até um lugar vigiado pela polícia.

Sofri várias pressões, às quais pude resistir e nunca fui preso. As pessoas consideravam um milagre eu não ter sido exilado ou coisa do tipo. Tenho uma explicação para isso, que não é psicológica. Aí, se vocês quiserem, eu explico:

Quem tinha um problema existencial era o governo militar e não nós. Eram eles que não sabiam o que fazer. Essa ideia de um governo militar monolítico é conversa. Basta juntar dez pessoas e aparecem várias divergências. Alguns dos militares, por exemplo, queriam um Brasil que fizesse armas nucleares, dominasse a América Latina e fosse um grande país. Eram os nacionalistas extremados, e os outros acabaram cedendo. Mas para que o Brasil se tornasse uma potência precisavam de ciência de boa qualidade.

RBP: Os que percebiam isto eram os mais esclarecidos?

GOLDEMBERG: Exatamente! Então não tinha jeito, eles tinham que suportar certo grau de opiniões diferentes. Esse tipo de gente também existia no governo militar. Acho que essa é a única explicação. Meu filho era estudante e foi preso, mas eu não fui. Como eu entendia de energia nuclear, pensavam que eu poderia ser útil. Naquela época, ela era vista como uma solução mágica e eu fui contra. Aí, me perguntaram: Se não é a energia nuclear, então o que é? Isso me forçou a me tornar especialista em energia e tratei de procurar respostas, as várias respostas possíveis.

RBP: Como foi sua experiência como Reitor da USP?

Fui presidente da CESP durante o período do Montoro e, no fim do mandato, me tornei reitor da universidade e aí talvez tenha tido minha experiência com a psicanálise, não como analisando e sim como analista. Digo isso como brincadeira, mas na verdade não é só uma brincadeira. Como reitor de uma grande universidade, que é habitada pelas pessoas mais controvertidas e brilhantes que o país tem, você precisa entender o que motiva essas pessoas. E, em geral, é a fome pelo poder.

RBP: O narcisismo.

GOLDEMBERG: Sim e sob as mais diversas formas. Quando acabou meu mandato como reitor, pretendia, como tinha feito ao longo da minha vida, continuar meu trabalho, agora não mais como físico, mas como especialista na área de energia. Eu havia sido contratado para trabalhar em Paris e pretendia ficar lá por uns dois anos, mas recebi um convite do presidente Collor para ser Ministro de Ciências e Tecnologia.

Na época não se falava em ministério, mas em Secretaria Especial da Presidência. Francamente, talvez fosse até melhor do que ser ministro, você pode ser mais eficaz, uma vez que não tem que lidar com a burocracia infinita de um ministério.

Foi muito interessante trabalhar com um presidente da república, no caso o Collor, que era uma pessoa diferente. Diferente não só para o mal, mas para o bem também. Ele tinha, claramente, um nível superior ao dos políticos brasileiros, tinha frequentado boas escolas, era inteligente e curioso. Essa foi uma das experiências interessantes que tive ao longo da minha vida.

Trabalhei com o Montoro, o Collor, o Alckmin e estas são pessoas que nunca tiveram uma formação científica, mas têm uma fascinação por tentar entender como é a ciência e o que um cientista pensa. Tenho uma vaga impressão que eles acham que os cientistas têm algum pacto com o diabo e algum poder que eles não têm. Este poder existe, vocês sabem disso, é o poder de saber sobre as coisas.

RBP: E é um grande poder, este do conhecimento, não é?

GOLDEMBERG: Claro! Quando eu ia conversar com o Collor e precisava decidir sobre nomeação de pessoas, onde alocar dinheiro etc., sempre levava comigo uma pilha de processos para estarmos bem esclarecidos sobre as decisões a serem tomadas. Foi possível, nessa época, fazer um bom trabalho, pois entre outras coisas, assessorado pelo Lutzemberg, que era o ministro do Meio Ambiente e por mim, foi possível por fim no projeto militar de produzir bombas atômicas no Brasil. E o Collor fez isso de uma maneira espetaculosa, ele era mesmo um artista! Colocou todos os ministros em um avião e fomos para um lugar no fim do mundo, no Pará, na Serra do Cachimbo, lugar onde pretendiam fazer alguns testes explodindo uma bomba atômica. Lá haviam feito alguns buracos no chão e o Collor, tudo sendo gravado pela televisão, colocou, literalmente, uma pá de cal nesses buracos. Fim do programa nuclear brasileiro.

