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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.44 no.1 São Paulo  2010

 

INTERCÂMBIO

 

Do "Projeto" à "Interpretação dos Sonhos": Ruptura e fechamento1

 

André Green2, Paris

Endereço para Correspondência

 

 

A chaque coup de pied, on meut les fils par milliers

Les navettes vont et viennent

Les fils glissent invisibles

Chaque coup les lie par milliers.3

(Goethe, Faust, I, cité par Freud)4

 

Rêve. n.m. (1674 MALEBR; donné comme vieux

en 1960 par FURET, et comme "bas et de peu d'usage"

par TREV. (1732); dériv. de rêver).

RÊVER. v. intr. et tr. (Resver au XIIIe S., "aller

çà et là pour son plaisir"(GODEFROY).

Le Robert

 

Abertura

Como e por que Freud passa do modelo teórico que ele constrói em O Projeto para uma psicologia científica (1895), para aquele que nasce em A interpretação dos sonhos (1899- 1900)? É essa a nossa questão. O tema não é novo, mas merece uma discussão cuidadosa. O interesse de tal trabalho é que a resposta a essa questão também é uma indagação a respeito da obra e de seu autor, pois é claro que a resposta não pode ser unívoca. Os planos se enredam: a experiência clínica, a experiência pessoal, a experiência teórica aliam-se e opõem-se resultando numa grande obra. Vamos misturá-los deliberadamente. O que mais marca o trabalho psicanalítico é talvez fazer intervir esses encontros de uma maneira que não seja ocasional. A sobredeterminação presente no sonho atua no interior da própria obra. Para o analista esse não é um obstáculo que torna seu resultado relativo. Pelo contrário, é um instrumento de grande alcance, desde que sua própria análise permita que ele o utilize de maneira eficaz. Enquanto hoje as ciências humanas orgulham-se de des-subjetivizar seu campo, a psicanálise, por sua vez, ancora-se com firmeza na subjetividade. Assim fez Freud. Mas para se utilizar de sua subjetividade, a experiência da transferência é uma etapa indispensável. É o que mostrará a trajetória das relações entre Freud e seu alter-ego.

I. A transgressão e a carta roubada

A interpretação dos sonhos é a obra "do século" como se diz de alguém que tenha nascido na mesma data (1900)5. Para os psicanalistas e também para Freud não há dúvida que ela marca a grande virada, ou em linguagem epistemológica a "ruptura". O capítulo VII, o grande escrito teórico, pareceu já ter nascido completo da cabeça de seu autor, sem que nada, até a descoberta do Projeto, permitisse identificar suas fontes.

A partir do momento em que o conjunto das cartas a Fliess e o manuscrito que ele lhe enviou em 1895 foram descobertos e publicados, os psicanalistas se dividiram com relação à atitude que esses documentos deveriam suscitar. Vale a pena relembrar o romance do Projeto.6

Em 1928, alguns anos após a morte de Fliess, sua viúva vende ao livreiro berlinense R. Stahl 284 cartas, notas, manuscritos que Freud enviara a Fliess de 1887 a 1902, com a condição expressa de que esses manuscritos não fossem devolvidos ao seu autor. Segundo Jones, Ida Fliess não gostava de Freud, o que deveria ser recíproco. Ela teria ciúmes da amizade que existia entre os dois homens.

Stahl refugia-se na França em 1937 e oferece as cartas a Marie Bonaparte que logo as adquire. Em uma temporada em Viena ela anuncia a Freud sua preciosa aquisição. Este, visivelmente descontente, propõe recomprá-la pela metade do preço, provavelmente com a intenção de destruí-la. A partir de então começará um novo périplo digno das melhores histórias de guerra. O lote é depositado no Banco Rothschild em Viena, mas com a invasão da Áustria pelos nazistas as cartas retornam a Paris e são postas sob a responsabilidade da Legação da Dinamarca onde permanecem durante toda a guerra. Von Choltiz, desobedecendo Hitler, poupa Paris da destruição antes da liberação e assim, indiretamente, salva a correspondência de Freud! No fim da guerra o precioso pacote ainda tem que passar pela prova de atravessar o Canal da Mancha cheio de minas. O pacote é cuidadosamente embrulhado num tecido impermeável, cuidado providencial para a hipótese de um naufrágio. As cartas e documentos chegam finalmente a Londres, bem depois da morte de Freud. Marie Bonaparte, Anna Freud e Ernst Kris se encarregam então do estudo minucioso dos documentos com vistas à sua publicação que acontecerá em 1950.

A "carta roubada" chega sempre ao seu destinatário, diz Lacan retomando Poe. Mas, sabemos que o destinatário, muitas vezes ou mesmo sempre, não quer saber nada a respeito dela. Freud teria preferido que as cartas não fossem reencontradas e, provavelmente, estava arrependido de tê-las escrito a um homem que depois se mostrou tão pouco generoso com ele. Mas que razões os psicanalistas têm para se mostrar tão divididos com relação a esses documentos? Alguns, solidarizando-se com Freud, pensam que deveríamos respeitar as vontades do autor e renunciar à sua divulgação. Outros reconhecem nesses documentos um valor histórico, mas negam seu valor teórico justamente pelo fato de que são anteriores à descoberta daquilo que constitui a essência da psicanálise. Qualquer citação do Projeto os incomoda ou os irrita. Esse texto denso, de compreensão difícil, merece mesmo a exegese? Em contraposição, os psicanalistas seduzidos pela epistemologia vêem em embrião no Projeto toda a teoria psicanalítica e se dedicam ao seu estudo com a paixão do "voyeur". É impossível ignorar o papel da violação do segredo ou da transgressão do tabu do olhar nas controvérsias que essa obra suscita. Ficamos então presos numa alternativa: abraçar as resistências de Freud e rejeitar esse produto da pré-história da psicanálise, ou nos deixarmos fascinar por aquilo que o próprio Freud chamou de tesouro imaginário.

Os limites deste trabalho não permitem tomarmos posição. Esse debate interessanos e, neste trabalho, vamos abordá-lo dentro de limites precisos. Uma vez que é evidente que o capítulo VII de A interpretação dos sonhos é uma nova versão dos elementos teóricos presentes no Projeto, vamos tentar seguir o movimento teórico de escrita que levou à 'ruptura' que Freud fez em relação ao Projeto. Veremos então que o termo ruptura não se justifica somente por uma submissão à moda cultural, mas que nele coincidem diversos planos: pessoais e metapsicológicos.

II. A máquina teórica do "Projeto"

Esse foi então o destino do Projeto, desde a morte de Fliess até sua publicação. Mas a história de sua redação não é menos apaixonante. Jones e Strachey7 reconstituem as etapas dessa redação através da correspondência da mesma época.

O Projeto foi escrito em menos de três semanas, no outono de 1895 (a terceira parte, escrita em três dias, foi terminada em 8 de outubro), mas foi concebido na primavera desse mesmo ano. Ele é mencionado na carta 23 (24.7.1895). Freud diz que essa obra o "devora positivamente".

A partir de então o trabalho do pensamento, precedendo o da escritura (a menos que consideremos que o primeiro já é o segundo), será acompanhado de um trabalho do afeto sujeito a oscilações extremas, indo da euforia quase (mégalo) maníaca ao desgosto da decepção mais amarga. O Projeto é um noturno. Freud pensa nele das onze horas da noite até as duas da madrugada. E consagra a ele, diz Freud, cada minuto de seu tempo livre. Essa reflexão intensa prejudica seu trabalho clínico pelo qual seu interesse diminui (carta 24, de 25.5.1896). Alguns dias depois há o lampejo de esperança de uma solução (carta 25, de 12.6.1895)8. Nesse momento Freud rompe a regra de abstinência do tabaco, proibição que Fliess lhe tinha imposto. Quase um sucesso em 6.8.1895 (carta 26): Esperemos que não se trate de um "tesouro imaginário". O anúncio desse sucesso provoca o retorno do pêndulo; a carta seguinte (27 de 16.8.1895) nos informa que Freud não está mais interessado em sua construção teórica. Ele prefere o boliche e a colheita de cogumelos. Mas, no dia 4 de setembro, ele se encontra com Fliess para um dos "Congressos" a dois que faziam. Na volta Freud atravessa o Rubicão. No trem que o leva de volta a Viena – ele que tinha fobia de vias férreas – rabisca os primeiros capítulos desse texto sem nome que será batizado, de acordo com uma indicação (carta 23 de 27.4.1895), como Esboço de uma psicologia para uso de neurologistas. A partir desse momento a redação febril do texto faz com que sua correspondência se torne mais espaçada. Freud escreve esse trabalho não somente a Fliess, mas para Fliess, como indica a carta 28 de 23.9.1895: "Se raramente escrevo a você, é porque escrevo muito para você". No dia 8 de outubro de 1895 (carta 29) Freud se livra de seu manuscrito. Há um fato significativo: Freud envia os dois cadernos que contêm as três primeiras partes do Projeto, mas guarda o terceiro que trata do recalcamento. No entanto, o assunto do Projeto é, de fato, a teoria do recalcamento. O estudo da "defesa" é o ponto no qual Freud pode fazer convergir teoria e prática e é o ponto no qual ele tropeça. Esse ponto põe em questão a sexualidade, ou seja, o campo de seu encontro com Fliess, a razão essencial de sua atração e de sua admiração por ele após a deserção de Breuer. Sobre essa questão, nada saberemos9. Quanto ao que ele enviou a Fliess, ele tem dúvidas: "Alguma coisa não cola e talvez não cole jamais".

