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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.44 no.3 São Paulo  2010

 

ARTIGOS TEMÁTICOS - A ESCUTA EM QUESTÃO: OS GRUPOS DE TRABALHO

 

Método "a escuta da escuta"

 

Método "la escucha de la escucha"

 

"Listening to listening" method

 

 

Haydée Faimberg1

Endereço para Correspondência

 

 


RESUMO

Com frequência, o material clínico é escutado a partir de um único pressuposto básico. Em nossos grupos, procuramos não apenas escutar o apresentador e reconhecer os pressupostos básicos com que escuta seu paciente, mas também reconhecer os nossos pressupostos básicos, aqueles com os quais escutamos tal apresentação. Usamos a função de "escuta da escuta", originalmente proposta (Faimberg, 1981) para a escuta da sessão. Exploramos o impacto produzido pelos pressupostos básicos de cada participante (incluindo os do apresentador), sobre a discussão em si. Escutamos o hiato entre o que o participante acreditava dizer e como foi efetivamente escutado. Faz-se, assim, possível explorar fontes de mal-entendido, bem como pressupostos básicos de cada um de nós. Cocriar uma linguagem em comum aponta para o entendimento mútuo na discussão, respeitando a alteridade de cada um. O projeto não consiste, portanto, em propor que, como analistas, trabalhemos de maneira similar.

Palavras-chave: "a escuta da escuta"; "mal-entendido"; cocriação de uma linguagem; pressupostos teóricos básicos; discussão clínica em grupo; alteridade.


RESUMEN

Con frecuencia el material clínico es escuchado desde un único supuesto básico. En nuestros grupos procuramos no solamente escuchar al presentador y reconocer los supuestos básicos con los que escucha a su paciente, sino también reconocer nuestros propios supuestos básicos con los que escuchamos la presentación. Usamos la función de 'la escucha de la escucha' que originalmente había propuesto (H, Faimberg 1981) para la escucha en la sesión. Exploramos el impacto que producen los supuestos básicos de cada participante (incluyendo los del presentador) sobre esta misma discusión. Escuchamos el hiato entre lo que el participante creía decir y cómo fue efectivamente escuchado. Resulta así posible explorar las fuentes de malentendido y explorar los supuestos básicos de cada uno de nosotros. Co-crear un lenguaje en común significa entendernos en la discusión, respetando a nuestra alteridad. El proyecto no consiste, en consecuencia, en proponer que, como analistas, trabajemos en forma similar.

Palabras clave: "la escucha de la escucha"; "malentendido"; co-creación de un lenguaje; supuestos teóricos de base; discusión clínica en grupo; alteridad.


ABSTRACT

Quite often clinical material is heard from one chosen implicit basic assumption. It is part of our goals to train ourselves in listening not only to recognise the presenter's clinical assumptions with which he listens to his patient, but to recognise our assumptions as well. We use the function of "listening to listening", which H. Faimberg (1981) had initially limited to the psychoanalytical listening in the session. We explore the impact that the theoretical assumptions of each participant (including the presenter) have on the discussion itself. From the gap existing between what the participant thought he was saying and how he was heard we begin to co-create a common language to understand each other in our otherness (and not as a project of working as analysts in a similar way). The sources of misunderstanding may appear and by doing so we begin to recognise the basic assumptions of each participant.

Keywords: "listening to listening"; "misunderstanding"; co-creation a language; theoretical basic assumptions; clinical discussion in group; otherness.


 

 

1. Escopo do problema e breve contexto histórico

Apresento, neste artigo, o método que fui criando e desenvolvendo (desde 2002) e que é o fundamento do estilo de trabalho que caracteriza o "Fórum de Discussão Clínica", que se reúne durante a Conferência anual da Federação Europeia de Psicanálise (FEP).

A experiência que adquiri como codiretora (pelo lado francês), juntamente com Anne-Marie Sandler (pela British Society), nos encontros clínicos anuais franco-britânicos (desde 1993 até a atualidade), levaram-me a formular esta primeira pergunta-chave: A partir de quais pressupostos teóricos escutamos, compreendemos e avaliamos o trabalho clínico de um colega?

