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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.44 no.4 São Paulo  2010

 

ARTIGOS

 

A alteridade na conceituação freudiana de desejo e pulsão1

 

La alteridad en la conceptución freudiana del deseo y de la pulsión

 

Alterity in Freud's concepts of desire and drive

 

 

Pedro Rodrigo Peñuela Sanches2

Endereço para Correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo pretende retomar a construção dos conceitos de desejo e de pulsão na obra freudiana, propondo uma leitura destes dois conceitos a partir das possibilidades que cada um deles abre para uma abordagem do problema da alteridade em Freud. O que se procurará discutir é que o conceito de desejo pressupõe certo tipo de solipsismo que só poderá vir a ser desconstruído dentro da própria obra freudiana a partir dos desenvolvimentos dados ao conceito de pulsão. Por fim, pretendese aventar alguns problemas presentes nas teorizações freudianas sobre a clínica, apontando para um possível compromisso destas com uma clínica que não faria juz à radicalidade da ideia de pulsão e do posicionamento epistemológico e ético que este conceito nos exige quando lido sob o prisma da noção de alteridade.

Palavras-chave: desejo; pulsão; alteridade; metapsicologia freudiana.


RESUMEN

Este trabajo pretende recuperar la construcción de los conceptos de deseo y pulsión en la obra de Freud, con la intención de discutir las diferentes posiciones que cada uno de estos conceptos ofrece frente al tema de la alteridad. Discutiremos la idea de que el concepto de deseo, en sus formulaciones iniciales, presupone un tipo de solipsismo que entra en crisis dentro de la obra freudiana a partir de los desarrollos del concepto de pulsión. Esta discusión se articulará a una crítica de la práctica clínica, y de su posición en relación a la alteridad.

Palabras clave: deseo; pulsión; alteridad; metapsicologia freudiana.


ABSTRACT

The article at hand aims to retake the freudian construction of the concepts of desire and drive, proposing an interpretation of these from the possibilities that each one offers for the approach of the problem of alterity in Freud. In discussion shall be the idea that desire supposes a certain kind of solipsism which can only be deconstructed within the Freudian work itself, from the developments attributed to the concept of drive. Finally, the author intends to expose some clinical problems present in Freudian theories about the clinic, pointing out a possible engagement of these with a solipsistic clinic which wouldn't do justice to the radicalism of the idea of drive and of the epistemological and ethical positioning that this concept requires when interpreted through the prism of the notion of alterity.

Keywords: desire; drive; alterity; Freudian theory.


 

 

Um psiquismo conservador

Já nas obras comumente chamadas de pré-psicanalíticas, Freud apresenta os traços principais do conceito de "desejo" que desenvolverá em obras posteriores. No "Projeto para uma psicologia científica" (1895), o desejo é entendido como "atração positiva para o objeto desejado, ou mais precisamente, por sua imagem mnêmica" (citado por Hanns, 1996, p. 139), e já nessa obra é defendida a ideia de que os sonhos são realizações de desejos, porém não reconhecidos como tal pela consciência porque neles a "liberação de prazer é escassa, pois, em geral, eles seguem seu curso sem afeto (sem liberação motora)" (p. 139).

Mas é em "A interpretação dos sonhos" (1900/1992b) que encontramos essas ideias fundamentando uma metapsicologia em que aparecem mais claramente articulados e discutidos os principais elementos da concepção freudiana de desejo que pretendemos discutir. Tal metapsicologia se sustenta sobre a articulação indissociável entre os conceitos de desejo, inconsciente e repressão (ou recalque, ou recalcamento, que aqui usamos como sinônimos). Para discuti-la, retomemos o trecho fundamental do capítulo VII da Traumdeutung em que Freud (1900/1992b) conceitua o desejo e sua origem:

Suposições que hão de fundamentar-se num outro momento nos dizem que o aparato psíquico obedeceu primeiramente ao afã de manter-se o mais possível isento de estímulos .... Porém, a estimulação da vida externa perturba esta simples função; a ela deve o aparato também o empurrão para sua constituição ulterior. A estimulação da vida o assedia primeiro na forma das grandes necessidades corporais. A excitação imposta pela necessidade interior buscará uma drenagem na motilidade que pode designar-se "alteração interna" ou "expressão emocional". ... [Tal situação] só pode modificar-se quando por algum caminho (no caso da criança, pelo cuidado alheio), se dá a experiência da vivência de satisfação que cancela o estímulo interno. Um componente essencial desta vivência é a aparição de certa percepção (a nutrição, no caso de nosso exemplo) cuja imagem mnêmica permanece, daí em diante, associada ao traço que deixou na memória a excitação produzida pela necessidade. Na próxima vez que esta última sobrevenha, devido ao enlace assim estabelecido, suscitará uma moção psíquica que quererá investir novamente a imagem mnêmica daquela percepção e produzir outra vez a percepção mesma, vale dizer, na verdade, restabelecer a situação da satisfação primeira. Uma moção dessa índole é o que chamamos desejo, a reaparição da percepção é o cumprimento do desejo, e o caminho mais curto para este é o que leva desde a excitação produzida pela necessidade até o investimento pleno na percepção. (p. 557-558)3