A carta seguinte (30 de 15.10.1895) o mostra ainda mais cético. Mas no dia seguinte novamente a febre o toma, é verdade que a respeito de outros assuntos (a histeria e a neurose obsessiva). Terminada a redação do Projeto, depois de alguns dias, imediatamente acontece a iluminação:

Na semana passada, ao longo de uma noite de trabalho, nesse mal-estar no qual meu cérebro trabalha melhor, de repente as barreiras se levantaram, os véus tombaram e eu pude ver além, dos detalhes das neuroses às condições determinantes da consciência. Tudo parecia se articular, engrenagens se ajustavam, a coisa dava a impressão de que era verdadeiramente uma máquina que não tardaria a funcionar completamente sozinha. Os três sistemas de neurônios, o estado livre e ligado da quantidade, os processos primários e secundários, a tendência principal e a tendência ao comprometimento do sistema nervoso, as duas regras biológicas da atenção e da defesa, os índices de qualidade, de realidade e de pensamento, o estado dos grupos psicossexuais, a determinação sexual do recalcamento e finalmente as condições determinantes da consciência como função perceptiva – tudo isso se articulava e continua a se articular! Naturalmente estou fora de mim de tanta alegria! (Carta 32, de 20.10.1895; S.E. Vol. 1, p. 285)

Essa noite "pascalina"10 mostra que Freud tinha plena consciência da amplitude do Projeto. A longa enumeração, verdadeiro levantamento cartográfico do território explorado, mostra de fato que o campo coberto é considerável e que a colheita foi rica. Não há dúvida que faltam peças fundamentais para essa máquina teórica. Voltaremos a isso. Mas o essencial está ali e Freud tinha razões para se sentir totalmente satisfeito. No entanto, novamente é o ceticismo. No dia 8.11.1895 (carta 35), a leitura de um texto de Fliess acentua a autocrítica de Freud, que gostaria de retornar ao Projeto, mas "se revolta contra seu tirano" e abandona. Mas quem é o tirano? O Projeto ou Fliess? Em 29.11.1895 (Carta 36) o Projeto se torna estranho para ele e Freud se pergunta como pôde dar à luz esse monstro. E, no entanto, ele é irresistivelmente atraído por ele; é a fundamental carta 39 de 1 de janeiro de 1896, acompanhada do manuscrito K, que traz uma importante retificação. Nela Freud sustenta que os processos psíquicos são inconscientes por natureza, sendo a consciência um estado contingente e acidental desses processos. Aqui termina a Ilíada contra o país bárbaro e desconhecido e começa a Odisséia das cartas a Fliess.

O Projeto está definitivamente morto com a carta do 1.1.1896. Morto e enterrado para Freud11. Mas essa morte era necessária para outros nascimentos. O primeiro será o da A interpretação dos sonhos, elaborado entre 1897 e 1899 e publicado em 4 de novembro desse ano. Outros nascimentos virão ao longo de vinte anos; dentre os quais os mais belos brotos serão: Os dois princípios do funcionamento psíquico (1911), O recalcamento (1915), Mais além do princípio do prazer (1920), "O ego e o id" (1923), A negação (1924).

Tudo se passou como se Freud tivesse verdades demais recolhidas na palma da mão para abri-la de uma só vez. Recuando diante da amplitude de sua descoberta, ele estendeu por vinte anos as iluminações de sua noite de outubro. Tivesse ele liberado tudo de uma só vez ele não teria sido nem compreendido e nem seguido. E ainda era preciso que o fruto amadurecesse. Era preciso retificar, verificar, construir a máquina teórica por complicações sucessivas para melhorar seu funcionamento. Mas, talvez e sobretudo, era preciso primeiro se livrar de seu tirano, seu objeto transferencial: W. Fliess.

III. As engrenagens que faltam: o recalcamento e a transferência

O Projeto traz a marca dos personagens pelos quais Freud tinha uma admiração intensa. Os mais antigos encontrados no laboratório de Brucke: Exner, que acabara também de publicar um Entwurf no qual encontram-se muitos termos utilizados por Freud, como a famosa "facilitação" e Fleischl von Marxow cuja obra póstuma foi publicada um ano antes do Projeto e marcada pelo mesmo espírito. Sabemos que a sombra do grande Helmholtz paira sobre esses cruzados do positivismo. É claro que Freud não pertence mais a esse mundo que lhe fechou as portas do templo da ciência pura. Mas ele permanece afetivamente ligado a ele. Fliess já é a abertura para horizontes inexplorados, fechados pelos tabus da época. Finalmente alguém que ousa abordar a sexualidade!

A transferência de Freud sobre Fliess é imediata: a correspondência se abre assim: "O Sr. deixou em mim uma profunda impressão, capaz de me fazer lhe dizer francamente em que categoria de homens eu o coloco" (carta 1 de 24.11.1887). Pode-se perguntar se Freud causou em Fliess uma tal "profunda impressão". Podemos compreender, conhecendo sua reserva, que Freud tenha preferido que suas cartas caíssem no esquecimento. Tudo indica que Freud sente por Fliess uma paixão ardente, alimentada pela separação forçada. Se ele convivesse com ele todos os dias, como acontecera com Breuer, talvez a desilusão chegasse mais cedo. Sabemos que a ruptura será cruel, com Fliess disputando com ele a prioridade da descoberta da bissexualidade. "Qualquer coisa, diz Brecht, pertence à quem a torna melhor" e, nesse ponto, não há dúvida.

O Projeto é o filho das relações de Freud com Fliess. Fliess toma o lugar de Breuer, como Jung tomará o seu mais tarde. Depois disso não haverá mais essas amizades passionais. Entre o Projeto, essa obra-prima fracassada, e A interpretação dos sonhos, essa obraprima bem sucedida, situa-se a autoanálise de Freud. Se a bissexualidade ocupa pouco espaço no Projeto é porque ela está por completo sublimada e recalcada nas relações entre Freud e Fliess. Entre o Projeto, essa obra-prima fracassada, e A interpretação dos sonhos, essa obra-prima bem sucedida, situa-se a auto-análise de Freud. Fliess o proíbe de fumar e o "opera" (cauterizações nasais, tratamento lógico de sua neurose nasal reflexa), impondolhe assim uma circuncisão simbólica. O cálculo dos "períodos", ao modo de Fliess, conduz Freud a uma convicção que revela total submissão a seu alter ego. Em novembro de 1894, em seguida à renúncia ao fumo imposta por Fliess, as perturbações neuróticas de Freud se acentuam e são acompanhadas por um estado depressivo com ideias de morte12. Freud fica convencido de que Fliess esconde dele o desenlace fatal de uma doença que ele teria diagnosticado. Seus cálculos o persuadiram que ele deveria morrer aos cinquenta e um anos (1907). Que papel teve essa angústia de (castração) morte nas febris descobertas do Projeto seis meses depois? Foi como se o temor de morrer tivesse fornecido o estímulo necessário para a produção teórica. Como se só ela pudesse justificar a exaltação intelectual, essa vitalidade espiritual que teve como resultado esse texto de tal surpreendente riqueza. Ele podia criar sem fazer sombra à glória futura de Fliess, já que sua vida seria breve. Ao menos ele deixaria nos anais da ciência algum traço de sua passagem sobre a terra.

Será necessário portanto se livrar da neurose de transferência para alcançar uma produção científica verdadeiramente pessoal. Será necessário reconhecer por trás da ilusão da doença orgânica a fantasia histérica, reconhecer-se a si mesmo como histérico13, reconhecer em si o complexo de Édipo. Enfim, fazer sua autoanálise14. É a isso que ele se dedica seriamente em 1896, alguns meses após a morte de seu pai em 23.10.1896, quando tem o sonho "pede-se que se feche os olhos" (carta 50 de 2.11.1896). A auto análise aqui é indispensável para que sejam superadas as resistências que o faziam tropeçar no problema do recalcamento. A respeito dessa questão, alguns dizem que o próprio Projeto, apesar de suas geniais intuições, desempenhou o papel de uma resistência 15. A morte do pai abre caminho, ao mesmo tempo, para a análise e para A interpretação dos sonhos.

Fala-se16 também que as páginas do Projeto não trazem marcas das descobertas conquistadas graças aos procedimentos técnicos da psicanálise. Nem a associação livre, nem a interpretação do material inconsciente, nem a transferência estão presentes. A segunda parte dedica um espaço importante para a sexualidade, mas ela não recebe seu status teórico, enquanto os escritos clínicos, a partir de Estudos sobre a Histeria, tratam muito disso. Diante de Fliess, uma espécie de paralisia histérica intelectual, uma inibição do pensamento toma conta de Freud quando, no Projeto, ele teoriza sobre a sexualidade. Será preciso esperar o Conto de Natal de 1896, apêndice do Projeto que chegou a seu fim. O Projeto coloca ênfase nas relações organismo-ambiente. Em correlação esse par acompanha o par traumatismo-defesa. A descoberta da fantasia de sedução é posterior ao Projeto. As excitações endógenas são mencionadas, mas dificilmente encontramos traços de uma alusão às pulsões. O princípio do prazer está representado como desencadeante de uma defesa contra o desprazer, não como busca de prazer. Tudo isso permite que se fale de uma concepção da psique "anterior ao Id" (Strachey). Vencer essa resistência levará tempo. Descoberto o Édipo em 1897, será necessário esperar 1905 para que apareçam os Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. Descoberta a sexualidade infantil ela vai eclipsar o Édipo que só será verdadeiramente teorizado depois de 1920, como se a articulação sexualidade infantilcomplexo de Édipo fosse particularmente demorada a se formar. O complexo: sexualidade infantil-recalcamento-fantasia-sonho-transferência-complexo de Édipo e seus corolários castração e diferença de sexos, levará anos antes de formar um conjunto coerente.

Mas então, para que serve a maquinaria do Projeto? Porque e como Freud a substitui por essa outra máquina: o aparelho ótico-psíquico de A Interpretação do Sonhos? Antes de responder essa questão, deixemos de lado a narrativa dos fatos e voltemos ao texto para examinar de perto o aparelho do Esboço de uma psicologia para uso dos neurologistas.

