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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.44 no.1 São Paulo  2010

 

ARTIGOS

 

IPA – Cem anos de resistência

 

IPA – Cien años de resistencia

 

IPA – A hundred years of resistance

 

 

Leonardo A. Francischelli,1 Porto Alegre

Endereço para Correspondência

 

 


RESUMO

O texto trabalha a fundação da IPA em seus detalhes históricos e as vicissitudes que presidiram seu nascimento. Todos os personagens fundamentais que construíram essa Associação circulam – com suas aproximações e rivalidades – na construção dessa Associação, assim como o porquê da sua imprescindibilidade. A constituição do chamado "Comitê Secreto", por um lado, e a presença do "Estrangeiro" por outro, possibilitam constituir um par dialético em que o endogâmico rivaliza com exogâmico. O "estrangeiro" é o lugar de Jung, o exogâmico, enquanto o "Comitê Secreto" é o endogâmico. Em outros termos, um está constituído para vigiar o outro. Finalmente, a ética da fidelidade é substituída pela ética da liberdade.

Palavras-chave: IPA; fundação; ética; fidelidade; liberdade.


RESUMEN

El texto trabaja la fundación de la IPA con detalles históricos y vicisitudes que presidieron su nacimiento. Todos los personajes fundamentales que construyeron esa Asociación figuran – con sus aproximaciones y rivalidades - en la construcción de esa Asociación así como el motivo de su indispensabilidad. La constitución del llamado "Comité Secreto", por un lado y la presencia de lo "Extranjero" por el otro, pudieron constituir un par dialéctico donde el endogámico rivaliza con el exogámico. El "extranjero" es el lugar de Jung, mientras que el "Comité Secreto" constituye el endogámico. Dicho de otro modo, uno está constituido para vigilar al otro. Finalmente, la ética de la fidelidad es substituida por la ética de la libertad.

Palabras clave: IPA; fundación; ética; fidelidad; libertad.


ABSTRACT

The text deals with the foundation of IPA in its historical details and the problems that appeared before its birth. All the essential people who built this Association wander – with their similarities and antagonisms – in the building of the Association, as well as the reason for its vital indispensability. The establishment of the so-called "Secret Committee", on one hand, and the presence of the "Foreigner", on the other, allow for the constitution of a dialectic pair, where the endogamous rivals the exogamous. The "Foreigner" is Jung’s territory, the exogamous, while the "Secret Comitee" is endogamous. In other words, each is built to watch the other. Finally, the ethics of fidelity is substituted by the ethics of liberty.

Keywords: IPA; foundation; ethics; fidelity; liberty.


 

 

O verdadeiro crime é o silêncio.
Hanna Segal2

Foi no início do século XX, em Nuremberg, durante a realização do II Congresso de Psicanálise, que nasceu a IPA. Isso aconteceu em 30-31 de março de 1910. Jung torna-se o primeiro presidente.

Freud incumbiu seu partidário húngaro, Sándor Ferenczi (dois anos mais novo do que Jung e, portanto, um irmão mais novo simbólico), que anunciasse à assembleia a proposta de Freud para a criação de uma Associação Internacional de Psicanálise em que Jung exerceria a função de presidente permanente e seu parente suíço, Franz Riklin, a de secretário. Uma explicação para o fato de o próprio Freud não ter feito o anúncio é que ele esperava desviar a indignação justificada do grupo vienense, o qual achou que Freud os havia insultado ao escolher um estrangeiro. Os vienenses ultrajados, que Adler reunira num quarto de hotel, foram surpreendidos pela inesperada chegada de Freud. Este fez um apelo veemente. "Ele estava ficando velho; o movimento só poderia sobreviver se expandisse suas fronteiras para além da comunidade judaica" (Grosskurth, 1992, p. 65).

Segundo testemunha Freud: "Como finalidade da Associação se estabeleceu o seguinte: cultivar e promover a ciência psicanalítica fundada por Freud em sua condição de psicologia e em sua aplicação à medicina e às ciências do espírito; alentar o apoio recíproco entre seus membros em todos os esforços por adquirir e difundir conhecimentos psicanalíticos." Unicamente por parte dos vienenses encontrou o projeto viva oposição. Adler expressou com apaixonada excitação o temor de que se intentasse "uma censura e uma restrição da liberdade científica" (Freud, 1914/1979a, p. 43).