Esta pergunta metodológica ajuda a compreender o estilo de trabalho que proponho e seu fundamento.

A resposta que me dei é que, com uma frequência muito maior do que imaginamos, pensamos os materiais clínicos que escutamos a partir de uma teoria única, reconhecida por nós ou não. Assim, julgamos se o colega trabalha ou não de acordo com essa nossa teoria, sem perguntarmo-nos se o trabalho apresentado está baseado em pressupostos teóricos diferentes, frequentemente desconhecidos para nós e que, às vezes, ignoramos desconhecer.

Dentro desta perspectiva, cheguei à conclusão de que, para poder avaliar um trabalho psicanalítico, faz-se necessário cumprir um requisito prévio: superar a opção entre "é bom (porque trabalha como eu)/é ruim (tendo como único critério o de o analista trabalhar diferentemente de mim)". Na prática, não é possível superar de forma radical esta condição. Faz-se necessário reconhecer, na escuta de cada apresentação clínica, em qual momento este tipo de dilema2 oferece um obstáculo para a aceitação de diferenças. Isto não significa que automaticamente aceitemos todas as diferenças em nome de um princípio: trata-se de um princípio necessário, mas não suficiente.

O conceito de "alteridade"3 toma aqui toda sua importância.

Outra experiência que me levou a trabalhar nesta direção foi a de escutar a discussão de colegas de uma cultura psicanalítica comum, diferente da minha. Por exemplo, a experiência de assistir ao "Encontro de West Point", no qual o International Journal of Psychoanalysis celebrou seu 75º Aniversário, neste caso considerando um caso dos Estados Unidos.

Participei de um grupo no qual dialogaram as mentes mais finas e representativas da cultura norte-americana. Eu não havia lido os trabalhos daqueles analistas que dialogavam em muito alto nível, e, por outra parte, desconhecia muitos dos trabalhos estadunidenses que, de forma implícita e por vezes explícita, contextualizavam a discussão. Ficou evidente, para mim, que para poder participar a partir de uma cultura ou tradição psicanalítica, diferente da que estava em jogo naquela circunstância, era-me necessário primeiro entender profundamente o contexto da própria discussão. Em outros termos, esta discussão intracultural pareceu-me ser o passo anterior a uma discussão intercultural, na qual fizesse sentido minha participação no diálogo.

Daí surgiu certo projeto de se começar a organizar uma conferência, pelo marco da Associação Psicanalítica Internacional, a qual foi chamada de "Diálogo intracultural e intercultural". Ocorreu em Paris, em julho de 1998.4

A partir destas duas experiências, a proposta de David Tuckett (então Presidente da FEP), de que eu fosse chair de um primeiro (e então único) "Working Party on Clinical Issues"/"Grupo de Trabalho sobre Questões Clínicas", encontrou em mim uma recepção entusiasta. É um grande privilégio poder pensar na melhor maneira de se difundir o diálogo entre as diferentes culturas que compõem a FEP, neste caso com base no estudo de material clínico.

A primeira reunião do Grupo de Trabalho ocorreu em Praga, em 2001, e contou com a participação de 120 colegas, distribuídos em 10 grupos. Cada grupo era composto de um moderador e um relator. Durante dois dias inteiros discutiu-se o material clínico apresentado por um colega. Um código ético que propusemos protegia, como necessário, a confidencialidade profissional. Desde então, este tipo de atividade foi sendo desenvolvida com entusiasmo.

O "Grupo de Trabalho sobre Questões Clínicas" teve como meta inicial estudar em detalhe o trabalho analítico, tal como efetuado por analistas experientes. Propôs-se a regra de buscar suspender a posição de supervisionar o colega que apresentava o trabalho, e focalizar o interesse em compreender sua forma de trabalhar, efetiva em sua diferença, respeitando-a como tal. Este objetivo, a meu ver, tem sido essencial.