Temos aqui uma concepção do desejo como um movimento psíquico em direção à identidade (inicialmente não importa se no mundo externo ou se alucinada, sendo que a via alucinatória é privilegiada) (Freud, 1911/2004b) entre o que é percebido em certa atualidade e o traço mnêmico deixado pela vivência de satisfação de uma necessidade orgânica. Nesse sentido, o desejo é compreendido como apoiado na busca, que seria intrínseca ao organismo, de manter-se livre de excitações (ou seja, no princípio do prazer tal como já colocado na citação acima, e formulado mais detidamente em Freud, 1911/2004b, p. 65, e 1920/1992c, p. 8). Assim, o desejo é um desdobramento da busca pelo prazer, e visa, como meio de realizar tal descarga, a experiência da identidade entre um percepto atual e os estímulos que compuseram a vivência de satisfação primária, tal como descrito no trecho citado. Nas palavras de Freud (1900/1992b): "a uma corrente ... que arranca [o aparato psíquico] do desprazer e aponta ao prazer, chamamos desejo" (p. 588).

Nesse sentido, a grande força motriz da ação de um sujeito, em Freud, é a busca de retorno a esse momento de satisfação plena,4 que nunca mais será revivido integralmente, como também é essa busca do substrato para toda a construção do aparelho psíquico, além da fonte de sua energia, à medida que "somente um desejo pode impulsionar a trabalhar nosso aparato anímico" (p. 559).

Note-se que na metapsicologia de "A interpretação dos sonhos", o desejo, como corrente que investe um traço mnêmico da vivência de satisfação, ocupa um lugar na trama teórica que passará a ser em grande parte ocupado, a partir de 1915, pelo conceito de pulsão, já que, pensando-se na dualidade entre afeto e representação, já fundamental em Freud antes de 1900,5 o conceito de desejo pertence mais propriamente à esfera do afeto (por sua qualidade de "moção" e "corrente"), enquanto o "traço mnêmico da vivência de satisfação", investido pelo desejo, pertenceria ao campo do representacional. No entanto, esse posicionamento do desejo dentro da dicotomia afeto/representação não é completamente trabalhado por Freud nesse momento e não nos estenderemos mais nesse ponto, pois para o que queremos discutir aqui, o que nos interessa salientar é que:

1. a noção de pulsão aparece na obra de Freud como um desdobramento do campo aberto pelo conceito de desejo, central em 1900;

2. o fundamento da noção de desejo construída nesse momento está na ideia de este ser fruto de uma vivência passada, já acontecida, e ser, portanto, um afã de retorno ao já vivido.

Esse caráter do psiquismo, que me parece adequado chamar de conservador, à medida que se baseia na tal busca pelo reencontro com o já vivido (ainda que isto venha a ser reconhecido como impossível), reaparece também na maneira como Freud constrói nas "Formulações sobre os dois princípios do acontecer psíquico" (1911/2004b), a ideia da busca por prazer como sendo a meta fundamental do psiquismo.6 Nas palavras de Freud (1911/2004b): "os processos psíquicos inconscientes aspiram à obtenção de prazer. Dos atos que possam provocar desprazer, a atividade psíquica se recolhe (recalque)" (p. 65).

Nesse texto, Freud introduz uma faceta nova (em relação à teorização de 1900) com relação às formas de satisfação primordial no início do desenvolvimento do psiquismo, afirmando que, nos momentos em que o aparato psíquico era perturbado por necessidades internas, "o pensado (o desejado) apresentava-se simplesmente de forma alucinatória" (Freud, 1911/2004b, p. 66), o que corresponde a uma satisfação imediata, regida unicamente pelo princípio do prazer. É a frustração desse modo de satisfação (pelo próprio fato de que a alucinação não satisfaz a necessidade orgânica e, portanto, não faz cessarem os estímulos internos) que impulsiona o aparato a desenvolver novas formas de satisfação: ao invés de alucinar, conceber as circunstâncias reais a fim de modificar a realidade em direção à satisfação, o que representou a aquisição do princípio de realidade (Freud, 1911/2004b, p. 66).

