SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.45 issue1Entrevista com Arrigo Barnabé author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.45 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2011

 

EDITORIAL

 

Editorial

 

 

Bernardo Tanis

Editor

 

 

A franca e generosa entrevista concedida para a Revista Brasileira de Psicanálise por Arrigo Barnabé, compositor, ligado ao surgimento da vanguarda paulista nos anos 1980, é uma estimulante porta de entrada ao nosso tema, Sublimação. Vem acompanhada pelos ricos comentários de José Ottoni Outeiral e Sandra Gonzaga e Silva, analistas atentos ao lugar dos processos criativos e sublimatórios no contexto analítico e cultural.

O tema do destino sublimatório da pulsão é retomado há anos por analistas nos trabalhos que aludem à natureza do processo criativo, enquanto a reflexão clínica parece privilegiar os processos de simbolização e pensamento sem uma preocupação em articulá-los com a sublimação. Talvez a dificuldade em tecer uma rede conceitual que articule a teoria pulsional com a das relações de objeto (com algumas exceções como, por exemplo, o notável esforço de André Green) tenha sido responsável pela negligência desta noção que oferece a possibilidade ímpar de um aprofundamento em torno dos objetivos do processo analítico e do trabalho da cultura.

Estaríamos, por efeito de uma certa dissociação entre clínica e cultura, perdendo uma noção central para Freud, retomada em diferentes momentos de sua obra? Caberia a indagação clínica e metapsicológica em torno do lugar da sublimação nos processos de transformação e mudança psíquica? O humor e a transgressão dos artistas, já nos sinalizara Freud, aparecem como artimanhas que visam driblar o recalque, permitindo o contato com certos conteúdos geradores de angústia. Que relação guardariam com a sublimação e qual seu lugar na nossa clínica? Os textos que ora apresentamos não procuram oferecer respostas, mas algumas pistas para este conjunto de indagações.

Sophie Mijolla-Mellor em "A sublimação e o prazer do pensamento" (especialmente redigido para a Revista Brasileira de Psicanálise) assinala o "caráter insuficiente de uma definição de sublimação que se limitaria a uma dessexualização do objetivo e a uma valorização social do objeto". O texto percorre os temas do pensamento, dos ideais, do luto e da paixão assim como do humor, resgatando a sublimação como processo central no movimento criativo e reconstrutivo das instâncias ideais constituintes do aparelho psíquico. Instigante e provocadora abertura que nos convida à leitura e a prosseguir com as indagações nos trabalhos seguintes.

Ana Maria Lofredo nos oferece uma minuciosa e comentada análise do conceito na obra de Freud, condição que nos habilita a mergulhar nas aporias inerentes a este conceito que serão abordadas por Nelson da Silva Junior e Jean-Luc Gaspard em "A iatrogênese da sublimação em três tempos da cultura". Contraponto às visões idealizadas da sublimação, a força da argumentação dos autores encontra embasamento na Segunda Tópica freudiana. Partem do efeito potencializador da sublimação na defusão pulsional, temática que será desdobrada no impacto da pulsão de morte e sua relação com o masoquismo moral e o masoquismo erógeno, este último característico para os autores da cultura ocidental atual. A densidade metapsicológica destes artigos resulta em ferramentas de análise para os cenários apresentados nos trabalhos que os sucedem.

"Minha obra não conta nem narra acontecimentos. Não relata uma história, não é narrativa nostálgica de acontecimentos passados. Ela assinala a ausência do vivido" (Salcedo, 2009).1 Assim, comenta seu trabalho, a artista plástica Doris Salcedo, cuja obra Shibboleth serve de estímulo para o texto de Alejandro Rojas et al. A dimensão concreta do esgarçamento e do traumático individual e social encontra uma forma na sua arte que demanda um trabalho do observador. Proposição que interroga, convoca e demanda um trabalho psíquico em torno do negativo, da ausência e da ruptura.

As palavras de Salcedo servem de epígrafe não apenas para o trabalho de Alejandro Rojas et al., mas também para as produções de Aida Ungier e Silvana Rea que procuram, por meio do diálogo entre modelos de apreensão do objeto estético e modelos clínicos, aprofundar a indagação do processo sublimatório como fundamento do diálogo e comunicação com o outro e consigo mesmo, condição que converge no laço social base da cultura. Metapsicologia, clínica e cultura, matriz do pensamento freudiano, encontram-se articuladas na singularidade criativa e reflexiva do conjunto caleidoscópico que estes trabalhos constituem.

O texto de Rodolfo Coelho de Souza, professor livre docente de Teoria Musical e Composição, vem coroar este conjunto ao propor uma correlação entre a linguagem musical e o processo de formação do sonho, tomando como elemento mediador a teoria semiótica de Peirce. Trata-se de um trabalho que alia conhecimento e heurística construindo uma hipótese que revela os elementos que condicionam a sublimação em termos freudianos.

Integram este número artigos não temáticos de Alda Regina Dorneles de Oliveira et al., Luis Cláudio Figueiredo, Sérgio Bacci Machado, Iara Spada Bondioli de Souza Noto e Maria Lúcia Ferrão de Sousa Campos que focalizam, com criatividade clínica e consistente reflexão teórica, importantes aspectos presentes na clínica contemporânea.

Por último um destaque especial ao trabalho de Intercâmbio "Ampliar os limites da interpretação em uma clínica aberta para o real", de autoria de Silvia Bleichmar, psicanalista argentina falecida em 2007 a quem a Revista Brasileira de Psicanálise presta homenagem. Aliando rigor conceitual e sensibilidade clínica, esta autora dedicou sua extensa obra à clínica psicanalítica com crianças e à reflexão em torno dos fundamentos que a balizam. Sem receio de enfrentar a contrastante diversidade de propostas vigentes, buscou a partir da clínica construir modelos que podem fazer avançar o tratamento de graves distúrbios na infância. Este trabalho, no qual propõe a noção de "simbolizações de transição", dialoga com as mais atuais propostas no campo da clínica na qual prevalece a ausência de simbolização, campo explorado por Bion, Winnicott, Botella, Roussillon e tantos outros.

Inauguramos assim nosso volume deste ano com a expectativa renovada de oferecer aos nossos leitores uma publicação que desperte a curiosidade e o prazer da leitura em torno a temas de instigante atualidade no campo psicanalítico.

 

 

1 Salcedo (2009). Conferência Universidade Jorge Tadeo Lozano, citado neste número no texto "Shibboleth de Doris Salcedo: reflexões sobre a representação do negativo

Creative Commons License