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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.43 no.2 São Paulo June 2009

 

CONGRESSO INTERNACIONAL

 

Problemas do aprendizado na comunidade psicanalítica: narcisismo e curiosidade1

 

Problemas en el aprendizaje en la comunidad psicoanalítica: narcisismo y curiosidad

 

Problems of collegial learning in psychoanalysis: narcissism and curiosity

 

 

Warren S. Poland2

American Psychoanalytic Association

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Apesar da sensibilidade para ouvir pacientes, analistas não obtiveram bom desempenho ao ouvir e falar com colegas de maneira realmente aberta. Fatores importantes são destacados nesta interação entre forças direcionadas do narcisismo em si próprio e forças externalizadas de curiosidade. Algumas limitações de comunicação inerentes à mente humana foram incluídos no exame de problemas de comunicação entre colegas de profissão. Limitações como a necessidade de abstrair aspectos da experiência para focar atenção e a tendência mental de pensar por categorias. Outras limitações são derivadas da psicologia individual (como a vulnerabilidade da autoestima) e aquelas relacionadas a dinâmicas de grupo (como a adaptação às novas ideias e os problemas que elas causam, paroquialismo e o desenvolvimento de escolas radicais e a competitividade entre as escolas). A contribuição das influências culturais e da multiplicação do uso de determinada linguagem também foi ressaltada. O sentido principal da pequenez na estranheza do universo e a presença de outros em uma corrente natural.

Palavras-chave: Comunicação entre colegas de profissão; Curiosidade; Pensamento dualístico; Insularidade; Narcisismo; Ideias abertas; Paroquialismo; Problemas de linguagem; Escolas radicais; Aprendizado recíproco; Competição científica; Estranheza da alteridade.


RESUMEN

Mismo con la sensibilidad par escuchar nos pacientes, los analistas no obtuvieran una buena performance cuando escuchan y hablan con otros colegas de forma abierta. Algunos factores importantes son destacados en esta interacción entre fuerzas diseccionadas del narcisismo propio y las fuerzas externalizadas de la curiosidad. Algunas limitaciones de comunicación, naturales de la mente humana, fueran incluyeras en el análisis de problemas de comunicación entre colegas de profesión. Limitaciones como la necesidad de abstraer aspectos de la experiencia para centrar la atención y la tendencia mental de piensas en dos categorías distintas. Otras limitaciones son originadas de la psicología individual (coma la vulnerabilidad y la auto-estima) y aquellas con relación a las dinámicas grupales (como la adaptación a nuevas ideas y los problemas que son causados, el parroquialismo y lo el desarrollo de las escuelas radicales y la competencia entre escuelas). La contribución de las influencias culturales y da la multiplicación del uso de un lenguaje especifico también fue destacada. El sentido principal de ser pequeño en este universo raro y la presencia de otras es una acontecimiento natural.

Palabras clave: Comunicación entre colegas de profesión; Curiosidad; Pensamiento dualístico; Insularidad; Narcisismo; Ideas abiertas; Parroquialismo; Problemas del lenguaje; Escuelas radicales; Aprendizaje reciproco; Competencia científica; Extrañeza en la alteridad.


ABSTRACT

Despite clinical sensitivity when listening to patients, analysts have not fared well in hearing and talking to each other with respectful open-mindedness. Underlying factors are considered with particular focus on the interplay between self-aimed forces of narcissism and outward aimed forces of curiosity. Included in examination of problems of collegial communication are limitations structurally inherent to the human mind (such as the need to abstract aspects of experience in order to focus attention plus the mind’s tendency to categorical thinking), those derived from individual psychology (such as vulnerability of self esteem), and those related to group dynamics (such as the problems attendant to new ideas and the allegiances they stir, parochialism and the development of radical schools, the competitiveness between schools). The contribution of cultural influences and the multiply determined uses of language are also highlighted. The core sense of smallness in the strangeness of the universe and in the presence of others is seen as a common thread.

Keywords: Collegial communication; Curiosity; Dualistic thinking; Insularity; Narcissism; Open-minded; Parochialism; Problems of language; Radical schools; Reciprocal learning; Scientific competition; Strangeness of otherness.


 

 

Nada criativo deve ser excluído em prol de qualquer outra convicção.

Clive James

 

Uma vez mais nos juntamos, desde os mais variados cantos do mundo psicanalítico, para nos encontrarmos no congresso bienal, compartilharmos o que aprendemos desde então, e o que, juntos, poderemos descobrir. É uma tarefa adequada, mas também é adequado nos perguntarmos o quanto procedemos bem ao longo de seu exercício. Decorrido um século de tais encontros, o quanto aprendemos uns com os outros, o quanto falamos e o quanto ouvimos uns dos outros. É provável, porém, que tenhamos poucos motivos para nos orgulharmos do sucesso desta tarefa comum, pois com muita frequência, como personagens de uma pintura de Edward Hopper, ocupamos o mesmo espaço, mas não nos conectamos.

Como clínicos passamos a vida nos esforçando para ouvir nossos pacientes enquanto, relutantemente, eles se abrem para nós. Clinicamente aprendemos a ouvir ainda melhor, mas é chocante o contraste quando se trata de nos ouvirmos reciprocamente. A tarefa estabelecida para este Congresso é, assim, observar os padrões de nossas convergências e divergências e, então, como é nosso hábito introspectivo, tentar dominar estas forças internas que interferem em nosso crescimento.

Felizmente, apesar das dificuldades, o pensamento analítico viceja. Novas ideias florescem, multiplicam-se nossos periódicos. No entanto, mesmo que uma fertilização cruzada ocorra entre nós, vemos que a diversidade traz consigo uma balcanização, uma divisão em seitas menores e até mesmo hostis.