Talvez devesse ter começado com Freud e não com Grosskurth. Entretanto, iniciar com Grosskurth pareceu-me apropriado, visto que somos, por ofício, desconfiados. Então, nada melhor do que partir de uma fonte distante de Freud temporalmente e, em seguida, localizar no pai fundador a confirmação do que era sustentado por Grosskurth.

Não pairam dúvidas acerca da necessidade da fundação de um corpo para "cultivar e promover a ciência psicanalítica" em âmbito internacional, tanto ontem como hoje. Eu diria até mais hoje do que ontem. Por outro lado, sinto-me tentado a levantar uma questão sobre a nossa fundação organizacional: quem tinha razão, Freud ou os vienenses?

Sobre a presença efetiva da IPA, basta observar a frequência das sessões de análise. Se não tivesse se mantido a exigência de quatro sessões semanais para a formação de novos analistas, não saberíamos dizer onde estaríamos hoje. Todos sabemos da importância da alta presença do analisando em análise. A "teimosia" da IPA em nunca afrouxar nesse detalhe da formação, sumamente importante, é uma marca registrada de nossa instituição.

Parece-me válido o argumento de Freud ao colocar um "estrangeiro" na presidência da IPA no momento mesmo da sua fundação, pois "o movimento só poderia sobreviver se expandisse suas fronteiras para além da comunidade judaica". Talvez assim introduzisse a diferença necessária para reassegurar a identidade analítica.

Dr. Freud enxergava longe. Sabia das resistências que a psicanálise sofreria, e por essa razão era necessária uma associação internacional para protegê-la dos ataques que viriam de todas as direções. Contudo, a reação do grupo vienense já reflete uma resistência no seio mesmo do movimento, ainda que de caráter político, que deixou sua marca em nossa fundação. As bases precisam ser escutadas. Sem isso, o nível democrático de qualquer sociedade sofrerá uma marcada falência em seus princípios.

Esses conflitos surgem quando muitos atos nascem de uma só cabeça, mesmo que seja da cabeça do fundador. E, ao fundar a IPA, Freud estava certo. Mas isso, como sabemos hoje, passados 100 anos, trouxe muitas dificuldades.

Em 1925, em seu trabalho autobiográfico, lemos: "No congresso de Nuremberg, de 1910, se organizou, com proposta de Sándor Ferenczi uma "Associação Psicanalítica Internacional", composta por grupos locais e dirigida por um presidente. (…) Como primeiro presidente fiz eleger a C. G. Jung, um passo bem infeliz, como depois se veria" (p. 47).

Passados poucos anos da fundação, em 1915, aconteceu a ruptura Freud/Jung. As bases dessa quebra vincular entre o pai fundador e o filho escolhido são de cunho teórico. Não entrarei nas dificuldades pessoais dessa relação. Contudo, o episódio Sabrina Spielrein desempenhou um papel importante.

"Os dois homens estavam presos em uma relação fatal, e Freud estava sempre atento a sinais de que Jung tinha planos desonestos para suplantá-lo" (Grosskurth, 1992, p. 65)

Poderíamos, então, conjeturar que o grupo vienense também enxergava longe quando mostrou indignação pela escolha de Jung por Freud.

Pouco tempo depois, "na primavera de 1912, Sigmund Freud reuniu seus colegas mais chegados – Ferenczi, Abraham, Rank, Sachs e Jones – e a cada um deu um anel, simbolizando a formação de uma nova força na psicanálise e garantindo a lealdade eterna de todos ao mestre. Freud chamou esse grupo de seu "Comitê Secreto" (Grosskurth, 1992, contracapa).

É interessante observar que Max Eitingon só compõe o "comitê" a partir de outubro de 1919.

Jung renuncia à IPA em abril de 1914. A partir de então os próximos sucessores de Jung na presidência da IPA foram todos integrantes do "Comitê Secreto".

A sugestão da formação de um grupo especial, particular, nasce de Jones: "Como uma alternativa, sugeriu que fosse formado um comitê secreto como uma guarda pretoriana ao redor de Freud. O objetivo não declarado, naturalmente, era controlar Jung, manter um informe vigilante em que eles fariam um relatório para Freud. A reação de Freud (primeiro de agosto de 1912) foi muito entusiástica" (Grosskurth, 1992, p. 75).

