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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.45 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2011

 

ARTIGOS TEMÁTICOS
SUBLIMAÇÃO

 

Sublimação e prazer do pensamento1

 

Sublimation and pleasure of thought

 

La sublimación y el placer del pensamiento

 

 

Sophie de Mijolla-Mellor; Tradução de Beatriz Helena Peres Stucchi

Psicanalista, docente da Université Paris 7 – Denis Diderot, diretora da Escola Doutoral “Pesquisas e Psicanálise” e editora da revista Topique – Revue Freudienne

Correspondência

 

 


RESUMO

Na psicanálise, a noção de sublimação ocupa uma posição paradoxal: do ponto de vista meta-psicológico ela nunca foi totalmente definida por Freud, no entanto ela é indispensável ao edifício teórico tanto do ponto de vista individual como coletivo pois supostamente ela demonstra o investimento libidinal de metas e objetos que não são originários das pulsões. Seu lugar é tão importante quanto o do recalque dado que ela constitui tanto na idade adulta a saída positiva em oposição à neurose, como na infância a alternativa precoce e criativa. Muito discutida do tempo de Freud até hoje, essa noção não conheceu modificações profundas apesar das contribuições sucessivas que puseram em questão certos aspectos ou acrescentaram outros. Mais do que uma noção, é de um conceito organizador que se trata, do mesmo nível que o conceito de Pulsão, em torno do qual gravitam os questionamentos sobre os sentimentos de ternura e de amizade, os laços sociais, a atividade profissional, as realizações artísticas, literárias, científicas, esportivas etc., e o prazer que adultos e crianças sentem ao encarar os enigmas e tentar resolvê-los, o prazer do pensamento. A autora se esforçou para resumir neste texto suas contribuições para pensar essa noção.

Palavras-chave: prazer do pensamento; artimanhas da civilização; mito mágico-sexual; necessidade de saber; trabalho do humor; verdade instinto de dominação.


ABSTRACT

The notion of sublimation in psychoanalysis occupies a paradoxical position: never having been completely defined by Freud from a metapsychological point of view, it is nonetheless indispensable to the theoretical premise, from an individual point of view as well as a collective one, as it supposedly explains the libidinal investment in goals and objectives which are not original to the drives. It holds the same importance as repression, because it constitutes either the positive outlet in adult life in opposition to neurosis, or the precocious and creative alternative in childhood. Much discussed from Freud's days to ours, the idea of sublimation has not undergone great modifications, in spite of successive contributions which dealt with certain aspects of it, and added others. More than a notion, it is of an organizational concept which is at the same level as the concept of drive, around which gravitate the ponderings about feelings of fondness and friendship, social ties, professional activity, as well as artistic, literary, scientific, and sports-related achievements, not to mention the pleasure felt by adults and children alike when they face conundrums and try to solve them, and also the pleasure of thought. The author strives to summarize the contributions proposed to brainstorm this notion.

Keywords: pleasure of thought; artifices of civilization; sexual-magical myth; knowledge necessity; mood work; truth; domination drive.


RESUMEN

La noción de sublimación en el psicoanálisis ocupa una posición paradójico: nunca totalmente definida por Freud del punto de vista meta-psicológico, y mientras tanto indispensable para el edificio teórico tanto desde el punto de vista individual como colectivo porque supuestamente da cuenta de la inversión libidinal y objetos que no son originarios de las pulsiones. Su lugar es tan importante como aquel del recalque pues ella constituye la salida positiva la edad adulta en oposición a la neurosis, siendo en la infancia la alternativa precoz y creativa. Muy discutida desde los tiempos de Freud hasta hoy, esta noción no ha tenido modificaciones profundas a pesar de las sucesivas contribuciones que cuestionaron ciertos aspectos y acrecentaron otros. Más que una noción, se trata de un concepto organizador, del mismo nivel que el concepto de Unidad, en torno al cual gravitan los cuestionamientos sobre los sentimientos de ternura y amistad, los lazos sociales, la actividad profesional, las realizaciones artísticas, literarias, científicas, deportivas, etc., y el placer que adultos y niños sienten al encarar los enigmas e intentar resolverlos, el placer del pensamiento. La autora se esfuerza para resumir las contribuciones que propone para pensar en esa noción.

