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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.44 no.3 São Paulo  2010

 

INTERCÂMBIO

 

Metalepse ou a retórica da interpretação transferencial1

 

Metalepsis o la retórica de la interpretación transferencial

 

Metalepsis or transference interpretation rhetoric

 

 

Giuseppe Civitarese2

Endereço para Correspondência

 

 


RESUMO

A atenção aos planos narrativos e molduras do texto analítico, e em especial ao dispositivo retórico da metalepse como figura da violação dos níveis diegéticos podem, de acordo com os princípios da narratologia, ser um instrumento conceitual valioso para delimitar a estrutura e a função da interpretação transferencial. Pode, também, lançar luz aos temas associados de construção narrativa, realidade e conceituação e comunicação de fatos clínicos.

Palavras-chave: metalepse; interpretação; transferência; construção; semiótica.


RESUMEN

La atención por la semiótica del texto hablado y escrito del análisis, en particular por el dispositivo retórico de la metalepsis como figura de la subversión de los niveles diegéticos, puede representar un utilísimo instrumento conceptual para delimitar la estructura y la función de la interpretación de transferencia además de y aclarar los temas relacionados con la construcción narrativa, la realidad, y la conceptualización o comunicación de los hechos clínicos.

Palabras clave: metalepsis; interpretación; transferencia; construcción; semiótica.


ABSTRACT

Attention to the frames and narrative levels of the analytic text, and in particular to the rhetorical device of metalepsis as a figure of the violation of diegetic levels, in accordance with the principles of narratology, can be a valuable conceptual instrument for delimiting the structure and function of transference interpretation. It can also cast a light on the associated matters of narrative construction, reality and the conceptualization and communication of clinical facts.

Keywords: Metalepsis; interpretation; transference; construction; semiotics.


 

 

Em certo sentido, o pirandelismo de Seis personagens à procura de um autor e de Esta noite se improvisa em que os atores são ao mesmo tempo personagens e protagonistas, é apenas uma vasta ampliação da metalepse… Personagens fugidos de uma pintura, um livro, recortes da imprensa, uma fotografia, um sonho, uma lembrança, uma fantasia etc., todos esses jogos manifestam, com a intensidade dos seus efeitos, a importância do limite que buscam superar em detrimento da verossimilhança, ele próprio coincidente com a narração (ou a representação): uma fronteira móvel, mas sagrada entre dois mundos: o mundo no qual se narra e o mundo sobre o qual se narra. Daí deriva a inquietude tão adequadamente assinalada por Borges: "Tais invenções sugerem que se os personagens de uma ficção podem ser tanto leitores quanto espectadores, então nós, seus leitores ou espectadores, podemos ser personagens de ficção". A metalepse mais perturbadora encontra-se nessa hipótese inaceitável e insistente, o extradiegético talvez seja sempre diegético, e o narrador e os destinatários da narração – ou seja, você e eu – talvez pertençamos a algum conto.
Gérard Genette, Figure III,
Discorso del racconto, 1972 (traduzido)

"Que diabo eu faço com você?" Não, não é o desabafo de um terapeuta em apuros com um paciente intratável, mas o que John Fowles pondera no capítulo 55 de A mulher do tenente francês (1969) quando encontra, no compartimento de um trem, Charles, o protagonista do seu romance, também em viagem. Enquanto lhe lança olhares furtivos, o autor se pergunta como continuar a história. Para analistas é uma cena bem familiar. Para darse conta, basta revisitar o volume 12 da obra de Freud (1913/1969b, p. 177): "Assim, diga tudo que lhe passa pela mente. Aja como se, por exemplo, você fosse um viajante sentado à janela de um vagão ferroviário, a descrever para alguém, que se encontra dentro, as vistas cambiantes que vê lá fora". Além do ambiente de fundo idêntico, as duas situações partilham um elemento narrativo – a saber, a transgressão dos níveis diegéticos, ou, se quiser, do universo espaço-temporal em que a história se desenvolve (como no filme de Woody Allen, A rosa púrpura do Cairo, quando Tom Baxter sai da tela para encontrar Cecília, sua dedicada fã), algo que em narratologia se define como "metalepse".3

No consultório do analista, estritamente falando, poderia ocorrer uma cena similar à pensada por Fowles, se o paciente pudesse olhar para fora da janela e visse, ou fosse induzido a se ver na paisagem em companhia do analista; não o analista como uma das diversas figuras que podem surgir no material que ele traz, mas precisamente como coautor ou leitor do texto da análise que, no próprio instante do seu surgimento, também está sentado do lado de dentro da janela, na verdade, no interior do vagão de trem. E talvez não seja esse o panorama, mais ou menos nítido, que se observa em cada interpretação transferencial? Certamente, tanto a página de Fowles quanto a cena analítica se apresentam como tipologias narrativas "autoconscientes". Em primeiro plano está a natureza metanarrativa e, inevitavelmente, "ideológica" dos respectivos espaços de representação.

A tese central deste trabalho é que a interpretação transferencial, ao menos desde Strachey (1934), um dos principais fatores terapêuticos em psicanálise, seja em sua forma típica um operador metaléptico, ou seja, um dispositivo retórico – um tipo específico de "esquema narrativo" ou figura do discurso – graças ao qual, no "texto" da análise, entendido em primeira aproximação como o relato autobiográfico do paciente, ocorrem intrusões constantes do analista, como leitor (ou intérprete ou destinatário) extradiegético. Porém, como a interpretação também tem um caráter narrativo e pode ser formulada não apenas pelo analista, seria mais correto dizer que tanto um quanto o outro participante, considerados então conarradores e codestinatários, apresentam-se sistematicamente, cada um por sua vez, como autores extratexto (ou dramaturgos ou espectadores fora da cena), em um texto ou um palco do qual antes estiveram ausentes por pertencerem a outro universo diegético.

Dessa forma, no texto da análise se efetua o encontro entre os "personagens" e seus autores/leitores, que depois do dénouement4 da trama inconsciente, tornaram-se eles próprios "fictícios", diria Borges, em lugar de serem reais e históricos como eram antes. Em outras palavras, viola-se o limite entre o mundo do autor ou leitor e o do "texto" – entre observador e observado. Fragiliza-se o álibi referencial sobre o qual se fundamenta a leitura óbvia e espontânea dos eventos da vida passada e presente do analisando, a tautologia da realidade tomada literalmente. Redescobre-se a maneira pela qual as estruturas retóricas – com suas oposições de categorias, em que cada uma delas constitui uma "estrutura" – constroem a experiência.

Disso deduz-se que nesse contexto o termo "retórico" não é usado de forma alguma no sentido de "artificial", "ornamental" ou "enfático", nem mesmo como "puramente persuasivo". Refiro-me, ao contrário, a uma concepção de retórica como inteligência figurativa ou teoria do sentido (Bottiroli, 1993), ou seja, um instrumento para a interpretação das estratégias discursivas que fundamentam os processos gerais de atribuição de significado (Simons, 1990).