IV. O espaço do Projeto

Examinar a maquinaria do Projeto é examinar seu espaço. No entanto, o espaço não é abordado nesse ensaio. A economia é mais importante que a topologia. O Projeto é o grande escrito econômico de Freud. Porém, o texto não é compreensível se nós não situarmos qual é o ponto de vista Freud, para podermos descobrir em qual espaço ele se coloca. Strachey entendeu isso muito bem17: o Projeto fala das relações organismo-ambiente. Mas é necessário examinar melhor suas particularidades.

Para ler a escrita do Projeto, é necessário analisar seu grafismo e seus símbolos. A proposta do Projeto é "representar os processos psíquicos como os estados quantitativamente determinados de partículas materiais diferenciáveis, a fim de torná-las evidentes e não contraditórias". Temos então no início:

1. Q = a quantidade, submetida às leis do movimento,

2. N = as partículas materiais18.

Essas matrizes podem em seguida se diferenciar em sub-conjuntos:

 

 

Temos portanto três ordens presentes:

1 = a força ou a energia (física)

2 = as estruturas nervosas (biológica)

3 = os processos psíquicos (psicológica)

Assim fica definido o sistema. É fácil reencontrar nele elementos que mais tarde se tornarão familiares com outros nomes. ω por exemplo está ligado ao índice de qualidade correlativo à consciência. W ω é, portanto, o precursor do sistema percepção-consciência. Por outro lado a oposição fundamental percepção-memória se reflete na distinção das siglas φ ω e ψ cujos processos psíquicos correspondentes são W (percepção), V (representação) e Er (recordação). Com relação a M, a imagem motora, desempenhará um papel importante na teoria do afeto (investimento da imagem motora).

A questão mais importante e a menos clara é a que diz respeito à distinção de Q. Strachey em um apêndice esclarecedor19, explicita a distinção entre Q e Qη. Q representa a quantidade do mundo físico sujeita às leis gerais do movimento e Qη a quantidade em sua relação com o sistema nervoso. Freud teria já desejado discriminar dois estados de Q. De um lado Q como quantidade móvel (em fluxo, como diríamos hoje) e de outro lado Q no estado estático, no sentido de uma energia estática de investimento, ou seja, ocupando o neurônio. A partir dessa simbolização estaríamos, portanto, diante da distinção da energia em estado livremente móvel, circulante (processo primário) e da energia em estado ligado (processo secundário). Neste último caso, o papel dos investimentos laterais, a constância do nível de investimento liga – nos dois sentidos do termo – o Ego ao julgamento, aos processos cognitivos, à prova da realidade, etc. De qualquer maneira Q é a pré-forma da energia psíquica à qual Freud irá sempre se referir.

Mas aqui uma observação fundamental: no Projeto a fonte maior da quantidade vem do mundo externo (a quantidade externa), enquanto que depois da "ruptura" a fonte maior vem do corpo (a quantidade endógena), ou seja, das pulsões. Mais precisamente da fronteira entre somático e psíquico. Sobre a natureza exata de Q, Freud se mostrará sempre reservado, reafirmando até o fim sua origem desconhecida.

Estamos novamente de volta às considerações espaciais. O que é mais importante nessa teorização "maquinística" não é seu mecanismo, é sua vetorização. O grande erro de Freud é duplo. De um lado ele tem a ambição de apresentar uma imagem do aparelho psíquico, confusa pela sua ausência de limites. No Projeto tudo está representado: o mundo externo e o mundo interno, o ambiente e o organismo, a consciência e o inconsciente, a percepção e a memória. Freud não escolhe, ele engloba tudo numa vasta síntese. O Projeto sofre as consequências do que poderíamos chamar de megalomania teórica. Freud enxerga grande e longe mas, quanto mais ele afasta seu horizonte, mais sua visão é global e portanto pouco precisa, mais suas ideias perdem especificidade.

Por outro lado, todo o ensaio é dominado pela referência implícita a um modelo neurológico que não é apropriado: o arco-reflexo20. O que desqualifica o Projeto, não é tanto, para nós, a linguagem neurofisiológica que Freud emprega (a referência à biologia continuará presente até o final da obra), é a abertura de seu diafragma conceitual e o modelo do arco reflexo. Há um polo aberto sobre o mundo externo, a percepção (W) que traz uma certa quantidade de informação (Q); esta, transmitida pelos neurônios φ, fornece os índices de qualidade e consciência graças à sua condução pela ligação com os neurônios ω e induz uma certa resposta, a ação específica. Essa passagem deixa traços; a qualidade se perde para depositar imagens mnêmicas (Er) suscetíveis de despertar, na ausência de percepção, representações e ideias (V) que dependem do sistema ψ. É preciso controlar a pertinência dessas representações e ideias, as quais exigem um sistema discriminatório (distinção alucinação-percepção) por uma inibição vinda do ego e pela mobilização da atenção para fins adaptativos.

Essa imagem muito simplificada (por nós) do funcionamento psíquico deixa apenas uma parte muito contingente à Q endógena. É verdade que Freud já dá indicações muito importantes sobre o destino dessa quantidade endógena e do papel que nela desempenha a imagem motora, mas a centração21 está em outro lugar: na passagem de φ a ψ de transformação da quantidade em "complicação". Na perspectiva do Projeto, a maneira de pensar de Freud está em conformidade ao mesmo tempo com a tradição neurológica e filosófica: do polo sensitivo ao polo motor, da percepção à ação (com a intercalação do conceito) 22.

Sobre esse esquema Freud vai acrescentar um segundo circuito. Sobre o circuito "horizontal", percepção-ação, se liga um circuito "vertical", representação-descarga interna. A partir de então todo o problema passa a ser o da distinção percepção-representação (alucinação), distinção da realidade externa e da realidade interna, do real e do imaginário. A distinção só pode se apoiar no simbólico. Os dois tipos de processos, secundário e primário, estarão de acordo com os dois estados da quantidade, ligada ou livre. Dois tipos de simbolização decorrem disso, a simbolização da lógica das imagens, fonte de todas as confusões, e a simbolização do pensamento, a única verdadeiramente eficaz. Estamos agora diante da problemática identidade de percepção própria aos processos primários, identidade de pensamento própria aos processos secundários

Mas esse modelo, por mais completo que seja, é muito pouco específico para aquilo que Freud está prestes a descobrir em seus estudos sobre as neuroses. O Projeto carrega ainda a marca da teoria traumática. Quando Freud coloca a ênfase sobre a percepção, sobre a quantidade de informação vinda do mundo externo, fica prisioneiro da concepção do traumatismo, do acontecimento real, percebido como tal na neurose. Será preciso que o Projeto esteja concluído para que Freud acrescente a ele duas importantes retificações, uma sobre o funcionamento do aparelho, outra sobre a etiologia das neuroses.

A carta 39 de 1.1.1896 dá a solução para o primeiro ponto. Freud distingue dois tipos de terminações nervosas: as que são livres, que recebem quantidades e as conduzem à ψ por somação, sem provocar sensações, ou seja, sem intervenção de ω. Assim funciona o sistema que preenche ψ. As vias nervosas que partem dos órgãos terminais (portanto as que não são livres) são condutoras de qualidade. Portanto, elas fazem intervir ω e só têm um investimento quantitativo muito fraco. Os neurônios ω estão, pois, intercalados entre φ e ψ. "Dessa maneira φ transfere sua qualidade à ω e ω não transfere nem quantidade nem qualidade à ψ, mas apenas excita ψ, isto é, indica os caminhos para a energia livre ψ seguir". Assim quantidade e qualidade se opõem, a qualidade dependendo da quantidade fraca (a consciência como investimento de pequenas quantidades de energia). Além disso o investimento (a excitação) não comporta nem quantidade nem qualidade, mas sim diretividade (vetorização). A consequência mais importante é a seguinte: "Os processos ψ em si mesmos seriam inconscientes e só adquiririam mais tarde uma consciência secundária e artificial ainda que ligados aos processos de descarga e de percepção (associação de palavras)"23. Aqui já está afirmada a natureza inconsciente do psiquismo e a ligação da consciência à linguagem. É a pré-figuração da afirmação da transformação do inconsciente ao consciente pela ligação das representações de coisa às representações de palavras, que encontramos em toda a sua obra, até em O ego e o id.

Essa retificação vai guiar o futuro eixo do pensamento de Freud: a natureza inconsciente do psiquismo, e conduzi-lo a circunscrever a realidade psíquica, fechando o espaço psíquico.

O segundo ponto que muda o pensamento de Freud é o abandono da teoria traumática e a descoberta do papel da fantasia. Conhecemos a famosa carta 69 de 21.9.1897 na qual Freud reconhece o erro de ter atribuído aos pais as seduções alegadas por suas filhas. A respeito disso certamente Freud se enganou menos do que ele pensava. O que está em jogo não é a sedução como ação realizada, são os sinais mínimos, portadores desse desejo que são reconhecidos pela filha, como o ciumento reconhece o comportamento sedutor de sua amante em relação ao rival. O que está em jogo é a função do desconhecimento do desejo da filha que espera ser seduzida. A atividade perceptiva aqui serve ao recalcamento. A realidade externa fornece uma desculpa ao interdito que pesa sobre a realidade interna. A fantasia se apóia sobre o núcleo da realidade, como o delírio, mas o papel da percepção é de ocultar a fantasia ao mesmo tempo que a induz. Para o inconsciente, diz Freud, não existe nenhum sinal de realidade capaz de distinguir verdade e ficção investida de afeto. A partir de então o que deve ser circunscrito é o inconsciente, somente o inconsciente, e se afastar o mais possível da perspectiva de juntar a ele os dados da consciência. É preciso renunciar a incluir as informações do mundo externo e da consciência, realizar uma exclusão teórica para circunscrever o inconsciente. Todo o problema será buscar o fechamento que permitirá o recorte do objeto teórico: o inconsciente. A partir do Projeto Freud vai abordar a atividade psíquica que o colocará na pista: o sonho.