Com a ideia de uma satisfação alucinatória inicial e preferencial e da satisfação propriamente dirigida à realidade como um desdobramento induzido pelo fracasso da satisfação alucinatória, Freud reafirma uma tendência inicial do psiquismo ao solipsismo e à satisfação independente dos objetos e da "realidade" externa.

Contudo, com o trabalho publicado em 1914 sobre o narcisismo, esse mapeamento inicial se complexifica, e abre-se o caminho para uma nova radicalização do descentramento do sujeito (Birman, 1997, pp. 31-33), e para um descentramento do próprio conceito de desejo, à medida que a pulsão passará a assumir uma nova posição.

Nesse texto, a oposição entre as pulsões do eu e as pulsões sexuais (que aparece pela primeira vez nos "Três ensaios para uma teoria da sexualidade", de 1905) reformula-se e dá lugar à ideia de que a mesma energia pulsional ora pode investir o mundo externo, ora o eu (tomando-o então como objeto), sendo que, "quanto mais uma consome, mais a outra se esvazia" (Freud, 1914/2004a, p. 99). Como o próprio Freud coloca, realiza-se assim uma "ampliação necessária" (p. 100) da oposição pulsional anterior.

Além disso, o texto de 1914 descreve de maneira nova o processo de desenvolvimento do eu, não no sentido de desenvolvimento das pulsões do eu, como no texto anteriormente citado (de 1911), mas no sentido da construção do eu como instância psíquica, diretamente ligada à própria individualidade e à construção posterior das escolhas de objeto. Nas palavras de Freud:

É uma suposição necessária a de que uma unidade comparável ao Eu não esteja presente desde o início, e é necessário supor que algo tem de ser acrescentado ao autoerotismo, uma nova ação psíquica, para que se constitua o narcisismo. (1914/2004a, p. 99)

Aqui, o desenvolvimento psíquico será tematizado como processo de construção de um eu separado do mundo, a partir de uma fase autoerótica de indiferenciação eu-mundo, seguida de uma fase em que o eu, recém-conquistado (por uma "ação psíquica", que no mais não é claramente precisada por Freud), é tomado como objeto do desejo e fonte de satisfação. Ou seja, trata-se de um estágio em que o desejo faz um movimento reflexivo e a satisfação tende a manter-se essencialmente alucinatória, já que, em tal condição, denominada de narcisismo primário, o sujeito permanece aprisionado a si, "apaixonado" pela imagem de uma individualidade há pouco conquistada.

A superação dessa condição depende das frustrações que a realidade inevitavelmente impingirá ao narcisismo (à própria impossibilidade de sobrevivência orgânica nesse registro de satisfação), de maneira que, com o desenvolvimento, o eu investido no narcisismo primário terá de ceder seu lugar de objeto de desejo a um ideal de eu, a uma imagem de como e o que o eu deve ser, oriunda das identificações do sujeito com outros "eus" em suas relações. Tal como é explicado por Freud:

O desenvolvimento do eu consiste em um processo de distanciamento do narcisismo primário e produz um intenso anseio de recuperá-lo. Esse distanciamento ocorre por meio de um deslocamento da libido em direção a um ideal-de-Eu que foi imposto a partir de fora, e a satisfação é obtida agora pela realização desse ideal. (1914/2004a, p. 117)

Paralelo a esse processo de desinvestimento de libido desde o eu em direção aos objetos e a um ideal de eu construído a partir deles, desenvolve-se um modo de funcionamento psíquico não mais somente baseado na busca de satisfação imediata do princípio do prazer, mas principalmente baseado na construção de estratégias de satisfação levando-se em conta as condições da realidade externa, o que é propiciado pelo princípio de realidade (Freud, 1911/2004b, p. 66-69; 1923/1992f, p. 18, p. 27 e p. 56; 1930/1992d, pp. 68-69).

Segundo Birman (1997, p. 31), tais ideias a respeito do eu e do inconsciente, introduzidas a partir do texto de 1914, representam uma revolução dentro do pensamento freudiano, à medida que rompem com a filosofia clássica de um eu como sujeito epistêmico autônomo e monádico, a cujo conhecimento os objetos se oferecem através das representações, em direção a uma concepção de eu como constituído pela alteridade, cuja unidade é uma construção trabalhosa e em grande medida imaginária, advinda das relações com os objetos. O sujeito ganha, então, um estatuto de muito maior precariedade, equilibrando-se na instável "dialética fundamental de produção e reprodução do sujeito entre as pulsões e o outro" (Birman, 1997, p. 33).

