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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.44 no.2 São Paulo  2010

 

DEBATE

 

Sobre as modificações na técnica e seus fundamentos

 

 

Agora imagine quais seriam as consequências se sua técnica fosse publicada.
Carta de Freud a Ferenczi, 13 de dezembro 1931.

As novas configurações psíquicas, com as quais nos temos defrontado em nossa clínica, reacendem o debate a respeito das modificações na técnica clássica e dos fundamentos metapsicológicos que a sustentam. Essa questão não é nova, mas continua solicitando nossa atenção. Selecionamos como estímulo para reflexão, alguns fragmentos de artigos de Sandor Ferenczi, o enfant terrible da psicanálise, admirado e questionado por Freud. Pensamos que sua liberdade criativa parece vir ao encontro do tema deste número: a clínica contemporânea com toda sua diversidade e novos desafios. Sua ousadia que, inicialmente assustou a comunidade psicanalítica, pôde, ao longo do tempo, ser retomada sob outro olhar.

O esforço de Ferenczi, acompanhado de acertos e fracassos, por encontrar meios técnicos e enquadres apropriados para lidar com as demandas da clínica foi notável. Este autor apontou novos caminhos a partir da "elasticidade da técnica" e procurou fundamentá-los com algumas ideias que estão no centro do pensamento psicanalítico atual. Assim, convidamos os comentadores, para que a partir de suas próprias experiências, possam ampliar estas reflexões colaborando para transformações no exercício clínico da psicanálise.

Adquiri a convicção que se trata, antes de tudo de uma questão de tato psicológico, de saber quando e como se comunica alguma coisa ao analisando, quando se pode declarar que o material fornecido é suficiente para extrair dele certas conclusões; em que forma a comunicação deve ser, em cada caso, apresentada; como se pode reagir a uma reação inesperada ou desconcertante do paciente; quando se deve calar e aguardar outras associações; e em que momento o silêncio é uma tortura inútil para o paciente, etc. Como se vê, com a palavra "tato" somente consegui exprimir a indeterminação numa fórmula simples e agradável. Mas o que é o tato? A resposta a esta pergunta não nos é difícil. O tato é a faculdade de "sentir com" (Einfuhlung). (Ferenczi, 1992c, p. 27)

As proposições que lhes tenho submetido, do ponto de vista técnico e teórico, são severamente criticadas por uma respeitável maioria, por seu caráter fantasista e original demais. Tampouco posso pretender que o próprio Freud esteja de acordo com tudo o que eu publico. Deu-me sempre sua opinião franca, quando lhe solicitei. Mas não hesitava em acrescentar que, sob certos aspectos, o futuro poderia dar-me razão, e nem ele nem eu cogitamos interromper a nossa colaboração por causa dessas diferenças relativas ao método e à teoria; mas no que diz respeito aos mais importantes princípios básicos da psicanálise, estamos perfeitamente de acordo. (Ferenczi, 1992a, p. 70)

A esse respeito, gostaria de emitir a hipótese de que os movimentos de expressão emocional da criança, sobretudo os libidinais, remontam fundamentalmente à terna relação mãe-criança, e que os elementos da malevolência, de arrebatamento passional e de perversão aberta, são, na maioria das vezes, consequências de um tratamento desprovido de tato, por parte do ambiente. É uma grande vantagem para a análise quando o analista consegue, graças a uma paciência, uma compreensão, uma benevolência e uma amabilidade quase ilimitada, ir o quanto possível ao encontro do paciente. Cria-se deste modo uma base graças à qual pode-se lutar até o fim na elaboração do conflito, inevitáveis a um prazo mais ou menos curto, e isso, na perspectiva de uma reconciliação. O paciente ficará então impressionado com o nosso comportamento, contrastante com os eventos vividos em sua própria família, e, como se sabe agora protegido da repetição, atrever-se-á a mergulhar na reprodução do passado desagradável. O que se passa então lembra-nos vivamente o que nos relata os analistas de crianças. (Ferenczi, 1992a, pp. 74-75)

Uma grande parte da crítica recalcada diz respeito ao que se poderia chamar a hipocrisia profissional. Acolhemos polidamente o paciente quando ele entra, pedimos-lhe que nos participe suas associações, prometemos-lhe assim, escutá-los com atenção e dedicar todo o nosso interesse ao seu bem-estar e ao trabalho de elucidação. Na realidade é bem possível que certos traços, externos ou internos, nos sejam dificilmente suportáveis. Ou ainda, podemos sentir que a sessão de análise gera uma perturbação desagradável numa preocupação profissional mais importante, ou numa preocupação pessoal e íntima. Também nesse caso não vejo outro meio senão tomar consciência do nosso próprio incômodo e falar sobre ele com o paciente, admiti-lo, não só como possibilidade, mas também como fato real. Assinalemos que renunciar à "hipocrisia profissional", considerada até agora como inevitável, em vez de ferir o paciente, proporcionava-lhe, pelo contrário, um extraordinário alívio. (Ferenczi, 1992b, p. 99)

Esperamos agora, que os artigos a seguir possam inspirar o leitor a fazer suas próprias expansões sobre temas tão presentes no cotidiano da clínica.

 

Referências

Ferenczi, S. (1992a). Análise de crianças com adultos. In S. Ferenczi, Obras Completas: Psicanálise (Vol. 4, pp. 69-83) São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Ferenczi, S. (1992b). Confusão de línguas entre os adultos e criança. In S. Ferenczi, Obras Completas: Psicanálise (Vol. 4, pp. 97-106) São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Ferenczi, S. (1992c). Elasticidade da técnica psicanalítica. In S. Ferenczi, Obras Completas: Psicanálise (Vol. 4, pp. 25-33) São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]