Entre 1992 e 2002 não ocupei posição pública. Passei alguns períodos no exterior, um ano em Genebra, continuei a trabalhar cientificamente e publicar. Isso eu nunca deixei de fazer ao longo da minha vida. Foi um período ótimo!

Em 2002 o Alckmin me convidou para ser Secretário do Meio Ambiente. Quando ele me convidou eu disse: Olha, não sou ambientalista, não abraço árvores, mas sei o que causa a destruição do meio ambiente. Posso atuar nisso, mas realmente fazer marchas para defender o verde, não! Achei que isto me criaria muitos problemas com os ambientalistas, mas não criou. Acho até que acabei desempenhando um papel moderador dentro do movimento ambientalista e tentei buscar resultados.

RBP: Hoje, voltou-se a discutir a retomada da produção de energia nuclear em Angra. O que o senhor acha que justifica essa fixação em desenvolver a energia nuclear em um país que, sabidamente, tem tantas outras fontes de energia? Mesmo quem não é físico sabe que temos esses recursos. Será que isso tem a ver com algum sentimento de inferioridade, com uma idealização de outros países que parecem mais poderosos?

GOLDEMBERG: Bem, é a mesma coisa que está ocorrendo com o Irã hoje. De todos os países do mundo, ele é o que menos necessita de energia nuclear, porque tem as segundas maiores reservas de gás do mundo. Tem 100/200 anos de gás para gerar a energia que precisa. Mas ter energia nuclear torna-se uma questão de autoafirmação pessoal, uma maneira de amedrontar os inimigos. No Brasil, os militares queriam fazer armas nucleares porque entraríamos no clube seleto dos que tinham armas nucleares naquela época. Hoje já não se pensa em produzir armas nucleares no Brasil, não faria sentido.

Então, precisam construir reatores e houve o governo Bush, que fez um grande esforço para reavivar a construção de reatores nucleares. Há países, como o Japão ou a França, em que a energia nuclear até faz algum sentido porque eles não têm outros recursos. Mas o Brasil tem outras ótimas opções, de modo que o que está ocorrendo agora, a ideia de se retomar Angra III é uma espécie de filme que está passando pela segunda vez. Provavelmente não irá muito longe, pois, ainda por cima, a energia nuclear acabou se tornando muito cara. Agora querem também fazer um submarino nuclear. É uma maneira de reafirmar o poderio militar, para as pessoas manterem seu poder.

RBP: Por que o projeto nuclear do governo militar, mesmo recebendo tantos reforços, faliu? O senhor atribui isso a questão de custos também?

GOLDEMBERG: Por duas razões. Primeiro, porque foi formulado de uma maneira megalomaníaca, era exageradamente grande. Resultava de um acordo que o Brasil firmou com a Alemanha, que queria vender coisas para o Brasil em 1975. Eu diria que o projeto caiu devido ao seu próprio peso. Dos muitos reatores que o governo queria construir, acabaram construindo apenas um, o Angra II. Nos Estados Unidos os cientistas se opuseram fortemente e a oposição dos cientistas foi significante. Houve um incidente que vou contar a vocês e talvez vocês o interpretem até melhor que eu. Em 1992, portanto 17 anos depois, encontrei no Rio de Janeiro, onde estava por ocasião da Conferência sobre Mudanças Climáticas, andando no calçadão de traje esportivo, o general Costa Cavalcante. Não sei se vocês se lembram, ele era considerado na ocasião o sucessor do Geisel o que acabou não se viabilizando. Mas em 1975 ele era o Ministro de Minas e Energia e o presidente de Itaipu. Há anos que não o via e ele, claramente, estava muito doente, desfigurado, vindo a morrer pouco tempo depois. Caminhamos um pouco juntos e ele me disse: Olha professor, o senhor não sabe disso, mas o Brasil deve muito a vocês, à SBPC, ao senhor em particular, pois era o porta voz dos cientistas. Em 1975 o governo queria abandonar Itaipu e construir os reatores nucleares e foi a oposição de vocês que permitiu que nós, dentro do governo, argumentássemos contra. Itaipu ficou pronta em 1982 e até hoje é a maior usina hidroelétrica do mundo e provavelmente a melhor e ele reconheceu isso. Só que 17 anos depois!