No entanto, queremos salientar que há uma linha mestra de raciocínio quanto ao "desenvolvimento" do psiquismo que permanece a mesma tanto nas formulações de 1900, como nas de 1911 e 1914, à medida que, nas formulações desses três momentos da metapsicologia, temos a história inicial do psiquismo contada como a passagem de uma etapa de satisfação solipsista para uma satisfação baseada nos objetos (ou no Outro), mas conquistada à revelia do "intenso anseio de recuperar" a etapa inicial. Nos três momentos da obra freudiana que citamos até aqui, vê-se que o que faz o psiquismo sair de si em direção aos objetos é basicamente a insuficiência desses modos de satisfação consigo mesmo em garantir a sobrevivência do organismo (biológico).

 

2. A entrada em cena da pulsão

Vejamos então como essa linha mestra de raciocínio – que nomeamos como o pressuposto de um "psiquismo conservador" – se desdobra a partir dos desenvolvimentos dados ao conceito de pulsão abertos pelo texto de 1914.

Num dos principais textos sobre o tema ("Pulsões e os destinos da pulsão", de 1915), a pulsão é entendida como uma espécie de paralelo intrapsíquico aos estímulos externos, e que, diferentemente destes últimos, não age momentaneamente, mas pressiona o organismo com uma força constante em busca de descarga.

Nesse trabalho, Freud constrói uma definição para a pulsão que procura articular psiquismo e corpo de uma maneira relativamente distinta da que se efetuou em 1900, com a noção de desejo apoiado sobre a necessidade orgânica. Vejamos:

Um conceito limite entre o psíquico e o somático, ... representante psíquico dos estímulos que provêm do interior do corpo e alcançam a psique; e ... medida da exigência de trabalho imposta ao psíquico em consequência de sua relação com o corpo. (Freud, 1915/2004c, p. 148)

Quanto a essa definição geral de pulsão, não encontramos mudanças significativas ao longo da obra de Freud. O que mais gera discussão em relação às pulsões (não só dentro de sua obra, mas entre diferentes autores dentro e fora do campo da psicanálise) se refere, mais propriamente, a quais seriam as pulsões básicas essenciais da vida psíquica. Nesse texto ainda, Freud responde a esta pergunta postulando duas pulsões: pulsões do eu e pulsões sexuais,7 sendo as primeiras, responsáveis pelas ações de autoconservação do indivíduo, tendo um desenvolvimento mais rápido que as pulsões sexuais (como explicado em Freud, 1911/2004b, pp. 68-70), e ligadas mais fortemente ao princípio de realidade e às funções do eu e dos sistemas consciente/pré-consciente (memória, percepção, teste de realidade etc.), enquanto as pulsões sexuais, que se desenvolvem de forma mais lenta, são mais intercambiáveis e estão ligadas às funções reprodutivas (mas não somente, já que há a possibilidade de sublimação e de fixação da pulsão em pontos anteriores de seu desenvolvimento até a sexualidade genital, como discutido nesse mesmo trecho citado, que retoma as discussões trazidas pelos "Três ensaios da teoria sexual", de 1905).

Tal como Freud relata em "O mal-estar na cultura" (1930/1992d, pp. 113-115) esse primeiro dualismo pulsional foi construído como uma forma de dualizar as relações do eu consigo mesmo e com os objetos, dualização que, na época, explicaria o conflito psíquico. A partir de um exame mais detalhado do fenômeno do narcisismo (Freud, 1914/2004a), e do reconhecimento de que o eu pode ser objeto de libido, portanto, da pulsão sexual, essa primeira dualização começa a gerar problemas.

Em "Além do princípio do prazer" (1920/1992c), a partir do exame de diferentes fenômenos em que o psiquismo repete compulsivamente determinados esquemas, Freud postulará a ideia de uma "compulsão à repetição" anterior ao princípio do prazer, enraizada no caráter conservador das pulsões. Nesse texto, as pulsões serão entendidas como essencialmente moções de retorno a um estado já vivido pelo organismo e, portanto, tendo como meta última o retorno ao estado inorgânico.

Com base nessa ideia (que ele fundamenta na biologia da época), Freud postulará um novo dualismo: entre pulsões de vida (aqui ficando agrupadas tanto a pulsão do eu como a pulsão sexual) e pulsões de morte/destruição.