V. O sonho no Projeto

Nos três últimos capítulos da primeira parte do Projeto Freud se dedica à questão do sonho. O que ele logo compreende é a relação do sonho com o processo primário. No homem, os processos eliminados pela evolução não desaparecem, eles reaparecem cotidianamente. Essa afirmação segundo a qual nenhuma forma de atividade psíquica se apaga, mas é somente contida, será reafirmada em 1930 em "O mal-estar na civilização". Como veremos, a regressão do sonho é portanto tópica, dinâmica (temporal) e econômica. A semelhança do sonho e da psiconeurose atesta sua referência comum ao inconsciente. A partir dessa época Freud distingue, pelo menos implicitamente, duas formas de narcisismo: o narcisismo do sono, "estado ideal de inércia", modelo da condição para a qual tenderá o futuro princípio do Nirvana (1920) e o narcisismo do sonho, que nada mais é do que o narcisismo do sonhador, herói de todos os sonhos. A retirada total dos investimentos é impossível. A impossibilidade de eliminar a necessidade é fonte de uma inquietude (nãoquietude) no sono. Assim a criança acorda porque tem fome e adormece de novo quando alimentada, como o adulto dorme depois de comer e ter feito amor. Subsiste sempre uma parte de vigília no sono, uma vigilância do sonho. Portanto há o sono, o sonho, a consciência daquele que dorme. Que o sono permita que existam os processos psíquicos é o que é "o mais estranho24".

Freud vai então estabelecer seis características para a análise dos processos psíquicos do sonho:

1. Os sonhos são desprovidos de descarga motora e, na maior parte do tempo, de elementos motores. No sono estamos paralisados.

2. As conexões dos sonhos são em parte incoerentes e em parte fracas. Prevalece no sonho a compulsão a associar. Dois investimentos simultâneos devem entrar em relação a despeito de sua conexão ilógica. Os processos secundários são esquecidos. As associações por contiguidade, de estilo metonímico, como diríamos hoje, é que comandam o sonho. Assinalemos aqui que o sonho é necessariamente uma atividade erótica no sentido da última teoria das pulsões, isto é, uma atividade de Eros à medida que há uma tendência à associação, à unificação, à condensação25. A compulsão simbólica do sonho é sincrônica (associações no presente) e diacrônica (associações do presente e do passado): o inconsciente ignora o tempo.

3. Nos sonhos as ideias têm um caráter alucinatório: elas despertam a consciência e encontram a crença. Aqui uma fórmula digna dos pré-socráticos: "Fechamos os olhos e alucinamos; abrimos os olhos e pensamos em palavras". Pela supressão da corrente em direção à motricidade o sistema se encontra retrogressivamente investido. Podemos ver que a explicação é tópica. O espaço externo está forcluído, no espaço interno só é possível a trajetória inversa, que transforma a ideia em alucinação. Em A interpretação dos sonhos Freud precisará que não são todos os pensamentos que são submetidos a esse destino, mas aqueles que foram recalcados26. A lembrança primeira de uma percepção é sempre uma alucinação. Isso pela ausência da inibição do ego que não atua no sonho em razão da ruptura das conexões com o mundo exterior e do desinvestimento do ego no sono. A vividez da alucinação é proporcional à importância da representação, isto é, ao seu valor significativo em relação ao desejo. É fundamental, portanto, o papel da Q.

4. Os sonhos são realizações de desejo. Isto não é reconhecido pelo sonhador por causa da inibição dos afetos no sonho. Aliás, no estado de vigília os investimentos por desejo primário têm um caráter alucinatório – como nas fantasias dos histéricos. O papel da censura não é revelado.

5. O sonho faz intervir uma falha da memória. Os processos secundários são esquecidos. Essa falha da organização adaptativa é sem consequência uma vez que o sonho não comporta descarga motora e não exige ação adaptada.

6. A consciência informa sobre a qualidade tanto no sonho como na vigília. O estado consciente não se limita ao ego. "Isso nos adverte para não identificarmos os processos primários com os processos inconscientes27". Eis aqui, já em 1895, a segunda tópica.

Essas seis características pedem algumas observações. Quatro delas são critérios negativos: paralisia, incoerência, engano, amnésia. Mas duas têm um alcance positivo de grande valor heurístico: o sonho é uma realização de desejo, ele é uma outra consciência ou uma consciência outra.

No livro A interpretação dos sonhos, no qual todos esses pontos são retomados, Freud, tomando uma outra direção, mostrará sobretudo a positividade do sonho, sua função como pensamento. Mas, para fazer isso, será necessário analisar as consequências do duplo fechamento do espaço psíquico. Do lado do polo perceptivo, fechamento que suprime as informações do mundo exterior, a percepção; do lado do polo motor, fechamento, que impede a motricidade, a ação. O mundo exterior é colocado entre parênteses. O estudo do inconsciente se torna possível a partir disso. Mas Freud levará ainda mais longe esse fechamento, fechando-se a si mesmo dentro dele. Não mais serão apenas os sonhos de seus pacientes que ele analisará, mas os seus próprios. Freud se fecha em seu sono para analisar seus sonhos. Ao invés de construir uma metaneurologia ou uma metafísica, ele produz uma metapsicologia, aplicando a si mesmo o "grande encarceramento" (M. Foucault).

VI. Irma entre Fliess e Freud: química sexual e sexualidade

O sonho da injeção de Irma já está presente no Projeto, ou pelo menos um fragmento desse sonho. Quatro pontos ligados por um pontilhado, mas quantas revelações em torno desses dois negros e desses dois brancos28.

 

 

Retomemos o raciocínio de Freud. R. aplica uma injeção de propilo em A. Em seguida Freud vê a fórmula da trimetilamina como uma alucinação muito vívida. Ele conclui que o pensamento ao mesmo tempo presente (D) é a natureza sexual da doença de A. Entre esse pensamento e o propilo (A) se intercala uma associação que diz respeito à química sexual, objeto de uma conversa com W. Fliess, durante a qual este chamou sua atenção para a trimetilamina. A fórmula se tornou consciente por uma pressão vinda dos dois lados: "É estranho que nem o elo intermediário (B) a química sexual, nem a ideia (D) (a natureza sexual da doença) não se tornassem assim conscientes".

O esquema de Freud, completado por nós fica assim:

 

 

Faremos aqui uma análise desse fragmento, além do que Freud fala dele. Primeira observação, o pseudônimo de Irma não aparece: esquecimento ou censura? As duas ideias inconscientes – a química sexual e a natureza sexual da doença – estão aqui associadas e dizem respeito às relações Freud-Fliess. É a transferência que impõe essa censura. A ideia inicial, a de Fliess, a química sexual, se tornará a natureza sexual da doença na concepção de Freud, isto é, cada vez menos química e cada vez mais psicológica. O sonho marca uma submissão em relação a Fliess: é ele que chama sua atenção sobre a sexualidade (assim como Charcot em Paris), mas evidentemente ele não compreende nada. Nesse sonho Freud censura sua própria originalidade e sua perspicácia para deixar a prioridade a Fliess. O fato de que este sonho, dentre outros, tenha sido escolhido para figurar no Projeto, nos faz lembrar que Freud escreve para Fliess. Ferenczi nos dirá que aquele para quem contamos nossos sonhos é aquele para quem os sonhos se dirigem. Se Freud reconhecesse sua superioridade em relação a Fliess acabaria sua transferência. E seria o caminho em direção a uma aventura singular (em todos os sentidos do termo). A censura exerce aí seu efeito, a tendência ao compromisso se realiza: a parte de Fliess foi ter chamado a atenção de Freud a respeito da química sexual, a parte de Freud foi ter compreendido a natureza sexual da doença numa perspectiva completamente diferente (o recalcamento). Sonho premonitório, a briga entre Freud e Fliess será sobre a questão da prioridade a respeito da bissexualidade. Aqui a homossexualidade está censurada29. Mas, quem é A? A história oficial nos diz que é Irma. Freud não pode escrever tudo. Aqui a semelhança fonética nos surpreende: Irma – Ida, prenome da esposa de Fliess. A partir daí a passagem do propilo à trimetilamina nos mostra o triângulo R – A – Fliess (Otto – Irma – Fliess) que poderia então muito bem esconder o triângulo Freud – Ida – Fliess.

Vamos reler o sonho inteiro. Ele começa com uma alusão a uma recepção dada pela esposa de Freud: Martha e Ida estão entre dois homens. Aqui não temos espaço para sugerir que é o próprio Freud que está no lugar de Ida-Irma. Freud doente se entregou nas mãos de Fliess que "operou" seu nariz. Sua neurose se acentuou em abril de 1894, na primavera que precedeu o sonho da noite de 23 para 24 de julho de 1894. Muitos pontos apóiam essa interpretação: a alusão à correspondência, a crítica por não ter aceitado sua "solução", as diversas perturbações, a suspeita de organicidade, a reticência durante a exploração da garganta, a referência aos ossos do nariz30, a consulta a um outro médico (Breuer, que duvidava do diagnóstico de Fliess), ele próprio muito doente, a percussão torácica (os problemas dispnéicos de Freud), a infecção (Freud sofria também de uma infecção nasal), o possível papel da nicotina, a doença cardíaca de Freud (propilo, ácido propiônico, trimetilamina), o papel de um contágio pela seringa – a cauterização etc. Em A interpretação dos sonhos, a análise da mesma passagem se torna muito mais complicada: o presente do amigo Otto (R) está envenenado. Por fim o nome de Fliess desaparece na versão definitiva. Mais uma vez a censura desempenhou um papel na escrita. Um detalhe aqui é acrescentado: Irma é uma jovem viúva que foi examinada por Fliess e Freud suspeita que ele a tenha contaminado na hora do exame 31. A alusão à gravidez poderia mesmo indicar que a obra que estaria por vir seria um filho das relações entre os dois homens.