Bem, com tudo isso, acabei me tornando especialista em energia e o Franco Montoro, ao ser eleito governador de São Paulo em 1982, me nomeou presidente das empresas de energia onde discutimos a questão energética em suas várias opções.

RBP: Qual a sua visão da questão energética em nossos dias e o que se pode prever, em relação a ela, para o futuro? Qual a melhor energia para o Brasil?

GOLDEMBERG: Vivemos, até agora, um período dos combustíveis fósseis: 80% dos combustíveis que usamos - carvão, gás, petróleo - são de origem fóssil. Isto permitiu criar esta civilização incrível que temos, isto para quem tem dinheiro para pagar por ela. Mas, como eram baratos, não foram utilizados com equilíbrio. O custo ambiental de seu uso cresceu muito e com ele cresce o custo econômico, e, ao lado disso, vem havendo uma exaustão física deles. Urge então buscar outras fontes de energia. A energia nuclear não faria sentido para o Brasil, mesmo que fosse uma coisa maravilhosa, não poluidora, não radioativa, não perigosa, que inclui o risco de um acidente nuclear, o que seria uma desgraça. Mesmo que não houvesse esses problemas, o Brasil não precisaria de energia nuclear porque existem opções melhores. E aqui, apesar de termos muitas fontes de energia alternativas, existe uma que predomina: a hidroelétrica. Ela não é nem alternativa, é a melhor que existe para nós. Uma vez construída uma usina hidroelétrica, ela vai funcionar sozinha durante 50/60 anos.

Hoje é uma questão vital para o mundo a promoção do uso das energias renováveis. Elas ainda representam pequena parte do consumo geral de energia no mundo. Estão crescendo, precisam continuar crescendo, mas ainda vai demorar para terem um impacto real.

RBP: Existe uma grande dependência no mundo de combustíveis fósseis, carvão, petróleo e gás natural. E eles estão próximos ao fim?

GOLDEMBERG: Sim. Existem reservas grandes, que se formaram a cem ou duzentos milhões de anos e que são o que chamamos de reservas fáceis. São aquelas para as quais existe tecnologia a um custo aceitável. Por exemplo: você faz um buraco no chão na Arábia Saudita com 1000 metros de profundidade e jorra petróleo que vai custar US$ 1.00 o barril. Claro que se gasta dinheiro para abrir aquele buraco, mas ele fica jorrando por um tempão.

Acontece que se você tirar petróleo do fundo do mar a 5000 metros de profundidade, como a Petrobrás está fazendo, ele não vai custar US$ 1.00, e sim US$ 30.00. Estas reservas, fáceis e abundantes, estão acabando. Esse é o primeiro problema. O segundo é o que o petróleo está distribuído de uma maneira muito desigual no mundo. A grande fonte remanescente está no Oriente Médio, que é uma região complicada por mil razões. Portanto, esta dependência é preocupante.

É como a Rússia, que fornece grande parte do gás para a Europa Ocidental, e a qualquer probleminha, pode, literalmente, fechar o gás, como se fecha uma torneira na cozinha! Há o problema do esgotamento dessas fontes, que não é imediato, mas está começando a ocorrer e agora os problemas ambientais. Tudo isso está realmente começando a pesar. O problema não é causado só pelo efeito estufa, como acabou ficando popularizado.

Quando fui Secretário do Meio Ambiente, era muito mais preocupado com a qualidade do ar em São Paulo do que com o efeito estufa. Tem mais gente morrendo aqui em São Paulo por causa da má qualidade do ar, devido à poluição pelo diesel e gasolina, do que com o efeito estufa. Não que esse não vá matar, mas será mais para frente.