É importante apontar que, apesar de Freud começar a construir esse segundo dualismo pulsional opondo pulsão de morte a princípio do prazer, ao longo do texto (1920/1992c) vai ficando clara a aproximação necessária entre essas duas esferas. A pulsão de morte não deixa de ser uma radicalização máxima do princípio do prazer, à medida que a busca pela completa ausência de tensão ou pulsionalidade no psiquismo, que caracteriza esse princípio, passa a consistir uma busca pelo retorno a um estado inanimado, de anulação de toda a vida, e, portanto, dos inevitáveis desprazeres e perturbações que ela impõe ao psiquismo. Nesse sentido, a pulsão de morte é um tipo de busca pelo prazer tão radical que passa a ser oposta à busca pelos prazeres corriqueiros, substitutivos, que podem se oferecer ao sujeito a partir do momento em que ele adquire o Princípio de Realidade. Temos, então, um sutil paradoxo. Nas palavras de Maria Rita Kehl a esse respeito:

O caminho da satisfação alucinatória imediata é ... recalcado não só porque fracassa enquanto possibilidade de satisfazer o aspecto orgânico da pulsão ..., mas sobretudo por ser um caminho ... que conduz à pior das angústias, à de aniquilamento do sujeito, grau zero do desejo – fantasia primária da fusão com o objeto total e fim das perturbações vitais. ... É a realidade com seus pobres objetos parciais que vai oferecer ao sujeito possibilidades de prazer substitutivas do prazer alucinatório e impedir que o campo do desejo seja inundado pela Pulsão de Morte .... (1990, p. 371)

É importante notar como os desdobramentos da noção de pulsão se relacionam ambiguamente a esse conservadorismo psíquico que pretendemos salientar na obra freudiana. De um lado, temos a pulsão como um símile intrapsíquico da realidade externa, à medida que aquela igualmente perturba a estabilidade do psiquismo, mas de maneira ainda mais radical que esta (já que a pulsão é uma "força constante", diferentemente dos estímulos externos). De outro lado, temos a pulsão como uma nova figura do conhecido afã de retorno a algum estado de completo afastamento das perturbações do mundo.

Com efeito, possivelmente seja essa ambiguidade da pulsão a fonte da reafirmação freudiana do dualismo pulsional, sendo o primeiro aspecto apontado mais propriamente característico das "pulsões de vida", e, o segundo, mais próprio da pulsão de morte.

 

3. O alteritário da pulsão

Em um trabalho a respeito da intersubjetividade na constituição subjetiva, Coelho Jr. e Figueiredo (2004), a partir de uma revisão das matrizes filosóficas que se distanciam "daquele tempo em que a moda filosófico-científica impunha uma segura distância entre eu e não-eu, entre sujeito e objeto" (p. 12), e que colocam o problema da constituição do sujeito como um processo intersubjetivo desde o início, sintetizam quatro figuras da intersubjetividade como "matrizes da alteridade" que comparecem na experiência humana segundo uma lógica da suplementaridade, isto é, cada uma delas, reenviando o sujeito às outras, como busca de suplência aos seus limites ou de controle de seus excessos (p. 24).

As figuras resultantes dessa síntese seriam: 1. a intersubjetividade como "transsubjetiva" (enfatizada nas obras de Scheler, Merleau-Ponty e Heidegger), que se remete a uma matriz de indiferenciação entre sujeito e objeto, eu e mundo e, portanto, à figura da alteridade como o outro indiferenciado ou quase indiferenciado do sujeito; 2. a intersubjetividade interpessoal (enfatizada na obra de George Mead), que faz referência à figura do outro semelhante, a outra pessoa, que apresenta ao sujeito um campo simbólico compartilhado sem o qual a experiência subjetiva não se constitui; 3. a intersubjetividade traumática (enfatizada no pensamento de E. Levinas), que aponta a dimensão do outro na sua alteridade mais radical, "que sempre ultrapassará, por princípio, 'a nossa possibilidade de recepção, acolhimento e compreensão" (Figueiredo, 2003, citado por Coelho Jr. e Figueiredo, 2004, p. 20); 4. a intersubjetividade intrapsíquica, que nos remete ao âmbito dos outros internalizados, campo da "experiência intersubjetivada em que a presença de objetos (no caso, outros sujeitos ou ao menos parte deles) não precisa se dar efetivamente na realidade externa para que tenha efeito e produza consequências em termos psíquicos" (Figueiredo, 2004, p. 23).

Pretendemos seguir nossa discussão privilegiando a noção de alteridade que comparece na matriz da intersubjetividade traumática, já que nos parece a noção que mais radicalmente faz referência à experiência de estranhamento e das possibilidades de transformação e descentramento mais radicais do sujeito – ainda que tais transformações, como discutem Coelho Jr. e Figueiredo, não sejam possíveis sem o aporte constante e a experiência baseada nas outras três figuras da intersubjetividade.