O conceito de metalepse, que uso como instrumento heurístico, focalizando o plano figurativo e narrativo do texto, sublinha a natureza construtiva, antiessencialista ou "ficcional", ainda que, com certeza, não no sentido de falso ou irreal, do trabalho interpretativo na análise – ou seja, a ancoragem inevitável a códigos semióticos e linguísticos específicos e aos seus efeitos performativos. O processo de diferenciação de identidade não é mais visto como dado da natureza, mas ele próprio aparece como fruto de uma atividade de coconstrução que se realiza momento a momento entre paciente e analista. A cada deslocamento metaléptico, redescrição ou reenquadramento narrativo, o sujeito é simultaneamente desconstruído e reconstruído, isto é, tanto relativizado quanto fortalecido na consciência de si e do mundo.

Vista à luz desta surpreendente figura de linguagem, a interpretação transferencial surge como um dispositivo com função de "violar" sistemática e intencionalmente o setting/frame/enquadramento (e não fortuita tal qual discutido por Roussillon [1995]), ou melhor, um nível essencial do setting, aquele associado à ordem do discurso. Com isso, quero dizer violações repetidas, ou "forçar" os significados atribuídos pelo próprio paciente às vicissitudes da sua vida. Isso talvez se assemelhe "às falhas de compreensão" necessárias que Riolo (1999, p. 25) atribui à "aplicação consciente do tipo de pensamento característico do sonho".5

Essas "violações", únicas permitidas pelas regras, e na verdade exigidas por elas, têm um caráter intrínseco transgressivo além de virtualmente transformador. Para tornar acessíveis novos modos de ser e novas realidades, os limites já estabelecidos se dissolvem e se atribuem novas delimitações de significado. O problema técnico de como dosar essa "violência" e como "vestir" as interpretações de tal maneira que o paciente possa aceitá-las é discutido também em termos clínicos. Mas são necessárias algumas definições preliminares.

 

Que texto, e que autor?

Para começo de conversa, um postulado inicial: a interpretação se estrutura como uma narração em si; contribuindo assim para a feitura do texto que decifra, e do qual passa a fazer parte integralmente. Não por acaso Freud (1937/1969a), o primeiro a ler seus próprios casos clínicos como "contos", preferia o termo "construção" a interpretação, e argumentava o seguinte: "O analista completa um fragmento da construção e o comunica ao analisando, de maneira a que possa agir sobre ele; constrói então outro fragmento a partir do novo material que flui, lida com este da mesma maneira e prossegue desse modo alternado, até o fim" (p. 295). O texto do paciente e a interpretação/texto do analista são afinal indistinguíveis (Schafer, 1992).

Por "texto" pode-se entender ao menos duas coisas: de um vértice externo ao setting, a vinheta, ou história do caso, relatada em um artigo científico – esta seria a "redução" operacional mais simples e radical, ainda que contraintuitiva – mas também a transcrição de uma sessão. De dentro da situação analítica – e no caso se falará de texto em sentido figurado, em uma acepção semiótica mais ampla – as trocas verbais entre os membros do par analista- analisando na sala de consulta, ou, resumindo, a realização real, viva, da sessão.

No primeiro caso, o da vinheta clínica, o analista é, para todos os efeitos, o autor empírico, real, enquanto o paciente e o analista representados no texto são dois personagens entre outros que se encontram e conversam entre si, como nas páginas de um romance ou numa peça de teatro. Os "esquemas" da narratologia são aqui pertinentes e aplicáveis. Ainda que possa dar sentido – especialmente se o papel da pessoa do analista for valorizado – como produto de uma "composição a quatro mãos", o texto que leva o nome de "ilustração" clínica ou "material" é o escrito pelo analista.6 O texto toma geralmente a forma de um diálogo reproduzido em discurso direto ou indireto, mas pode apresentar-se também como o longo monólogo de um paciente diante de um interlocutor silencioso. É o que ocorre no livro de Abraham Yehoshua, O sr. Mani, em que o leitor não tem acesso às palavras do personagem no outro extremo de uma linha telefônica imaginária.

No caso de uma transcrição fiel, "pura", pouco mudaria. As notações gráficas, a divisão em parágrafos, as aspas e outras marcas de pontuação representariam intervenções autorais, como revelações da natureza construtiva ou ficcional do texto. Até a escuta de uma gravação introduziria imediatamente um segundo nível de enquadramento narrativo e um único autor empírico, porque seria no final das contas o resultado de uma seleção e edição do material clínico.

No segundo caso, por outro lado, de um vértice interno à sessão, a simplificação narratológica mais próxima à realidade da situação é considerar analista e paciente coautores e coleitores, e consequentemente criadores e, ao mesmo tempo, destinatários do fluxo verbal improvisado que progressivamente trazem à vida. Também aqui, em resumo, o mesmo modelo teórico poderia ser tomado como referência, mas desta vez teríamos que considerar dois narradores, dois "leitores", e assim por diante.

Outro postulado que formulo, sem deixar de levar em consideração o de caráter narrativo da interpretação, diz respeito à estrutura embutida (embedded) nesse texto específico, que será inserida na vinheta clínica ou no texto falado da sessão. Na vinheta clínica, analista e paciente, como vozes do texto, podem se tornar narradores de segundo nível quando suas palavras são relatadas entre aspas. Todas as suas histórias estão situadas no mesmo nível (inserções horizontais), mas em cada história – como em As mil e uma noites– pode se descer a níveis narrativos cada vez mais profundos (inserções verticais).

Tipicamente, poderia ser evocada uma cena de sonho. Trago este exemplo porque toca em um aspecto essencial da minha tese. Para ser exato, o relato de um sonho não deveria envolver em si uma mudança de nível diegético – argumentam os estudiosos de narratologia –, mas seria absurdo negar esse evento e não considerá-lo narração "secundária" ou "inserida" com base em um deslize "ontológico", ainda que não estritamente formal (Bal, 1985; Ryan, 1991; O"Neill, 1994; Nelles, 1997. Como escreve Genette (2004):

l'acte de rêver est – en principe, sans que la réciproque soit possibile – contenu dans la vie du rêveur, et… le récit d'un de ses rêves peut tout naturellement s'insérer dans celui de sa vie. En toute rigueur, cette insertion ne devrait entraîner aucun changement de niveau diégétique, puisque le déroulement des événements ou des visions oniriques s'inscrit, sans modification de l'instance narrative, dans la durée vécue du personnage en cause, rapportée par lui-même ou par un narrateur extérieur…. En fait, lorsqu'un récit de rêve figure dans un récit de vie, le lecteur ne manque pas de percevoir celui-là comme second par rapport à celui-ci, et donc son "action" comme métadiégétique par rapport à la diégèse constituée par l'existence diurne du personnage.7 (pp. 115-116)

Dadas essas premissas e adotando o mesmo ponto de vista, sustento que a interpretação transferencial pode ser equiparada ao "sonho" do analista a respeito da narração do paciente. Certamente, o cenário em que se desenrolam as tramas reveladas pela interpretação é aquele outro palco, o do inconsciente, que obedece às mesmas leis dos sonhos. Por isso, é possível considerar que a interpretação transferencial, tal qual a do sonho do paciente, partilha o mesmo deslocamento modal, ou seja, a abertura a outro mundo possível, e pode assim ser vista como uma narração inserida dentro do texto principal, delimitada por sua própria moldura, localizada por seu próprio status ontológico em um nível narrativo diferente.