Nessa ocasião, Freud escreve uma carta na qual esclarece, a Jones, pensar que a ideia original de formar o comitê secreto fosse de Ferenczi, quando, na verdade, o pensamento de organizar um grupo de fiéis seguidores nasceu no próprio grupo. Isso significa que Freud fazia seus seguidores falarem por ele.

Dessa breve história das origens e nascimento da IPA, observo uma concordância absoluta dos integrantes iniciais do movimento em contar com uma instituição que cultivasse e promovesse disciplinadamente a ciência psicanalítica.

Esse mesmo critério orientou a escolha do nosso primeiro presidente, sob protesto dos vienenses que, logo após a queda de Jung, por meio do "Comitê Secreto", dirigem nossa entidade mater por um longo tempo. Esse tempo foi desde o quinto congresso, de 1918, até o décimo sexto, em 1949, contando com um intervalo de 1938 até 1949, justamente o último congresso presidido por um membro do comitê secreto.

O fato de nosso primeiro presidente transformar-se em um desafeto teórico de Freud, entre outras particularidades, suscita interrogantes até nossos dias. Esse "estrangeiro", que viria a colocar a psicanálise para "além da comunidade judaica", passou a ocupar um lugar de desconfiança. Talvez, por isso mesmo, "a principal tarefa a cumprir era preservar a pureza da teoria psicanalítica. O comitê fora formado em 1912, por estímulo de Ernest Jones" (Grosskurth, 1992, p. 47).

Novamente as ideias circulam de um para outro, mas parece que elas nascem sempre do mesmo lugar: da cabeça de Freud.

Sem grandes dificuldades, podemos arquitetar que Freud, além de um grande inventor, criador, foi também um grande político, ou melhor, um grande general estrategista, identificado, seguramente, com Aníbal, seu grande ídolo infantil. Entretanto, como sabemos, esse, como outros heróis da infância freudiana, foi identificado como herói trágico. O próprio Aníbal, após vencer os romanos como havia prometido a seu pai, não realiza o golpe final. Isso permitiu aos romanos reorganizar suas forças e partir sobre Cartago sem deixar pedra sobre pedra.

Ao recair a primeira escolha em Jung ficamos livres para pensar que aí também podemos registrar a marca do trágico, pois pouco tempo depois de ascender ao cargo de presidente da IPA, Jung renuncia como Aníbal renuncia à vitória.

Aquele que fora colocado como presidente da organização que tinha como ideal defender os fundamentos da nova ciência, abandona o barco em meio a uma profunda discussão teórica com o próprio fundador.

Freud poderia ter previsto esse desfecho?

Impossível dizê-lo. Contudo, um casamento teórico-ideológico de tão pouca duração, no qual as divergências no pensar, nas bases metapsicológicas da psicanálise se fizeram tão presentes, dá lugar a alguns exercícios especulativos.

Talvez o principal deles seja que Freud tenha se equivocado ao convocar Jung para uma hierarquia tão representativa somente para afastar da psicanálise, como ele mesmo dizia, a marca judaica. Porém, isso adquire um valor muito particular à medida que admitimos a força dos preconceitos que sempre estão presentes para denegrir qualquer mobilização do estabelecido.

Particularmente nos seus começos, sem dúvida a psicanálise representou uma força disruptiva, subversiva em relação aos costumes vigentes; nesse sentido, a escolha de Freud não merece reparos.

Mesmo assim, como o conflito teórico entre ambos se fez sentir no andar da descoberta do novo instrumento para vencer o sofrimento alojado na alma do homem de uma forma rápida e contundente, sem possibilidades de recomposição, a ruptura foi inevitável.

Em 1921, portanto alguns anos depois, Freud escreve, em "Psicologia das massas e análise do eu", que prefere evitar concessões à covardia: "primeiro se cede nas palavras e depois, pouco a pouco, na coisa mesma". Gostaria de salientar que essa forma de olhar o mundo das ciências já se encontrava em Freud muito antes de formulá-la com a clareza que constatamos na referência acima. Já estava presente em seus debates teóricos com Jung, e que conduziram à ruptura entre os dois homens.