A partir desta regra de base foram se perfilando duas tendências, já desde a organização da primeira reunião. Sempre em ambas as tendências, respeitou-se a recomendação inicial.

Uma tendência foi alentada por David Tuckett, e tinha como objetivo formalizar o que poderíamos chamar de tipologia das diferenças técnicas encontradas no trabalho efetivo de diferentes analistas. Na seguinte Conferência da FEP (em Sorrento) esta tendência funcionou como Strand 1 (modo 1), sempre no seio do Grupo de Trabalho, do qual continuei a ser chair. Tal Strand 1 foi dirigido por David Tuckett, que desejava desenvolver desde o princípio uma grade (grid) para estudar o material das sessões apresentadas nos dez grupos cuja estrutura (de moderadores e relatores) já havia sido previamente organizada.

A outra tendência (Strand 2), mais afinada com minha maneira de trabalhar nos grupos de discussão (ou seja, também baseada no trabalho efetivo de diferentes analistas), constituiu a base do método que apresento neste artigo.

Fiquei encarregada do Strand 2, com novos grupos formados por participantes que se mostraram interessados em pôr à prova a orientação que ia se perfilando, sem recorrer a uma grade (grid) que sistematizasse desde o começo de nossa pesquisa a leitura do material.

Para introduzir o método, basta dizer, por ora, que naquele momento, no Strand 2, começou-se a trabalhar no sentido de afinar nossa escuta analítica, tendo-se como objetivo central:

  • Por um lado, descobrir as hipóteses de base implícitas e explícitas do analista que apresentava seu trabalho de maneira detalhada.
  • Por outro, articular as hipóteses detectadas com a modalidade específica de trabalho do analista/apresentador.

Mais tarde, tive o privilégio de contar com um novo espaço para prosseguir a experiência iniciada no primeiro Grupo de Trabalho, por convite de Evelyne Séchaud, em sua Presidência da FEP, convite esse que foi renovado na atual Presidência de Peter Wegner.

Constituiu-se o que naquele momento se chamou de "Forum on Clinical Issues" (Fórum sobre Questões Clínicas), do qual sou chair desde então. Atualmente tende-se a designá-lo agregando o nome do método: "escuta da escuta". Faz parte dos Grupos de Trabalho que foram se formando desde então e que começam a trabalhar em outras áreas geográficas.5

Com o nome de Fórum de Discussão Clínica, e pelo método de "escuta da escuta", de Haydée Faimberg, funcionaram pela primeira vez em Bogotá (em setembro de 2010), num Congresso da FEPAL, dois grupos coordenados por Cláudio Laks Eizirik e Sérgio Lewkovicz, que contaram com os moderadores Haydée Faimberg e Antonio Corel respectivamente. Nos próximos congressos, essa iniciativa continuará a ser coordenada por Cláudio Laks Eizirik e Sérgio Lewkovicz.

A partir disto, surgiu a segunda pergunta metodológica que continua ainda hoje aberta em meu espírito, em busca de possíveis respostas:

Em caso de se querer sistematizar os resultados que o método de "escuta da escuta" nos permite ir produzindo, a partir de quais pressupostos teóricos estaria sendo pensada esta sistematização?

Centrarei agora este trabalho em explorar brevemente os conceitos de "escuta da escuta" e "mal-entendido", tanto na experiência clínica como em sua ampliação como método de discussão de material clínico.

 

2. "A escuta da escuta e o mal-entendido" na experiência clínica6

O conceito de "escuta da escuta" foi originalmente proposto a partir da experiência clínica, em dois trabalhos em particular.7

Para cunhar o conceito de "escuta da escuta", parti de três pressupostos psicanalíticos:

  • o paciente é portador de verdades psíquicas que ignora;
  • o analista também desconhece tais verdades;
  • a existência de um enquadre psicanalítico é necessária para que na sessão se estabeleça um tipo particular de diálogo (dissimétrico), onde essas verdades possam ser escutadas, interpretadas.

