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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.44 no.2 São Paulo  2010

 

EDITORIAL

 

 

A riqueza da psicanálise reside, entre outras propriedades, na sua permanente abertura para as singularidades. A tensão entre os sistemas teóricos mais consolidados e o específico de cada configuração psíquica, assim como aquela entre a técnica clássica e as particularidades de cada processo analítico, longe de apontarem uma fragilidade epistemológica são testemunho de um método original de abordar o sofrimento humano no contexto dos saberes sobre o psíquico. Desde seus primórdios o campo psicanalítico comportou a diversidade de olhares sobre o exercício clínico, enriquecendo e ampliando a compreensão dos processos inconscientes e, deste modo, contribuindo na elaboração do mal-estar daqueles que nos procuram. Variações e fundamentos é o nome que encontramos para contemplar este movimento.

O leitor encontrará, na seção "Debate", textos dos colegas Anette Blaya Luz, Jane Kezem e Humberto da Silva Menezes Junior, que tratam das modificações na técnica e seus fundamentos. O estímulo para esse debate nasce do diálogo possível entre o momento atual da clínica psicanalítica e as ricas e ousadas contribuições de Ferenczi que, mesmo sujeitas à crítica e revisões, abriram as portas para substanciais transformações na escuta analítica e avanços na compreensão do trauma infantil, das falhas nos processos de simbolização e do lugar do outro na constituição do psiquismo e no processo analítico. Esses trabalhos destacam-se pela franqueza com a qual os autores abordaram o desafio, assim como pelo fino tratamento teórico-clínico que deram ao assunto.

André Green acaba de organizar uma coletânea, recentemente publicada, Les voies nouvelles de la thérapeutique psychanalytique (Os novos caminhos da terapia psicanalítica), da qual participam um expressivo número de renomados analistas do cenário internacional que apresentam inovações no campo da clínica e uma discussão sobre os fundamentos que as sustentam. Por sua vez, R. Roussillon em seu artigo "La conversation psychanalytique: un divan en latence" (2004), sugere que não é mais o dispositivo padrão que decide quem pode ser analisado, mas sim as necessidades singulares do analisando que assinalam o dispositivo mais adequado para essa análise. Isso aponta para as "inovações no campo da técnica". Tomando em consideração esta instigante proposta, formulamos uma carta-convite endereçada a todos os membros da Febrapsi, e nela sugerimos aos colegas a seguinte indagação: "O que está em jogo no trabalho analítico? O que sustenta clínica e metapsicologicamente a diversidade de dispositivos utilizados pelos analistas?".

Há algumas décadas reconhece-se um universo clínico cujo escopo se estende para além da classificação entre neurose e psicose. Os pacientes borderline, as configurações não neuróticas e o mutante contexto sociocultural demandam um manejo original da transferência que foge aos padrões clássicos. Para além do valor e do interesse de cada texto em particular, o conjunto dos trabalhos publicados, em resposta ao nosso convite, constitui um rico mosaico; uma amostra da criatividade clínica e do compromisso ético com o qual nossos colegas vêm abordando estes assuntos, cuja complexidade não escapa ao leitor. Os autores apresentam suas respectivas modalidades de operar clinicamente com estas difíceis e desafiadores configurações psíquicas, assim como procuram construir recursos metapsicológicos para pensá-las. Temos certeza de que o movimento que se origina da diversidade de posturas apresentadas poderá se constituir em estímulo para o leitor visando à reflexão em torno de sua própria experiência clínica. Pensamos, assim, contribuir para o enriquecimento do debate em torno desta matéria que, sem lugar a dúvida, diz respeito ao futuro da psicanálise.

Dois convidados estrangeiros fazem parte deste número. Janine Puget no seu trabalho, "Os dispositivos e o atual", parte da análise de filósofos contemporâneos em torno das perplexidades face ao que consideram como atual. Estrategicamente discorre sobre os significantes fidelidade e poder, para apontar as transformações no seu percurso como psicanalista e sua perspectiva em torno da natureza dos dispositivos clínicos. Já na seção "Intercâmbio" publicamos a conferência "Figuras da protomelancolia", de Jean Claude Rolland, que aborda a raiz melancólica das psicoses que visa avançar na compreensão da psicopatologia psicanalítica. O diálogo com Biswanger, a inspiração literária e sua clínica são matériaprima para investigar o que será tratado como tentativa de abolição do campo do outro que se desdobra na cena transferencial.

Antes de encerrar este editorial, gostaríamos de expressar nosso agradecimento a Luciana Gobbato que, com dedicação e carinho, transmitiu para a nova equipe editorial sua experiência na função de secretária da Revista Brasileira de Psicanálise durante as duas gestões que nos antecederam e que, em função de novos projetos pessoais, solicitou seu afastamento. Damos as boas-vindas a Nubia Brito Bueno, nossa nova secretária administrativa.

 

Bernardo Tanis

Editor