RBP: O etanol vem ocupando um lugar expressivo como combustível?

GOLDEMBERG: Aos poucos, chegará a isso. O etanol vem sendo produzido já há algum tempo. Inicialmente, era feito por usineiros que só queriam ganhar dinheiro com isso, e, como costuma acontecer com alguns empresários, eram muito próximos do governo, vivendo dos favores dele, sem se preocuparem com a possibilidade do etanol emitir ou não gases que contribuíssem para o efeito estufa e etc. Acredito ter desempenhado um papel útil no esclarecimento dessa questão com meu trabalho científico, uma vez que pude apresentar justificativas científicas e técnicas para o programa do etanol que era, ambientalmente, melhor que os outros. O Brasil é hoje o único país que usa biomassa de maneira moderna: transforma cana-de-açucar em substituto da gasolina. Isto é ótimo, mas tem um alcance ainda limitado pois representa apenas 1% da gasolina usada no mundo.

RBP: E como é a questão da construção de usinas hidroelétricas na Amazônia?

GOLDEMBERG: Esse é um problema que começou a surgir depois, na época sobre a qual falávamos não existia. As usinas eram construídas como aqui, em Barra Bonita, onde não havia maiores problemas. Em Itaipu sim, houve um problema: a construção submergiu Sete Quedas. Foi esse tipo de questão que me carregou para a área ambiental. Você começa a perceber que, quando tenta atender as necessidades energéticas das pessoas, tem que fazer escolhas. Qualquer grande obra, um grande edifício, uma cidade, um Estado, um porto ou uma central de hidroelétrica, é um grande impacto no meio ambiente. Aí é necessário avaliar ganhos e perdas, aspectos positivos e negativos. Eu diria que, nesse processo, acabei ficando mais conservador. Sempre fui muito sensível ao fato de que, numa situação como essa, existem sim, aspectos positivos e negativos, enquanto vários dos meus colegas ambientalistas só veem os aspectos negativos. Acho até que o movimento ambientalista começou a se estruturar no Brasil dentro da SBPC, a partir de uma reunião em Belo Horizonte, quando houve uma sugestão de se discutir os problemas ambientais.

Comecei a ler e me interessar por este tema, mas logo achei que muitas pessoas do movimento ambientalista misturavam uma preocupação real com a preservação do meio ambiente com ideias políticas pré-concebidas. Aí vem: tem que ajudar os pobres, fazer isso e aquilo. Não que eu ache essas ideias inválidas, mas ajudar os pobres, conservar o meio ambiente e gerar energia são coisas diferentes que você não consegue fazer ao mesmo tempo. Eu e três colegas do exterior, um indiano, um sueco e um americano, escrevemos um livro que se tornou um clássico na área de energia, chamado Energia para um mundo sustentável. Talvez o dr. Paulo Nogueira Neto, que vocês entrevistaram, tenha mencionado este livro. Ele era membro da Comissão Brundtland e o capítulo sobre energia deste relatório é baseado no nosso livro.

RBP: Como o senhor vê os Estados Unidos da era Obama?

GOLDEMBERG: Há, claro, uma crise econômica, devida a irresponsabilidades no sistema financeiro, mas já houveram crises financeiras no passado. Se você olhar para ela com certa frieza, se é que não perdeu todo seu dinheiro nos bancos que quebraram, perceberá que se trata de uma situação transitória, que vai acabar sendo resolvida. Crises financeiras têm um caráter reversível: a grande depressão, por exemplo, teve um efeito tremendo no mundo todo, mas o sistema acabou se recuperando. Acontece que a crise ambiental não é reversível. Se o nível do mar começar a subir, não vai abaixar de novo. Se a temperatura subir, como já subiu 1 grau, isso não é reversível. Essa é a diferença fundamental entre crise econômica e ambiental.

A minha impressão é de que o novo presidente dos Estados Unidos entendeu isso com a ajuda de seus assessores. Conheço alguns por leitura de jornal ou de algum encontro, mas há dois que conheço bem porque trabalhei com eles.