A "inserção" se efetua do mesmo modo que em certos textos paradigmáticos, tais como nos sonhos induzidos e dramatizados na comédia de Brosse, Les songes des hommes esveillez, ou em Hamlet, quando o jovem príncipe faz os atores que vieram ao castelo representarem o assassinato de Gonzaga (nesse exemplo, porém, tanto a estrutura en abyme da cena quanto a metalepse permanecem implícitas). Assim, o analista, já presente no texto da análise, não pertence mais à cena inconsciente construída por sua interpretação, ele é um personagem entre outros que se apresenta e, como Hamlet, propõe a instituição de um segundo espaço de representação, a construção de um palco teatral novo e refinado. Ele, na verdade, diz: "E se observássemos as coisas também deste ponto de vista?!" O que nos autoriza a falar de metalepse é a existência desses diversos planos ou enquadramentos narrativos e, ainda mais, o fato de eles serem transgredidos.

Essas definições iniciais permitem apenas um vislumbre da incrível complexidade que caracteriza até o ato narrativo mais elementar. Redimensionam, além disso, qualquer concepção ingênua de "veracidade" dos fatos relatados em contribuições científicas, de sua suposta naturalidade ou imediatez. Com certeza, não quero dizer com isso que esses relatos, apresentados como documentários, e não como literários, não tenham vínculos mais ou menos exatos com a realidade da sessão, ou que não devam satisfazer o firme critério de coerência textual total. Mas não se pode atribuir ao material clínico em si um valor demonstrativo direto, mais do que evocativo ou quase poético (Racalbuto, 2004; Ogden, 2005). Não se dá qualquer garantia, por exemplo, que o diálogo transcrito com absoluta fidelidade, ou mesmo um diálogo gravado, consiga transmitir com mais eficácia a experiência vivida da sessão, com mais "veracidade", do que outras formas retóricas ou narrativas aparentemente menos miméticas.

 

Transgressões

Na antiguidade grega (metalepse) e latina (transumptio), a alegoria (termo que em si já quer dizer "desvio" ou "transferência"), ou figura retórica da metalepse, indica troca ou transposição de significado em que entram também, entre outros, "efeitos de 'sinonímia equívoca' usada em piadas", ou "um efeito presente atribuído a uma causa remota, em que não há conexão direta entre as duas, mas na qual se exigem diversas ligações intermediárias, que são omitidas" – "a substituição de um termo por uma figura resultante de transições (implícitas) por meio de diversas ideias que permanecem sem expressão, cada uma delas relativa a outras, sinédoque, metonímia ou metáfora, quer sejam alternativas ou coexistentes" (Mortara-Garavelli, 1988, pp. 140-141, tradução). Em outras palavras, é o entrelaçamento ou combinação de diversas figuras. A arquitetura complexa que a distingue é a da metonímia prolongada, composta de proposições entre termos ligados por uma relação de causalidade ou sucessão – um elemento intermediário que une termos que não são similares, mas têm uma característica em comum. Além do mais, há inerente nisso um ato de "censura", que pode ser desfeito pela interpretação, dizendo respeito ao vínculo faltante em uma cadeia causal, como quando dizemos que, no exemplo famoso de Genette, no Livro 4 da Eneida, Virgílio "executa Dido", sem especificar a natureza indireta do ato – ou seja, estamos falando do autor do poema e não de um dos seus personagens.

É este exemplo absolutamente clássico na forma, que se deve a Fontanier (1968), autor de um famoso tratado de retórica do início do século XIX – a sugerir no conteúdo (como se o próprio Virgílio "adentrasse" o texto) a ampliação subsequente do significado do termo. Na nova conceituação de Genette (1972, 2004), de fato, recorre-se à metalepse para dizer que o escritor abandonou o papel "narrador externo". Assim, a metalepse é anexada ao campo da narratologia, onde designa transgressão do enquadramento da história, subversão da ontologia narrativa comum e, tipicamente, a irrupção do narrador no universo textual em que vivem os personagens.

É nesta última acepção que a metalepse, assim como o quiasma, veio a ocupar uma posição privilegiada entre as teorias pós-estruturalistas, enquanto figura de autorrefletividade e um componente de metassignificação que permite ao texto tomar a si próprio como tema (Malina, 2002; Pier & Schaeffer, 2005). Como ícone de indeterminação, de ironia autorreferente, de violação do contrato representacional tácito e de desmistificação do próprio jogo linguístico que introduz, a metalepse renasce desse modo no clima cultural do pós-modernismo como ampliação da definição restrita já presente na retórica clássica.

No texto escrito ou falado de uma análise, a interpretação transferencial é o dispositivo narrativo que se estrutura como metalepse e que "constrói" a subjetividade baseada na categoria de uma causalidade já negada, reprimida ou excindida que finalmente se revela. No caso mais frequente, o antecedente – a história contada pelo paciente – é tomado como o consequente, considerado mais verdadeiro ou mais profundo, e que se desenrola em nível inconsciente e diz respeito à relação existente no hic et nunc. Desse modo, o paciente, e na verdade o analista também, se (re)descobrem constantemente como personagens de uma obra de ficção – enquanto são, por sua vez, "narrados" pelo inconsciente e por seus códigos definitórios linguísticos e culturais; que o ego, constantemente descentrado, não pode aspirar a qualquer princípio primordial ou verdade última (a qualquer arqueo ou teleologia). Em termos da antimetafísica de Derrida (1978): "Não há moldura natural. uma moldura, mas ela não existe" (p. 93, traduzido).

Um fato é transmotivado; uma causa é substituída por outra e, principalmente, um evento externo é "interiorizado". Desse modo realiza-se uma transformação semântica aproximadora ou "centrípeta" com respeito à relação analítica. Em um movimento sem fim se reitera a estratégia desconstrutiva freudiana de reintegrar ao quadro da consciência o que a estrutura exclui dele por ser marginal ou irrelevante ou negativo. O analista assinala constantemente ao paciente que ele (o analista) habita o material que o paciente traz, mesmo quando ausente do texto manifesto. Como se o analista dissesse: "O quê? Você não notou que fora da janela do vagão de trem, quando você pensou que olhava X, Y ou Z, você estava na verdade me vendo?!". A regra dourada da tradução comutativa a ser aplicada em interpretações transferenciais então se torna: "When you say them you mean me. I am 'them' 8" (Roth, 2001, p. 536). Onde tudo parecia ser puramente factual, por outro lado, deve-se pressupor um faz de conta ou "efeito do real" (Barthes, 1982). A realidade exprimida pela superfície do texto é um sonho do tratamento, sonhando o analista e a análise – um sonho que espera ser interpretado.

Toda interpretação transferencial não faz outra coisa a não ser evidenciar, por deslize metaléptico constante de uma moldura à outra, o que já ocorre virtualmente em todos os casos de incorporação9 (Nelles, 1997), a própria importância da moldura (ou do setting), e reafirmar o fato de que vivemos em mais de um mundo a cada momento, e consequentemente não existe a assim chamada realidade fixa única. As metalepses são essencialmente violações, toleráveis (mas de modo algum inócuas), das cisões sobre as quais se edifica a identidade do sujeito. Em termos psicanalíticos, com certeza, cruzar a "fronteira móvel, mas sagrada" entre dois mundos, tal qual mencionado por Genette na citação reproduzida no início deste trabalho é equivalente à intuição perturbadora do inconsciente.