Novo aprendizado demanda discussão plena, um debate genuinamente aberto que queremos tanto proteger quanto facilitar. Que discutamos com paixão é bom, já que nossa paixão vem não apenas da vaidade de direitos adquiridos, mas fundamentalmente do fato de nos importarmos tanto com nosso trabalho. Também sabemos que é prudente ter cautela ao nos aproximarmos de novas contribuições em função de um problema peculiar ao nosso campo, ou seja, que nosso foco central são forças inconscientes, forças que mobilizam resistência constante. Cientes da sutileza com que as defesas podem se disfarçar e conhecendo as habilidades sofisticadas de nossas mentes, valorizamos o cuidado extra por elas recrutado quando novas ideias desafiam o conhecimento analítico prévio.

Mas cautela e cuidado não são o mesmo que descrédito defensivo e descarte do que é diferente, não familiar, ou novo. Quando olhamos para nós mesmos com cuidado, vemos algo além de ceticismo benevolente. Com muita frequência vemos polêmica e partidarismo excluírem o respeito mútuo, às vezes com o ridículo cultivando seu espectro maligno.

Tensão é inevitável para o crescimento de uma ciência, assim como para o crescimento do indivíduo, e estas dores do crescimento são bem-vindas. Controvérsias de mentes abertas não necessitam conclusões em que todos concordam. O encerramento prematuro da discussão esconde o que ainda é desconhecido, enquanto a aceitação respeitosa das diferenças que permanecem protege o caminho para o conhecimento futuro. As ideias devem se sustentar e cair por seus próprios méritos, não pelo prestígio ou poder de seus proponentes. Enquanto algumas ideias novas não se sustentarão frente a um exame minucioso, devemos deixar espaço para aquelas que têm mérito e dar-lhes as boas-vindas – mesmo se elas nos causam desconforto por contradizerem abordagens meritórias mais familiares com as quais concordamos.

Crescimento total só se origina da controvérsia que seja tanto desobstruída quanto disciplinada. “Desobstruída” significa verdadeiramente aberta, e “disciplinada” demanda rigor na conceitualização, consideração pelo aprendizado prévio e tolerância face a um paradoxo inflexível. Por anos houve batalhas entre os analistas que priorizam pulsão e os que priorizam relações objetais, com extremistas de ambos os lados repudiando uns aos outros. Tais extremistas brigavam, assim como os extremistas de hoje, como se paradoxo significasse que estava presente um inimigo e não que uma teoria limitada era insuficiente. Quando vieses moldam conclusões, seja um viés a favor do novo ou do velho, interrompese o verdadeiro crescimento.

Os problemas surgem em parte dos sucessos anteriores, com dificuldades ampliadas pela dimensão maior de novas observações que agora chamamos pluralismo. Há apenas uma psicanálise ou muitas? Questionado de outra forma, podemos continuar a crescer e nos aventurar além das fronteiras de nossas ideias costumeiras e ainda assim, conforme penso, manter no cerne comum a todos nós a preocupação central com forças inconscientes, a orientação que distingue o que é peculiar à psicanálise daquilo que é amplamente psicológico? Estas perguntas não serão resolvidas por autodeclarações de mente aberta se ao mesmo tempo nossos diálogos se perderem em monólogos paralelos. Paredes que separam nossos enclaves não cairão ante os trompetes das boas intenções.

Minha missão é tentar auxiliar na definição de nossas batalhas comportamentais de tal forma que, com reconhecimento, possamos continuar a explorar suas raízes de forma analítica e não continuar a atuá-las. Delinearei, portanto, uma visão geral dos padrões de nossas interações. Meu objetivo é que então possamos expor e explorar sua dinâmica subjacente.

Enquanto esboço problemas que se tornam evidentes quando nos juntamos em grupos, é útil lembrarmos as vicissitudes subjacentes da demanda por autossatisfação e o desejo de seguir explorando. Atrás de nossas convergências e divergências repousa o casamento irrequieto entre narcisismo e curiosidade científica. Quando nosso narcisismo está seguro, ou, melhor ainda, maduro, somos livres para nos aventurarmos mais profundamente em nossos questionamentos. Quando nosso narcisismo é ameaçado, o questionamento de mente aberta que olha para fora deteriora-se em uma política de identidade. Para encerrar, voltarei a esta questão crucial, mas agora vamos contemplar esses conflitos que embaçam nosso entendimento mútuo.

 

Limites humanos estruturais

Para fazê-lo é prudente começarmos reconhecendo as limitações além de nosso controle que aumentam nossa insatisfação com os outros e que são menos fáceis de admitirmos com relação a nós mesmos. Lutamos por respostas que sempre se estendem fora, além de nosso alcance, já que, afinal, somos apenas humanos. Aceitamos que não somos onipotentes, mas agimos como se pudéssemos – e na verdade devêssemos – ser oniscientes, como se pudéssemos sempre conhecer tudo o que existe a ser conhecido, como se nossas teorias pudessem ser unitárias e suficientes. Nosso conhecimento e nossas teorias são excelentes, mas nunca suficientes, sempre restritas pelos limites de nossa capacidade.

O mundo e seus fenômenos são grandes, variados e complexos demais para serem contidos totalmente pela mente humana individual. Não temos razão para acreditar que somos o final da evolução. Quando negamos as restrições de nosso hardware mental, esquecemos que, mesmo quando roubamos o fogo dos deuses, ainda assim não somos deuses. Nossa vaidade facilmente se ofende.

Encaramos as complexidades do universo reduzindo-as em tamanho, criando categorias conceituais que nos levam a paradoxos que são artefatos causados pela natureza categórica de nossa lógica humana. Para estudar o mundo, o fragmentamos e retiramos esses fragmentos para fora de seu contexto natural focando neles o nosso estudo. Nossas mentes dicotomizam, subdividindo infinitamente as categorias que criamos. Como resultado, na ciência em desenvolvimento – nossa forma humana de organizar o conhecimento – criamos mapas cujas fronteiras são artificiais. E riscos aparecem.