O que pretendemos mostrar aqui é que mesmo se nos ativermos exclusivamente à teorização freudiana quanto ao desejo e à pulsão,8 a alteridade pode aparecer de maneira mais ou menos radical, dependendo dos compromissos éticos e epistemológicos (explícitos ou não) que embasam determinados textos e desenvolvimentos teóricos e clínicos (de Freud e de seus leitores), ora reafirmando a manutenção da fixidez e centralidade de um ego, ora, de outro lado, abrindo espaço para o estranho e disruptivo.

Se acompanharmos a maneira como Freud concebe a origem do desejo em "A interpretação dos sonhos" (1900/1992b), veremos que toda sua investigação parte do ponto básico da busca do sujeito por revogar a separação irretornável entre si e os objetos primários de satisfação (dos quais os objetos posteriores seriam parcos substitutivos parciais). Nas palavras de Renato Mezan (1982) a esse respeito:

O desejo freudiano é desejo de abolir a divisão, o que o assinala como horizonte do impossível: pois o objeto que o aplacaria já foi perdido, e a repetição não é mais do que sua busca desesperada. Tal busca, contudo, é dominada por duas determinações antagônicas. Por um lado, o desejo é singularizado pela fantasia: não é qualquer objeto que lhe convém, mas somente aqueles que se coadunam com suas exigências imaginárias, articuladas segundo os vestígios do passado. Por outro lado, a realidade inexorável lhe proíbe o acesso ao Objeto por excelência, o primeiro e mais fundamental de todos: a Mãe. (p. 340)

O eu, de todos os lados, carrega uma nostalgia do que não é (mas teria sido): por um lado, da identidade para com o objeto de satisfação (Freud, 1930/1992d, pp. 68-69; 1900/1992b, pp. 557-559), e, por outro, de seu lugar perdido de objeto da libido ou de coincidente com o que será mais tarde (só) um ideal.

No entanto, é a todo tempo a presença da pulsão – como uma espécie de alteridade vinda de dentro – que, tanto quanto a alteridade representada pela realidade externa (naquilo que, nos objetos, falha, falta, se diferencia), perturba radicalmente o sujeito, tirandoo de si, à medida que o faz atravessado por uma alteridade dele próprio, oriunda da corporeidade em que está enraizado, querendo ou não.

Assim, é também a pulsão que obriga o sujeito a sair de si e criar, e que lhe permite relacionar-se com a realidade. No entanto, isso nunca trouxe a Freud a necessidade de formular que a relação com os objetos fosse uma motivação intrínseca e primária do psiquismo. Muito pelo contrário, Freud sempre aponta como e quanto os objetos e a realidade perturbam a frágil coerência do eu, e mesmo o desejo, que poderia ser pensado como o grande vetor de saída de si, é limitado por seu caráter de vetor que aponta para o já vivido. Haveria um vetor intrínseco ao sujeito, apontando para a direção oposta?

Em Freud, o que obriga o sujeito a sair de sua fixidez e reconstruir-se continuamente são perturbações inevitáveis, mas que acontecem à sua revelia. De onde viriam tais perturbações? Da realidade (ou dos objetos, se assim preferirmos), de um lado, (intersubjetivo) e da pulsão, de outro, (intrapsíquico).

Nas palavras de Birman (1997):

... A força pulsional não é absorvida totalmente pelo universo da representação, mas demanda do outro um trabalho de interpretação incessante, infinito e interminável. Com isso, o sujeito como destino é sempre um projeto inacabado, se produzindo de maneira interminável, se apresentando sempre como uma finitude face aos seus impasses, confrontado ao que lhe falta e ao que não é. Nessa figuração, seria a pulsão que desordenaria as formas estabelecidas de representação e de subjetivação, já que o mundo instituído de objetos de satisfação e de representações fica sempre aquém das exigências pulsionais. (p. 37)

E de Green (2000):

O que é essencial na teoria das pulsões é não somente que ela nos permite representar uma psique primitiva, dependente das necessidades que se elevam do corpo (ancorado no somático, ainda que já psíquico), mas, sobretudo, que ela serve para defender a ideia de que a psique é feita de forças capazes de evolução, mas ainda mantendo uma maior ou menor porção irredutível do seu estado original. ... Muito mais do que o inconsciente, é isso que fere nossa humanidade mais profundamente. O inconsciente subordina a soberania do ego, mas a pulsão mantém a mente sob suas mãos, particularmente à medida que não é somente por esse nível profundo que estamos restringidos, mas também por todas as formações posteriores em que o inconsciente colaborou, onde podem-se encontrar aqueles aspectos considerados os mais primitivos disfarçados pelas explicações de um tipo abertamente psicológico. (p. 28)