Retorno agora à questão central deste trabalho: como avaliar o risco traumatógeno da interpretação? Com que instrumentos conceituais? O que faz com que esse limite seja ultrapassado a partir da violência primária, como ato necessário e radical de atribuição de significado, que repousa na origem do discurso materno, para a violência secundária, "que faz seu trajeto apoiando-se na primeira, da qual representa um excesso" e é sempre prejudicial ao funcionamento do ego? (Aulagnier, 1975, p. 69, traduzido; ver também Kluzer, 1988; Bonaminio, 2003).

 

A fortaleza

Como de hábito, depois de ter cruzado a entrada da sala, mas antes de se deitar, Sara ajusta o divã para si levantando o encosto, em um re-framing singular e sistemático do setting a cada início de sessão. Durante muito tempo, nos estágios iniciais da análise, agora em seu segundo ano, ela mantinha a cabeça levantada sobre o travesseiro, em uma posição totalmente cautelosa que parecia, acima de tudo, pouco natural. Digo-lhe quase imediatamente que, por motivos pessoais, não poderei atendê-la na próxima sexta-feira para a terceira e última sessão da semana. Ela permanece em silêncio. Nesse espaço de tempo, percebo-me oprimido por um sentimento de peso e constrição, como se os ponteiros do relógio tivessem parado de se mover. De repente, percebo-me folheando algumas anotações de sessões anteriores – nem ao menos dela! – espalhadas sobre a mesa, a princípio por pura necessidade de tocar um objeto, uma espécie de tensão me impelindo a tocar em algo, talvez contido nessas folhas de papel, que pudesse me ajudar a sair desse estado de leve inquietude.

Porém, não chego a examinar minhas anotações quase indecifráveis devido ao surgimento espontâneo da lembrança do início de outra sessão, há algum tempo – em que reinava virtualmente a mesma atmosfera! A sessão antes daquela terminara com uma interpretação transferencial "completa" centrada na rivalidade edípica e no passado, aplicada à situação presente na relação analítica. Em retrospectiva, eu diria que, sem dúvida precipitadamente, eu tinha "des-familiarizado" o seu relato, compelindo-o a acomodar um intruso, uma verdade – especificamente, a da suposta equivalência pai-analista – para a qual ainda não existia um "centro de aceitação", e que, portanto, talvez equivalesse a um ato de violência ou a uma pseudoverdade. Na ocasião fiquei bastante satisfeito com essa interpretação, ainda que eu tenha percebido quase imediatamente uma expressão sombria no rosto de Sara quando ela saiu. Além disso, um sentimento quase instantâneo de desconforto me advertiu a respeito de uma provável falha de neutralidade (no sentido de continência, rêverie e da manutenção de distância adequada da teoria)… mas, por agora…

Naquela ocasião, na sessão seguinte, Sara trouxe um sonho que começava de modo dramático, e que eu não podia deixar de ver também como um comentário acerca do que lhe dissera no final da sessão anterior. Lembro-me perfeitamente: "Ambiente em ruínas, pós-atômico… terra vermelha… queimada… a guerra acabou, só há prisioneiros. Estou dentro de uma fortaleza, totalmente destruída: uma construção de superfície enorme; tão grande que eu não conseguia ver seu fim… Não existe mais lei; todos são fora da lei. Dirijome ao centro da construção e desço imensas escadas de ferro. Continuo a descer, a descer, a descer, e parece infinito. Passo de uma plataforma a outra, mas é como se ficasse sempre na superfície. Como se eu nunca tivesse saído dela. De repente, percebo que também sou prisioneira e que há muitos outros prisioneiros dentro da estrutura. Reconheço um contemporâneo meu. Ele sempre me odiou, ainda que, no fundo, também houvesse certo afeto entre nós. Ele decide me ajudar. Vamos andando… Está tudo escuro e me sinto tonta. Para não ser vista, deito no chão… entre pedras muito coloridas, de cores brilhantes, com inclusões de diamantes. As pedras estão se movendo, movendo-se em minha direção e me arrastam para longe. Elas parecem lindas, mas me sinto um pouco ansiosa. Então, eu acordo".

Depois de permanecer em silêncio uns dez minutos, Sara parece prestes a dizer algo. Às vezes, ela começa com voz um pouco hesitante, tendo a impressão de que o tempo de uma sessão é muito curto para todas as coisas que gostaria de dizer, ou que essas coisas são muito pesadas: "Sempre que minha necessidade de falar supera a capacidade de falar, ou minhas possibilidades expressivas, fico confinada ao silêncio. Há tantas coisas que eu gostaria de dizer. Mas fico em silêncio. Talvez por temor de não ser suficientemente clara. Talvez seja exatamente o contrário. De ser muito clara e ficar nua. É bem possível. De qualquer modo, isso também é um conflito eterno. Querer me "desconstruir" o mais depressa possível e a resistência emocional interna em fazê-lo".

Sinto-me um pouco aliviado, pois Sara parece ter superado, ainda que com dificuldade – como sinto pelo ritmo restrito de suas palavras –, um estado emocional sombrio e desesperado, cuja existência não daria para suspeitar por trás da sua aparentemente boa adaptação à realidade. Reflito sobre a possibilidade de que algumas das muitas coisas que se passaram entre nós nesses últimos minutos – meu gesto inicial, e a rêverie-lembrança do sonho da fortaleza – terem um significado ligado com o que ela acabara de me contar… Reúno minhas ideias. O sonho continha a subversão das regras, os fora da lei, a construção labiríntica e a paisagem arrasada; enquanto as poucas frases ditas incluíam uma demanda explícita de considerar as capacidades e necessidades dela, o muito, a prisão-refúgio de silêncio, bem como o extraordinário comentário acerca dos riscos da desconstrução interpretativa… Nesse momento tento formular uma hipótese que comunico a Sara. Perguntome, eu lhe digo, se o anúncio do cancelamento da sessão que, na verdade, só pude comunicar na última hora, chegou como uma bomba inesperada… Ela deve então ter se sentido exposta a emoções intoleráveis… talvez raiva… pelo tempo escasso que sente ter à disposição (e penso: nesta sessão, na semana ou na vida). "Sim", ela admite lentamente, "isso é algo que vale a pena considerar", mas a seguir fica novamente em silêncio. Finalmente eu quebro o silêncio, sugerindo que talvez ela tenha pensado a esse respeito ao mencionar o muito, um pouco como se ela tivesse dito: "Hoje você exagerou muito comigo!" – tanto que ela não consegue dizer nem perguntar qualquer coisa. Enquanto isso, penso novamente em como ela ficou petrificada, transformando-se em pedra entre as pedras do seu sonho; hoje ela está igualmente petrificada em seu silêncio que, desta vez, também sinto como "radioativo", como uma intrusão forçada na boa sintonia mútua do nosso trabalho durante esse período.