A atenção focada é essencial e frutífera, enquanto a fragmentação artificial traz efeitos colaterais desorientadores. Ao dissecarmos o que estudamos, isolamos aqueles pedaços extraídos e assim criamos fronteiras que não existem na natureza. Cada vez que voltamos nossos olhos em direção a alguma coisa, os afastamos de outra. Como resultado, a pergunta “O que deixamos de fora?” nunca deve se afastar de nossas mentes. Podemos ser capazes de pensar através de uma única abordagem ou de algumas poucas abordagens de cada vez, mas não mantermos abertas visões alternativas faz com que o questionamento amplo desabe no paroquialismo de interesses particulares.

Sem outra opção que não a de pensar um pedaço de cada vez, devemos ser cautelosos quanto a ter orgulho de nossas posições pessoais, mantendo uma “avaliação viva de como as pessoas ficam presas a uma visão porque ela se tornou sua identidade” (James. 2007, p. 601). Corretamente orgulhosos em relação ao que acrescentamos ao já conhecido, somos lembrados pela história que também é correto pensar que outros virão para mudar e acrescentar à nossa contribuição. Conforme um personagem de Stoppard (1997): “Cada idade acredita ser a idade moderna, mas esta realmente o é” (p. 53).

Um antídoto para tal lealdade aos fragmentos é recontextualizar o recém-aprendido, retornando as observações recentes ao campo aberto da experiência acumulada. Esta recontextualização é fundamental, mesmo quando reconhecemos que o próprio ato de abstrair e então recontextualizar altera a realidade, como aprendemos na prática clínica. Apesar da atração da parcimônia, explicações isoladas raramente são suficientes. A navalha de Occam frequentemente corta muito rente.

Em guarda quanto às visões isoladas, também devemos ser cautelosos quanto à sedução da dialética hegeliana simplista, a ideia de que sempre há um padrão ascendente no qual há de emergir uma síntese a partir de cada tese e antítese. Contradições não devem ser apenas toleradas. Elas merecem avaliação. Elas devem ser protegidas, não importa o quão desconfortável isto venha a ser.

Além disso, conhecimento é poder, um antídoto tranquilizador para o sentimento de impotência. Quando confusos e subjugados, quando nosso conhecimento parece insuficiente, nós evitamos o horror da impotência chamando o mundo de Caos. No entanto, o mundo é o mundo, e “caos” não é uma descrição do mundo, mas de nosso pavor diante do fracasso em conceituá-lo de uma forma compatível com nossas mentes. O sentido de caos não pode ser dissipado nem por uma única teoria favorita, nem por uma promiscuidade de interpretações atribuindo-se a todas o mesmo valor. Isto é uma perversão do princípio de determinação múltipla: a evidência sempre deve ser ponderada (Hanly, 2007).

Atenção respeitosa às ideias contrárias de outros nos fornece a maior oportunidade de corrigirmos as restrições internas de nossas mentes. Isto, no entanto, demanda um amor pelo aprendizado baseado na solidez do self além do desejo infantil de ser o favorito.

 

Fragilidades humanas

Agora, quais fragilidades são passíveis de serem dominadas? Como podemos começar com outra questão que não a mais imediatamente aparente – competitividade? Começando com uma busca analítica que temos em comum, logo agimos não como se compartilhássemos o objetivo de incrementar o conhecimento, mas como se fôssemos competidores numa batalha para ganharmos uns dos outros. Perguntas de teoria ou técnica são então sentidas não como úteis, mas como ataques a status pessoais. Vaidade, teu nome é todos.

Quem dentre nós não seria o conquistador que era o jovem Freud? Com a maturidade, o centro narcisístico estanca e a vaidade dos sonhos infantis de glória dá lugar à satisfação de alcançar objetivos reais. E, à medida que amadurecemos, também amadurece nosso campo científico. Enquanto a psicanálise continua a crescer, os novos desenvolvimentos não têm mais a impressionante grandeza revolucionária trazida à tona por nossos pioneiros. Tal grandeza pode ser parte do que primeiro nos atraiu para este campo, mas agora nosso campo é diferente tanto em qualidade quanto em quantidade. Freud abriu-nos um novo oceano. Nem nós nem nosso trabalho diminuiu por explorarmos os múltiplos rios que derivam deste oceano comum.

Quando ameaçados de forma competitiva, nosso domínio do narcisismo inicial regride e muito rapidamente retornamos à fome de orgulho por uma posição. Cada editor aprendeu dolorosamente que mesmo os colaboradores mais destacados podem de imediato se tornar infantilmente deselegantes quando algo é questionado em seus artigos.

Também quero lembrar a observação de Wheelis (1956) segundo a qual os analistas “frequentemente descrevem um ou outro de seus colegas como rígido, dogmático, autoritário; ainda assim, jamais um analista descreve a si próprio deste jeito. A inferência inegável é que alguns de nós se refugiaram nos dogmas sem saber que nós fizemos o mesmo” (p. 172)

O “narcisismo das pequenas diferenças”, dolorosamente familiar, é tão aparente e tão duradouro que Freud (1918, 1921, 1930) retornou a ele repetidas vezes em diferentes fases de seu pensamento. De fato, conhecendo a regularidade com a qual este amor por si próprio reaparece, ele afirmou: “É-se tentado a designar (a ele) um caráter elementar” (1921, p. 102).

