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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.44 no.4 São Paulo  2010

 

EDITORIAL

 

 

Concluímos o editorial do número anterior com os votos de que o conjunto dos textos em torno das diversas propostas para os Grupos de Trabalho (Working Parties) pudesse contribuir para o "transformador contato com a alteridade". Alteridade foi também o significante que compôs a temática do Congresso FEPAL em 2010: "Transferência, vínculo e alteridade". Indiscutivelmente somos convocados a nos debruçar como psicanalistas sobre o tema do outro, da diversidade e das diferenças em todas suas formas. Julia Kristeva (1994), em Estrangeiros para nós mesmos, fala do estrangeiro que nos habita, a outra face de nossa identidade, uma fenda na ideia de identidade faz que nos consideremos um e outro ao mesmo tempo, assinala a necessidade de aceitar esse paradoxo que envolve a própria ideia de inconsciente.

Mas não é apenas no campo da subjetividade individual e das relações interpessoais que estas questões se colocam, as pesquisas em torno do gênero, regimes de apartheid, o impacto inerente ao encontro entre diferentes culturas no campo das relações internacionais cada vez mais globalizadas, interpelam políticos, cientistas sociais, estudiosos da cultura e também o psicanalista e nos convocam a um sério debate em torno da ética no encontro com as diferenças.

A leitura de Ébano: minha vida na África, do escritor e jornalista polonês, Ryszard Kapuściński (2002) reforçou a importância de abordar mais diretamente essa temática. O livro, fruto de mais de quarenta anos de experiência jornalística na África pós-colonial, revela com extrema lucidez e narrativa emotiva a dificuldade do encontro com o diferente, a incompreensão e intolerância, assim como a dramática consequência da destituição da condição subjetiva, que ao retirar do outro qualquer traço de humanidade "legitima" a barbárie.

Assim, consideramos apropriado dar início a este número com a instigante palestra de um dos mais destacados antropólogos brasileiros, Eduardo Viveiros de Castro, professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O título do seu texto "O Anti-Narciso: lugar e função da Antropologia no mundo contemporâneo" já antecipa seu conteúdo: o questionamento a partir da compreensão do pensamento ontológico ameríndio, de clássicas e costumeiras concepções em torno da relação entre natureza e cultura e do que entendemos por humano. Como ele mesmo diz: "É preciso ir longe para voltar às coisas mesmas" (Castro, 2009). O diálogo com a antropologia, que tem lugar na psicanálise desde Freud, teve continuidade com a antropologia americana e ganhou novas perspectivas com a influência da antropologia estrutural de Lévi-Strauss no pensamento de Lacan. Convidamos nossos colegas psicanalistas Adalberto A. Goulart e Wagner Francisco Vidille para dar continuidade a este renovado diálogo com essas propostas originais do professor Viveiros de Castro.

Publicamos também neste número os trabalhos de psicanalistas brasileiros premiados no Congresso da FEPAL em Bogotá: Teresa Rocha Leite Haudenschild, Mariângela Mendes de Almeida, Alicia Beatriz Dorado de Lisondo e Vera Lúcia Colussi Lamanno-Adamo. Esses prêmios são frutos do encontro da psicanálise brasileira com a diversidade do pensamento psicanalítico presente na América Latina e testemunham o reconhecimento de nossos colegas e o nível atingido pela psicanálise em nosso país.

O tema da alteridade está presente de várias maneiras no conjunto dos textos que compõem o sumário. Explicitamente, como no trabalho de Pedro Rodrigo Peñuela Sanches, ou pela presença de autores menos difundidos no nosso meio, como o texto de Manola Vidal que baseia sua proposta de intervenção clínica nas ideias de Heinz Kohut, psicanalista austríaco radicado nos Estados Unidos, que se tornou um proeminente membro do Instituto de Psicanálise de Chicago.

O tema da alteridade aparece também na leitura crítica da abordagem apenas interpretativa e na possibilidade de identificar o potencial transformador de outros elementos no contexto da situação analítica, para além desta, como destacado no trabalho de Roberto Barberena Graña ou no texto de Fernanda Sofio que vê na psicanálise uma forma de ficção inspirada no pensamento de Fábio Herrmann.

Os trabalhos de Marly Terra Verdi, Gina Khafif Levinzon e Daniel Delouya contribuem com a riqueza do número pelo aprofundamento da reflexão em torno das respectivas experiências clínicas.

Concluímos, com este número, o volume de 2010 da Revista Brasileira de Psicanálise cujo mote norteador foi a "atualidade da clínica psicanalítica". Encerramos também nosso primeiro ano como editores da mesma. Foi um ano de rico aprendizado no exercício da tarefa editorial. Contamos com o dedicado e estimulante trabalho de toda a equipe, dos editores regionais e dos pareceristas de todo o Brasil que com extrema dedicação e isenção têm lido anonimamente os originais e emitidos seus pareceres e recomendações. A busca de rigor editorial aliado ao cuidado e respeito aos autores fazem parte de nosso compromisso com o leitor. Buscamos oferecer uma revista que ao mesmo tempo contempla a produção nacional de alta qualidade e procura elevar o standard e cuidado editorial. Temos participado de encontros com vários editores de revistas de psicanálise do Brasil e da América Latina, assim como do International Journal of Psychoanalysis e outras publicações europeias, visando desse modo continuar aprimorando a Revista Brasileira de Psicanálise.

Agradecemos a todos nossos colaboradores, autores e leitores; continuamos contando com o apoio e estímulo de todos para o novo ano que damos início.

 

Referências

Castro, E.V. de (2009). Claude Lévi-Strauss por Eduardo Viveiros de Castro. Estudos Avançados, 23 (67), 193-202.         [ Links ]

Kapuściński, R. (2002). Ébano: minha vida na África. São Paulo: Cia das Letras.         [ Links ]

Kristeva, J. (1994). Estrangeiros para nós mesmos. Rio de Janeiro: Rocco.         [ Links ]

 

Bernardo Tanis
Editor