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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.44 no.2 São Paulo  2010

 

RESENHAS

 

O desenvolvimento estético: o espírito poético da psicanálise Ensaios sobre Bion, Meltzer e Keats

 

 

Autora: Meg Harris Williams
Editora: Karnac, Londres, 2010, 200p.

Resenhado por: Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho,1 São Paulo

Endereço para Correspondência

 

Meg Harris Williams foi, durante algum tempo, apresentada como filha da psicanalista Martha Harris e enteada de Donald Meltzer: hoje, não é incomum Martha ser lembrada como sua mãe e Meltzer como seu mentor e colaborador. Além de ter nascido num "gueto kleiniano", como ela mesma me confidenciou, Meg teve formação literária e artística, além de uma "educação psicanalítica ao longo da vida", que incluiu uma análise pessoal com Meltzer (ao que tudo indica, antes de seu casamento com Martha Harris).

A sensibilidade estética de Meg (hoje uma talentosa artista plástica) levou-a a se interessar pelo modelo pós-kleiniano da mente, cujas bases estéticas foram solidamente estabelecidas por Bion e desenvolvidas por ela, inicialmente com a imprescindível colaboração de Meltzer. Desde o lançamento de seu primeiro livro Inspiration in Milton and Keats (1982), até os recém-lançados The Aesthetic Development (2010) e Bion's Dream (2010), Meg vem produzindo uma obra que nos esclarece com grande originalidade as origens literárias do modelo psicanalítico da mente, e que nos ajuda a caracterizar o modelo pós-kleiniano.

Sua peculiaríssima aproximação da obra de Bion lhe permitiu captar como ninguém a importância que a "forma estética" possui em sua metapsicologia, tornando-a, assim, uma profunda conhecedora e divulgadora dessas ideias espalhadas sem sistematização em suas obras autobiográficas (The Long Week-End, All My Sins Remembered e War Memoirs) e, principalmente, na trilogia, A Memoir of the Future. Foi por estar convencida que o espírito poético é parte intrínseca do método psicanalítico, que Meg está publicando este livro, no fundo um condensado de um work in progress de varias décadas. Nesse período ela concluiu que a psicanálise adquiriu uma dimensão estética em três níveis: como modelo de mente; reconhecendo o encontro psicanalítico como processo estético; e considerando a evolução da psicanálise uma "ciência-artística".

Seu foco, no presente livro, concentrou-se no "encontro-onírico" da sessão psicanalítica, onde é possível acompanharmos a disputa dramatizada entre as forças do desenvolvimento e do retrocesso, na busca do autoconhecimento. Sua opção foi estabelecer paralelos com outros tipos de resposta estética, no caso, duas odes de Keats, certas críticas de arte produzidas por Adrian Stokes, as narrativas autobiográficas de Bion e uma discussão da prática da filosofia do desenho com modelos vivos.

Meg avaliza o mito-de-nascimento da psicanálise na visão de Bion e Meltzer, como sendo "uma coisa-em-si-mesma que já existia no mundo antes que o gênio místico de Freud a descobrisse... dando a ela uma forma" (Meltzer, 1978, III: p. 104) e assinala a importância da obra de Melanie Klein por observar continuamente a formação de símbolos de modo concreto, através dos jogos que as crianças iam desenvolvendo na dinâmica transferencial. Foi assim, diz ela, que o aprendizado-pela-experiência psicanalítico, começou a convergir com o aprendizado-pela-experiência poético, a ponto de Meltzer concluir que a dimensão estética é "logicamente necessária" para sustentar o desenvolvimento psicanalítico (1978, I: p. 3-4).

Assim, conceitualizar a ontologia da psicanálise, significa "indagar como se formam os continentes dos significados (símbolos); de detectar as sutilezas das conversações entre objetos internos como forma de resposta estética (Meltzer); e de reconhecer que "a apreensão espiritual de objeto estético promove nossa intermediação com o território platônico das ideias" (p. XXI).

Sua aspiração é encarar o método psicanalítico como objeto estético, seguindo as inspirações platônicas de Milton de "perseguir a ideia do Belo... através de todos os moldes e formas das coisas", e incorporando a tese de Keats quanto ao "princípio de beleza em todas as coisas".