É claro, a curiosidade não alimentada por investimento pessoal e desejo de sucesso seria realmente um motivador fraco. Ambição pessoal não pode ser negada ou afastada por força do desejo. Em vez disso, a intensidade do narcisismo necessita ser domada, a vaidade deve amadurecer se a ambição contribuir para o progresso. Amor maduro pelo outro, mesmo pelo conhecimento como um outro ideal fora de nós, implica amadurecimento do narcisismo, não sua ausência.

A tarefa de explorar os empurrões às vezes convergentes, às vezes divergentes da vaidade que nos conduz para dentro, e da curiosidade que nos conduz para fora, é complicada pela natureza pouco usual de nossa ocupação. O trabalho clínico é ao mesmo tempo profundamente intimista, mas também profundamente solitário. No trabalho temos que limitar nossa autogratificação, já que com cada analisando, na privacidade das sessões, estamos imersos em todas as emoções, desde apatia até ardor, indo de um cinza suave ao vermelho sangue e ao preto, à medida que passamos de sessão para sessão, de hora para hora, de dia a dia.

É necessário um ajuste importante para, destes momentos intensamente privados no trabalho, nos deslocarmos de volta para o mundo. Assim como nossos olhos têm dificuldade em se ajustar à luz após a escuridão, nosso sentido de nós próprios encontra dificuldade semelhante em se ajustar à mudança de estar-no-consultório para estar-no-mundo.

É fácil esquecer de colocar de lado a assimetria da parceria analítica quando saímos de trás do divã, fácil recair nesta assimetria da clínica quando nos sentimos desafiados fora do consultório. Em diálogos com nossos colegas, discussões melhor conduzidas quando em terreno comum, nos retiramos por demais rapidamente para o sentimento de superioridade que pode estar agregado a uma posição interpretativa.

Freud (1914), talvez não consciente da frequência com que também ficava longe deste ideal, alertou:

Análise não é adequada (…) para uso polêmico; ela pressupõe o consentimento da pessoa que está sendo analisada e uma situação na qual há um superior e um subordinado. Qualquer um, portanto, que se envolva em uma análise com propósitos polêmicos deve esperar que a pessoa analisada use a análise contra ele, de tal forma que a discussão alcançará um estado que exclua inteiramente a possibilidade de convencer qualquer terceiro. (p. 49)

O ar de superioridade se expande amplamente. Ele é evidente em discussões com colegas quando um tom de supervisão toma o lugar do respeito mútuo (Gabbard, comunicação pessoal) e também aparece em nossa literatura quando o próprio pensamento de um escritor, apresentado em sua maior força, é comparado com visões contrárias apresentadas em sua luz mais fraca. Nossos debates estão plenos de tais falácias

Inseguros de nós próprios, depreciamos o outro. Quando nos servimos disto para nos defender, não servimos bem nem à nossa ciência, nem a nós próprios.

 

Problemas relacionados às dinâmicas de grupo

Reconhecer nossas fraquezas individuais nos leva a examinar seus efeitos em nosso âmbito interpessoal. Os movimentos da satisfação narcisística e do buscar curioso refletem o conflito entre os desejos de reconhecimento individual e aqueles desejos de aceitação e união. Cada pessoa quer ser individualizada e, ao mesmo tempo, pertencer, ter uma identidade conhecida e reconhecida em conexão com outros. Inevitavelmente encaramos os problemas de dinâmica de grupo.

Antes de focarmos a atenção em grupos psicanalíticos, é necessário reconhecer como os nossos grupos analíticos são, eles próprios, influenciados pelas culturas mais amplas de onde se originam. Apenas a título de ilustração, o passado colonial deixou um legado de certeza do poder e um ar de superioridade moral nos representantes dos antigos poderes coloniais e um legado de ressentimento desafiador do poder imposto naqueles cujos mundos foram subordinados. Isto leva inevitavelmente a dificuldades que assaltam analistas de culturas nacionais diferentes ao abordarem um ao outro com equanimidade. Com tal background histórico, a troca de ideias pode ser sentida como uma luta de poder e, o estar de acordo, como submissão. Infelizmente, tanto preconceito e feridas narcisísticas têm meias-vidas muito longas.

Reconhecendo isso, vamos nos voltar à dinâmica dentro do universo analítico. Ideias podem nascer em esplêndido isolamento, mas precisam ser testadas por outros, se pretendem crescer como algo mais do que fantasias privadas. Para aprofundar nossos estudos, focamos a atenção em áreas particulares de interesse, como consequência nos retirando do contexto mais amplo. Depois, levando nosso raciocínio de volta à arena pública, nos deparamos com a necessidade de explicar como nosso pensamento se desenvolveu. É infelizmente fácil sentir, então, que ser questionado é ser atacado, sentir-se desvalorizado e tornar-se defensivo; finalmente, fácil demais recolher-se a províncias pessoais desconectadas de contato comum. Ainda entusiasmados pela excitação da descoberta e tendo apreço por avanços ainda não amplamente aceitos, o narcisismo pode sobrepujar a curiosidade. Em nome do novo, mas muito frequentemente a serviço de nós mesmos, desenvolvemos fidelidade às nossas visões estreitas.

 

Problemas das escolas radicais

Começo com o extremo das escolas radicais, onde a vaidade se sobrepõe à curiosidade de mente aberta. Um novo aprendizado modifica o entendimento anterior, à medida que é incorporado no corpo coletivo do conhecimento analítico, e uma multiplicidade de entendimentos toma o lugar da clareza de uma voz individual com o contraponto rico de uma sinfonia cantada por um coral. Ainda assim, paralelamente, novas vozes integradas no coro comum são outras que insistem em ficar à parte, tenazes quanto a seu canto solo ser supremo e superar o resto.