Em A interpretação dos sonhos Freud afirma ter interpretado seu sonho completamente. Mas, em 1909, ele acrescenta uma nota: "No entanto, pode-se compreender que eu não mencionei tudo o que me veio ao espírito durante a interpretação". Isso é algo de que não poderíamos duvidar. Entretanto, se propomos para esse sonho uma outra interpretação que daria a Fliess maior evidência, isso não anulamos a versão de A interpretação dos sonhos32. A característica essencial do sonho é a condensação que reúne em uma sequência quase cinematográfica um material considerável que foi submetido ao trabalho do sonho. As associações arborescentes se desdobram em vários planos. Se todas elas se referem ao desejo do sonho, é claro que um desejo pode esconder um outro. Isso não quer dizer que se deva procurar o desejo mais profundo, mas que, de um certo ponto de vista, é este desejo que aparece, enquanto que de uma perspectiva diferente é um outro desejo que é notado. O espaço do sonho é favorável à ubiquidade, ele é pluridimensional. Certamente há uma tela do sonho, mas talvez também várias telas que coincidem em um ou mais pontos, ou, para ser mais preciso, talvez existam pontos de vista diferentes que realçam este ou aquele personagem suporte de um tal desejo. Isso tudo mereceria um exame mais extenso.

Essa ubiquidade, essa profusão de personagens e de significados pede também uma explicação econômica que já é dada pelo Projeto. Por fim, o que caracteriza o sonho, diz Freud, é o deslocamento fácil da quantidade. Dessa maneira, a partir do Projeto, fica consolidada a solidariedade simbólica e econômica. À primeira pertence a lógica aparentemente incoerente das associações, à segunda pertence a circulação livre da energia. No entanto o sistema é vetorizado: em um sentido constante, da alucinação à consciência, jamais em sentido inverso. O desejo é o primeiro nessa produção alucinatória: "O investimento da ideia desejada não pode ser mais forte que o motivo que a provocou"33. Em última instância não é a quantidade mas sim o desejo que determina a consciência no sonho. Essa consciência, além disso, não é devida a um investimento continuo, mas descontínuo, o que explica as lacunas da consciência do sonhador, seu aspecto fragmentário, tal como um tecido em farrapos formado por retalhos negligentemente costurados juntos. O sonho é um texto esburacado.

Entre o processo secundário, que é o pensamento, no sentido estrito, e o sono, sua anulação: o sonho. O sonho é a atividade dos processos primários. Nesse sentido ele é o outro pensamento. O pensamento do Outro, diria Lacan. Caberá a Freud descobrir sua lógica. Mas para isso será necessário mudar de rumo e escolher uma direção diferente. Ou seja, equilibrar melhor as relações do econômico e do simbólico, diminuindo a importância da quantidade e ressaltando a importância da condensação e do deslocamento. Depois do duplo fechamento, que circunda a caixa preta, penetrar nela para ali ver como funciona o aparelho ótico da lanterna mágica.

VII. O capítulo VII

Segundo Freud, A interpretação dos sonhos, em sua essência, estava completa desde o início de 1896, mas só foi redigida em 1899. Foram quatro anos de reflexão entre a carta de 1.1.1896 e a publicação da obra. Tudo leva a crer que é em torno de julho de 1894 (data do sonho de Irma)34 que o interesse de Freud pelo sonho se manifesta35. O Projeto, portanto, tinha provocado um desvio desse interesse nascente. Antes que Freud se tornasse Freud, seria necessário que ele passasse primeiro pela sucessão de identificações aos discípulos de Brucke e de Helmholtz: Exner, Marxow, Breuer e Fliess. No entanto, o núcleo essencial de A interpretação dos sonhos, já presente no Projeto, precisará esperar alguns acréscimos de fundamental importância (a elaboração secundária: julho 1897, carta 66; o complexo de Édipo: outono 1897, cartas 64 a 71; o desejo de dormir, julho 1899, carta 108). Esse lapso de tempo que separa a preparação de A interpretação dos sonhos e o início de sua redação (o primeiro esboço foi escrito entre maio 1897 e o começo de 1898, com exceção do primeiro capítulo que trata da bibliografia) foi dedicado à autoanálise de Freud. A obra fica estagnada durante o ano de 1898 por dois motivos: o primeiro é a censura exercida por Fliess sobre a análise de um sonho prototípico que Freud tinha escolhido e que será suprimido por ele36. O sonho prototípico, o sonho de Irma, evoca de forma mais discreta as relações entre os dois homens; isso nos convida ainda mais a detectar aí a ação da autocensura de Freud: o segundo é a redação do capítulo VII (que só virá à luz em setembro de 1899).

Após tomar o sonho como foco Freud afasta-se do espaço aberto do Projeto e também da hipnose de Charcot e de Bernheim (portanto à sugestão). Abandona ao mesmo tempo Breuer e sua teoria do estado hipnótico. Permite que no espaço do sonho se manifeste a atividade psíquica do sonhador. Ele não pressiona mais, ele não dirige mais o curso dos processos psíquicos. Melhor ainda, ele se contenta com o sonho narrado, para melhor reconstituir pelo trabalho do sonho o sonho sonhado. Essa mudança é de grande importância.

O recorte que circunscreve o sonho constitui um espaço específico: "A idéia37 que nos é apresentada nesses termos é a de um lugar psíquico. Vou deixar completamente de lado o fato de que o aparelho psíquico do qual nos ocupamos é também conhecido por nós sob a forma de uma preparação anatômica e evitarei com prudência a tentação de determinar esse lugar psíquico anatomicamente. Permanecerei no terreno psicológico…" Essa frase assinala o adeus ao Projeto e a tudo o que Freud admirou no passado. Da máquina teórica construída à imagem do sistema nervoso com os diversos sistemas de neurônios, passamos a um aparelho psíquico ótico metafórico (microscópio, telescópio ou aparelho fotográfico). A descoberta de Freud em psicologia pode com toda razão ser comparada com a revolução introduzida em biologia pela descoberta do microscópio. O aparelho comporta câmaras: são pontos ideais aos quais não corresponde nenhuma parte concreta do aparelho. Pensamento analógico, metafórico, Metáfora de metáfora: metáfora do aparelho sem representante anatômico, pontos ideais metafóricos situados fora das estruturas materiais do aparelho metafórico.

A estrutura do aparelho permite detectar instâncias ou sistemas. Sua disposição é espacial e temporal38. Aqui duas ideias são retomadas do Projeto: a topologia e a vetorização. Isso destaca a importância da noção de fechamento que circunscreve um lugar. Espaço no qual se passa alguma coisa, lugar de passagem. Espaço de transformações (mutação de percepções em lembranças, de lembranças em imagens) orientadas progressivamente e regressivamente. Os pensamentos do sonho são cindidos, desmembrados, dissociados e levados de volta à sua matéria prima. "Na regressão, a produção dos pensamentos do sonho é dissolvida e levada à sua matéria bruta39". O fechamento do espaço comanda a regressão, a inversão do sentido progrediente do arco reflexo, a vetorização ao inverso. Essa mutação não tem apenas por objeto os elementos, mas constitui uma conversão de sistemas: o sistema de pensamentos do Pcs é transformado no sistema de imagens do Ics pela marcha regrediente. O sistema de pensamentos está próximo do sistema do estado de vigília pela proximidade do Pcs com o Cs; o sistema de imagens do Ics está próximo do polo perceptivo do aparelho. A imagem do sonho é uma quase-percepção, diríamos uma percepção em réplica. O ponto de vista energético deixa de ser unicamente ligado à quantidade, ele implica em modificações de estado das formas da vida psíquica. Pensamos por imagens mas pensamos, no entanto, como o trabalho do sonho nos revela. Essa mudança é mudança de investimento: desinvestimento do Pcs e superinvestimento do Ics. Mas o mais inconsciente não é representativo e não é representado no sonho, é o trabalho que aí está em atividade. Posto a serviço da figurabilidade, ele é invisível como os dedos do manipulador de marionetes por trás da tela do sonho. Ele só pode ser inferido. Lacan lhe dará o nome de simbólico. Essa volta para trás não é apenas o retorno a um sistema significante anterior, é também o retorno a um significado passado. O sonho "é um substituto de uma cena infantil modificada pela transferência sobre uma experiência recente40". Passado da evolução específica, passado da evolução individual se unem. A noção de transferência deve ser tomada aqui ao pé da letra: falsa ligação, compulsão a associar, se tornam possíveis pela livre circulação da energia. Livre até um certo ponto, uma vez que essa energia se fixa sobre o que foi preferencialmente investido pelo desejo e portanto submetido ao recalcamento. Avaliaremos a diferença com o Projeto por essa referência ao recalcamento, obstáculo contra o qual Freud se chocara em 1895. Porque é necessário insistir: não é apenas o fechamento do espaço do sonho que marca a ruptura, mas a constituição de barreiras que limitam sub-sistemas no seio mesmo desse espaço41, no interior do sistema (Ics e Pcs). A divisão do sistema em dois é um ponto fundamental da diferença entre o Projeto e A interpretação dos sonhos. Separação dupla que permite distinguir entre dois inconscientes: um que pode ainda se apresentar como próximo do inconsciente dos filósofos e o outro, o verdadeiro Ics, que é propriamente psicanalítico. O primeiro inconsciente é ainda ideo-verbal, o segundo é imaginário. O primeiro inconsciente próximo da consciência está ainda submetido à linguagem e à censura, o segundo, separado da consciência, não conhece as limitações da censura. A circulação energética só é livre, portanto, dentro de certos limites, ela se modifica às portas do inconsciente e do pré-consciente. O regime energético muda de estado. Com a supressão do estado de vigília o próprio recalcamento continua a agir; a censura, mesmo estando diminuída no sono, continua assim mesmo a velar, às portas da consciência no Pcs. A consciência do sonhador não é apenas a consciência-vigilância, é também a consciência-censura. O sonho permite ao desejo, desde que ele se disfarce, desempenhar seu papel no palco do sonho enganando a polícia que monta guarda diante das portas fechadas. Freud fechou o espaço do Projeto em relação ao mundo exterior, mas abrindo esse espaço ao mundo interno, é o passado que procura se precipitar aí e que o sonho tenta ao mesmo tempo absorver e conter. Nossa infância portadora de desejos titânicos…Transferência do dia na noite, do passado no presente, e também, provavelmente, da imago parental no analista, mas isso fica para ser descoberto. Todos esses aspectos estão ligados. A liquidação da transferência sobre Fliess liberou o caminho para a descoberta da via real. A interpretação dos sonhos é a via real da descoberta da transferência para Freud: Dora vem logo depois de A interpretação dos sonhos. Para que essa descoberta fosse possível faltava ainda que Freud percebesse a diferença entre necessidade e desejo. No Projeto essa diferença está esboçada, mas não teorizada. Em A interpretação dos sonhos a teoria do desejo está mais evidente. O retorno sobre os traços da experiência de satisfação, mostra, a nosso ver, o papel da replicação no processo42. O desejo é a replicação da experiência de satisfação, o sonho a replicação do desejo. Freud verá então o desejo em ação no sonho assim como na psiconeurose e na psicose. Mas para vê-lo era necessário primeiro fechar seus olhos para o mundo exterior e fazer ver o olho de dentro. O mais estranho é que no sonho o pensamento continua. A consciência tem duas faces: de um lado uma voltada para o mundo exterior pela percepção, de outro lado uma voltada para o mundo interior pelos pensamentos pré-conscientes. Quanto ao inconsciente, ele não é acessível através do olhar, é necessário inferi-lo por dedução.