Ao propor os conceitos de "escuta descentrada" e de "escuta da escuta", desejo somar uma nova dimensão às noções já conhecidas de atenção flutuante e associação livre.

No transcurso da sessão, o analista fala ou permanece em silêncio. Essas palavras ou silêncio encontram no paciente uma ressonância, em função de seus conflitos, que pode aparecer nas associações seguintes. A escuta que o analista dá a estas últimas não deveria, a meu ver, ser considerada uma escuta dirigida, senão como formando parte da atenção flutuante que o analista continua exercitando. O fundamento desta afirmação fica desenvolvido no que se segue.

Inferimos o funcionamento psíquico inconsciente "escutando a escuta que o paciente faz das interpretações ou silêncio do analista". O funcionamento psíquico inconsciente8 do paciente pode deduzir-se da distância entre o que o analista crê haver interpretado e o que o paciente efetivamente ouviu.

Nessa função de "escuta da escuta", um novo significado é atribuído de maneira retroativa (nachträglich) à interpretação (ou ao silêncio).

Nesse sentido, o "mal-entendido" converte-se na chave para descobrir o funcionamento psíquico inconsciente em termos de seus efeitos de criação de verdade: podemos falar de verdades psíquicas. Não se trata de a "Verdade". Sem dúvida, isto somente é válido para certas formas de mal-entendido.

Longe de constituir um mero dispositivo técnico, esta função é congruente com minha percepção da formação da psique, porque o "outro" está presente desde o início na constituição da realidade psíquica.

O conceito de Nachträglichkeit (après-coup, a posteriori) supõe um movimento de antecipação, e outro de significação retroativa. Neste segundo momento retroativo é que se dá a surpresa, quando nem o paciente nem o analista o esperam.

Critérios que distinguem a psicanálise da fenomenologia são o conceito de inconsciente e a escuta psicanalítica. Esta última não se centra na consciência: para destacar a diferença, utilizo a expressão "escuta descentrada". O conceito de Nachträglichkeit permite diferenciar esta forma de escuta descentrada de uma escuta dirigida. Aqui encontramos fundamento para dizer que a função de "escuta da escuta" não entra em contradição com a atenção flutuante do analista.

Consideramos, por outro lado, que o analista fala ou se cala no marco do método analítico.9

3. "A escuta da escuta" como método de discussão de apresentações clínicas10

No que concerne à discussão em grupos, nossa norma inicial no primeiro Grupo de Trabalho de não nos colocarmos como supervisores do colega que apresenta, gerou, em certos grupos, uma particular inibição em se usar o pensamento psicanalítico na discussão, como se a supervisão fosse a única forma que permite pensar em termos psicanalíticos.

Isto levou-me a interessar-me novamente pela problemática do "mal-entendido". Para isto, passemos a considerar o método de "escuta da escuta" como método de discussão das apresentações de caso clínico.

Este capítulo centra-se no método propriamente dito.

Quando tentamos desenvolver novos caminhos para discutir aspectos clínicos, parece inevitável que o façamos sobre a base de nossos pressupostos básicos, visto que, como analistas, não podemos não ter teoria.

Seria ilusório imaginar que entendemos profundamente na primeira escuta os pressupostos básicos (explícitos ou implícitos) do colega que apresenta um material clínico: torna-se inevitável traduzirmos em nossa própria linguagem psicanalítica o que o apresentador procura transmitir.

Cada analista/tradutor tem seus próprios pressupostos básicos com os quais traduz. Deveríamos, então, suprimir nossos pressupostos básicos? Partindo do anteriormente discutido, isto não é possível. Em consequência, precisamos ir cocriando uma linguagem para podermos discutir diferenças e compreender como o apresentador trabalha.

Com esta finalidade, faz parte de nossos objetivos aprender a reconhecer não somente os pressupostos básicos implícitos do apresentador, mas também nossos próprios pressupostos a partir dos quais estamos escutando o apresentador e cada um dos demais participantes.