O primeiro, John Holden, professor de Harvard, é o assessor de Ciência e Tecnologia. No sistema americano não há um Ministério de Ciência e Tecnologia. O ministro, na verdade, é um assessor do presidente, que está no quarto andar da Casa Branca. Um assessor que é ouvido pelo presidente, que viaja com ele, acaba tendo mais poder na fixação de políticas. Ele foi presidente da SBPC americana, que é de onde eu o conheço. É um indivíduo muito bom, tem uma formação parecida com a minha, essa comparação já foi até feita por colegas americanos. Tornou-se professor cedo na vida, escreveu bastante, tem um domínio de amplos setores do conhecimento e logo entrou na política científica. Ele é assessor dos democratas, quando estão fora do poder. Entende de floresta amazônica, o grupo dele trabalha com este tema e, provavelmente, isso vai representar um impacto importante na política americana em relação à preservação das florestas. Sabemos que nas árvores existe muito carbono, e, ao se queimar carvão, estamos lançando carbono na atmosfera. Caso se deixe de cortar a floresta amazônica, daremos uma contribuição importante ao mundo, com uma medida simples. A preservação das florestas é uma coisa fundamental também do ponto de vista ambiental, porque, ao mesmo tempo, preserva-se a biodiversidade e os animais, e isso é o que os ecologistas querem.

Trabalhei muito próximo de Steven Chu, Prêmio Nobel de Física, o novo Secretário de Energia. Ele é professor de Berkeley e trabalhamos uns dois ou três anos juntos, preparando um relatório para a Academia de Ciência, há três anos. E o que está no relatório corresponde ao que ele e eu pensamos sobre os caminhos para um futuro energético sustentável. É necessário reduzir o consumo de energia, usando-a de forma eficiente, bem como aumentar a produção das energias renováveis e estimular o desenvolvimento de novas tecnologias.

RBP: O gasto de energia no Brasil é adequado às necessidades do país? Há uma preocupação com a otimização de seu uso?

GOLDEMBERG: Gasta-se exageradamente. Existem muitas oportunidades para se economizar energia. Estima-se que é possível economizar 30% dela e sabemos que na Califórnia isso já é feito há muito tempo. Desde 1980, o consumo de eletricidade per capita não cresce nessa região. Isto não acontece no resto dos Estados Unidos, a Califórnia é um estado mais avançado, aliás foi lá que o Steven trabalhou. O que vamos ver agora é ele tentar aplicar as ideias da Califórnia no resto dos Estados Unidos. Ele não vai tocar a energia nuclear com qualquer entusiasmo: as ideias do Bush de estimular a energia nuclear em todo o mundo perderão importância, o interesse estará nas energias renováveis. Há uma grande expectativa, justificada, de que Steven consiga efetivamente mudar a ênfase da política de energia que os Estados Unidos estão seguindo.

No Brasil, as medidas tomadas para melhorar a eficiência do uso da energia não tem sido eficazes. O Programa Nacional de Conservação de Energia conseguiu economizar dois Terawatts/hora de 2001 a 2008. Isto representa menos de 1% do consumo de eletricidade no período.

RBP: Como o senhor tem visto a ação do governo em relação à preservação da floresta amazônica? E o que espera do Plano Nacional de Mudanças do Clima, com sua proposta de estabelecer metas decrescentes de desmatamento até se chegar ao desmatamento ilegal zero?

GOLDEMBERG: O trabalho da Ministra Marina Silva, no Ministério do Meio Ambiente, a meu ver, fracassou completamente. Ela é uma ótima alma, entende dos problemas da Amazônia, defendia posições corretas, mas o que ela entende mesmo é de pobreza. Há setores da esquerda brasileira vinculados a setores da igreja católica como todos sabem. O catolicismo é a religião da caridade, do amor e da compaixão e isto era muito evidente na Marina. Os problemas que existem na Amazônia são uma combinação de vários fatores: existem lá os pobres, que não possuem nada e precisam de apoio e compaixão, os gaúchos que são muito empreendedores, uma força do capitalismo moderno, com suas questões. Existe ainda o exército que quer ocupar as fronteiras, sempre com umas fantasias megalomaníacas de que as Nações Unidas vão criar uma nação indígena independente na fronteira com a Venezuela. Tudo paranoia. Ser eficaz dentro do governo é uma coisa complicada. Às vezes, mesmo um ministro do trabalho ou de indústria tem pouca influência. O ministro pode viajar de jatinho, ter um cartão maravilhoso para pagar suas contas e, muitas vezes, não ter influência alguma. Foi o caso da Marina e nem sempre era culpa dela: é que o atual presidente não tem sensibilidade alguma para os problemas ambientais e por isso não a prestigiava. Se o presidente não te prestigia, esquece. O atual ministro parece mais eficiente, bastante hábil, apesar de ser show men. Mas penso que ele está se esforçando e que, no caso das questões da floresta amazônica, ele vem convencendo.