A descoberta do Ics como sistema do sistema ψ permite definir de maneira muito mais precisa do que no Projeto as características de sua espécie por suas polaridades

lógico-simbólica com a condensação e o deslocamento, a ignorância da contradição e a indestrutibilidade com relação ao tempo;

econômica, com a livre circulação da energia.

Avaliamos melhor o caminho percorrido depois do Projeto.

O Projeto carrega a marca de um triunfalismo naturalista. Sua inspiração é sobretudo energética. Não há mais necessidade de um sistema de neurônios. Os sistemas psíquicos são suficientes. Não há mais necessidade de canais e de vias de comunicação copiados a partir de elementos neuronais. A rede de sistemas psíquicos não precisa desses intermediários, embora não deixe de ser uma rede que constitui uma causalidade reticular.

Em A interpretação dos sonhos é a polaridade simbólica que é promovida a uma dignidade até então ignorada. Estrutura simbólica ou estrutura de linguagem? Não há espaço aqui para discutirmos essa questão. Mas, aceitemos ou não, a propósito do sonho, que o inconsciente seja estruturado como uma linguagem (Lacan), o que é certo é que o ponto de vista energético vem modificar profundamente essa perspectiva. A condensação, o deslocamento, não são apenas operações dos significantes, mas condensações energéticas, deslocamentos energéticos, transferências de intensidades psíquicas, diz Freud. O que mobiliza esses deslocamentos, o que limita o percurso e a expressão deles é o princípio de (prazer)43- desprazer notavelmente modesto no Projeto, ou representado de maneira tão tímida, tão prudente que ficamos muito distantes de perceber o papel que irá desempenhar mais tarde na teoria. Assim também o recalcamento é qualificado como corolário do princípio de (prazer)-desprazer. Não é só o processo primário que é definido em A interpretação dos sonhos. Freud vai muito mais longe, pois de fato ele fundamenta a articulação primáriosecundário em oposição à identidade de percepção-identidade de pensamento. O espaço do sonho é um campo de conflito no qual cada representação constitui investimento (no sentido da ocupação) conquistado pelo jogo das forças contraditórias do desejo e da censura. Nesse ponto Freud prossegue com o mesmo impulso iniciado no Projeto. O investimento é aqui fixação de energia sobre um território, o superinvestimento é um retorno e uma sobrecarga sobre vias já investidas, nas quais reencontramos as marcas da facilitação, o desinvestimento é um abandono de território, o contrainvestimento é o resultado de uma contra-ocupação. O que Freud introduz agora, portanto, é o conflito psíquico no espaço do sonho. Até então as dificuldades encontradas na teoria do recalcamento não permitiam dar ao conflito psíquico toda a sua amplitude até mesmo no sono.

A partir de então o modelo vale para todas as formações do inconsciente: sintoma, fantasia etc. Freud realiza em A interpretação dos sonhos o que ele pode apenas esboçar no Projeto: a articulação entre sua experiência clínica com as neuroses e sua teoria do aparelho psíquico. Dessa maneira a sexualidade é re-introduzida, enquanto que no Projeto ela fazia apenas uma tímida aparição44. E como o sonho mostra o retorno das experiências infantis, o caminho está aberto para a descoberta posterior da sexualidade infantil. A interpretação dos sonhos anuncia os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Esse capítulo VII se encerra com a hipótese dupla que continuará a preocupar Freud até 1915: hipótese tópica da transcrição do pensamento inconsciente na consciência, hipótese econômica de uma transferência energética, oposição que ele supera com a hipótese dinâmica. Dessa maneira, a mudança de lugar e a mudança de investimento vão opor o espaço do sonho e o regime energético da imagem, ao espaço da consciência e ao regime energético do pensamento. Essa oposição será aquela dos dois pensamentos: o pensamento imaginário e o pensamento cognitivo. Pela hipótese do simbólico, Lacan reunirá esses dois pensamentos.

Fica uma questão que reservamos para o final. Como é constituído o espaço do sonho? A duas, a três, a n dimensões? O sonho aparece como um filme. Assim como um filme ele é projetado sobre uma tela branca, como bem escreveu B. Lewin, tela que é, para nós, aquela da alucinação negativa. Como um filme ele pode dar a impressão da profundidade, a vivência dessa profundidade (sonho de queda ou de voo). Como conciliar essa impressão com a da tela? É impossível responder se não colocarmos a questão das relações entre o espaço do sonho, que a rigor pode ser assimilado a uma superfície plana, o espaço do inconsciente, que evidentemente se recusa a esse achatamento, e finalmente ao espaço pulsional escondido nas profundezas do corpo. É preciso, portanto, admitir que a tela do sonho se constitui como superfície de projeção sobre a qual as fontes pulsionais projetam a energia pulsional, energia que percorre a superfície psíquica do sonho, iluminando, tal qual um Projetor, os traços mnêmicos, avivando-os por essa fonte luminosa e desencadeando o processo das transformações percepção-lembranças-imagens do sonho de acordo com a descrição de Freud. Mas a fonte viva do sonho, para além do desejo, está no espaço corporal e esse espaço tem n dimensões, emitindo seus feixes luminosos, às vezes de uma zona erógena superficial, às vezes de uma fonte mais interna, ou com maior frequência ainda, de várias fontes que convergem em direção ao mesmo objetivo atacando a tela do sonho em diferentes pontos até produzir o filme onírico. Se o polo perceptivo e o polo motor estão costurados um ao outro, a figura que se apresenta é a de um tambor varrido no interior pelas fontes pulsionais. Como podemos notar, essa construção não deixa de apresentar uma analogia com a descoberta do cinema45. Não nos deixemos seduzir demais por essa nova maquinaria, é verdade que bastante sumária. O que é importante é relacionar o espaço do sonho com o do corpo. Entre os dois, o inconsciente, lugar da simbolização primária.

 

Fechamento

As características do espaço do sonho podem ser assim resumidas:

1. É um espaço fechado: entre a supressão da percepção e a obrigação à imobilidade, nos limites compreendidos entre a percepção e a consciência (na proximidade do polo motor). Espaço no qual se alonga a distância entre percepção e consciência para que aí se instalem Ics e Pcs;

2. É um espaço fechado, ele mesmo compartimentado: no interior do sistema, subsistemas diferentes Ics e Pcs separados por divisórias;

3. É um espaço conflituoso: Ics e Pcs se opõem em suas características em relação a seu regime econômico, a seus elementos representativos (imagens para o Ics, ideias para o Pcs), suas ligações com a vigília, a consciência, a censura. O resultado é a tendência ao compromisso. O conflito é polidimensional: entre o desejo de dormir e o desejo do sonho, entre o desejo e a censura, entre a expressão imagética e a expressão ideativa (elaboração secundária);

4. É um espaço multifocal: os focos de incêndio, fontes do desejo, se inflamam seja no Pcs, a partir dos restos diurnos e se dirigem para o Ics, seja diretamente no Ics; mas onde quer que nasçam, seguem uma direção determinada;

5. É um espaço vetorizado que segue uma dupla direção progrediente e regrediente (sendo esta essencial para a formação do sonho);

6. É um espaço de trabalho que visa uma descarga: trabalho de transformação energética (mobilidade da energia circulante), simbólica (condensação e deslocamento) dominado pela figurabilidade do desejo censurado, artificial e secundariamente tornado coerente pela elaboração secundária, enquanto as regras do pensamento lógico (não contradição e indestrutibilidade pelo tempo) estão ali suspensas;

7. É um espaço de ressurreição dos desejos infantis. Fechado para o mundo exterior e para o presente, está aberto para o mundo interno e para o passado. O sonho opera uma tal transformação que o mundo interno toma o lugar do mundo externo e o passado toma o lugar do presente;

8. É um espaço governado pelo princípio do (prazer)-desprazer limitado pelo recalcamento;

9. É um espaço transicional entre o sono e o despertar, de duração limitada. O Inconsciente é o objeto transicional entre o corpo e o Pcs, assim como o Pcs é o objeto transicional entre o Ics o Cs;

10. É um dos espaços do inconsciente, a plurirregionalidade deste faz com que o sonho se comunique com as outras formações do inconsciente, pois que todas têm como característica o fato de se desenvolverem durante a vigília.