Depois de outra pausa, as associações de Sara voltam para algumas lembranças antigas e para seu pai. Sempre que eles discutiam, ela respondia rispidamente; rebelava-se, ela me conta, como se quisesse contrastar sua antiga forma de reagir com o silêncio e a passividade atual. Sim, concordo; de fato, hoje eu devo ter ficado parecido com o pai autoritário e distante da sua infância. Mas ela reinicia como se estivesse surpresa por redescobrir algo que tinha esquecido: "Na realidade", ela recorda, "você tem razão: durante quatro anos eu não dirigi uma única palavra a ele…" "Como se tivesse sido totalmente derrotada… Como se o 'tanque' tivesse chegado", atrevo-me, quase a meia-voz, usando uma expressão do nosso dialeto: chamo o pai, por metonímia, com o nome que Sara dera com amarga ironia a esse enorme veículo 4x4 em um sonho em que ela estava sentada em um pequeno Smart de dois lugares com sua mãe. "Oh sim, com meu pai havia um desencontro após o outro", replica Sara, aparentemente sem perceber a ambiguidade de suas palavras – assim, vejo-me trazendo-a de volta para o presente ao dizer: "Bem, a respeito de desencontros, para nós, haverá ao menos um esta semana!"

O momento decisivo desta sessão – o ponto de viragem – surgiu quando meu sentimento de desconforto me força a procurar algo concreto, a "fazer" algo, porque o silêncio se tornara intolerável para mim, assim como fora para a paciente durante anos. O impulso de tocar as folhas de papel, na mesa, pode ser visto como tentativa de reparar a ruptura do componente fusional ou sensorial do setting, resultante da repentina antecipação do vazio da sessão cancelada de sexta-feira, dolorosamente sentido pela paciente, e que, de algum modo, reverbera em mim. É um momento de desorientação, de ausência de pensamento – como se eu estivesse tentando restabelecer, na vaga tensão percebida no começo da sessão, e em seguida na busca esboçada de vestígios escritos de sessões anteriores, um canal de comunicação com Sara. E, na verdade, a lembrança do sonho de devastação "pós-nuclear" imediatamente ressurge, reabrindo o trajeto para a simbolização e figurabilidade.

O sentimento de abandono devido à quebra da moldura do setting vivenciado pela paciente e transmitido projetivamente a mim por intermédio do silêncio obstinado é, a princípio, tamponado por um enactment, e logo seguido pela recuperação da função de rêverie e da capacidade de continência. Reconstrói-se então uma tela visual, porém só depois da repercussão, no analista, da provável vivência de Sara da interpretação como uma "bomba". O sonho gravou seu efeito violento, desestabilizador, e que talvez tenha sido também amplificado pela cesura do final de semana, bem como, por outro lado, a recuperação da capacidade de pensar e o surgimento de uma inteligibilidade nova e sem precedentes diante de certos mecanismos de defesa da paciente, tais como des-animação e des-diferenciação (ela "petrificada" defronte aos di-amantes [os dois amantes]; à cena primária?).

Analisando esta vinheta clínica em termos de níveis narrativos, imediatamente salta aos olhos a complexidade das séries de operações de framing10 que caracterizam até mesmo uma sequência curta. E a multiplicidade de violações relativas: primeiro, o anúncio do cancelamento da sessão; depois, a inserção narrativa do sonho da paciente tal como citado na minha lembrança (a "explosão da bomba" passa da cena remota para a sessão atual); e assim por diante. Assim, com um discreto grau de explicitação da transferência, e consequentemente recorrendo ao dispositivo retórico da metalepse, ao "mudar a moldura" vejo a mesma tela que Sara vê. Esta talvez seja a única maneira de não fazer interpretações "radioativas" – ou seja, de não substituir tanto a moldura quanto a tela do quadro. Caso contrário, a paciente poderia ficar novamente "em cativeiro", aprisionada – dessa vez de verdade – no falanstério de infinitas desconstruções, aniquilada e mortificada. Novamente, "ver a mesma tela" é necessariamente equivalente a compartilhar emoções – e, consequentemente, a uma experiência imprevisível. Tudo que se pode fazer é pavimentar o caminho para isso; deixar acontecer e estar pronto a acolhê-la quando ocorrer.

 

Interpretações radioativas ou com espuma de borracha?

Prossigamos para o começo da semana seguinte, quando a análise recomeça depois da sessão cancelada de sexta-feira. "Discuti com um amigo", diz Sara. "Acima de tudo, fiquei com raiva. Não aguento vê-lo ser mais destrutivo e derrotista do que eu. Necessito algo positivo neste momento da minha vida. Talvez ele tivesse problemas. Depois ele percebeu que tinha me ofendido, e as coisas se acalmaram novamente. No entanto, quando decido não me afirmar, pago por isso sentindo-me mal, como se uma ferida tão pequena custasse a cicatrizar. Por uma ninharia, ainda que nós sejamos amigos há anos, eu poderia ter estragado tudo. Bem, isso não pode acontecer com ele, mas acontece com os homens. É o que acontece em nossa família também: 'Você me agride por isso e por isso, por consequência você não gosta de mim', e então a pessoa sente-se no direito de destruir tudo. Tudo devido a uma pequena discordância. Então, no dia seguinte, me percebi procurando em um armário e pensei no meu diploma de graduação; então me lembrei de algo que minha mãe disse certa vez quando estava lendo um dos meus livros – que havia bactérias que destruíam papel. Naquele instante, ocorreu-me que esse objeto possa se decompor. De qualquer maneira, sei que há dois agentes destrutivos: o ar – isto é, oxigênio – e a luz. Então comecei a me perguntar como poderia impedir essa decomposição. Pensei que o melhor modo de preservar o diploma seria plastificá-lo, mas que o próprio processo de plastificação poderia causar danos. O mais interessante é… que me rendi a esse frenesi de ação e saí em busca de informações, então… [rindo] tornei-me especialista em conservação de pergaminhos no espaço de poucas horas! Questionei a primeira coitada fazedora de molduras, quase incapaz de entender e de querer: era melhor usar dois vidros, ou silicone, ou outra coisa…? Então, evidentemente, não fiz nada de tudo disso. Como sempre, o que me importa é saber algo; mas para traduzir esse conhecimento em ação… Logo que descobri, sosseguei. Se houver remédio… É a mesma obsessão que eu tinha quando pequena, o mesmo modo de pensar… que certo objeto não sobrevivesse. Por quê? Talvez porque de algum modo representasse minha identidade. Quando eu era criança, eram brinquedos. Eu era obcecada por materiais. Quando cresci, pensei que inventaria um material para fazer qualquer tipo de objeto, que seria indestrutível e impossível de ser riscado. A visão de um arranhão visto contra a luz realmente me feria e perturbava minha visão. Mais ainda, senti em toda minha vida que tudo o que eu valorizava poderia sucumbir. E aplico esse modo de ver cruel e desagradável a tudo – até a mim mesma. Qualquer coisa sujeita ao tempo e ao desgaste perde imediatamente o valor."