Exploramos assim o impacto que os pressupostos teóricos de cada participante tem sobre a discussão no grupo.

Para levar a cabo este tipo de diálogo, colocamos em jogo a função de "escuta da escuta", a que me referi no subcapítulo precedente e que, como vimos, inicialmente defini somente para a escuta psicanalítica na sessão. Em outras palavras, escutamos como cada intervenção na discussão do grupo é escutada pelos demais participantes.

A partir do hiato que existe entre o que o participante pensou que estava dizendo e a maneira pela qual foi efetivamente escutado, começamos a cocriar uma linguagem. Por meio do "escutar como cada participante escuta o outro", podemos ir detectando o mal-entendido que nos permitirá reconhecer os pressupostos básicos com que cada participante escuta e intervém.

Deste modo, escutar o mal-entendido converte-se numa ferramenta privilegiada para descobrir os diferentes pressupostos básicos que lhe dão origem e, assim, poder plenamente escutar o apresentador, reconhecendo as diferenças e apreciando-as como tais.

É importante detectar dito inevitável mal-entendido e poder centrar nele o trabalho de escuta, embora à custa de buscá-lo ativamente. Isto é assim porque em muitos casos o mal-entendido fica tão latente quanto as hipóteses básicas que procuramos detectar.

Em cada encontro nos damos tempo (um dia e meio) para refletir sobre as maneiras de compreender a articulação entre os modos de trabalhar do apresentador e os pressupostos básicos subjacentes. A partir do que viemos dizendo, compreender-se-á a necessidade dos participantes estarem presentes ao longo de toda a discussão.

"A escuta da escuta" é um dos métodos possíveis para cocriar uma linguagem comum e centrar a reflexão no trabalho analítico detalhado apresentado por um colega.

O analista/apresentador na nossa modalidade de discussão, participa da discussão. Pedimos-lhe que tolere a incerteza com que sua modalidade de trabalho e suas hipóteses teóricas subjacentes vão sendo descobertas aos poucos. Podemos, assim, comparar como o analista apresenta seu trabalho e como é escutado por cada um dos demais participantes. O apresentador, por sua vez, também escuta como é escutado e participa na cocriação de uma linguagem.

Ao deixar de lado uma posição de querer "defender" seu trabalho, por vezes ocorre que seja o próprio analista/apresentador que vai descobrindo, junto com os outros participantes, certas hipóteses de base que se desprendem do modo pelo qual seu estilo de trabalho foi sendo compreendido.

O analista apresenta as sessões divididas em fragmentos.

No primeiro ano de experiência não cortávamos a sessão. Mas foi-me parecendo que ter uma visão global da sessão favorecia certo tipo de confusão. Por exemplo, com frequência algum participante baseava sua opinião tirando conclusões do que o paciente dizia ao final da sessão, sem levar em conta o fato de que, se o paciente podia pôr em palavras o que acabava de dizer, era, entre outras coisas, precisamente porque o analista havia trabalhado de seu modo. Quando fragmentamos a sessão, os participantes no grupo permanecem na mesma posição de não conhecer a sequência em que se encontrava o apresentador naquele momento da sessão com seu analisando.11

Agregarei algo mais, arriscando tornar-me repetitiva.

Quando se cria num grupo uma relação de apreço mútuo, é grande a tentação de querer centrar-se tão somente naquilo que nos une e evitar toda diferenciação. O apreço mútuo e a sustentação da alteridade nos demanda "algo mais", um trabalho suplementar.

Quando dizemos cocriar uma linguagem comum, estamos nos referindo a um modo de nos entender uns com respeito a outros no grupo. O projeto não consiste, consequentemente, em propor que, como analistas, trabalhemos de maneira similar. Procuramos, assim, respeitar nossa alteridade, nossa forma autêntica de sentirmo-nos analistas.