A Marina sempre defendia uma tese, que é correta, de que deve haver, dentro do governo, uma transversalidade na ação do meio ambiente. Os outros ministérios devem consultar o de meio ambiente sobre a viabilidade das obras. Nunca houve transversalidade alguma, e isto foi um dos fatores que explicam o insucesso dela.

Em meu período como Secretário do Meio Ambiente isso não acontecia. Não havia um grande projeto, por exemplo, a construção de uma estrada que teria impactos ambientais, sem que a Secretaria não fosse consultada e os técnicos de todas as áreas envolvidas não fossem consultados também.

Acho que hoje seria difícil se fazer Itaipu, porque submergir as Sete Quedas iria provocar uma comoção tremenda. Eu mesmo, apesar de isto não ser politicamente correto, teria submergido Sete Quedas. Acho que os benefícios que aquela imensa usina traz para o povo brasileiro todo, incluindo os pobres, a classe média e a rica, compensa esse tipo de coisa. Mas também, se formos pensar só assim, acabaremos destruindo tudo! Os seres humanos são complexos demais e não adianta se pretender que mudem seus padrões de comportamento subitamente, não vão mudar mesmo. Isso é o que a história mostra.

O Plano Nacional de Mudanças do Clima pretende buscar a redução sustentada das taxas de desmatamento, e isto é uma manifestação de intenções. Se ele for cumprido será excelente. Hoje, o governo usa como instrumento o Plano de Ação para a Preservação e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, mas os resultados têm sido discutíveis e temos taxas de desmatamentos muito elevadas, maiores que 10.000 km2.

RBP: E a questão das hidroelétricas na Amazônia?

GOLDEMBERG: É verdade, elas agora já não são mais construídas em São Paulo ou Minas Gerais, e sim lá no meio da Amazônia, o que cria dois problemas, no mínimo: afetam algumas populações, sobretudo indígenas – são populações pequenas, mas são afetadas – e exigem a formação de lagos. São custos que precisam ser minimizados, mas que precisam ser pagos, acho que não tem jeito. Se não forem feitas várias dessas hidroelétricas, serão construídos reatores nucleares ou usinas a carvão, o que será bem pior.

Ah, mas existem índios lá. Pois é, existem, mas eles vão ter que ser realocados. Sei, perfeitamente, que falar assim para antropólogos sobre índios é perigoso. Vivi com os antropólogos da USP e minha filha é antropóloga. Então, tenho esse problema em casa, mas não tem outro jeito. Há um custo a pagar, não existe mesmo um bom absoluto.

Claro que este custo pode ser minimizado: em vez de se fazer uma grande inundação, é possível fazer menores, o que é um problema técnico que exige competência dos profissionais envolvidos. São áreas ecologicamente sensíveis, e qualquer obra realizada nelas deve evitar grandes impactos ambientais. Entra aqui ainda uma coisa perversa no que se refere à hidroelétrica. Os empreiteiros querem fazê-las da maneira mais danosa possível, porque é mais fácil e barato para eles. Quando as usinas da CESP foram feitas, isso há muitos anos, foram feitas desse jeito, porque é ótimo para o empreiteiro. Ele coloca os tratores, derruba as florestas e pronto. As restrições ambientais tornam a obra mais demorada e um pouco mais cara. Mas isso eles têm que pagar.