"Você não esperava que um desentendimento como esse ocorresse com seu amigo… ficou decepcionada…", eu digo.

"Suponho que sim", ela responde. "Acontece que ele estava com problemas na ocasião. Fui muito dura com ele, foi acima do suportável, e ele ficou surpreso. Acho que o ofendi. Eu o feri profundamente, e então seu tom mudou totalmente, ficou mortificado, como alguém que se sente errado e precisa se desculpar. Ele foi áspero e destrutivo. Eu estava rindo e brincando, e ele tirou meu equilíbrio. Mas depois, quando eu percebi como ele era capaz de recuperar rapidamente o diálogo, senti-me ferida e irritada por dentro. Fiquei ofendida, como uma criança que diz: "Você me machucou. Tudo bem então, não olho mais para você". O que aconteceu aquele dia, felizmente um delírio fora do comum, me fez lembrar minha obsessão por materiais e meu entusiasmo por espuma de borracha, que absorve impactos sem deformar. Como contei certa vez a um amigo sobre esse material, tecendo elogios e descrevendo tudo que se pode fazer com ele, segundo a fantasia de uma menininha… até o dia em que provavelmente descobri que a única coisa que poderia proteger a alma de riscos e de agentes corrosivos era o corpo, e então transformei meu corpo em objeto."

"Como o corpo pode protegê-la?" perguntei.

"Em uma visão muito concreta das coisas… Construir um corpo capaz de proteger… a ideia era que, se ele fosse devidamente moldado e reforçado, poderia ser feito de material capaz de evitar golpes… (É o que eu penso agora) Antes de entrar aqui, notei uma coisa – um carro estacionado perto da entrada com um dispositivo antirroubo (chamado Bulldozer) que cobre toda a direção, com um pino que a impede de girar. Que mecanismo pesado – uma espécie de excesso de defesa, e mesmo assim facilmente superável, e tudo para um veículo tão sem valor…"

Nesse momento percebo que Sara, deitada no divã, está de frente para minha estante, e de repente eu também "VEJO", por assim dizer – como uma reorganização emocional e perceptiva abrupta – "o livro que sua mãe estava lendo". Foi como se ele realmente tivesse entrado na sala. Só então percebo (ainda que já soubesse) que ela teme a possibilidade de que sua análise se mostre perecível se sua alma for arranhada por ódio e ressentimento (a bactéria), e que ela precisa alguma coisa que lhe permita sobreviver, alguma coisa – uma interpretação? – como espuma de borracha e… uma boa moldura! Digo-lhe que, enquanto luz e ar podem realmente estragar os livros, mantê-los no escuro a impediria de trazê-los à vida e de sentir emoções, e a privaria do prazer da leitura.

"Eu não conseguiria lê-los", ela responde, "mas… jamais tive esse sentimento doloroso, intensamente presente da transitoriedade das coisas como estou tendo neste instante".

Senti que a irrupção dos livros (objetos perecíveis) no consultório poderia pavimentar o acesso a uma interpretação transferencial que explicitaria a metalepse. A interpretação pode ser formulada dois minutos, dois dias ou até dois meses depois… Teria sido fácil, mas talvez novamente prematuro, interpretar o significado da raiva (o Bulldozer) e da defesa excessiva do silêncio devido ao medo de ser privada de um objeto (a análise) que é aparentemente sem valor, e assim por diante.

O que me parecia finalmente mais evidente era um movimento que eu percebera durante certo tempo – uma expressão passageira de algo como aturdimento em seu rosto e uma hesitação momentânea – ao final de cada sessão antes de ela sair da sala, ao lançar um último olhar acariciador a certos livros no extremo da estante.

O sentimento de transitoriedade que Sara consegue expressar desse modo representa o núcleo do seu sofrimento, um constante voltar atrás à la Rilke,11 o enigma do seu "penoso desalento" (Freud, 1915/1974, p. 345), da sua rebeldia contra o pai e da sua empobrecida capacidade de amar. Um afeto opaco, tal qual expresso em um silêncio constrangedor – mas que, como vimos, está carregado com todos os tipos de outros silêncios! – transformase em sentimento pelo qual o ego agora tende a assumir a responsabilidade. Uma violação infligida no significado (a primeira interpretação infeliz, seguida pelo sonho da catástrofe atômica) desperta a paciente para o evento.

Seu sentimento de ter sido tirada do seu equilíbrio devido à dor da separação, à transitoriedade das coisas e ao medo de que meus (seus) livros – ou seja, meu (seu) consultório/setting – possa ficar deteriorado, é revivido pelo analista. Só depois de uma vacilação temporária de uma semi-incapacidade de pensar e da recuperação da sua atitude interna de trabalho – bem como da sua identidade de honesto "moldureiro"! – ele pode propor um enquadramento de um ponto de vista diferente, tendo antes se certificado de que está no mesmo cenário que a paciente.

Nesse fragmento clínico em que o tema da moldura é tanto dramatizado quanto inconscientemente teorizado por Sara, tentei mostrar o que vai, ou deveria ir, antes de uma interpretação – ou seja, uma emoção ou intuição: algo que surpreende. A dimensão inconsciente da comunicação sai do quadro, na verdade jump out of the game,12 e só depois poderá ser contada, talvez usando a princípio apenas algum material do tipo espuma de borracha por meio do qual sujeito é des-locado sem ser de-formado; e depois, talvez, por verdadeiras interpretações transferenciais: como se sabe, a radiação pode ser uma forma potente de tratamento médico. Evidentemente, ao se referir ao amigo e aos livros, embora use nas duas ocasiões uma intervenção aberta, elíptica, "insaturada", o analista se inspira em sua própria experiência do curto-circuito dos níveis narrativos, ou o colapso das diversas temporalidades; em uma narrativa ficcional seria o equivalente ao caso mais simples e básico de metalepse.

O que também me parece significativo nesses dois momentos essenciais (as anotações e o livro) é a centelha sensorial acesa na escuridão da cena – como se – poderia especular-se, cada movimento autêntico em direção à simbolização tivesse que começar com a materialidade do setting, o corpo ou o metaego (Bleger, 1967). Nos dois casos, por assim dizer, foi necessária uma apercepção sensorial, primeiro tátil e depois visual para pôr de novo em movimento o processo de pensamento.

Do meu ponto de vista, esse efeito de surpresa, ou sensação de "verdade" (Ogden, 2003), pode nos ajudar a evitar os riscos iatrogênicos da interpretação e a estabelecer um equilíbrio entre subversão e continência enquanto subsequentemente mediadas pela metalepse interpretativa. Com isso quero dizer um evento emocional ou sensorial manifesto que, para o propósito de interpretação, assume a significância de uma pré-concepção. Isso pode ser um evento, um detalhe de "evidência extraordinária", que é "muito vívido" e "sobre- significado" (Rella, 1999, p. 44, traduzido) que nasça como um holograma a partir da realidade virtual do setting, como as lembranças intensamente claras (uberdeutlich – Freud 1937/1969a) que às vezes vêm inesperadamente à superfície e se destacam contra um fundo mais amplo e desfocado.