Palabras clave: placer del pensamiento; artificios de la civilización; mito mágico-sexual; necesidad de saber; trabajo del humor; verdad; instinto de dominación.


 

 

A sublimação é o processo com o qual nós contamos para transformar uma parte de nossas pulsões sexuais em laço social, ternura, obras culturais e prazer ligado ao pensar científico, artístico ou técnico. O "prazer de pensamento" constitui por sua parte o que se chama em retórica um "oxymoron", ou seja, a associação de dois termos antinômicos como fez Corneille ao falar da "obscura clareza que cai das estrelas" ou Rainier Maria Rilke com o "sol negro da melancolia". Então, "Oxymoron" como o pensamento é habitualmente descrito e vivido, um esforço e mesmo um mal-estar se opondo à liberdade da fantasia e do sonho. A ideia pertencerá ao domínio do Secundário, com o constrangimento lógico que lhe é próprio, sucedendo ao Primário que esse, só conhece representações vindas diretamente do desejo.

De fato, os intelectuais de todos os tempos conjugaram o lamento do sacrifício de suas paixões e de sua juventude sobre o altar da deusa Razão, grande consumidora da energia pulsional dita sublimada. As páginas dos livros guardam, como herbários, a memória desses rostos debruçados que se "apergaminham" ao longo dos anos. No máximo um traço na margem sinaliza que ali talvez houvesse, anteriormente, afeto. E se verdadeiramente "isso" lhes dava prazer?

Reconhecemos a satisfação de uma descoberta e mesmo um triunfo, mas isso porque ela põe fim à concentração penosa que a precedeu ao labor intelectual e não à atividade abundante de um pensamento vivo. Por que Freud acreditou necessário considerar essas satisfações intelectuais como bem inferiores à "satisfação dos desejos grosseiros e primários" ou mesmo como perigosas, pois distanciando da vida e da ação, propiciam o definhamento do corpo e o envenenamento da boa saúde pulsional? É verdade que dificilmente um intelectual não exprimiria sua simpatia a um Freud se lamentando à Fliess em pleno mês de agosto: "A psicologia é realmente um pesado fardo. Jogar boliche e colher cogumelos são certamente passatempos mais saudáveis." (carta de 16 de agosto de 1895). Mas não podemos imaginar exatamente o contrário, a raiva de Freud, obrigado por suas resoluções a abandonar as delícias da exaltação criativa do "Esboço" pela junção dos criptogramas ou ser obrigado a participar de uma feliz partida de boliche quando ele estava em contemplação, durante horas, frente ao "Moisés de Michelangelo"!

Além do mais, todas as formas de pensamento não são consideradas sob a mesma insígnia frente ao prazer que elas são suscetíveis de provocar. Reconheceremos mais facilmente o pensamento astuto, aquele que enfrenta os problemas pontuais mesmo que eles sejam árduos e sábios, do que o pensamento que se aprofunda e por fim se atola nos enigmas da metafísica. Pois se é tão doloroso e perigoso não conseguir resolver os enigmas, é porque eles nos envolvem numa negociação enganosa na qual a resposta à questão poderia permitir escapar da morte, ao menos por um tempo. Lembremo-nos da questão posta pela Esfinge a Édipo sobre o homem, seu nascimento, sua vida e seu fim: todos que o haviam precedido foram devorados porque não puderam respondê-la!

Concebe-se nessas condições que a reflexão, de bom grado, alimenta-se da contemplação de uma caveira e que a carne se entristece. O que eu tentei mostrar pelo contrário, é que o prazer de pensamento, ele próprio, se esculpe contra a atração auto-hipnótica da meditação sob um fundo de morte. É um prazer de teórico com seu erotismo próprio, dando a mão às infinitas questões da infância e à fantasmatização que acompanha toda especulação intelectual. Venhamos a elas.