Às vezes novas ideias são verdadeiramente revolucionárias, resultando de originais e radicais formas de ver e pensar. Como membros de um dos grandes movimentos revolucionários da história, os analistas têm razão em valorizar e proteger a possibilidade do drasticamente diferente. Mas a história muitas vezes revela causas revolucionárias pervertidas em função de ganho pessoal. É especificamente a isso que me refiro quando falo em escolas radicais.

Quando digo escolas radicais, não estou me referindo a formas novas ou pouco usuais de pensar e sim àqueles entusiastas descontentes, mesmo com os colegas próximos que imaginam que abalam a supremacia exclusiva de suas novas ideias. Estes são ideólogos apaixonados, que insistem que suas formas de pensar superam todo o aprendizado analítico. Chamar esses grupos de “radicais” não desmerece o que eles acrescentam, mas se refere à demanda de que estas contribuições substituam outros entendimentos. Tanto quanto as contribuições são enriquecedoras, as demandas por exclusividade são destruidoras. Velhos entendimentos, é claro, se alteram quando novas descobertas lhes são trazidas, mas “radical” se refere à insistência da primazia.

Ofereço ilustrações como exemplo, amostras de um problema ubíquo. Assim, a psicologia do ego acrescenta muito ao nosso entendimento das formas como se processa o inconsciente. “Psicologia do ego radical” faria com que os clínicos sempre se agarrassem apenas à superfície, atentando apenas a como a mente de um paciente se observa e nunca se aventurando nas profundezas. Por exemplo, a psicologia do self acrescenta muito ao nosso entendimento das formas como uma pessoa lida com a necessidade essencial e reconhecimento e regulação da estima. “Psicologia do self radical” focaria tão integralmente questões de sintonia que nunca se deteria nos conflitos inconscientes. Por exemplo, a atenção ao aqui e agora da interpretação da transferência faz avançar muito nossas habilidades clínicas. O que poderia ser chamado “preocupação radical com o presente” repudiaria a preocupação com o passado como algo lesivo ao nosso campo. E a lista segue.

Isolamento absoluto pode intensificar um foco de atenção para tornar possível explorações e entendimentos mais profundos. No entanto, uma atitude de isolamento, o fracasso em se reconectar com o conhecimento mais amplo, resulta num isolamento hermético nada maravilhoso, que transforma as escolas em escolas radicais e as escolas radicais em cultos. Nestes momentos a autossatisfação sufoca a curiosidade verdadeira. Quando a rigidez narcisística toma lugar da abertura mental, estes analistas se assemelham aos revolucionários franceses dos quais se dizia que construíram suas prisões com as pedras da Bastilha.

Freud (em Brabant et al., 1994), sabedor do quanto é difícil autocrítica válida, escreveu a Ferenczi: “Autocrítica não é um dom agradável, mas é, junto à minha coragem, o melhor que tenho em mim” (p. 227). A abertura a visões contrastantes não apenas não é uma traição de pontos de vista, mas na realidade auxilia a pessoa a fortalecê-los.

 

Problemas entre escolas

Ainda assim, é natural e útil que nos juntemos e formemos escolas. Inseguros na solidão da criatividade e vulneráveis às reações dos outros, voltamo-nos a colegas que pensam de forma semelhante para encontrarmos suporte. Buscando ajuda quando desenvolvemos nossas perspectivas, somos suscetíveis a críticas de extremistas, de um lado, e à sedução inspiradora de figuras carismáticas, de outro lado. Precisamos de outros para ser dignos de confiança, respeitosamente honestos, se eles auxiliarem nossa capacidade autocrítica a crescer, assim como somos obrigados a ser respeitosos quando questionamos as novidades que ouvimos.

Mesmo quando as escolas não são radicais, elas necessariamente tomam posições diferentes e às vezes opostas. Contradições não são nem para ser negadas, nem integradas à força. Em vez de aceitar que pontos de vista contrários podem se sustentar de forma válida junto com um ponto de vista pessoal, somos tentados a nos recolher à segurança de uma ortodoxia privada. Então lutas partidárias se iniciam, batalhas semelhantes às de químicos disputando se é o hidrogênio ou o oxigênio que define o gosto da água.

Esta dificuldade tão familiar foi explorada pelas críticas incisivas de Gabbard (2007) à ideologia como uma fuga das demandas do princípio da sobredeterminação. Já que nenhum ponto de vista único é suficiente para um entendimento completo, esquecer que visões favorecidas são em si próprias abstraídas da totalidade da experiência é afastar-se do respeito à determinação múltipla. Gabbard reconhece o lugar da teoria enquanto metáfora na organização do pensamento, mas também mostra os limites das metáforas, deixando claro como suas teorias derivativas inevitavelmente se desmancham. A retirada defensiva para a ortodoxia está enraizada na tentação universal de proteger os sentimentos de certeza e a identidade pessoal dependente dessa certeza.

Nossa história é repleta de teorias hipertrofiadas a partir de conceitos baseados na experiência em orgulhosos pronunciamentos de identidade. Nós o vemos quando uma teoria é apresentada como uma bandeira para distinguir um grupo de outro, quando o debate sobre observações é substituído por uma política de identidade. Para grupos, assim como para indivíduos, não é o narcisismo da identidade que é destrutivo, mas sua forma imatura, na qual a vulnerabilidade da autodefinição afasta da capacidade de amar um ideal compartilhado.

O desenvolvimento de escolas separadas pode levar a dificuldades que resultam (1) de paroquialismo, (2) da dinâmica de grupo e estrutura das organizações e (3) do impacto das novas ideias e novos grupos na linguagem. Vou expor apenas umas poucas palavras sobre cada uma delas.

1) Problemas de paroquialização

A incerteza ansiosa intrínseca à criatividade estimula a pressão para a lealdade ao grupo. Como resultado, um novo grupo, vulnerável às reações das forças conservadoras tradicionais, tem a tendência regressiva de recair naquela posição desenvolvimental anterior, na qual o bom é visto como interno e o ruim como externo.