Outros instrumentos ilustrados na vinheta clínica que ajudam a reduzir os efeitos colaterais da interpretação são, por um lado, uma teoria rigorosa do campo analítico e, por outro, um modelo flexível de interpretação, que represente seus diversos graus de complexidade e transparência. A classificação de Roth (2001) poderia ser ampliada para as assim chamadas interpretações fracas, narrativas, insaturadas (Bezoari & Ferro, 1992), que eu definiria como aquelas em que a metalepse do analista e/ou do paciente como autores/ leitores extradiegéticos na história intradiegética do paciente ou do analista não é explicitada. As interpretações narrativas ou insaturadas vestem um hábito franciscano, evitam a arrogância, administram a "violência" necessária em dose adequada; apresentam-se "sem cartão de visita" e ficam próximas do texto "não codificado" do paciente. O analista considera o material trazido pelo paciente um todo e ressalta a emoção predominante contida nele, como se um dos borrões de um Rorschach evocasse uma resposta global (G) e uma resposta de cor (C) (Ferro, 1999, p. 128). Porém, se essas interpretações também forem atribuíveis à área de transferência, a exigência essencial é observar os fatos da sessão como eventos possíveis do campo analítico.

Consequentemente, o grau de saturação das interpretações transferenciais deve ser inversamente proporcional à gravidade da patologia do paciente. Interpretações transferenciais adequadas, que podem ser precedidas por um período mais longo ou mais curto – algumas vezes até de anos – de comentários do tipo "barman" ou "suficientemente obtusos", como Bolognini (2005) os chamaria, são mais apropriadas para pacientes com estrutura psíquica bastante sólida, com quem se pode trabalhar desde o começo com "fatos não digeridos", e que conseguem tolerar melhor as interpretações do tipo de "reenquadramento" ou violações da moldura do discurso.

 

Reframings13

A relevância que os modelos semióticos possam ter para a teoria freudiana não mais necessita demonstração (Spence, 1982; Schafer, 1992; Ferro, 1999). A proliferação de literatura narratológica sobre estruturas narrativas, a partir das primeiras derivações pós-estruturalistas para a Teoria Crítica (Critical Theory) – do discurso sobre as molduras narrativas – tem sido acompanhada em psicanálise pela discussão cada vez mais nítida do papel do setting (frame, encuadre ou cadre), adquirindo sua maior valorização especialmente na obra de autores como Winnicott (1956) e Bleger (1967), bem como de Milner (1952), Langs (1978) e Modell (1989). Roussillon (1995) se concentra no tema de violações fortuitas do setting, que às vezes se mostram valiosas para o processo analítico, mas que não podem ser recomendadas como técnica ativa. A respeito da exigência que ele faz de uma análise do quadro e da sua função secreta como guardião das cisões e negações, tentarei aqui uma conceituação inicial em termos de narratologia, postulando que a interpretação transferencial pode ser vista como maneira de produzir essas violações do setting que, embora frequentemente mostrem em retrospecto ter um efeito "mobilizador", no entanto, são impraticáveis por serem tanto eticamente indefensáveis quanto imprevisíveis em seu impacto.

Cada enquadramento – margem, limite, moldura ou parergon – impõe uma ordem na história e define um mundo dentro do qual os personagens se movimentam e os enredos se estruturam. O objetivo da representação é ajudar um dos dois atores/protagonistas a chegar a uma definição melhor de si e a construir sua própria identidade – isto é, obter uma autoconsciência mais ampla. A identidade, por definição, é construída por limites, e por fronteiras. No tratamento psicanalítico, o principal instrumento para facilitar essa maturação, e ativar as microtransformações que são sua substância, é a interpretação transferencial, a pedra angular e shibboleth da análise freudiana. Porém, se certas noções da semiótica atual da literatura forem aplicadas ao texto oral ou ao escrito de uma análise, vê-se logo que as interpretações transferenciais nada mais são do que uma construção retórica, cuja estrutura pode ser semelhante à de uma micro-história que o analista dirige ao paciente enquanto o exorta a aceitar uma mudança transgressora de níveis específicos de realidade para outros. Seu objetivo é facilitar o crescimento de sua capacidade de pensar pensamentos; isso também pode ser expresso em termos de uma integração melhor de seus múltiplos si mesmos.

Pensemos por um instante no filme de Louis Malle, Tio Vânia em Nova York, que inclui uma sequência mostrando um grupo de atores a caminho do teatro para ensaios. Eles entram, e são vistos tagarelando uns com os outros, no que parece ser uma pausa antes de começar a trabalhar, e só depois de algum tempo se percebe que eles já estão representando Tchekhov. Por meio deste artifício o diretor, ao mesmo tempo em que evita qualquer descontinuidade que poderia trair a transição para um plano diferente de representação, consegue um efeito dramático potente. O paciente e o analista não estão em posição diferente da plateia que assiste ao filme de Malle… e dos seus atores.

A interpretação transferencial corresponderia à posta em cena do estado ambíguo de transição de uma realidade narrativa para outra. (Tchekhov… em lugar de Malle!). Na maneira como é percebida pela "plateia", essa transição se reflete no momento de inquietação que Freud, com sua genialidade, resumiu com o conceito de Unheimlichkeit, ou o "estranho" – no turbilhão emocional representado graficamente no ponto central de uma imagem que, como na Galeria de Arte (Prentententoonstelling, 1956) de Escher, transborda da moldura, fazendo a imagem refletir-se em si mesma (Putrella, 1993). Pintores mais clássicos conseguem o mesmo efeito de modo menos espetacular e com maior realismo e, por isso, com uma estética muito diferente e mais convincente. Um exemplo é o gafanhoto colocado por Lorenzo Lotto na parte inferior da moldura do seu A Penitência de São Jerônimo (atualmente em Bucareste): ele é posto ali precisamente como uma declaração, em virtude da diferença de escala e de perspectiva, da "permeabilidade de dois mundos, da possibilidade de se moverem de uma realidade física para outra, apenas virtual" (Lucco, 1997, p. 104, traduzido).

A interpretação, então, cai entre a estranheza e a familiaridade. Para ser eficaz, deve surgir de áreas entre os respectivos enquadramentos do paciente e do analista; além do mais deve ser uma dimensão vertical, fornecida pelo conteúdo afetivo da interpretação (que também reflete o que está ocorrendo, ou sendo transformado, no analista antes da sua formulação), e que assim consegue tocar o estrato institucional mais profundo, ou "blegeriano" da identidade.

A área de sobreposição é garantida pelo compartilhar emocional facilitado pelas sequências de enactments14 que compõem as interações paciente-analista. A experiência de estar em uníssono reafirma a moldura e fortalece o pavimento do ego. Uma interpretação bem-sucedida é assim uma versão paradoxal que combina essas duas funções divergentes: subverter a moldura e ao mesmo tempo confirmar seu papel como sinal de diferença, de fronteira e de separação.

Como o processamento digital de uma fotografia, em que as várias camadas podem ser trabalhadas de modo sutil, separado e consecutivo, uma interpretação pode incluir uma sucessão de planos, para finalmente se sobreporem de modo a formar uma figura única. É importante que o reenquadramento preserve as áreas comuns para que não haja um efeito excessivamente desestabilizador e para realizar uma transição suportável, de uma forma mais simples para outra mais complexa, sem impedir a leve sacudida de sentido que chamamos comoção.