 

A "necessidade de saber"

Ela atravessa a criança desde que começa a se questionar sobre o que a circunda, quando o mundo para de parecer evidente. Ela começa a se dizer que as coisas são como são, mas que poderiam ser de outra maneira, que elas podem ter sido de outra maneira antes e que poderão ser depois. Mas essa meditação é tudo, menos um trabalho desgastante. A criança normal, não inibida, de três anos e mesmo menor interroga e se interroga sobre tudo e, sobretudo, inventa respostas à sua maneira.

Por que todas essas perguntas e por que a criança não pode ficar sem elas? Freud, em "Três ensaios sobre a teoria sexual" (1905), nos ensinou, de modo especial, que a criança torna-se um teórico em matéria de sexualidade logo que começa a temer a chegada de um irmão menor que lhe raptaria todo ou parte do amor parental. Segundo ele, não há nenhuma "necessidade inata de causalidade" que nos impele a pensar, mas uma "necessidade prática" ligada à autoconservação que nos conduz a rejeitar o estrangeiro para continuar dono do espaço. A criança se interrogará, então, sobre a concepção e o nascimento para tentar dominar os processos que conduzem os pais a multiplicar os bebês no lugar de se contentar com aqueles que eles já têm.

Pareceu-me que essa abordagem freudiana necessitava de uma complementação e é o que fiz no meu livro Le besoin de savoir (Mijolla-Mellor, 2002 ) a partir da constatação da ausência em Freud de uma referência à interrogação da criança sobre a morte, indissociável, daquela que concerne à vida e sua origem. Ausência ainda mais surpreendente, uma vez que a interrogação sobre a morte é dada por Freud como origem da atividade reflexiva, mas somente quando se trata do primitivo em "Totem e tabu" (1915/1992).

No mesmo movimento, mas de outra forma, interroguei o caráter típico das teorias sexuais tal como Freud as descreve, onde, mesmo que sejam explicáveis a partir do modo como a criança percebe seu corpo e o corpo dos adultos, ele deixa de lado toda variedade de expressões teóricas singulares relativas às experiências vividas, a seus significantes e mais genericamente o lugar da linguagem para a criança. A noção que proponho: os "mitos mágico-sexuais", ou seja, essas invenções que a criança produz para tentar disfarçar a falta de compreensão que a angustiaria e inibiria, parte do questionamento da teoria freudiana e de outro lado se apoia sobre o que considero a origem de todo pensamento que nasce do desmoronamento do solo da evidência, quando esse transtorno pode ser objeto de um domínio erotizado, esse que os filósofos designaram como "o surpreendente".

Daí a necessidade de não relacionar as teorias sexuais infantis somente ao nascimento de um irmão menor, mas também a todas as ocorrências onde a criança toma consciência da não-evidência do laço de amor que a prende a seus pais e do qual ela tira sua identidade. Certamente, o nascimento de um outro vai oferecer à criança uma formulação para a questão que lhe concerne: "Onde é que ele estava, este que não estava aqui antes e que eu desejaria reenviar para o local de onde veio?", e genericamente: "Onde estava eu quando não estava aqui? e "Onde estarei quando não estiver mais aqui"?". Questão que a morte de um avô em geral apresenta com muito mais intensidade para a criança do que percebe o entorno que, ao ligar envelhecimento e morte, pode acreditar ter reassegurado a criança e momentaneamente fechado seu questionamento. A representação de não ter sempre existido e de não ter segurança de sempre existir, junto à descoberta da não evidência do laço de amor cria para a criança um equivalente da castração no domínio da identidade, esta identificação primária da qual fala Piera Aulagnier.

É aqui que, em minha opinião, é preciso ver o ponto de partida de uma necessidade de causalidade para recuperar o sentido que se desmoronou. Diversas situações podem estar na origem dessa perda de evidência e entre elas, aquela que é chamada como "cena primitiva" ou "cena originária" ocupa o lugar principal. Muito antes de ser interpretada em termos de coito anal ou de agressão sádica do pai no que concerne à mãe, esta cena é objeto de uma representação inquietante onde o familiar dos pais é tanto reconhecido como negado e onde a criança percebe que ela é tanto concernida como excluída.