Quando um trabalho de dentro de um desses grupos não é aceito por um periódico estabelecido, a inferência é de que o establishment é hostil e fechado. Novos trabalhadores, em conversas de corredor, no isolamento que sentem, falam principalmente entre si. Para ter uma saída mais liberada para seu trabalho, estabelecem seus próprios periódicos, portanto diminuindo mais ainda a exposição de seu pensamento para a comunidade mais ampla. A seguir, dentro do grupo novo, os colegas mais jovens veem sua própria promoção realçada quando publicam no periódico do próprio grupo, com tais jornais locais vistos como mais vantajosos para o avanço interno no grupo.

Como resultado, sofrem tanto os grupos locais quanto a comunidade mais ampla. A paroquialização alivia o novo grupo de considerar amplamente ideias conflitantes desenvolvidas por outros. E ao restante da comunidade analítica nega-se o benefício do novo trabalho, a oportunidade de reavaliar e atualizar conhecimentos anteriores. Enquanto alguns periódicos novos enfraquecem e morrem, outros se estabelecem e acabam sendo valorizados pelo nível de seus padrões e riqueza de suas contribuições.

Um resultado é o desenvolvimento de duas camadas em nossa literatura, a ampla e a mais focada, ambas necessárias e ambas valiosas. Os que poderiam ser chamados órgãos da casa, como o International Journal of Psychoanalysis, o Journal of the American Psychoanalytic Association e o site PEP, tentam fornecer uma escuta ampla e justa para todas as escolas. Outros como o Psychoanalytic Quarterly, Psychoanalytic Dialogue e Contemporary Psychoanalysis (junto com muitos outros) fornecem caminhos para uma expressão mais próxima de cada ponto de vista. (Eu imagino que algo semelhante tenha ocorrido em outros idiomas.) Ambos os níveis são necessários, cada um deles complementando o outro.

2) Problemas das organizações

Além dos periódicos, as próprias organizações facilitam tanto a comunicação quanto, infelizmente, problemas compostos de exclusividade e isolamento.

O establishment analítico e o movimento analítico não são a mesma coisa. Ambos são vitais, formando uma dupla simbiótica assim como concorrente. O establishment é necessário para organizar um intercâmbio eficiente, para retirar o treinamento das idiossincrasias de um sistema de aprendizado para manter padrões. É conservador e é necessário que seja conservador. O movimento analítico, por outro lado, não é contido em seu questionamento de todas as formas estabelecidas de pensar e agir. É subversivo e é necessário que seja subversivo.

A tensão entre establishment e movimento é sinal de vida, e a análise desabrocha mais quando ambos funcionam em equilíbrio. Quando um sobrepuja o outro, todo o campo é prejudicado. Excesso de força no establishment leva à rigidez e escassez de descoberta. Excesso de fraqueza no establishment leva à licenciosidade mais do que à liberdade de movimento analítico, com lassidão de disciplina intelectual e resultando em análise selvagem. Excesso de fraqueza no movimento leva à estagnação conceitual e finalmente ao rigor mortis. Novas ideias nos impulsionam à frente, enquanto testar evidências nos protege da análise selvagem.

Esta tensão entre establishment e movimento também dá o tom de como os analistas se aproximam uns dos outros. Então não surpreende ouvir analistas dizerem em congressos e convenções que aprendem mais não nas salas de conferências e sim nos corredores ou nas mesas de café. Quando os colegas de diferentes escolas conversam informalmente, às vezes até sentindo que o fazem sub-repticiamente, eles têm a sensação de segurança que torna possível a troca aberta e livre.

Confrontations, uma série de discussões ao longo dos anos, publicada como Cahiers Confrontation, dá uma ilustração exemplar. Numa época em que a análise francesa parecia fragmentada, os analistas de diferentes escolas encontravam-se independente e informalmente, no início como um pequeno grupo nos consultórios dos membros organizadores. Livres das pressões competitivas de suas várias sociedades, esses encontros cresceram e se desenvolveram em uma troca de ideias cada vez mais aberta e fecunda.

Resultados semelhantes são vistos em outros grupos, quando analistas de diferentes sociedades se encontram do mesmo modo para trocar ideias em um ambiente onde nem status pessoal, nem avanços, nem potenciais encaminhamentos estão em jogo. As pessoas ouvem melhor o que os outros pensam e expõem melhor suas próprias incertezas quando nenhum dos presentes tem poder significativo. Com nossa experiência clínica, não deveríamos nos surpreender.

Em vez de sentir-se ameaçadas, organizações inteligentes reconhecem que se fortalecem, assim como a psicanálise em geral, facilitando o desenvolvimento de tais discussões transculturais privadas, longe da estrutura de poder da própria organização. “O privado” importa.

3) Problemas de linguagem

Palavras talvez sejam a maior, ainda que a mais diabólica invenção da humanidade. Na verdade, a linguagem talvez seja o aprendiz de feiticeiro da humanidade. Quando lhe perguntaram por que o ópio causava sono, o médico de Molière respondeu que é porque o ópio contém “um princípio dormitivo”.

Nomear às vezes torna-se um substituto do questionamento, um local onde a mente começa a cochilar. Um nome não é uma explicação, ainda assim os nomes que atribuímos aos processos e às teorias construídas a partir destes nomes às vezes se estendem muito além da evidência da qual se originaram.

Nossa fragmentação em escolas tem um problema paralelo na deterioração de uma linguagem comum em dialetos provinciais. Nós nos definimos por nossa linguagem e o fazemos defensivamente. Lembro-me de um amigo americano que pegou um objeto de cutelaria e disse: “Gozado, os franceses chamam isso de un couteau. Os alemães chamam de ein messer. E nós chamamos de faca – e é uma faca!”