Por exemplo: o rodoanel está sendo feito na região de Guarapiranga, o que vai melhorar muito o tráfego dessa região, pois os caminhões não vão mais circular pela Bandeirantes, serão desviados aqueles que se dirigem para o litoral. Será uma coisa ótima! Nessa região existem grupos indígenas, favelados, tem de tudo, mas está tudo licenciado, feito corretamente. Este licenciamento deu um trabalho imenso, e elevou o custo da obra em 20%, vai custar mais para o povo paulista, mas o resultado será ótimo, vai melhorar até a poluição.

RBP: E o uso da energia eólica no Brasil?

GOLDEMBERG: Poderá ser bem mais desenvolvida do que hoje, mas nunca será de grande uso no Brasil por um problema geográfico: o país não é beneficiado por ventos estáveis, mais presentes nas regiões Norte e no Sul. Em Torres existe uma fazenda solar grande e o Norte tem também ventos bons e duradouros. Há também o fato de o governo federal não ter dado grande ênfase para o desenvolvimento da energia eólica. Alemanha e Espanha estão desenvolvendo-a em larga escala. Mas há problemas: os Estados Unidos têm uma região ótima para ventos, Utah, entretanto localizada muito longe dos centros consumidores. Então, é necessário gerar energia lá e transportar para os centros dos consumidores que estão há três, quatro mil quilômetros de distância.

Este é um problema que vamos ter no Brasil com a localização de usinas hidroelétricas na Amazônia. Os centros consumidores estão aqui: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e as usinas cada vez mais longe. Numa usina dessas, o custo da transmissão da energia acaba sendo uma fração muito importante do custo final. Temos certa experiência com Itaipu que é uma usina que fica bastante longe destes centros e foi necessário construir linhas especiais para trazer a energia para São Paulo, o que é sempre caro.

RBP: Qual tem sido a participação do Brasil na emissão de gases, no efeito estufa?

GOLDEMBERG: Os grandes emissores são os Estados Unidos, a China, e também a Indonésia. Só os dois primeiros emitem, cada um deles, 25% das emissões globais. O Brasil é o quarto emissor mundial, não por causa de seu consumo de energia, mas, muito especialmente, por causa do desmatamento da Amazônia. Todas as atividades de indústria e comércio do país, juntas, são responsáveis por 80 milhões de toneladas de carbono por ano, enquanto o desmatamento da Amazônia emite três vezes mais que isso. Isto seria relativamente fácil de se controlar, mas o país tem se recusado a cuidar da redução de suas emissões o que acaba legitimando a posição da China, que é a mesma.

RBP: As grandes conferências da ONU sobre mudanças climáticas, como as do Rio, Kioto, Bali, têm realmente obtido bons resultados?

GOLDEMBERG: Claro que sim. Elas criaram condições que reforçaram muito a posição dos cientistas, criaram esse Painel Internacional de Mudanças Climáticas que acabou agregando os melhores cientistas de todos os países, em um trabalho cooperativo, o que não é uma coisa fácil, pois há áreas em que a colaboração é bem difícil. Quando se trata de tomar decisões que se baseiam em conhecimentos científicos, mas que envolvem política, tudo se complica. O que ocorre é que o mundo, no momento, ficou muito complexo, tomemos por exemplo os países da África, que são sociedades falidas. Entendo que essas sociedades, que não têm infraestrutura, quase não têm produção, não têm quase nada, não contribuem para as emissões globais, elas emitem muito pouco. Mas quando se trata das decisões políticas, os africanos são um peso enorme nas reuniões das Nações Unidas. A África tem uns 50 e poucos países, a América Latina uns 30 e tem uns paisinhos da Ásia que são mais uns 30. Esses países são, digamos, pouco importantes do ponto de vista das emissões globais, mas representam 2/3 da Assembléia Geral das Nações Unidas. As decisões lá são tomadas por consenso. Mas quando se está discutindo questões com base científica, quando as pessoas estão se convencendo delas, daí a pouco levanta um fulano da Arábia Saudita, que é o pior dos suspeitos, e todos são obrigados a ouvir o sujeito dizer: Pois é! Com essa história de aquecimento global, vocês querem reduzir o uso de petróleo. Nós teremos que ser recompensados por isto, indenizados! Claro que se quer, por várias razões justas, diminuir o uso do petróleo! Mas indenizá-los? Ah, eles já foram recompensados de sobra! Eu não estava nem acreditando no que o indivíduo estava falando, achei que estivesse brincando.