Implicada, pois o que a criança percebe, então, desperta nela os traços mnêmicos de suas próprias experiências sexuais, mas essas aqui vão muito além do que ela pode controlar pela representação e compreender. Excluída, pois para a criança a cena primitiva, além de revelar uma face oculta e estrangeira dos pais, não a reenvia mais à referência narcísica que ela costumava esperar deles, mas a deixa apenas frente a experiências intensas e desconhecidas.

Essa vivência terá seu ressurgimento especialmente nas experiências de inquietante estranheza, mas ela será, em outras situações de desamparo, o ponto de partida de uma necessidade de causalidade que ainda não chamarei de teorizante. De fato, desde que nada torne a angústia intransponível a ponto de que a única solução possível venha a ser a inibição do pensamento sob todas as formas, o primeiro ato do procedimento da criança consiste em passar do desamparo à constituição de um enigma.

Este poderá se resumir ao saber, no sentido da "sensação intelectual", que ali há algo de capital, de vital, que não se sabe, que seria delicioso saber, mesmo que isso possa ser também proibido ou perigoso. A última etapa é aquela que passará da constituição do enigma para as tentativas de respostas pela construção do que designei como os mitos mágicos sexuais.

 

Os mitos mágicos sexuais

Por que falar de mitos? Retomo aqui a definição do mito de Ernst Cassirer como "uma maneira primitiva de organizar o mundo que não vale tanto pela natureza de seu conteúdo, mas pela intensidade com a qual esse conteúdo é vivido e uma vez que se consinta em dar-lhe o mesmo titulo que qualquer objeto existente efetivamente" (Cassirer, 1977, p. 20). Explicitei esta noção de mito mágico-sexual apoiando-a tanto sobre a sexualização do pensamento como sobre a ilimitada potência das palavras para a criança, mas especifico que o mito não se confunde com a teoria nesse contexto, porque a teoria quer ela seja infantil ou adulta, tem uma forma hipotético-dedutiva, ao contrário do mito que é uma narrativa que não pode ser verificada, pois ele trata da origem.

A particularidade do mito nesse caso é de se aproximar muito da sutura que se abriu no desmoronamento do solo da evidência: "Aqui, há...", o mito retoma a anterioridade, mas depois da ruptura e do desamparo que se seguiu: "Era uma vez, havia."

O que entendo por "mito sexual", são as intuições tendo valor de certeza, fora de todo método teórico. Esses mitos se expressam não na forma hipotético-dedutiva própria da teoria, mas de forma quase oracular, com palavras mágico-sexuais misteriosas. Entretanto as representações mais organizadas que possam surgir, logo que confrontadas com o ressurgimento do enigma, cuja resolução ainda precisa ser efetuada, apenas restituem imperfeitamente esses clarões de certeza.

Falando de mito, ao qual ele atribui um valor transcendente às representações sempre insuficientes para lhe expressar, Cassirer escreveu: "A coisa e a significação se confundem na indiferença e se desenvolveram de acordo com uma unidade imediata, nascida do mundo da sensação passiva" (Cassirer, 1977, p. 53). Essa "sensação passiva" se aproxima ao que chamei "o paraíso perdido da evidência", aquele mesmo que se trincou logo que a criança encontrou simultaneamente a estranheza e a interrogação "quem sou eu?", nas experiências de desamparo que anteriormente evoquei.

Os mitos mágico-sexuais são base para outras formações com as quais não se confundem. Essas formações são precisamente o que nós chamamos de pensamento. Meu objetivo ao descrevê-las é estabelecer um laço entre a atividade fantasmática do Primário e a atividade ideacional do Secundário. Dessa forma, compreendemos melhor porque não há lugar para estabelecer essa ruptura entre o prazer da fantasia e o trabalho da ideia, pois o segundo procede do primeiro e se entrelaça de maneira indissociável, mesmo e talvez, sobretudo, quando se trata de um pensamento totalmente teórico como aqueles dos matemáticos ou da filosofia.