Conhecendo os múltiplos níveis de tradução necessários para transformar sentimentos internos em palavras e conhecendo a natureza sempre mutante das palavras, é incrível que nos comuniquemos tão bem quanto o fazemos. Na realidade, o problema da linguagem está presente mesmo quando acreditamos estar num grupo que fala a mesma língua. Nunca duas pessoas falam verdadeiramente a mesma língua. Em vez disso, elas têm suficiente denotação e conotação em comum para, no geral, obter sucesso surpreendentemente bom no compartilhar de ideias. Mas apenas “no geral”.

Erros de comunicação ocorrem mesmo com palavras que julgamos compartilhar. As palavras mudam com o uso, de tal forma que palavras antigas carregam novos significados. “Ego” parece uma palavra tão simples, presente desde cedo em nossa história compartilhada. Ainda assim, quando “ego” é utilizada, alguns ouvem “segunda teoria estrutural”, alguns ouvem “self”, alguns ouvem “vaidade”, alguns ouvem “funções executivas mentais.” Palavras que, quando criadas, têm a força da especificidade, enfraquecem com a idade, com frequência se corrompendo em códigos polêmicos. Com tal complicação presente em palavras compartilhadas, até que ponto podemos ser otimistas quando usamos palavras que se referem a fenômenos recentemente reconhecidos?

A dificuldade é maior quando falamos com colegas fora dos círculos próximos, mesmo aqueles dentro da mesma sociedade analítica. A comunicação se complica ainda mais quando conversamos com analistas enraizados em outras culturas analíticas. Então, ingenuamente, agimos como se falássemos a mesma linguagem porque nos soa como se usássemos as mesmas palavras.

Boesky (2008) descreveu a impossibilidade de encontrar uma Pedra de Rosetta para nossa Babel de pluralismo. Às vezes usamos a linguagem para expor e, às vezes, para esconder. Às vezes criamos novas palavras para dar novos nomes a fenômenos recém-descobertos; às vezes forçamos velhos nomes para novas ideias. Além disso, às vezes usamos palavras diferentes para o mesmo fenômeno e, no mínimo de modo igualmente problemático, às vezes usamos a mesma palavra quando nos referimos a um conjunto diferente de forças com um conjunto diferente de implicações. As dificuldades abundam. A tentação de cunhar novas palavras para a teoria sempre é arriscada, e um risco é que isto esconda uma incapacidade de sermos suficientemente claros sobre novos pensamentos de forma a expressá-los em uma linguagem corriqueira.

 

Narcisismo e curiosidade

O que encontramos neste levantamento das dificuldades que podemos usar para enriquecer nosso crescimento continuado? Porque, felizmente, nossas forças são maiores que nossas fraquezas e Freud (1914) sabia o que dizia quando adotou como lema para o movimento psicanalítico aquele da cidade de Paris: Fluctuat nec mergitur. Ou seja: É sacudido pelas ondas, mas não afunda.

Nossa tarefa, como sempre, é expor e explorar as forças ocultas por trás de nossas dificuldades, e aquelas sempre presentes nesta consideração têm sido narcisismo e curiosidade. Narcisismo fala de investimento emocional voltado ao interior, enquanto a curiosidade se refere àqueles dirigidos ao exterior, mesmo quando encarando forças inconscientes além das forças do próprio self consciente. Narcisismo e curiosidade, interno e externo – como gêmeos conjugados – sempre vão a par e passo, mesmo quando em conflito.

Nosso estudo sobre narcisismo – começando com Freud, reforçado por Kohut, e recebendo contribuições de todas as escolas – é complexo demais para ser apreendido aqui em apenas um momento. No entanto, dois pontos são relevantes. O primeiro é aquele da segurança básica, a necessidade de um centro que dará sustentação para que o indivíduo possa se aventurar adiante. Quando este centro se sente atacado, o defendemos de forma reflexa: só se pode estar aberto à discordância quando nossa essência não se sente ameaçada.

O segundo ponto é que o narcisismo tem seu próprio curso de desenvolvimento em um continuum desde primitivo e imaturo até maduro. Tem-se dito, por exemplo, que os pais sentem uma dor maior quando um filho é ameaçado do que se a dor é dirigida a eles, em função de narcisismo projetado. Esta frase nos confunde. Seria mais acurado dizer que os pais têm capacidade para amar além do seu self imediato. Narcisismo maduro serve ao self cuidando do outro, importando-se com os outros e com ideais além de si mesmo. Segurança básica permite sentimento suficiente de self para tornar possível explorar além das estreitas autopreocupações. Como dizia Lao Tsé, ser profundamente amado por alguém lhe dá força, enquanto amar profundamente alguém lhe dá coragem.

A curiosidade também tem seu próprio continuum de desenvolvimento complexo. Está presente quando um bebê explora o seio da mãe e sua própria mão. Enquanto a impotência não for tão ameaçadora a ponto de ser desorganizadora, a criança consegue aprender sobre o mundo. A criança deseja tanto aprender quanto ter poder sobre o mundo. Curiosidade, com sua consciência despertada quanto à distinção entre self e o outro, invoca ambas as perguntas: “Quem sou eu?” e “Como é ser outra pessoa”?

Em relação à curiosidade assim como ao narcisismo, todas as escolas acrescentaram suas próprias contribuições, desde a atenção de Freud à curiosidade sexual e outros pensamentos posteriores sobre instintos de domínio aos atuais conceitos sobre o impulso em direção ao conhecimento. Agora, no entanto, devemos respeitar nosso alerta anterior sobre dicotomização simplista e evitar uma distinção muito estrita entre narcisismo e curiosidade. Para a criança no seio, assim como o analisando na análise, há uma unidade entre busca e satisfação, entre impulso e experiência definidora. Preocupação consigo próprio e vivência do outro são unitárias no processo de criação de significado. Satisfação em prol de si mesmo e busca no exterior, curiosidade sobre o mundo além de si mesmo nunca podem ser plenamente divididos.