No capítulo 1, somos convidados a explorar as raízes científicas e/ou artísticas da psicanálise, remontando a um dualismo ancestral que, desde Platão e Aristóteles, contrapõe o mensurável ao inefável, a razão à intuição, a análise à síntese, o consciente ao inconsciente, a forma discursiva à forma apresentativa.

Historicamente, Freud demonstrou que a verdade "mental" podia ser apreendida pela psicanálise intuitivamente pela tensão gerada no campo transferencial-contratransferencial: epistemologicamente, portanto, a psicanálise deveria ser uma "forma apresentativa" como bem descreveu Susanne Langer (1942/2004), uma atividade que gera formas icônicas que mais oferece a experiência aos sentidos do que a representa. Bion (1987, p. 29) ilustra bem esta experiência, quando descreve o encontro com um elemento protomental (elemento-beta) como análogo ao fascínio de Keats ao defrontar-se com a obra de Homero: "Senti-me, então, como um observador dos céus/ Quando um novo planeta surge nadando em sua visão".

O psicanalista, na visão de Bion e Meltzer, busca um tipo de conhecimento que articule os vértices científico, artístico e religioso. Por isso, a indagação de Bion:

Que equilíbrio adequado deveríamos conseguir entre um vértice científico, que se pretenda devotado à verdade dos fatos, e um vértice religioso, igualmente devotado à verdade? Igualmente, o artista sincero está também empenhado em representar a verdade. Se Vermeer pode pintar a ruazinha em Delft, e se as pessoas podem admirá-la, elas nunca mais enxergarão uma rua do mesmo modo. O pintor causou uma mudança no indivíduo que o habilita a ver uma verdade que ele nunca imaginara.
(Bion, 1974, I: p. 95-96; trad. livre do resenhista)

No modelo psicanalítico pós-kleiniano não se pretende organizar os sentimentos passados através de uma revisão, mas sim ter acesso a sentimentos vivos que podem causar ou "dor" (geradora de sintomas) ou "sofrimento", passível de revelar seu significado, desde que transformado pela função-alfa em ideogramas. Na vida real, encontramos um modelo para esta troca transferencial na relação de rêverie entre a mãe e seu bebê. Na experiência psicanalítica este cenário só é construído mediante a restrição à memória e desejo que induza o analista não a possuir um conhecimento, mas a buscar uma comprovação da verdade emocional no domínio da estética, como fazia Keats (1970, p. 187, trad. livre do autor): "Nunca me certifico de qualquer verdade a não ser a partir de uma clara percepção de sua Beleza".

Para fechar esse capítulo, ela nos lembra que o "rêverie artístico" encoraja a velocidade e a profundidade do pensamento; que fortalece a tolerância à não compreensão, restringindo a tentação de preenchermos as lacunas de conhecimento com explicações onipotentes ou autoritárias; e, finalmente, que o método artístico não é algo a ser ensinado como o método científico, mas algo que só se adquire mediante a introjeção do modelo do conflito estético.

O capítulo 2 reconhece a importância dos conceitos de "conflito estético" e de "mudança catastrófica", para o desenvolvimento estético. Meltzer (1986, 1988) entende o conflito estético como a resposta emocional do bebê à beleza da mãe-como-mundo, assinalando que ele precede os conflitos habitualmente valorizados como os de separação, privação e frustração. Williams (1991, p. 70-89) estuda com muita sensibilidade o quanto William Blake foi influenciado pelo "odioso assédio dos contrários" de Milton, ao propor que a "purificação da percepção" é fruto de se poder suportar as tensões emocionais do "casamento dos contrários". Estas questões são ilustradas por suas análises dos poemas "Londres" e "O Tigre"; neste último, a capacidade do poeta de tolerar a "apavorante simetria" entre terror e beleza que se alterna nos olhos flamejantes do tigre, é descrita de modo pungente, refletindo o conflito estético entre o tigre e o cordeiro, ambos aspectos de Deus.