Como diz Freud, longe de considerar que essas teorias sexuais infantis chegam regularmente a um deprimente "fracasso", base de futuras inibições, considero ao contrário que sua infinita retomada está ligada ao fato de que elas nunca chegam a exceder a experiência desse breve retorno à evidência original que oferece o mito mágico-sexual. De onde o desejo de reiterar essa busca cujo objeto, promessa de prazer, só pode ser rapidamente entrevisto. É o movimento que determina o que descrevi como "prazer de pensamento".

O prazer é um só, seja ele concernente à mente ou ao sensorial do corpo sensorial. A ideia de Freud, comumente admitida, que se faz da sublimação seria de que é necessário alimentar o primeiro com o sacrifício do segundo. Mas por que a ideia de ter que escolher? A mais comum das depreciações não é somente o que separa a ternura da sensualidade, mas também o que se esforça por opor com desconfiança o prazer da atividade do espírito, suposto tão delicado e elevado quanto fortemente limitado, a esses prazeres, que "sem pensar muito chamamos de físicos", recuperando a bela expressão da romancista francesa Colette. Como de fato essa gestão parcimoniosa da economia libidinal, que faz pensar "às custas" do sexual poderia dar conta do atrativo do enigma ou da alegria de uma compreensão que se esboça ou deslumbra, se impõe ao espírito?

 

Mas o que é a sublimação?

De acordo com suas origens latinas, sublimação designa essencialmente um movimento de elevação (sub aqui posto no sentido de "superior" análogo a super e não como "sub" sentido oposto também possível) acima da "lama" (limus) ou que implica a passagem por um limiar ou de um "limite" (limen ou limes). Os alquimistas da Idade Média confirmarão esse uso fazendo da sublimação uma operação que consiste em permitir sem passagem pelo estado líquido o retorno ao estado sólido de um corpo volatilizado, com o auxílio de um aparelho, o "sublimatório". Chegando à parte superior (sublimen) desse vaso fechado, o corpo volátil se fixa e torna-se sólido.

É preciso ter coração puro para conseguir a transformação alquímica, pelo menos era o que se acreditava, o que conota também moralmente essa noção. A eliminação da fase líquida situa o processo em oposição às imagens do nascimento e do meio uterino para fazer uma operação de âmbito misterioso, secreto e reservada aos homens, e que se passa no "ovo dos sábios" onde queima a pedra filosofal. Mais ainda, a elevação que realiza a "Grande obra" remete à ambição, largamente ilustrada por Leonardo da Vinci, de romper a gravidade sem se dissolver no ar e, no entanto, voar como um pássaro, e mais prosaicamente, comandar e controlar a ereção.

A sublimação em psicanálise herdará essas harmonias complexas do conceito, mesmo que seja para sua eliminação, como fez Freud, negando a sublimação alquímica em benefício de uma Sublimierung de onde tentará ao longo de toda sua obra aperfeiçoar a definição metapsicológica. A filosofia com o conceito de "sublime" não lhe abrirá a via e mesmo contribuirá para a confusão inicial desse conceito com aquele de idealização.

Como Freud define a Subliemierung? A pulsão sexual, ele escreve, põe à disposição do trabalho cultural quantidades de forças extraordinariamente grandes e isso por conta dessa sua capacidade especialmente marcante de poder deslocar seu objetivo sem perder para o essencial de sua intensidade. Chamamos essa capacidade de trocar o objetivo sexual original por um outro objetivo que não é mais sexual, mas que é psiquicamente próximo, capacidade de sublimação. (Die Fühigkeit zur Sublierung, Freud, 1908, p. 33).

Esta definição pouco será modificará, mas Freud acrescentará que não é apenas o objetivo que muda, mas também o objeto caracterizado por uma avaliação social positiva:

É um certo modo de modificação de objetivo e de mudança de objeto, na qual nossa escala de valor social entra em questão e que distinguimos sob o nome de sublimação. (Freud, 1930, p. 179)

O conceito de sublimação aparece na articulação de duas dimensões irredutíveis: a vida pulsional, que só conhece a realização imediata de seus objetivos na ignorância das consequências tanto em relação a si mesmo como aos outros, e a vida coletiva, necessária à sobrevivência individual, que exige limitações que considerem os interesses alheios.