Como isso se aplica a nosso problema enquanto comunidade psicanalítica? Como se aplica a nosso desejo de compartilhar e de aprender para que a psicanálise avance? O amor pela curiosidade do narcisismo maduro oferece acesso à nossa conversação. Experiência e maturidade nos ensinam que nos ouvem melhor quando nós próprios podemos ouvir melhor. De fato, é à medida que podemos considerar o outro mais abertamente que nos tornamos mais plenamente definidos como nós mesmos. Como Shevrin (2000) colocou tão bem: “Se Descartes estivesse vivo, diria ‘eu ouço, logo existo’”.

Também aprendemos que temos que conviver com certa ironia, com uma consciência pungente de que crescer implica perdas. À medida que a criança segura toma mais consciência do mundo exterior, este conhecimento traz consciência da finitude e, por fim, da mortalidade. Mas segurança suficiente possibilita aceitação, a modéstia autorrespeitosa baseada num centro que oferece sustentação. Reconhecimento e apreço, ver a si próprio como é visto e respeitado pelo outro são igualmente fundamentais, junto com segurança básica, acolhimento e continência para o narcisismo amadurecer. Curiosidade, desejo de conhecer o mundo e nele se engajar com vontade de arriscar a incerteza só podem crescer de forma sólida com base nesta mesma confiança.

Independente de preponderar narcisismo ou curiosidade, o caminho do infantil ao maduro nunca é uma Estrada Real. Sempre é marcado por conflito, por buracos e desvios. O self sempre é moldado pela sensação de estranhamento em relação ao universo em que nascemos. A estranheza da diversidade, mesmo quando atenuada pela confiança que se origina do amor inicial, tinge cada aspecto do encontro do próprio lugar no mundo, colorindo também o jogo contínuo de autodefinição e consideração pela diversidade. Independente do poder defensivo do narcisismo, independente de fantasias infantis de onipotência e de suposta onisciência, o mundo, incluindo o mundo interno, sempre supera nosso próprio entendimento e nosso domínio total. Confiança sem vulnerabilidade é a confiança da ignorância. Explorar é arriscar. Estarmos abertos uns aos outros, seja qual for a modalidade do congresso envolvido, é tornar-se vulnerável.

Porque ninguém pode conhecer tudo o que há para ser conhecido e porque nenhuma palavra pode ser a última palavra, a coragem de nossas convicções nunca pode ser maior do que a coragem de nossas convicções temporárias. O orgulho com que às vezes apresentamos nossas teorias sugere o medo da incerteza e a ansiedade de nos sentirmos diminuídos se aceitarmos a influência dos outros. A própria palavra achievement implica completude, ainda assim não nos diminuímos quando reconhecemos que nossas conquistas sempre podem se referir apenas àquilo que conhecemos até ali. A ciência nunca simplesmente é, mas sempre está se tornando.

O sentimento de “Eureka!” quando avançamos na ciência é tão satisfatório quanto o sentimento de “Aha!” na análise clínica. Ambos provocam orgulho. Ainda assim tais momentos se complementam mais se reconhecermos que, embora maravilhosos, eles jamais constituem o fim do entendimento. Novos insights, assim como a interpretação, são tanto um evento de comemoração quanto um recomeço. Cada novo progresso fortalece a possibilidade de progressos futuros – mas apenas quando o brilho do sucesso não nos ofusca deixando-nos presos na fixidez da vaidade.

Então, para encerrar, ofereço apenas uma sinalização de um caminho para estudo futuro. É o estudo daquelas forças intrapsíquicas e interpessoais que interferem na confiança em se tornar vulnerável no serviço de uma mente aberta. Quando o narcisismo e a curiosidade exploratória crescem juntos, quando o prazer em ajudar a próxima geração a se desenvolver é maior que o orgulho do prestígio, então nós e o campo que amamos crescemos mais. Quando o amor criativo pela curiosidade enfraquece, seja em nossa ciência, seja em nosso trabalho clínico, temos um sinal para recuar e explorar as causas de tal mudança. A ciência e nós enriquecemos quando o ensino e o aprendizado recíprocos vão verdadeiramente lado a lado.

 

Referências

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Freud, S. (1910). Letter from Sigmund Freud to Sándor Ferenczi, October 17, 1910. In: Brabant, E.; Falzeder, E., and Giampieri-Deutsch, editors: The correspondence of Sigmund Freud and Sándor Ferenczi Volume I, 1909-1014. Cambridge, MA: Belknap Press, p. 227.        [ Links ]

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Endereço para correspondência
Warren S. Poland MD
5225 Connecticut Avenue
Washington, DC 20015

Recebido em: 20.5.2009
Aceito em: 10.6.2009

 

 

1 Tradução: Angela M. Silveira. Revisão técnica: Carmem E. Keidann, Jussara S. Dal Zot e Maria Cristina G. Vasconcellos. Revisão: Clotilde Favalli. Conferência apresentada no 46o Congresso da Associação International de Psicanálise. Chicago, 29 de julho a 1 agosto de 2009. ipa – Psychoanalytic Practice: Convergences and Divergences.
2 Membro da American Psychoanalytic Association APsaA

 

Agradecimentos

Estou em dívida profunda com os Drs. Glen Gabbard, Charles Hanly, Stanley Needell, e Joram Piatigorsky por suas ricas contribuições a meu pensamento neste texto.

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