Por alteridade podemos entender tanto o trabalho individual de cada um de nós com cada paciente, como as diferentes tradições e culturas psicanalíticas, tal como se desenvolvem nas diferentes regiões. Por vezes, a geografia e a história não podem ser perfeitamente justapostas…

 

4. Projetos que retomam o escopo do problema

Recordemos, mais uma vez, as duas perguntas que elegemos para fundamentar o estilo de nosso trabalho.

A partir de quais pressupostos teóricos escutamos, compreendemos e avaliamos o trabalho clínico de um colega?

Em caso de querermos sistematizar os resultados que o método de "escuta da escuta" nos permite produzir, a partir de quais pressupostos teóricos estaria pensada esta sistematização?

Esta última questão permanece em aberto, esperando que encontremos respostas adequadas para enriquecer nossa investigação.

Por outra parte, desde a criação do primeiro Grupo de Trabalho sobre Questões Clínicas, sugeri a tarefa complementar de que as diferentes sociedades psicanalíticas ou grupos investigassem a filiação de certas ideias, tidas como adquiridas, sem saber de onde elas vêm. Isto deu lugar à reflexão, no seio de grupos da FEP, sobre a possibilidade de se reconhecerem vestígios deixados por autores clássicos, e de certa forma esquecidos, aparentes no modo efetivo de analistas de diferentes culturas trabalharem.

Os primeiros colegas a se aproximarem desta tarefa foram os membros do Centro de Milão, C. Musatti da Societá Psicoanalitica Italiana (SPI), que (durante a secretaria científica exercida por Laura Ambrosiano) votaram para que no programa científico 2003/2004 fossem estudadadas as influências de diferentes autores no modo de trabalhar analítico de Membros do Centro de Milão. O resultado dessa investigação foi registrado e lido numa sessão plenária da FEP, em Helsinki 2004.

No ano seguinte, foi apresentada uma mesa organizada por analistas alemães que foram profundamente impregnados pelo pensamento de Wolfgang Loch. Foi nessa mesa que se descobriu que o corte de sessões era praticado por Loch e também por Michael Balint. Isto nos pareceu confirmar que tal corte favorecia a cocriação de um tempo de discussão, sem certezas preconcebidas.

Esse tipo de investigação sobre a filiação das ideias permite reconstruir e dar uma dinâmica ao percurso da viagem das ideias, através da transmissão na análise pessoal, nas leituras de seminários de formação, nas supervisões, nas reuniões internacionais, através das migrações…

É um trabalho que propomos seja realizado como complemento de nosso método de discussão.

O reconhecimento da dívida que temos na transmissão da psicanálise constitui parte de nossos propósitos.

 

Referências

Faimberg, H. (1981). Une des difficultés de l'analyse: la reconnaissance de l'altérité: l' écoute des interprétations. Revue Française de Psychanalyse, 45, 1351-1367.         [ Links ]

Faimberg, H. (2005). El Telescopaje de Generaciones: A la escucha de los lazos narcisistas entre generaciones. Buenos Aires: Amorrortu.         [ Links ]

Faimberg, H. (2007). The Telescoping of Generations: Listening to the Narcissistic Links between Generations. London & New York: Routledge,         [ Links ]

Faimberg, H. (2010). Una de las dificultades del psicoanálisis: el reconocimiento de la alteridad: la escucha de las interpretaciones. Clássicos Revisitados, Revista de la Federación Psicoanalítica de América Latina, 9, 99-112. Associação Psicanalítica Argentina – Sociedade Psicanalítica de Paris.