Em relação à mudança catastrófica, Meg nos lembra suas origens aristotélicas já que, no drama grego, a katastrofé ocorre após a peripatéia, o ponto na tragédia clássica onde ocorre uma reversão da visão similar àquela sofrida pelos habitantes da Caverna de Platão que, ao saírem ao sol, ficam cegos e desorientados. Bion (1966), como sabemos, descreveu inicialmente a mudança catastrófica como uma desproporção entre continente e contido, assinalando posteriormente que "a evolução ou crescimento mental é catastrófico e atemporal" (Bion, 1970, p. 108), gerando uma perda de identidade. Isto foi formulado algures na Trilogia, onde ele sugere que a mudança catastrófica é, ao mesmo tempo, um break-down (uma demolição), um break up (uma erupção) e um break through (uma desobstrução).

Desde seu artigo "Underlying pattern in Bion's Memoir of the Future", Meg transformou-se numa profunda conhecedora da Trilogia, tendo percebido que a mudança catastrófica era o seu conceito central, pois dramatizava a luta que empreendemos para obter uma revolução interna artística e disciplinadora que se contraponha à nossa tentação de sucumbir à catástrofe externa. O remédio, já nos alertava Bion, é tentar apreender antecipadamente o desastre, tornando-o descritível, ou seja, exorcizar o desastre em catástrofe, resgatando suas implicações estéticas originais. É por isso que a Trilogia, através de um sonho autobiográfico de seu autor, "dramatiza a guerra entre o pensamento e a ação; entre a ideia messiânica e a bomba nuclear; a luta para expandir a mente e não para explodi-la" (Williams, 1983a, p. 76).

Em sua análise das implicações estéticas do conceito de mudança catastrófica, Meg tem o cuidado de expressar pontos de vista compatíveis com sua formação (lembrandonos, por exemplo, que Oedipus Tyrannós foi a peça na qual Aristóteles se baseou para extrair sua teoria da poiesis, e, portanto, o conceito de catástrofe estética), abstendo-se de abordar configurações de natureza clínica. Um bom exemplo disto é o fato de ela não ter explorado as interessantes implicações clínicas sugeridas por Bion (1966, p. 16), quando diz que na claustrofobia o paciente identifica-se com um objeto que está no interior de um continente, e que quando há um acting-out por parte do analisando as fronteiras da análise se dissolvem.

No capítulo 3 a proposta é explorar os domínios do objeto estético discutindo as questões da inspiração e da formação de símbolos nos campos da criação poética e do processo psicanalítico. A inspiração, segundo os poetas, é o "clamor selvagem que afoga tanto a harpa quanto a voz" (Milton); "É enxergar quando a luz da compreensão esvai-se" (Wordsworth); é tomar nota dos significados "quando o Amor me respira" (Dante).

A inspiração não seria um atributo do self, mas um processo pelo qual a mente é alimentada por seus objetos internos: Meg ilustra este processo através de um poema de Emily Brontë ("A prisioneira"), em que uma moça argumenta com seu captor, depois de ser espiritualmente visitada por um "mensageiro da esperança".

Numa carta a seus filhos, Bion (1985, p. 179), os adverte que todos nós necessitamos de inspiração para suportarmos solitariamente a carga do autoconhecimento, reconhecendo que os poetas funcionariam como "seios pensantes" para nos ajudar a digerir as mudanças catastróficas intrínsecas ao crescimento mental.

Quanto à importância dos símbolos na realidade psíquica, suas fontes primárias provêm da estética, mais especificamente de Coleridge e Susanne Langer. Coleridge encarava os símbolos como função das "formas orgânicas" que se desenvolveriam consoante um "princípio vivo intrínseco": segundo ele, "A poesia confere forma ao desconhecido que é uma parte latente de nosso ser de um modo tal que nos transformamos nela, e ela em nós [...] A forma, reflete a vida" (1960, p. 198). Daí sua conclusão de que "Uma ideia, no sentido maior desta palavra, só pode ser transmitida através de um símbolo" (1817, p. 77).

Para Langer (1957) é preciso diferenciarmos entre os símbolos que são autoexpressivos, e os signos que são referenciais: por isso os símbolos são sempre veículos de inspiração, cabendo aos signos serem meros veículos de instrução. Ela atribui ao processo de representação simbólica a inauguração da mentalidade humana, chegando a propor ser "um ato essencial ao pensamento, e que o antecede" (p. 100). Esta formulação bem poderia ser precursora da ideia de Bion do pensamento sem pensador.