Se a noção de sublimação aparece ligada àquela de "valor" não no sentido econômico que fundamenta as trocas, mas no sentido absoluto que ao contrário afirma o caráter insubstituível da coisa, estamos frente à difícil questão de compreender a origem do valor em termos psicanalíticos.

Tratar o valor como o produto de um acordo intersubjetivo não nos faz avançar nessa questão, porque é necessário, então, retraçar o caminho que vai do valor no sentido individual definido, somente a partir de apetites pulsionais, ao valor baseado em um reconhecimento coletivo.

Ora, se o conceito de sublimação tem um sentido é o de permitir superar a desconfiança nietzschiana de que o valor seria apenas a expressão mascarada da determinação de potência. Podemos considerar que a sublimação funda a civilização e seus valores?

 

A artimanha da civilização

Utilizando a noção hegeliana de "artimanha da razão", proponho uma aproximação do conceito de sublimação como uma "artimanha da civilização". De fato, a civilização ou a Kultur para Freud se define como a "soma total das realizações e dispositivos pelos quais nossa vida se distancia daquela de nossos ancestrais animais e que servem a dois fins: a proteção do homem contra a natureza e a regulamentação das relações dos homens entre si" (1930, p. 276). Os indivíduos que podem evitam o recalcamento e atingem, por meio da sublimação, uma realização pulsional que lhes seria interditada se eles quisessem obtê-la de um modo direto.

No entanto, parafraseando Hegel, poderíamos dizer que eles realizam ao mesmo tempo "algo diferente do que aquilo que eles sabem e querem imediatamente".

Eles realizam um objetivo pulsional, mas isso acontece junto com outro imprevisto: o que eles produzem pelas suas sublimações individuais é o edifício sócio-cultural que, por sua vez, fará pesar sobre eles - nos outros indivíduos presentes e nos que ainda virão - uma exigência oposta ao movimento natural da pulsão. O que podemos entender por "artimanhas da civilização" (Mellor-Picaut, 1979), é que os produtos das sublimações individuais, solidificando e agregando-se uns aos outros, vão impor a todos renúncias e frustrações sem compensações sublimatórias.

A "moral sexual civilizada", assim instalada cria por seus excessos um efeito neuro-tizante e não uma liberação pulsional graças às derivações sublimatórias. O homem "normal" aparece, então, tanto como beneficiário quanto como vítima do processo cultural que as sublimações individuais contribuíram para constituir. É também a razão, em minha opinião, pela qual se pode considerar o "prazer do pensamento" como um oxymoron ou um paradoxo.

Frequentemente o pensamento não aparece para o sujeito que o exercita como um exercício espontâneo, mas sim como uma obrigação. Ele começa quando na infância orientamos a criança a refletir, a se aplicar e quando a consideramos instável ou sonhadora se ela recusa, aceitamos conduzi-la a consultar um psicanalista para curá-la. A criança se recusa a pensar ou mesmo a aprender: ela reluta em contraparte ao exercício coletivo e imposto. Uma vez que ela aceite, na maioria das vezes, é só porque ela vê um interesse de competição com os outros e a forma de atrair os cumprimentos dos adultos. É só na solidão e em segredo que ela pode descobrir para si própria o prazer de pensar, de inventar, de construir... Ela vai, dessa forma, empregar grandes quantidades de libido a partir do que retira da agressividade e da pulsão de dominação que assim é redirigida para objetivos diferentes dos destrutivos em relação ao outro ou a si mesmo

 

Um desdobramento sublimado da pulsão de dominação

É assim que Freud designa a pulsão de saber - em relação à disposição à neurose obsessiva-, mas o que segue concerne ao exercício dessa pulsão em geral. Dominação implica a imobilização do objeto, e mesmo sua redução ao estado inorgânico. Desfrutar do domínio de um objeto conservado vivo, substituir a escravidão pela morte é em si uma forma de sublimação e sabemos, depois de Hegel, como surge o processo dialético que funda a civilização.