Interessante. Não ceder nas palavras. Creio que aqui podemos traduzir "palavras" por conceitos. Então, não ceder nos conceitos. Se Freud houvesse cedido em seu debate com Jung sobre o conceito da "libido", teríamos hoje a mesma psicanálise?

Observamos aqui uma outra marca freudiana: não ceder nas coisas básicas, naquilo que faz realmente sentido, na construção de uma ciência, já que, através de concessões teóricas significativas tudo poderá ser posto em risco. Dentro dessa perspectiva, poderíamos questionar o quanto hoje somos devotos, não no sentido religioso que a palavra denota, mas sim na direção de uma fidelidade científica, na qual confundir uma ideia pode desfazer toda construção de uma teoria. Se Freud tivesse cedido a Jung, hoje compreenderíamos a "libido" de outra forma. E que psicanálise teríamos?

Encontramos em Lacan uma fórmula semelhante: "não ceder ao desejo".

Ainda que os termos não sejam completamente compatíveis, pois conceitos (palavras) não são o mesmo que desejos, é possível articulá-los à medida que pensamos que aquilo que os aproxima é a ideia de não ceder, visto que, cedendo, desanda a base filosófica que sustenta um pensamento científico

Outra ilação, talvez ousada, entretanto bastante sensível aos acontecimentos históricos, seria a de aproximar a década de 1950/1960 com aquela da dissidência Freud/Jung, ou seja, a década de1910/1920, quando Freud se aparta de Jung por divergências teóricas e este último deixa a sociedade internacional. Lacan, muito mais próximo do nosso tempo, é afastado do seio da internacional por uma diferença no emprego da técnica.

Por outro lado, Lacan, que tampouco era judeu, batizou seus seminários de "um retorno a Freud".

Cismas sempre haverá, sempre sairá alguém. Muitas sociedades geram outras. Isso sempre é factível na história dos nossos progressos. O que preside essas multiplicações, muitas desnecessárias, não são os mesmos motivos que vínhamos colocando acima, e sim aquilo que poderíamos caracterizar como "o narcisismo das pequenas diferenças" como o denominou Freud em "Psicologia das massas e análise do eu".

Em nossa clínica de todos os dias estamos habituados a descobrir em nossos analisandos fatos históricos de sua infância, como humilhações sofridas, causadas pelos próprios pais, e a isso chamamos traumas. Traumas que marcam o futuro daquele "infans" que, ainda sem a palavra, já padeceu marcas indeléveis, como aquelas feitas a ferro e fogo em animais, e que só modificamos pela presentificação no espaço analítico, mediatizado pela transferência.

Nenhum de nós ignora os efeitos desses traços de memória e o profundo trabalho analítico que isso implica nas reeleborações que permitem devolver, ou melhor, substituir o sofrimento neurótico por um sofrimento comum presente em todos os seres que dispõem da palavra.

Se isso atravessa as histórias individuais, também afeta a vida das instituições.

A construção do "círculo secreto" deixou suas marcas. Uma delas, talvez a mais notável, foi a de que as atas da IPA eram secretas, assim como o "círculo secreto". E aí observamos um fato notável: coube ao primeiro presidente latino-americano da IPA abolir essa prática antidemocrática.

Sabemos todos que neste canto do mundo a prática democrática viveu vicissitudes de toda ordem. Nossa prática democrática sempre sofreu profundas interrupções. Em seu lugar colocaram-se nefastas e insondáveis ditaduras que marcaram de forma indelével a memória do povo latino-americano.

Pois foi justamente alguém educado nessa alternância de regimes políticos, tão daninha para a formação de um ideário republicano, que veio libertar a IPA dos grilhões de um passado secreto, abrindo suas atas a todos os componentes da nossa instituição maior. Com esse ato, com esse gesto, nossa América Latina se credenciou a um lugar importante no cenário psicanalítico internacional. Saímos da infância para o mundo adulto. Marcamos nosso espaço. E isso faz muito pouco tempo. Foi na década de 1990, com a administração de R. Horácio Etchegoyen.

O levantamento das atas secretas promoveu uma ventania que arejou todo nosso passado, criando bases sólidas para percorrermos o século XXI. Além disso, outro latinoamericano, Cláudio Laks Eizirik, exerceu sua presidência com vontade democrática, talvez sem paralelo em nossa existência de 100 anos.