Nesta altura, Meg faz uma afirmação que me parece equivocada dizendo que Bion (1970) "por um tempo flertou com o termo ideograma, mas concluiu que falhava em expressar com suficiência a complexidade de níveis e vinculações" (p. 65), apoiando-se para tanto num comentário dele a respeito do "símbolo psicótico". Ora, na passagem em questão, Bion não está se referindo ao êxito da função-alfa, mas sim a seu colapso, portanto, não há como deduzir que ele estaria descartando o processo do ideogramaticização. No meu entender (Junqueira Fº, 1995, 2004), e de outros autores (Avzaradel, 2006), a ideogramaticização foi entendida por Bion até o final de sua obra como constituindo a essência do trabalho-onírico-alfa, ou seja, como o cerne de sua teoria de pensamento.

Estando convencida de que todos os símbolos emergem da tensão entre os vértices da ciência, da arte e da religião, Meg lança-se, no capítulo 4, a tentar esclarecer uma indagação feita por sua mãe, Martha Harris (1987, p. 168): como a apreensão sensorial do objeto externo é transformada pela mente, de modo a criar os "objetos psicanalíticos" que Bion encarava como essenciais ao crescimento psíquico? Partindo do princípio de que os poemas podem ser "lidos esteticamente" de modo similar à poiesis da transferência-contratransferência, ela nos propõe uma análise detalhada da dicção poética, de modo a podermos acompanhar as transformações efetuadas pela função-alfa do poeta, no sentido de atribuir significado às turbulências emocionais apontadas por sua Musa: só assim, poderemos ter acesso à Bela Adormecida que desperta, segundo Coleridge, quando se opera a fusão entre sujeito e objeto, colocando-nos em contato com o "espírito modelador da imaginação".

Somos então conduzidos às "delicadas nuances" da dicção poética usada por Keats em três de suas magníficas odes: a "Ode a um Rouxinol" que nos apresenta o vértice artístico subjacente à comunicação com o desconhecido no interior do objeto; a "Ode a uma urna grega", que privilegia o vértice científico que observa o exterior do objeto; e para acompanhar as lutas de Keats com o vértice religioso, sua "Ode ao Outono" é contrastada com seu poema miltoniano "A queda de Hyperion".

Evidentemente, está fora do escopo de uma resenha conseguir reproduzir estas análises; no entanto, para despertar o apetite do leitor interessado, apresentarei aqui a estrofe escolhida por Meg para mostrar como Keats expressou sua certeza de que a imaginação precisa "contar seus sonhos" para encontrar reciprocidade numa forma:

Who alive can say
"Thou art no poet; may'st not tell thy dreams"?
Since every man whose soul is not a clod
Hath visions and would speak; if he had loved
And been well nurtured in his mother tongue.
(The Fall of Hyperion, I: 11-15)

Minha tradução livre para este trecho (como ser vivo, já que não sou poeta) seria:

Qual é o ser vivo que possa dizer:
"Se não és poeta, não podes contar teus sonhos?"
Todo homem pode ter visões, se sua alma
Não for obtusa. Poderá então falar, se tiver amado,
E sido bem alimentado em sua língua materna.

Não há como não lamentar quando nossa língua materna não é a mesma do poeta; no entanto, quando aceitamos o desafio de mergulharmos no interior do poema com ouvidos estrangeiros, uma estranha dicção começa a soar e, então, pelo menos deixamos o lamento de lado e passamos a imaginar uma dicção compatível com nossa sensibilidade.

No capítulo 5, somos convidados por Meg e Meltzer a encarar o processo psicanalítico como um "objeto estético", ou seja, "Um novo método tão antigo quanto a religião e a arte... mas mais pobremente implementado do que as artes que desenvolveram sua artesania por muitos milênios" (Meltzer, 1980, p. 474).

Os artistas encontraram formas de apresentar o drama da interação emocional humana, detectando os pontos de turbulência dolorosa, rastreando as tensões entre seus possíveis significados, para então entretecê-los numa resolução harmônica. É isto que garante a arte na sua forma apresentativa em contraposição aos vértices explicativo e interpretativo. Esta questão foi tratada em profundidade por Bion (1977, pp. 9-39), ao descrever personalidades onipotentes ou mentirosas para as quais a interpretação voltada para a reconstrução da verdade histórica é insuficiente, requerendo-se antes uma "interpretação-construção" apta a iluminar a polivalência da simetria. O analista orquestra, assim, um processo de holding e de modelagem (shaping), em vez de buscar enunciados ou nomeações: a ideia de valência indicaria a prontidão para criar vínculos que possam sustentar a turbulência emocional. Sugiro aos interessados o didático artigo de Grinberg e col. (1974) no qual se discute o excelente caso clínico apresentado por Bion de uma "gagueira" consequente a uma disputa fratricida entre a boca, o ânus e a garganta do paciente.