Renunciar ao exercício do poder de morte, é aguardar um ganho de prazer narcísico superior àquele que procuraria a imediata realização pulsional (Mijola-Mellor, 2011). O adversário mantido vivo reenvia uma imagem em espelho e pode tornar-se objeto de desejo na concorrência que se dá na direção ao objeto de desejo do outro. A sublimação não é, portanto, própria da operação de domínio intelectual e nós a encontramos, também, nos jogos esportivos ou na concorrência comercial, em todas os lugares onde a existência de um rival é necessária na busca do objetivo. É também a própria atividade que pode requerê-la, quer se trate de abrir o corpo para operá-lo, de impor uma decisão dolorosa, ou ainda de obstinar-se contra uma dificuldade técnica.

No entanto, a pulsão de saber constitui um exemplo privilegiado porque ela diz respeito a uma matéria abstrata e que, portanto, parece não poder manifestar uma oposição própria. Ora, essa pulsão pressupõe, na realidade, uma dupla dominação que não tem nada de abstrato:

• sobre o outro, representado aqui por aquele que detém ou produz esse saber,
• sobre si mesmo onde uma mobilização maciça dos investimentos psíquicos e físicos é exigida para alcançar uma concentração suficiente. Nesse último caso, falaremos mais de "controle" do que de dominação e sabemos o quanto a incapacidade nesse campo tem uma função inibidora, assim como vemos, por exemplo, nas crianças chamadas "hiperativas" e desse modo inaptas para a aquisição dos conhecimentos escolares.

A sublimação caracteriza-se, então, pela capacidade de manter o prazer da pesquisa como suporte libidinal da busca de saber, atitude ilustrada por todo pesquisador e resumida nesses termos pelo filósofo Lessing: "Se me oferecessem a escolha entre toda verdade encontrada e o prazer de procurá-la, é com a segunda escolha que ficaria".

Não há aqui um desinteresse em relação ao resultado, mas a expressão sublimada de um prazer que se aproxima àquele da caça duplicado, na maioria das vezes, àquele da discussão com as certezas do outro. Encontrar é também ser o primeiro a penetrar numa terra incógnita e sabemos a vivacidade das disputas de anterioridade e mesmo as acusações de plágio nesse território. Ter certeza de estar certo por outro lado, supondo representar as certezas do pai, fiador da autoridade e do saber, torna-se um objetivo para aquele que esquece que a força dessas certezas vêm da idealização na qual ele as manteve.

Freud, como também o filósofo Kierkegaard ou o romancista Robert Musil2 exprimiram esse prazer da disputa discursiva, comparando-o primeiro a um conquistador e por último a um "dissecador de almas". Na verdade, parece que a sublimação requerida na dupla operação de julgamento (recusar, afirmar) não se baseia no mesmo material libidinal.

Pois se a pulsão de destruição quando sublimada é subjacente ao rejeitado, é ao contrário uma sublimação da libido erótica que se manifesta no encontro e afirmação de uma certeza, mesmo se ela fica condicionada e ligada por um aparelho de razões. Se essa segunda dimensão não existisse, estagnaríamos num negativismo estéril. Reciprocamente, onde há sublimação dessa libido erótica não é somente na sua abstração, mas também na manutenção da dimensão de abstinência que aqui é uma abstinência da alma. Inversamente, o abandono passional a ideias abstratas é propício a gerar o fanatismo e a ausência de reflexão qualquer que seja o conteúdo das ideias em questão.

 

Contornar as interdições graças à sublimação

A sublimação, ao contrário da inibição e obsessão, tem, de fato, a particularidade de considerar a interdição, mas ao ultrapassá-la, dá a impressão de ignorá-la. O que é próprio da sublimação parece indicar que sua originalidade provém da capacidade de contornar a interdição pelo fluxo libidinal o que pode, às vezes, aproximá-la da perversão, fenômeno observável entre os criadores, principalmente os artistas. As atividades sublimadas em nenhum caso são "compatíveis" com as normas, e assim podem, por exemplo, ser objeto de um investimento passional. Os exemplos não faltam nesse campo, quer sejam mínimos como os colecionadores, ou mais impressionantes como a paixão que fixa o grande esportista aos mesmos gestos, durante anos, fazendo-o sacrificar sua vida pessoal e, às vezes, a própria vida por resultados que se medem em décimos de segundos ou de centímetros.

