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Revista Brasileira de Psicanálise

versión impresa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál v.43 n.2 São Paulo jun. 2009

 

RESENHAS

 

 

Resenha: Maria Stela de Godoy Moreira1

Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

 

 

Rediscovering Psychoanalysis. Thinking and Dreaming, Learning and Forgetting

Thomas Ogden

Routledge, London and New York, 2009

No mais recente livro, Rediscovering Psychoanalysis. Thinking and Dreaming, Learning and Forgetting, Thomas H. Ogden (2009) não se refere aos costumeiros códigos morais ou éticos enquanto componentes da prática da psicanálise, mas aos valores mais amplos e que caracterizam sua específica maneira de trabalhar em análise: ‘ouvindo a música’ da fala do paciente, participando com ele nas experiências previamente não sonhadas. Sonha o sonho e escreve em sonho…

Entretanto, ele adverte:

Quando eu utilizo falar-como-se-estivesse sonhando sinto que seria necessário dar maior e não menor atenção ao setting. Parece-me que é necessário um bom lastro de experiência antes que o analista possa, de maneira responsável, se ocupar em falar com os pacientes da maneira como eu descrevi. (p. 30)

Lembramos da conexão com o conceito de rêverie, tão bem explorado em seu artigo de 1977, “Revêrie and interpretation: sensing something human”.

No capítulo 1, “Rediscovering psychoanalysys”, Ogden relata seu memorável encontro com Harold Searles em Chestnut Lodge. Encanta-se com a maneira como Searles descreve seus sentimentos com relação a seu paciente esquizofrênico e a coragem que demonstrou ao escrever sobre isso. Para obter alguma consistência numa conversa psicanalítica com este tipo de paciente, afirma Ogden, é absolutamente necessário aprender a técnica, mas também ter a disposição de esquecê-la. No lugar de interpretações ou intervenções psicanaliticamente corretas, ser capaz de apenas conversar com o paciente, sempre mantendo uma particular atenção ao setting. “Quando sou capaz de falar com o paciente dessa maneira, parece que parei de ‘fazer interpretações’ e oferecer outras formas de ‘intervenções psicanalíticas’ e estou ‘simplesmente falando’ com o paciente… falando simplesmente – livre de clichês, jargões, evitando uma tonalidade de voz ‘terapêutica’, cheia de ‘sabedoria’”.

No capítulo 2, “On talking-as-dreaming”, Ogden retoma a noção de análise como uma “preocupação” (going concern de Winnicott, 1971) possibilitando o surgimento de um lugar onde a área de sonhos do paciente intercepta a área de sonhos do analista, viabilizando o dream work e a função psicanalítica. Lembra Grotstein (2000), o sonhador inconsciente que sonha o sonho – dreamer who dreams the dream – e os sonhos que ainda não foram sonhados. Como não poderia deixar de ser, encontramos Bion (1962a) e a função alfa que transforma as impressões sensoriais cruas em experiências emocionais.

No capítulo 3, “On psychoanalytic supervision”, o autor contrasta os sonhos interrompidos onde acontece uma ruptura momentânea da capacidade da pessoa dormir, acordando de um pesadelo em estado de medo e os sonhos não sonhados, que revelam uma inabilidade para sonhar a experiência vivida. Estes podem se manifestar em desordem psicossomática, perversão, terror noturno, bolsões psicóticos e estados esquizofrênicos de não experiência (Ogden, 1980).

Relata a supervisão em que acompanhou uma médica pediatra submetida a uma verdadeira tortura por uma paciente imensamente gorda e o desenvolvimento de uma transferência psicótica, aventando a hipótese da possível ocorrência de uma psicose contratransferencial. Aponta para o papel do supervisor que seria, então, a de facilitar aspectos do trabalho de sonho do supervisionando que este não conseguiu sonhar previamente.

Sugere que a incapacidade de sustentar um estado receptivo de rêverie, aponta para a limitação dessa habilidade no supervisionando.

No capítulo 4, “On teaching psychoanalysys”, afirma que o ensino da psicanálise abre um espaço para pensar e sonhar numa situação em que o não entender prevalece. Sugere vários tópicos: como ler escritos psicanalíticos, ensinar a clínica como uma forma de sonho coletivo, ler poesia e ficção para treinar o ouvido, salientando a arte de aprender a esquecer o que aprendemos.