Portanto, mais do que o conceito de desejo – que (ao menos nos momentos da obra em que adquire maior centralidade, como na metapsicologia de 1900) parece-me bastante aprisionado a essa figura da vontade de reencontro, de retorno, e, portanto, de produção do mesmo ou de uma derivação dele –, é o conceito de pulsão que nos figura a presença inexorável de uma alteridade constitutiva e constituinte, remetendo-nos à alteridade radical da própria corporeidade, sempre mais além das representações (mais além, inclusive, da corporeidade já domesticada pelas representações anatômicas de uma biologia mecanicista preocupada exclusivamente com a manutenção do organismo ou da espécie), sempre perturbadora da ordem egoica e da fixidez das imagens de si, sempre em alguma medida incomunicável e incompreensível (no sentido etimológico da palavra) até para o próprio sujeito.

Sendo assim, parece-me que o mais interessante na presença da pulsão dentro da metapsicologia freudiana é o fato de que é principalmente ela que sustenta o radicalismo do descentramento freudiano do sujeito e a impossibilidade de a psicanálise, mesmo nos seus momentos de maior confiança no fortalecimento do ego, torne-se um racionalismo renovado e/ou uma clínica da produção de identidade.

Por outro lado, ponho-me de acordo com Jurandir Freire Costa (2005, p. 25-52) em sua crítica ao conceito de pulsão no que ele carrega de reafirmação de uma suposta primazia do sexual por sobre todos os demais aspectos da experiência humana e no fato de que sua definição como "um limite entre psíquico e somático" pressupõe um dualismo entre psiquismo e corpo que a própria psicanálise pretendia ter superado. No entanto, e ainda que os autores pós-freudianos tenham encontrado outras maneiras de figurar fora do conceito de pulsão esse aspecto alteritário que estou pretendendo destacar aqui, em Freud é este o conceito que passa a garantir a tematização de uma alteridade radical dentro do próprio sujeito, mas que excede a trama representacional e a repetição de imagos recalcadas ou de desejos que se referem a experiências já completamente vividas e às quais se busca retornar.

Nesse sentido, considero importante salientar o perigo a que podem estar sujeitas as teorizações psicanalíticas – tanto as que enfatizam o intrapsíquico quanto aquelas que enfatizam o intersubjetivo – de se prenderem à ideia de que a alteridade aparece sempre à revelia de um conservadorismo psíquico, não reconhecendo-a como constitutiva de qualquer possibilidade de um psiquismo enraizado no corpo e no mundo.

 

4. Algumas implicações clínicas

Em um trabalho que discute o problema da alteridade na obra freudiana, Jacqueline Moreira (2003) afirma que "à luz da categoria de 'Alteridade', a psicanálise – enquanto saber que toma como objeto o 'inconsciente' – pode ser interpretada como instauração de um novo campo discursivo que escapa à lógica identitária que em geral preside a constituição da racionalidade científica" (p. 253), para em seguida nos trazer o seguinte entendimento do processo transferencial: "[na análise, sob os efeitos da transferência,] o cliente se relaciona com o analista depositando nele suas imagos e desejos inconscientes; não vê a pessoa do analista, pois é prisioneiro da transferência. No processo psicanalítico, o outro participa nos processos transferenciais como migrações clandestinas dos desejos inconscientes" (Moreira, p. 260).

Considero que entendermos o processo psicanalítico unicamente sob essa chave da repetição de desejos inconscientes sobre a figura do analista, que então pode trabalhar desde aí já que sua pessoalidade "objetiva" fica anulada pela própria dinâmica da transferência, empurra a psicanálise de volta para a tal "lógica identitária" da qual pretendíamos nos ter afastado. Isso porque o entendimento dos fenômenos clinicamente identificados como "transferência" a partir de um raciocínio do tipo "isso que está acontecendo não é comigo, pois, na verdade, o paciente está atualizando sua relação com as imagos parentais" (ou com seus objetos internos, como queiramos), pressupõe um entendimento do psiquismo (tal como manifesto na experiência analítica) como orientado unicamente pela busca do reencontro com as marcas de uma suposta satisfação originária e, portanto, orientado de certo modo sempre pela produção do mesmo.