Em conclusão: o espaço do sonho é o espaço da atividade psíquica do sono e daquele que dorme, dominado pela regrediência, o que poderia sugerir considerá-lo como o espaço primário.

Mas esse espaço é um espaço de um ambiente ótico formado por lentes e por focos (lugares da resistência e das facilitações)46. No par representação-afeto que constitui o inconsciente, o sonho privilegia claramente o primeiro termo e reprime o segundo. Poderíamos ver aí uma das vicissitudes do conceito de inconsciente. A segunda tópica promoverá a inversão dessa prevalência ao destituir o inconsciente como sistema e ao colocá-lo na posição de qualidade psíquica, sacramentando o Id em seu lugar. O aparelho ótico de A interpretação dos sonhos, a lanterna mágica do sonho, será substituído pela metáfora mais vulgar do caldeirão do Id. Mais vulgar, mas mais preocupada em respeitar os sub-mundos da psique, sede de seu daïmon. Aí o afeto dominará a representação. Aí o ponto de vista econômico será mais fortemente marcado. É o retorno de Q na teoria. Poderíamos portanto conceber o processo teórico dividido por duas rupturas: a ruptura de A interpretação dos sonhos e a ruptura de Mais além do princípio do prazer, onde o princípio de inércia do Projeto renasce sob a forma do princípio do Nirvana, e de O ego e o id, onde a quantidade, o afeto e o ponto de vista econômico voltam com vigor na teoria. Mas, dessa vez, com tudo o que foi adquirido pela experiência e pela teoria acumuladas em um quarto de século.

Jones nos conta que Freud quando escreveu esse capítulo VII parecia sonhar acordado ao reencontrar seus próximos após o trabalho. Tão logo concluído o manuscrito, esse último capítulo, por falta de tempo, foi enviado diretamente ao editor. Fliess poderá propor correções, como para os capítulos precedentes (e Freud aceita todas sem discutir), mas somente sobre as primeiras provas, sobre um texto já impresso. Fliess não é mais incluído no processo de escrita, mas somente no processo de impressão. Talvez nós tenhamos forçado um pouco a interpretação quando afirmamos que A interpretação dos sonhos assinala a liquidação da transferência de Freud sobre Fliess. A "ruptura" não é nem tão nítida nem tão profunda. Uma prova disso é a carta 117 de 6.9.1899, cinco dias antes do término (11.9.1899) na qual Freud se desculpa pelo fato de que seus escritos tivessem ultrapassado seus pensamentos: "Temo que tudo isso nada mais seja que bobagens47… Se a tempestade desabar sobre minha cabeça, vou me refugiar em sua casa, no quarto dos amigos". A Interpretação dos sonhos será um presente de aniversário (carta 122, 27.10.1899). Na verdade, se Fliess não deixa de exercer sua fascinação sobre Freud, o pensamento de Fliess não o subjuga mais. Talvez nessa época ele ainda esteja convencido das grandes qualidades de Fliess, mas seus caminhos não estão mais estreitamente emaranhados. Freud se libertou da fascinação pela organologia.

Podemos dizer que o maior mérito de Freud foi também de não se deixar fascinar pelo poder da imagem. Freud desconstrói o sonho para analisá-lo. Em suma, se o sonho é constituído pelo duplo fechamento do polo perceptivo e do polo motor, sua interpretação quebra esse cercado. O sonho é fracionado, fragmento por fragmento (assim como os pensamentos do sonho são fragmentados e reconduzidos a seu material bruto para formar o sonho), cada um deles ligado pelas associações aos restos diurnos, aos pensamentos do dia anterior. Um estranho conjunto aparece então como jamais seria suposto na vida de vigília.Poderíamos dizer que se o sonho é conjunto de pedaços, ou membrana (a tela do sonho), as associações operam nele o desmembramento para um novo arranjo: a fantasia de desejo, fonte do sonho, acionadora da pulsão, ou acionada por ela. Mas essa queda das divisórias, essa quebra do cercado, os analistas sabem disso por experiência, nunca é tão fecunda quanto no interior de um novo espaço fechado: o espaço da sessão de análise. Muitas vezes a sessão de análise foi comparada ao sonho; se o polo motor aí não está paralisado está pelo menos restringido; o polo perceptivo, pelo seu caráter relativamente fixo, incita a olhar para o interior de si mais do que para a sala do analista. É claro que a consciência e a censura estão vigilantes, mas a regra é de relaxar a consciência e de suspender a crítica. Para os dois protagonistas. Dessa maneira os espaços do sonho e da sessão se encaixam sem que fiquem reduzidos um ao outro. Mas a sessão, por sua vez, é provedora de sonhos. Não é raro que o texto de uma sessão sirva como restos diurnos para constituir o sonho da noite seguinte. O analista experiente num certo momento da fala de seu paciente pode mesmo sentir o movimento de pré-fabricação do sonho e prever em parte os contornos do sonho que será narrado na próxima sessão. Mas, para construir o sonho, será ainda necessário romper o enquadre da sessão, retornar ao mundo externo fora da sala do analista, esquecer ou desconhecer a transferência, permitir que a fantasia de desejo seja elaborada em surdina e enriquecida entre as sessões. Permitir que se faça o trabalho do outro pensamento.

De todas as descobertas de Freud o sonho é provavelmente o campo no qual as contribuições dos psicanalistas que continuaram o trabalho após A interpretação dos sonhos são as menos importantes. A neurofisiologia confirmou em grande parte as hipóteses de Freud48. A possibilidade de sonhar foi reconhecida como uma condição essencial para a saúde psíquica. Autores recentes fizeram da barreira do sonho49 (Bion) o fundamento da atividade psíquica necessária para a elaboração do pensamento, que na psicose apresenta vício de forma. O sonho é o protótipo de um pensamento descoberto por Freud. Poderíamos aproximar esse pensamento do sonho, a partir do trabalho do sonho, à "bricolage" do pensamento selvagem destacada por Levi-Strauss. Pensamento de uma grande complexidade, mas pensamento sem escrita (embora Freud aproxime o sonho da escrita hieroglífica). De qualquer maneira, pensamento sem memória, sem transmissão possível. Não se compartilha o sonho, o mundo exterior sim. O espaço do sonho é um espaço pessoal. Mas ainda é muito. Muito ou ainda pouco. Ao terminar o capítulo VI de A interpretação dos sonhos Freud escreve: "O trabalho do sonho não pensa50". Pensamento do sonho e pensamento da vigília são essencialmente diferentes, necessariamente. É por essa razão que propomos a expressão de pensamento não pensado cujo trabalho é essencialmente a transformação. Essa transformação requer uma máquina, um aparelho para pensar os pensamentos (Bion). Portanto, inevitavelmente uma estrutura. Mas uma estrutura baseada num material bruto ou que reconduza a ele. O trabalho específico do sonho embaraça, esmaga as estruturas da linguagem e as transforma de acordo com as estruturas que são a condição da linguagem e das quais encontramos as pré-formas na própria atividade pulsional. Trabalho produtor de uma "contra-teoria" psíquica, como as teorias sexuais das crianças que constroem hipóteses explicativas da sexualidade enigmática dos pais e da produção de bebês dela decorrente.

Não nos esqueçamos, porém, que o maior desejo do sonhador é o desejo de dormir, de alcançar o "estado ideal de inércia" do sono sem sonhos representado pela tela branca e pela alucinação negativa. "Tanto barulho…". Vamos inverter as palavras de Hamlet:

To dream, to sleep

To sleep perchance to die…

Pois nós não acreditamos mais no inferno e, quanto ao paraíso, hoje ele não é mais aquele da infância, mas aquele anterior ao nascimento. Nascimento, morte: duplo fechamento. Entre os dois, o espaço da vida e o espaço do sonho, entre corpo e linguagem.

O espaço do sonho, o espaço do livro: "O livro, finalmente, foi lançado ontem" (carta 123 de 5.11.1899).

 

 

Tradução de Ligia Todescan Lessa Mattos e Ana Maria Andrade de Azevedo

Revisão de Beatriz Helena P. Stucchi

 

 

Endereço para correspondência
André Green
[Societé Psychanalytique de Paris SPP]
9, Av de l'Observatoire
Paris 75006
France

[Recebido em 19/2/2010, aceito em 16/3/2010]

 

 

© Cedido pela Gallimard do livro L'espace du rêve para publicação neste número da Revista Brasileira de Psicanálise
1 Do original De l' "Esquisse" a l' "Interpretation des rêves": coupure et clôture. Publicado no livro L'espace du rêve. Gallimard, 2001
2
Membro titular e ex-presidente da Societé Psychanalytique de Paris SPP. Membro honorário da British Psychoanalytical Association.
3 N.T. A cada pedalada aos milhares se movem os fios As lançadeiras vão e vêm Invisíveis deslizam os fios Aos milhares se unem a cada batida (Goethe, Faust, I)
4 Standard Edition Vol. 4, p. 283. Todas as citações de Freud foram traduzidas (para o francês por Green) a partir do texto da Standard Edition, com exceção das cartas à Fliess que não estão incluídas nessa edição. Neste caso foi adotada a tradução de A. Berman, em La naissance de la Psychanalyse.
5 Embora tenha sido lançada em novembro de 1899. Foi o editor que tomou a iniciativa de datá-la com alguns meses a mais.
6
Sobre a história do Projeto, A interpretação dos sonhos e o conjunto das relações Freud-Fliess, o leitor poderá consultar o primeiro volume da obra de Jones, La vie et l'oeuvre de S. Freud, trad. A. Berman, chap. XIII à XVII, P.U.F., como também as excelentes introduções de Strachey ao Projeto, S.E. Vol. 1, 283-294 (às quais deve-se acrescentar os apêndices A 344-347, B e C 392-299) e à, Interpretação dos Sonhos, S.E. Vol. 4, XI-XXIII. Consultaremos também a Introdução de E. Kris à La naissance de la psychanalyse, P.U.F., 1956. Somos devedores a esses autores aos quais fizemos inúmeras referências.