Ogden apresenta três ou quatro seminários, realizados com pequenos grupos, e suas discussões alternadas com outros três ou quatro encontros nos quais um apresentador lê suas notas sobre sessões mais recentes, expondo sua vivência em rêverie e seus sentimentos contratransferenciais, mas sem ferir sua privacidade. Tive o privilégio de assistir alguns encontros e apresentar material clínico. O grupo é aberto, no sentido de não ter começo nem fim. Senti que fui acolhida como um deles e não como uma colega convidada.

O capítulo 5, “Elements of analytic style: Bion´s clinical seminars”, apresenta três seminários que aconteceram em Brasília em 1975. Examina a fala do apresentador e os apartes de Bion, mas também o que deveria estar acontecendo naquele instante no momento do relato, quando Bion oferece uma interpretação não obstrusiva ao apresentador. É como se Ogden estivesse presente, sentindo, observando, pensando, interpretando, aqui e agora conosco.

Capítulo 6, “Bion’s four principles of mental functioning”. Ogden inicia afirmando: Pretendo organizar a teoria do pensar de Bion em quatro princípios do funcionamento mental, mas isto é meu projeto, não de Bion. Bion nunca usou esse termo em relação ao seu próprio pensamento, como Freud (1911) o fez.

O primeiro princípio do funcionamento mental: O ser humano tem necessidade de Verdade. A relação entre realidade e pensamento, enfatizando a experiência emocional é bem diferente de Freud, cuja primazia é dada ao instintual. Analisa Experiences in Groups (Bion, 1959) e salienta três itens na teoria do pensar:

a ideia do não pensar

tolerância ao não saber

o conceito de visão binocular (Bion, 1962a)

O segundo princípio do funcionamento mental: é necessário duas mentes para metabolizar um pensamento perturbador.

Em terceiro, pensar para desenvolver os pensamentos; conceitos de elementos beta, alfa; continente-contido.

Quarto: Sonhar e a função psicanalítica da personalidade e sonhar é o processo para realizar essa função.

Capítulo 7, “Reading Loenwald. Oedipus reconceived”. Na história da psicanálise, o complexo de Édipo foi reinterpretado várias vezes, por exemplo por Klein, Fairbairn, Lacan, Kohut. Ogden entende que é tarefa de cada nova geração fazer uso, destruir e reinventar a criação de uma geração prévia, como forma de enriquecer a observação dos fenômenos mentais sem os deformar.

Capítulo 8, “Reading Harold Searles”. Estabelece uma complementaridade entre Searles e Bion. Searles tendia a formular seu pensamento de modo mais abstrato, nisto contrastando com Bion (1962b) e sua teoria sobre o pensar. Ogden acha indispensável que o estudioso destes psicanalistas esteja suficientemente familiarizado com o trabalho de ambos porque só assim poderá apreciar as propostas de cada um.

Numa linhagem que, a partir de Freud, encaminhou-se pelas vias da psicanálise anglo- americana depois que se tornou possível estudar tanto Klein quanto Winnicott, tanto Bion quanto Searles, Ogden formula uma síntese nova por que totalmente elaborada sobre sua cultura humanística e do coração da sua experiência como psicanalista, para revivificar os aspectos que perderam a vitalidade pelo excesso de teorização, sem abandonar o fundamento científico nos fatos e a criatividade que se espera de todo aquele que convive com conhecimento e rêverie, racionalidade e emoção. A leitura da obra de Ogden é um testemunho da sua trajetória e uma fonte de enriquecimento para cada analista que se dispõe a rever suas perplexidades e reencontrar a matriz do pensamento psicanalítico.

 

Referências

Bion, W. R. (1962a). Learning from Experience. In Seven Servants. New York: Aronson, 1975.        [ Links ]

_____ (1962b). A theory of thinking. In Second Thoughts. New York: Aronson, 1975, p. 110-119.        [ Links ]

Freud, S. (1911). Formulations of the two principles of mental functioning. SE. 12.        [ Links ]

Grotstein, J. S. (2000). Who is the Dreamer who Dreams the Dream? A Study of Psychic Presences. Hillsdale, NJ: Analytic Press.        [ Links ]

Ogden, T. H. (1980). On the nature of schizophrenic conflict. International Journal of Psychoanalysis, 61: 513-533.        [ Links ]

Winnicott, D. W. (1971). Playing: A theoretical statement. In Playing and Reality. New York: Basic Books, p. 38-52.        [ Links ]

 

 

1 Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP.

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