Aí levanta um africano e diz que estamos conspirando contra eles porque vocês se desenvolveram queimando carvão e petróleo e agora que chegou nossa vez, não vamos poder queimar também?

Argumentei com o africano em público, dizendo que o problema é que os países que chegaram tarde ao desenvolvimento, como eles, não precisam repetir o caminho que os Estados Unidos, a Alemanha e a Inglaterra fizeram no passado, porque foi um caminho poluente e ineficaz. Hoje os Estados Unidos e a Alemanha gastam milhões e milhões limpando a sujeira do passado. O que esses países menores precisam fazer para se desenvolver é saltar para a frente, utilizando as tecnologias modernas. Se tiverem vento, usem, se tiveram cana-de-açúcar, usem etanol e não precisarão de gasolina, não precisam ficar repetindo os erros do passado. Aí, o ministro de Uganda fez um escândalo dizendo que essa era uma posição colonialista. Se alguém aponta que as ciclovias estão aí disponíveis e quase ninguém usa, argumenta-se logo Ah, nos Estados Unidos também são pouco usadas. - Não são usadas porque o sistema deles foi constituído de outra forma, priorizou-se o carro, mas nós, hoje, podemos fazer diferente, fazer melhor. Bem, a discussão acaba não saindo desse nível.

Acho que a solução do problema climático não virá dessas megaconferências, mas elas contribuem para isso de alguma forma. Acredito que a possibilidade de um acordo entre os Estados Unidos e a China existe e não é tão remota.

RBP: Depois de toda essa trajetória, depois do Blue Planet Prize, como o senhor olha para o mundo? Com esperança?

GOLDEMBERG: Sim, acima de tudo por causa da eleição do Obama. Acho que ela tem um grande significado histórico, para quem conhece bem os Estados Unidos, ela parece um milagre. Para a questão energética, para a ciência em geral, não haveria possibilidade de uma escolha melhor. Vamos agora acompanhar o desempenho desse governo, vamos ver como será.

RBP: No inicio desta nossa conversa o senhor contou que, desde criança, tinha já uma curiosidade em relação às coisas, como elas são, como funcionam. O senhor crê que a pessoa nasce com esse interesse ou que isto é estimulado de alguma forma mais tarde?

GOLDEMBERG: Minha resposta de pronto é que ela nasce com a pessoa. Eu vi que meus colegas não tinham o mesmo tipo de interesse que eu que sempre queria saber mais, como quero até hoje. Creio que está dentro da pessoa querer saber o que causa todas as coisas.

Mas acho que o meio, a educação, estimularam o desenvolvimento de uma mente científica em mim. Penso em meus colegas de quando criança e havia aqueles mais sensíveis à beleza das coisas, aqueles com interesses mais artísticos e menos interessados nas causas das coisas, diferentes de mim. Parece que as mulheres são assim, o cérebro delas é mais sensível à harmonia, elas têm uma melhor percepção da proporção e da beleza que homens. Mas preciso tomar cuidado ao dizer isso, pois o Lawrence Summers se perdeu aí, foi expulso da reitoria de Harvard por ter feito comentários dessa natureza. Mas o comentário dele foi horrível, dizia que a mulher não tem cabeça para a matemática, o que é uma enorme bobagem. O mundo está aí, cheio de competentes colegas nossas!

RBP: Professor, foi ótima a nossa conversa. Agradecemos muitíssimo ao senhor.

GOLDEMBERG: Bem, mas já que falamos tanto da curiosidade do cientista, me contem um pouco sobre vocês. Todos trabalham como psicanalistas…?

 

 

* Entrevista realizada no dia 5.2.2009, na sede da SBPSP, por Maria Ângela Moretzsonh, Maria Aparecida Quesado Nicoletti, Thaís Blucher.

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