7
Cf. Editor's Introduction, S.E. Vol. 1, 283.

8
N.T. Parece que aqui há um equívoco no original em relação às datas de ambas as cartas.
9
O manuscrito K que acompanha a importante carta de 1.1.1896: Les psychonévroses de défense dit Conte de Noël, dá uma idéia do que deveria ser o caderno conservado por Freud. Mas sua redação é de inspiração um tanto diferente da construção sistemática do Projeto.
10
N.T. – No original: "nuit pascalienne", referência a Blaise Pascal que durante uma noite fez descobertas importantes. Expressão que significa um momento de descoberta ou de revelação.
11
Devemos destacar que Freud, em sua correspondência com Fliess continua a se referir à sua "psicologia", termo que designa habitualmente o Projeto, muito depois de seu término. Às vezes Freud parece falar apenas de um campo (a psicologia), mas às vezes, sem dúvida, de uma obra (cf. O final da cata 91 de 20.6.1898). É difícil afirmar com certeza de qual obra se trata. Talvez de A intepretação dos sonhos ( mas Freud, nesse caso diz: o livro sobre o Sonho), talvez de uma outra obra.
12 Cf. Jones, I, pp. 340-349. Jones relata que Freud desmaiou num hotel de Munich durante as discussões que precederam a ruptura com Jung. Ele próprio analisa esse incidente relacionando-o com a cidade na qual, no passado, havia se encontrado com Fliess e conclui que haveria aí um problema homossexual não resolvido. Esta é uma prova suplementar da série Breuer-Fliess-Jung. Se Brücke e Charcot foram para Freud seus substitutos paternais, Breuer desempenhará o papel de meio-irmão mais velho e Fliess provavelmente também, Jung desempenhará o de irmão mais novo. Sabemos que o Édipo suscita resistência menor quando é deslocado sobre a fratria.
13O. Mannoni, Freud, p. 57, ed. Le Seuil.
14Op. cit., p. 63. Mannoni dirá de forma mais apropriada que aquilo que chamamos a auto-análise de Freud nada mais é que a descoberta da análise. Cf. também D. Anzieu, L'auto-analyse, P.U.F.
15Op. cit., p.58
16J. Strachey, Editor's Introduction, S.E. Vol. 1, 291.
17S.E. Vol. 1, 295.
18 J. Laplanche mostrou de maneira engenhosa que aqui estamos na presença daquilo que mais tarde será a distinção representação (= N ) afeto (= Q).
19 S.E. Vol. 1, 393.
20Freud vai continuar a se referir ao arco-reflexo no capítulo VII de A interpretação dos sonhos, mas para lhe dar uma interpretação totalmente nova.
21N.T.: centração: Termo de Piaget para a ligação involuntária prolongada de uma modalidade sensorial a uma parte de um campo, produzindo erros perceptivos de exagero e distorção. O comportamento motor baseado na percepção (como tarefas de desenhar) é, com freqüência, secundariamente afetado e pode ser assim usado para diferenciar entre indivíduos com problemas neurológicos, com distorções de percepção, e indivíduos emocionalmente perturbados, com distúrbios de pensamento.
22 Notemos no entanto, a favor de Freud, que no estudo do funcionamento cognitivo ele muda a maneira tradicional de ver o problema. Não se trata de fazer o aparelho enquadrar a representação de desejo com o resultado da percepção, mas, por modificações sucessivas das percepções (pela ação), levá-las a coincidir com a representação desejada. Em resumo, a criança busca a percepção do seio de acordo com a de sua realização alucinatória do desejo. Trata-se já do "reencontro" de um objeto perdido.
23
S.E. Vol. 1, p. 389.
24
S.E. Vol. 1, p. 337.
25
Também uma atividade da pulsão de morte, pela desagregação dos pensamentos, mas o resultado serve à realização do desejo, portanto está a serviço de Eros.
26
S.E. Vol. 5, p. 544.
27
S.E. Vol. 5, p. 314.
28Os pontos negros representam as imagens do sonho, os pontos brancos representam as associações ou os pensamentos do sonho.
29
Na carta 81 de 4.1.1898, Freud nega que tenha tendências homossexuais. Fliess assimilava bissexualidade e bilateralidade. Como Freud tinha dificuldade em aceitar essa idéia ele acrescenta que talvez Fliess o considere como um "canhoto parcial". Se é assim, Freud diz que está disposto a aceitar isso sem ficar magoado. Estamos em 1898, três anos após o sonho de Irma. A resolução da transferência já começou e A interpretação dos sonhos está em construção. A partir de meados de março Fliess recebe os primeiros capítulos para uma primeira leitura (carta 86 de 24.3.1898).
30
Que no texto Freud liga aos órgãos femininos.
31S.E. Vol. 4, p. 117. Sob o pseudônimo de Irma poderíamos fazer algumas hipóteses. Ficamos tentados a propor uma solução a esse enigma: I (Ida), R (Robert, filho de Wilhelm e Ida Fliess), M (Martha), A (Anna, filha de Sigmund e Martha Freud). A análise do sonho acaba com uma alusão à gravidez de Irma (Ida para nós) e de Martha.
32
Porque provavelmente tratam-se de nossas associações e não das de Freud. Mas a observação nos parece importante na medida em que ela fixa limites singularmente restritos para a divulgação e para a análise de qualquer material inconsciente ou onírico que um autor considere interessante mencionar para trazer a prova de uma sinceridade analítica, no mínimo bastante duvidosa. Não contamos publicamente nossos sonhos sem antes eliminarmos deles as associações mais comprometedoras. Mesmo que conscientemente não censuremos nada, a censura se encarrega do resto. Não podemos esquecer que Freud em 1895 ou 1899 busca antes de tudo uma demonstração: o sonho é a realização de um desejo. Mas há desejos e desejos. E há confissões sobre as quais seria melhor silenciar pelo seu caráter mistificador ou mesmo automistificador.
33
S.E. Vol. I, p. 342.
34 N.T.: em comunicação pessoal Green solicitou informar que, em artigo posterior, retificou a data do sonho de Irma que ocorreu, de fato, em 1885. Retificação feita à página 30 do Numéro 16 (outono de 1977) da Nouvelle Revue de Psychanalyse, "Transcription d'origine inconnue. L'écriture du psychanalyste: critique du témoignage".
35 Cf. Editor's Introduction to "The Interpretation of Dreams", S.E. Vol. 4, XIV-XX.
36Carta 113 de 1.8.1899.
37Idéia vinda de Fechner segundo a qual a cena da ação dos sonhos é diferente daquela da vida ideativa da vigília. S. E., Vol. 5, p. 536.
38Loc. cit., p. 537.
39
Loc. cit., p. 543
40Loc. cit., p. 546.
41A substituição de sistemas de neurônios por sistemas psíquicos (Cs, Pcs, Ics) vem à luz na carta 52 de 6.12.1896 na qual toda a metapsicologia do sonho já está presente de forma precisa. O espaço aqui está ainda aberto e não fechado pelo sono.
42Cf. nosso artigo: "Répétition, différence, Réplication". Revue française de psychanalyse, 1970, 34, 461-501.
43 O parênteses indica que nesse período Freud fala apenas do princípio de desprazer.
44
Freud se justifica sobre o lugar ainda muito limitado que ele dá à sexualidade em A interpretação dos sonhos. Alega então seu conhecimento insuficiente das perversões e da bissexualidade. Ainda Fliess!
45
Podemos imaginar uma dupla mudança de direção (sobre si, juntando os dois polos e no sentido oposto, fazendo a inversão, da progressão para a regressão) que constituiria uma Fita de Moebius, iluminada em todo o seu percurso. Lyotard proporia a expressão "reviravolta do espaço do desejo", cf. Discours, Figure, Klincksieck, 1971. Sobre a alucinação negativa e a dupla mudança de direção, cf. nosso trabalho: "Le narcissisme primaire, structure ou état". L'inconscient, 1967, 1, pp. 127-157 et 2, pp. 89-116.
46 S.E. Vol. 5, p. 611.
47 A submissão e seu contrário, o reconhecimento do desejo de morte com relação a Fliess, estão ainda presentes na carta 119 de 21.9.1899. "Agora estou na parte principal da interpretação: nos sonhos absurdos ! É surpreendente ver com que freqüência você aparece aí. No sonho non vixit eu me regozijo de ter sobrevivido a você". No entanto, o desligamento com relação a Fliess progride. Na carta 121 de 11.10.1899, Freud anuncia: "Uma teoria da sexualidade vai imediatamente suceder ao livro sobre os sonhos". Lance inicial para os Três Ensaios. Sua teoria da sexualidade.
48
A. Bourguignon, "Neurophysiologie du rêve et théorie psychanalytique", La Psychiatrie de l'enfant, 1968, 11, p. I, 69.
49
W. Bion, Learning from experience, Heinemann, 1962.
50
S.E. Vol. 5, 507, cf. a respeito desse assunto: J.-F. Lyotard, op.cit., pp. 239-261.