As respostas do paciente – das quais "a escuta da escuta" de Faimberg (1996), os "derivados narrativos" do pensamento onírico de vigília de Ferro (1996) ou o "índice de reintrojeção" de Bleger (1967), dão conta – podem tomar a forma de "recibos de entrega" ou "alarmes contra incêndios", dispostos naturalmente em uma escala diacrônica, proporcionarão pistas para o grau de estranhamento, insegurança e desorientação resultantes de uma interpretação, ou alternativamente para a sensação de descoberta e reintegração assim alcançadas. Em especial, escutar os derivados narrativos do pensamento onírico de vigília é um dos instrumentos para preencher a lacuna, para a qual Bader (1998) chamou a atenção, entre epistemologias construtivistas e a operacionalidade clínica, entre o espaço concedido à subjetividade do analista e ao acompanhamento atento das respostas do campo, das invalidações ou validações das suas interpretações. Isso possibilitará ao analista orientar-se com mais segurança entre as numerosas interpretações possíveis, enquanto descarta as implausíveis, e a não desconsiderar os marcadores específicos do paciente que podem constituir signos de validação confiáveis para a compreensão e para as hipóteses por ele formuladas de tempos em tempos.

É essencial que as interpretações não sejam produto de artifícios técnicos, de operações rotineiras, intelectualizadas e mecânicas que mais parecem traduções automáticas desajeitadas disponíveis online (que às vezes podem ser úteis para fornecer um esboço sintático inicial, mas que são rudimentares e incoerentes), e não se assemelharem às interpretações descritas por Bolognini (2002/2008) como "objetivas, prematuras, verbosas, enquadradoras e conclusivas" (p. 88, ênfase minha): devem ser sempre precedidas por um "efeito de presença" da outra cena – ou seja, a cena inconsciente – que surge necessariamente sem ser solicitada e sem concorrência, no contexto e situações relevantes, como uma espécie de lembrança involuntária.

É o que acontece quando, por exemplo, um detalhe aparentemente anódino adquire uma intensidade sensorial extraordinária, que se impõe com uma qualidade perceptiva quase alucinatória, garantindo a verdade emocional do que o analista intui, elabora e comunica ao analisando. Esses eventos não podem ser planejados nem antecipados. A maior parte do tempo, o analista deve ficar com o texto do paciente e respeitar sua superfície, deixando-se emocionar pelas histórias que se entrelaçam na conversa analítica e tomando cuidado para não forçar o enquadramento. Vividas como afirmações decodificadoras e isentas de afeto ou, de acordo com o exemplo clínico, como "radioativas", essas interpretações acabariam substituindo as "incursões terroristas" ou "ofensivas bélicas" (shock and awe) de suposições indutoras de culpa para o choque leve (shock) e maravilhada surpresa (awe) descrito nas teorias de Reik (1933) e Di Chiara (1990), respectivamente, como componentes do bom trabalho analítico.

 

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Endereço para correspondência

Giuseppe Civitarese
[Associação Psicanalítica Italiana SPI,
Associação Americana de Psicanálise APsaA
Associação Psicanalítica Internacional IPA]
Piazza A. Botta 1, 27100
Pavia/ Italy
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[Recebido em 8.7.2010, aceito em 6.8.2010]

 

Tradução de Tania Mara Zalcberg

 

 

1 Publicado pela primeira vez na Rivista di Psicoanalisi, 53, 1, 5-28, 2007.
2 Psiquiatra, doutor em psiquiatria e ciência relacional, psicanalista, é membro titular da Associação Psicanalítica Italiana (SPI), da Associação Americana de Psicanálise (APsaA) e da Associação Psicanalítica Internacional (IPA).
3 Aqui não estou usando a definição tradicional desta figura de linguagem que, na retórica clássica, não se identifica pela "substituição do lema por seu substituto metafórico direto, mas por uma ou mais metáforas indiretas, por uma série de passagens gradativas" (De Mauro, 2002, p. 1515, traduzido). Refiro-me, ao contrário, à reformulação moderna, "ampliada" de Genette (1982). na acepção genettiana, a metalepse, atualmente um conceito intermediário entre a retórica e a teoria da narração, indica a transgressão paradoxal dos limites entre realidades narrativas ontologicamente distintas, por exemplo, o mundo extratextual do narrador e o mundo onde vivem seus personagens.
4 NT. Em francês no original: desenlace.
5 Em nível mais abstrato, o conceito de misreading pode também ser relevante: qualquer leitura é inevitavelmente uma falha de leitura devido à polissemia do significante. A discrepância entre signo e referente ao qual se insinua, e do qual a representação dá conta, fazem desta última não um modo linguístico entre outros ou um acessório marginal, mas, ao contrário, o verdadeiro paradigma da linguagem. Considerada sob esse ponto de vista, uma interpretação é inevitavelmente ambígua e descentrada; não um significado transparente ou uma decifração, mas outro signo ou texto que, por sua vez, aguarda interpretação (de Man, 1979).
6 "The analyst producing the written text would be the historical author, but he would not be the general narrator, a fictional construct who addresses the transcription of the entire session to a general narratee. Embedded within this extradiegetic level, the patient and analyst (a fictional character who is not identical to the historical author) would take turns as intradiegetic narrator and narratee" (nelles, 2004). [O analista produzindo o texto escrito seria o autor histórico, mas não seria o narrador geral, um constructo fictício que refere a transcrição da sessão a um ouvinte genérico. Imersos nesse nível extradiegético, o paciente e o analista (um personagem ficcional que não é idêntico ao autor histórico) se alternam entre o narrador intradiagético e o ouvinte].
7
O ato de sonhar está contido – em princípio, sem que seja possível o contrário – na vida do sonhador, e … o relato de um sonho pode ser inserido com naturalidade no relato da sua vida. A rigor, essa inserção não deveria exigir qualquer mudança de nível diegético, já que o desenrolar dos eventos ou das imagens oníricas se inscreve, sem qualquer modificação da instância narrativa, na duração vivida do personagem em questão, tal qual relatado por ele próprio ou por um narrador externo … De fato, como o relato de um sonho figura em um relato da vida, o leitor não deixa de perceber esse relato como um segundo comparado a esta, e por essa razão sua "ação" como metadiegética em relação à diegese representada pela existência cotidiana do personagem.
8
Quando você diz, eles, você quer dizer eu. Eu sou "eles".
9
NT. Embedding, no original italiano.
10 NT. Em inglês no original italiano. Enquadramento.
11 Ela então recita o final de oitava Elegia de Duíno: "Quem nos desviou assim, para que tivéssemos um ar de despedida em tudo que fazemos? Como aquele que partindo se detém sobre a última colina para contemplar o vale na distância – e ainda uma vez se volta, hesitante, e aguarda – assim vivemos nós, numa incessante despedida" (Rilke, 1927, p. 59)
12
NT. Em inglês, no original italiano: salta para fora do jogo.
13 NT. Em inglês no original italiano. Reenquadramentos.
14 NT. Em inglês no original italiano. Encenações.