Talvez caiba ainda uma observação final: a partir da publicação de "Moisés e o monoteísmo", de 1939, mas que na realidade se origina em 1914 quando escreve "O Moisés de Michelangelo", Freud inverte a interpretação sobre as tábuas da lei. Ao descer do Monte Sinai, ao encontrar os Adoradores do Bezerro de Ouro, em vez de jogar as tábuas Moisés as contêm contra o próprio corpo, protegendo-as.

A profunda e intensa admiração pela estátua de Moisés, esculpida por Miguel Ângelo, e o fascínio pela figura gigantesca desse líder e condutor de um povo, repercutiram na alma de Freud.

Ele, no fim da vida, encontra-se com Moisés para discutir a origem de um outro fundador, o fundador da religião mosaica. E lhe dá uma origem estrangeira.

Podemos localizar aqui, quem sabe, essa necessidade da marca estrangeira na fundação de um movimento que nasceu com o fim de sustentar a psicanálise na trilha da nossa especificidade, do nosso método, de nossa prática e de nossa teoria.

Essa posição de Freud diante de Moisés deu lugar a uma especulação em torno de sua própria inserção dentro do movimento analítico.

Isso nos permite mencionar outro comentário sobre a escolha de Jung por Freud: "depois de procurar fazer de Carl Gustav Jung o guardião de uma psicanálise desjudaizada (a fim de demonstrar a seus adversários que ela não era uma "ciência judaica"), Freud havia mudado de ideia, reivindicando, com seu movimento, uma ética da fidelidade, calcada num sentimento de pertencer à judeidade" (Roudinesco, 1998, pp. 518-519).

Assim fechamos nossa exploração sobre o movimento analítico desde a fundação da IPA há 100 anos. De alguma maneira percorremos um caminho circular, parafraseando o "círculo secreto". Partimos de Jung como uma marca contra os pré-conceitos pela possível ideia de uma "ciência judaica", mas verificamos que, na realidade, operavam outras questões como a "ética da fidelidade", calcada em um pertencer a um lugar, a uma determinada estirpe.

O evento de levantar as atas secretas da IPA por parte de um latino-americano, pode ser considerado um retorno do reprimido que insistia em se fazer presente na consciência, desfazendo, dessa forma, equívocos históricos da fundação. Atualmente, o que predomina não é mais a "ética de fidelidade", ligada ao puro, mas sim a "ética da liberdade" que não aceita um pensamento único.

Ainda que nosso ideal seja orientado pela "ética da liberdade", ou mesmo pela "ética da hospitalidade", como diz Derrida, somos obrigados a admitir uma dinâmica, uma dialética constante entre a "ética da fidelidade" e a "ética da liberdade" que atravessa nossas instituições.

Nasceu, portanto, na América, um gesto que fortificou a IPA. É a marca de que a psicanálise latino-americana absorveu a sentença de Goethe empregada por Freud, de "tomar posse do herdado, para fazê-lo próprio".

 

Referências

Grosskurth, P. (1992). O círculo secreto. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Freud, S. (1979a). Contribución a la historia del movimiento psicoanalítico. In S. Freud, Obras Completas. (Vol. 14, p. 43). Buenos Aires: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1914).         [ Links ]

Freud, S. (1979b). Psicología de las masas y análisis del yo. In S. Freud, Obras Completas. (Vol. 18, p. 87). Buenos Aires: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1921).         [ Links ]

Freud, S. (1979c). Presentación autobiográfica. In S. Freud, Obras Completas. (Vol. 20, p. 47). Buenos Aires: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1925).         [ Links ]

Roudinesco, E. (1998). Dicionário de Psicanálise. (pp. 518-519). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Leonardo A. Francischelli
[Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre SBPdePA]
Rua Tobias da Silva, 267/206
90570-020 Porto Alegre , RS
e-mail: leofrancischelli@yahoo.com.br

[Recebido em 24/02/2010, aceito em 17/03/2010]

 

 

1Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre SBPdePA. Presidente da FEBRAPSI.
2 Citado por Cristopher Bollas, em entrevista a Vincenzo Bonaminio, em revista da Sociedade Argentina de Psicanálise, número 10, de 2007.