Talvez os impasses e armadilhas da análise freudiana ortodoxa diante das resistências da pulsão à sua apropriação pelo ego, tão bem descritos em "Análise terminável e interminável" (Freud, 1937/1992a) sejam oriundos também, dentre outras coisas, da ausência de uma conceituação que abra espaço para pensarmos como fundamental à subjetividade a existência de um aspecto radicalmente alteritário da pulsão, quer dizer, de um impulso, intrínseco ao psiquismo, que lhe introduz constantemente a presença do diferente, do estranho.

O outro, nesse modo de pensar, não necessariamente aparece apenas como uma alteridade inevitável que entra em cena à revelia do conservadorismo psíquico tão bem conceituado por Freud (tal como discutimos até aqui), mas também como, até certo ponto, buscado justamente por aquilo que ele tem de outro, de diferente dos objetos primários, das imagos parentais, dos objetos míticos da vivência de satisfação etc.

O estranho/ominoso aqui não é só atraente por uma espécie de ligação metafórica ou metonímica com o desejo recalcado, mas por ser também diferente de tudo o que possa estar já constituído no psiquismo como representação, memória, ou objeto interno, justamente por ser uma alteridade radical e, como tal, necessária e buscada também pelo psiquismo, se o entendermos como uma instância não só conservadora, mas que também anseia pelo diferente e nunca visto ou vivido como espaço para a criação.

Nesse sentido, poderíamos reconhecer a inevitável entrada da pessoalidade do analista no processo analítico, não sob a marca das "gratificações narcísicas ofertadas pelo cliente através da lógica de um outro transferencial" (Moreira, 2003, p. 260), mas a serviço da recusa de uma tentativa de "domínio sobre a pulsão", e sua admissão "em sua totalidade dentro da harmonia do eu" (Freud, 1937/1992a, pp. 227-228), em direção a um horizonte de reafirmação do descentramento subjetivo que mantenha aberto o espaço para a transformação criativa e para a tolerância daquilo que dentro do próprio sujeito escapa à sua coerência imaginária ou representacional, mesmo que o trabalho nessa direção também se dê naturalmente a partir das necessárias figuras da alteridade ligadas à semelhança e à quase indiferenciação.

 

Referências

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Endereço para correspondência

Pedro Rodrigo Peñuela Sanches
[Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo USP]
Av. Prof. Mello Moraes, 1721
05508-030. São Paulo, SP
e-mail: pedro.penuela@ig.com.br

 

[Recebido em 28.7.2010, aceito em 3.9.2010]

 

 

1 Este trabalho se deve em grande parte à pesquisa de Iniciação Científica que realizei com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), no ano de 2006, orientado pelo Prof. Dr. Gilberto Safra (IP-USP).
2 Psicólogo pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; mestrando no Departamento de Psicologia Clínica do IP-USP, sob orientação do Prof. Dr. Gilberto Safra.
3 Todas as citações deste trabalho, quando tiradas de fontes em espanhol, são traduções livres.
4 Tal "vivência de satisfação" terá desdobramentos ao longo dos desenvolvimentos da obra freudiana: se em 1900 ela se refere a um momento na (pré-)história do indivíduo, mais tarde (1920/1992c), será equiparada à própria morte, na medida em que representa a desejada ausência total de tensão ou estimulação, que, em grau menos radical, equivale ao próprio prazer.
5 No próprio "Projeto...", de 1895, ligada à distinção entre energia livre e energia ligada (cf. Kaufmann, 1996, pp. 436-437).
6 Marie Cariou tece uma discussão importante a esse respeito, associando a conceituação do princípio do prazer ao desenvolvimento moderno do princípio da inércia (fruto de um distanciamento da Física moderna das noções aristotélicas). O princípio do prazer representaria para o funcionamento do psiquismo, o que o princípio da inércia representa para a mecânica dos corpos físicos em geral (Cf. Cariou, 1978, caps. 1 e 2).
7 O termo pulsão, e o dualismo pulsional aqui referido, de acordo com os prefácios de J. Strachey e L. Hanns a esse texto, remontam a obras anteriores a ele (o termo em si, segundo Strachey, só aparece, sob a forma de "pulsão sexual", nos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade" (1905/1992e), mas as ideias que o embasam já estariam presentes no próprio "Projeto para uma psicologia científica" (escrito em 1895).
8 Portanto, num plano tradicionalmente identificado com o âmbito propriamente intrapsíquico, já que a pulsão, como discute André Green (2000), tem sido mais fortemente enfatizada pelas tradições intrapsíquicas de teorização psicanalítica, sendo posta em segundo plano pelas tradições que enfatizam o plano intersubjetivo e as relações de objeto.