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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.43 no.4 São Paulo  2009

 

EDITORIAL

 

Este é o último número feito por este grupo editorial. Trabalhamos com uma equipe predominantemente jovem e muito nos orgulha os resultados obtidos dos quais, entre eles, destaca-se a criação de um novo grupo capaz de colaborar nas tarefas institucionais às quais fazemos face. Esta edição trata predominantemente de questões institucionais. O pretexto para esta reflexão origina-se da comemoração do centenário da Associação Psicanalítica Internacional (IPA). Fundada em 1910 por Sigmund Freud, teve como objetivo divulgar e proteger a nova disciplina de modo a manter íntegro o seu método e sua prática. Organizou-se como uma associação de membros, à medida que era pequeno o número de praticantes da psicanálise e, diante de turbulências que a situação política apresentava, teria como finalidade dar guarida e proteção aos seus praticantes. A migração era frequente, às vezes mesmo dolorosamente necessária. Esta forma organizativa se manteve, apesar das enormes mudanças ocorridas no cenário tanto da prática e aceitação da psicanálise como do meio sociopolítico que abriga esta prática. Para apontar rapidamente algumas mudanças, a psicanálise, que de forma alguma se mantém restrita aos limites da organização fundada por Freud, tornou-se patrimônio da humanidade. Mesmo dentro dos marcos de sua organização tradicional os analistas têm uma forma organizacional onde a filiação somente se dá primariamente através de sociedades psicanalíticas locais e a seguir nas federações. Apesar de sua imensa importância é comum os analistas sentirem uma enorme distância da organização internacional. É frequente a crítica, mas, por outro lado, é raro o abandono da filiação da organização internacional. Esta teve aperfeiçoamentos no decurso de sua história, permanece tendo enorme importância na afirmação da identidade dos praticantes, podemos inclusive notar que todos grandes desenvolvimentos teóricos clínicos se dão nos marcos dessa organização. Mesmo assim, tendo como pano de fundo a existência forte e segura da IPA, a reflexão crítica é necessária e permanente: faz sentido sermos uma organização de membros ou seria também interessante contemplar uma organização por sociedades? O que seria mais democrático e representativo? Quais as consequências favoráveis e desfavoráveis de uma organização ter o controle da reprodução de seus membros? Como favorecer a criatividade e evitar os excessos da tradição e da burocratização das instituições? São perguntas que estão sempre presentes e encontram respostas parciais e permeiam nossa participação. Nada melhor para comemorar nosso centenário do que propor uma participação reflexiva.

As instituições têm méritos e mazelas em comum, assim iniciamos nosso número com uma entrevista com o secretário municipal da cultura Carlos Kalil, que tem ampla participação e reflexão acerca de organizações culturais das quais fez parte. Como contraponto especificamente psicanalítico teremos, entre outros, os comentários de Claudio Eizerik, primeiro presidente brasileiro da IPA e o artigo de Plinio Montagna, presidente da SBPSP e um dos representantes latino-americanos no Board atual.

Não resisto à tentação de remeter os leitores que, além de lerem o que publicamos, que se detenham sobre o livro de Domenico de Masi, A Emoção e a Regra, Os Grupos Criativos na Europa de 1850 a 1950. Nesse livro, ao se estudarem grupos como Bauhaus, Instituto Pasteur, Escola de Frankfurt, grupo Bloomsbury e outros, visualizam-se as mudanças encontradas por grupos no modelo pós-industrial onde o fordismo, o taylorismo, o stakanovismo de inspiração na construção eficaz de linhas de montagem dá lugar a formas organizativas onde a necessidade criativa ganha a primazia.

D. Masi encontra nesses grupos as seguintes características que cito textualmente:

… convivência pacífica, na mesma equipe, de personalidades maníaco-depressivas com personalidades dotadas de grande equilíbrio; a procura obstinada de um ambiente físico acolhedor, bonito, digno, funcional; a flexibilidade dos horários, mas também a capacidade de sincronismo e de pontualidade; a interdisciplinaridade e a forte complementaridade e afinidade cultural de todos os membros; a habilidade na concentração de energias de cada um no objetivo comum; a capacidade de captar tempestivamente as ocasiões, de calibrar a dimensão do grupo em relação à tarefa, de encontrar os recursos, de contemporizar a natureza afetiva com o profissionalismo de modo a facilitar o intercâmbio entre desempenho e funções. Mas o que se destaca acima de qualquer outro aspecto é a preeminência do líder-fundador, capaz de uma dedicação quase heróica para com o objetivo; excepcionalmente eficaz na criação de um set psicossocial, um clima, um fervor fora do comum…

Não podemos deixar de ver essas características nos momentos pioneiros de nossas organizações, mas será ainda assim hoje? Temos ainda líderes carismáticos? N ecessitamos deles ainda? Serão as características nomeadas por D. Masi realmente as que necessitamos? Esperamos que este número possa enriquecer as perplexidades que compartilhamos.

Despedimo-nos aqui, já com a nostalgia de uma prática que nos foi enriquecedora e de um convívio da equipe com seus colaboradores e leitores que sempre nos foi gratificante.

Permanece nossa gratidão…

 

Leopold Nosek
SP, fevereiro 2010

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