Meltzer (1986, p. 208), descreveu o processo do "encaixe da atenção do analista com a cooperabilidade do paciente" como uma atividade "onírica", que já fora antecipada por Ella Sharpe quando falava na "dicção poética" dos sonhos. Deste modo, o processo psicanalítico na concepção pós-kleiniana não pretende interpretar os sonhos, mas ser um sonho que "com graus variáveis de resolução estética, consiga simbolizar os conflitos emocionais presentes, de modo a reorientar a psique em relação às realidades externa e interna (p. 136).

Em linha com Shakespeare e sua famosa exortação de que, "Somos da mesma matéria que compõe os sonhos, e nossa vidinha é rodeada por um sono", Meltzer (1983, p. 177) acreditava que no interior "da quieta crisálida da vida onírica", todos nós podemos nos transformar na matéria que compõe os sonhos. Meg, por sua vez, nos alerta com sensibilidade que quando Shakespeare concluiu que "nossa vidinha é rodeada por um sono", ele não quis dizer meramente "terminada", mas realmente "rodeada" no sentido de esteticamente acolhida e contida de modo a poder reverberar além de si mesma (p. 99). A vida onírica comporta uma "leitura estética" por parte de um self que é mais "testemunha" do que agente e que, na descrição de Adrian Stokes, busca uma "beneficência no espaço" como resposta ao "símbolo da forma enterrado em profundidade", gerando assim um continente para "o sentimento onírico não se perder". Em particular ele enfoca as ressonâncias entre interior e exterior, onde a dupla função de envelopamento e incorporação – a essência da apreciação estética – ocorre (1963). Deste modo, um leitor de sonhos é por definição uma espécie de artista ou construtor de símbolos: alguém que "pode intuir o significado potencial de uma forma" (Langer, 1953, p. 390).

No capítulo 5, "O belo em movimento", Meg se desvincula da incumbência de qualquer conclusão para seu livro e se propõe, ao contrário, a explorar uma nova analogia: a comparação entre a reação contratransferencial do analista e a experiência emocional que emerge durante sessões de "desenho-ao-vivo" entre o artista e seu modelo. Ela compartilha com o leitor sua experiência de artista plástica que passou a freqüentar aulas de desenho de nus artísticos, segundo o método da professora sueca Kina Meurle-Hallberg, e que suscitou dois interessantes artigos (Williams 2004 e 2008).

O princípio subjacente a este método, é que a figura humana, posando num estúdio, gera uma turbulência no espaço ao seu redor que demanda uma resposta: o modelo é convidado a desnudar-se em público, ou seja, busca por si só a pose onde sua nudez se materialize com linhas traçadas no espaço (uma espécie de dança abstrata) que o artista busca transpor para registros gráficos no papel.

No capítulo 6, que encerra o livro, a psicanálise é apresentada como uma forma artística. Neste sentido, nossa atenção é atraída para entendermos a matéria dos sonhos, ou seja, aquela característica que modela a mente, e que surge na psicanálise ou na obra de arte. A seguir, destaca-se a importância de que o método psicanalítico possa privilegiar a linguagem simbólica, que Bion denominou de "linguagem de êxito". Com estas premissas, podemos resgatar a harmonia musical de objetos-em-comum que emergem no campo transferencial.

Como um brinde extra, Meg nos oferece um posfácio em homenagem a seus ancestrais kleinianos a quem ela dedica esta obra que "não tendo sido escrita como uma autobiografia, tem, no entanto, algo desta qualidade, seguindo a trilha de meus livros anteriores, ao tentar descrever e localizar o espírito poético subjacente à sua temática: a natureza da relação do self com seus objetos inspiradores" (p. 172). No seu caso, estes objetos inspiradores foram os poetas e outros professores ou figuras-parentais que se tornaram incorporados a seus objetos internos.

 

Referências

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