 

Tradução de Fernanda Sofio Woolcott

Artigo especialmente escrito para este número da Revista Brasileira de Psicanálise

 

Endereço para correspondência

Haydeé Faimberg
[Sociedade Psicanalítica de Paris SPP]
15 Rue Buffon
75005 Paris, France
e-mail: h.faimberg@wanadoo.fr

 

[Recebido em 10.8.2010, aceito em 27.8.2010]

 

 

1 Analista de Treinamento, analista de crianças, membro da Sociedade Psicanalítica de Paris SPP.
2 Esta opção tem um fundamento metapsicológico (conceitualizado como "dilema narcísico"), que desenvolvo desde o ponto de vista clínico nos capítulos 2 e 5 (6 na edição castelhana) (Faimberg, 2005-2007).
3 Tema que, tão oportunamente, propõe o Congresso da Fepal (Bogotá, 2010).
4 Depois de consultar os analistas participantes sobre qual era a cultura que poderíamos escolher, preferiram a cultura francesa. Um traço bem definido dessa cultura pareceu impor-se: a temporalidade em psicanálise. Enviamos os textos dos autores franceses que iríamos discutir (mas não ler publicamente) com um ano de antecipação para que os participantes pudessem estudar em seus grupos de referência como cada autor francês escolhido considerava a temporalidade. Depois de uma discussão intracultural, continuava uma discussão intercultural numa plenária que se prolongava em numerosos pequenos grupos.
5 Experientes analistas da América do Norte e do Sul participaram da Conferência Anual da Federação, somandose assim aos colegas da Europa, Israel e Austrália (ou seja, das sociedades que compõem a Federação Europeia). Graças à sua participação nos diferentes Grupos de Trabalho, puderam penetrar os diferentes métodos de discussão de material clínico, e, por sua vez, contribuíram para enriquecer o intercâmbio. No que concerne o método de "escuta da escuta", este teve um espaço entre os Grupos de Trabalho da FEP que se estavam dando a conhecer fora do âmbito europeu: no Congresso da IPA, Chicago, julho 2009; em Napsac, Nova Iorque, janeiro de 2010; no Congresso da Fepal, setembro de 2010. Apresentamos, mesmo assim, este método recentemente em Porto Alegre, em dezembro de 2009, pelo enquadre de CAPSA (iniciativa de Cláudio Eizirik durante sua Presidência da IPA, destinada a propiciar o intercâmbio sobretudo clínico entre culturas). Durante a visita à Argentina (à APA, APdeBA e SAP), efetuada também com os auspícios de CAPSA, além de oferecer conferências e outras atividades clínicas, tive a oportunidade de apresentar o método, em novembro de 2006.

6 Este subcapítulo está composto, na sua maioria, pelas respostas que proponho às perguntas formuladas por Manuel Gálvez, com motivo da reedição de um artigo do qual sou autora (Faimberg, 2010).
7 Os artigos em que se baseia este estilo de abordagem da reflexão clínica são propostos como leitura para os participantes. Estão publicados em inglês, castelhano, italiano e alemão: Em castelhano: capítulo 8 "Escuta de la escuta y après-coup" (1993) e capítulo 9 "Malentendido y verdades psíquicas" (1995) (Faimberg, 2007). Para os que consultam a edição original em inglês, são os capítulos 7 e 8 (Faimberg, 2005).
8 Para nossos desígnios, não diferenciamos aqui entre os diferentes modos de funcionamento psíquico inconscientes.
9 Por vezes o paciente escuta que o silêncio do analista lhe fala. Por exemplo, um paciente dedica boa parte da sessão falando de uma conquista de que está orgulhoso. Para de falar e o analista permanece calado. Quando volta a dizer algo, a seguir o longo silêncio, lembra-se das críticas do pai, que nunca estava de acordo com o que o filho fazia. Podemos inferir que o paciente escutou o silêncio como uma crítica paterna.
10 Este subcapítulo está constituído em parte pela transcrição da carta que cada participante do grupo recebe previamente, fazendo menção aos capítulos citados na bibliografia de leitura.
11 Na realidade, minha ideia de fragmentação da sessão veio para facilitar a discussão de certo material clínico meu, que eu havia apresentado previamente, num tempo demasiadamente breve e numa plenária da FEP. Para afinar o método de discussão reunimo-nos num pequeno grupo. Um tempo depois, assistindo uma mesa cujo tema central era a obra de Wolfgang Loch, descobrimos que tanto Loch como Balint haviam utilizado o corte na apresentação das sessões em seus seminários clínicos.