No que concerne o "prazer de pensamento", tomarei o caso do "abandono sublimado a uma ideia abstrata", onde as consequências podem ser particularmente funestas visto que é também o que cria o terreno do fanatismo em todos os gêneros. Se estivermos nesse último caso podemos nos encontrar face a face com um aparente paradoxo no caso do revolucionário, mesmo do terrorista, pois é precisamente o alto nível de elevação moral e a capacidade de canalizar sua energia pulsional a serviço dessa ideia que vai conduzi-lo ao massacre no qual ele deixará, frequentemente, sua própria vida. Nesse caso, o objeto, aqui a ideia abstrata, é posto no lugar do ideal do ego e a sublimação, portanto, longe de ir na direção do progresso e de civilização, atesta nesse caso toda sua periculosidade.

Podemos objetar que se trata aqui de um exemplo extremo e que o abandono às ideias abstratas pode engendrar uma ligação passional que não implique necessariamente em atuações violentas, desde que essas ideias não encontrem um conflito histórico ou uma situação social explosiva. Mas podemos também considerar que a intensidade da drenagem libidinal implicada é, em si, uma violência potencial. A divisa da Liga hanseática que cita Freud, Navigare necesse est, vivere non necesse ("Navegar é preciso, viver não é preciso") é um bom exemplo da relação com a morte que conserva o investimento sublimado passional.

O próprio Freud fez de bom grado a confissão- que deve ser lembrada em nossa atual civilização onde o trabalho tende a ser representado sob a forma de coerção penosa, e onde férias e liberdade andam juntas: "Não posso me representar em uma vida sem trabalho como verdadeiramente agradável; para mim, viver pela imaginação e trabalhar são uma coisa só, nada mais me deleita." (Freud, 1909-1939, p. 70). Mas o intelectual, salvo em tempos de perseguições políticas ou religiosas, em princípio, não arrisca sua vida, ele a consome mais a serviço de sua paixão. Não é esse o caso do piloto de automóvel, do piloto militar, do astronauta etc.

Partindo da ideia de que a sublimação não acontece em detrimento da vida sexual, mas necessita de uma drenagem libidinal que lhe assegure energia, propus uma aproximação do processo sublimatório original que se apoie sobre outros modelos, como na ocasião do trabalho de luto e no do humor.

 

O trabalho do luto é um processo de sublimação?

O termo trabalho introduzido aqui ao lado de processo sublinha que toda sublimação se efetua e, sobretudo, se prolonga graças a uma tensão que não tem nada de natural nem de automática e cujo objetivo é permitir ao ego juntar ao menos parcialmente as exigências específicas feitas pelo seu ideal.

Quais são as modificações tópicas, dinâmicas e econômicas que requer a sublimação? Se não é suficiente trocar seu narcisismo pela veneração de um ideal de ego elevado, constata-se, no entanto, que a emergência do processo sublimatório está ligada ao investimento de um tempo futuro e ao esforço para lá chegar. Esses momentos de reelaboração identificatória correspondem ao que podemos chamar um "tempo da sublimação", entendido como momento de ruptura onde a possibilidade de novas sublimações se desenha.

Os "momentos críticos" no transcorrer da vida abrem a possibilidade de uma modificação tópica da relação entre o ego e seu ideal porque obrigam o sujeito a reexaminar a imagem que faz de si mesmo. Essas situações de passagem de um estado a outro reenviam sempre ao que seria a passagem absoluta, a morte. Como observado por Freud, o efêmero dá um preço à vida, as sublimações se oferecem, como um modo particularmente eficaz, para responder a esse luto antecipado de si mesmo por uma atividade que o sujeito necessita para se completar e se conservar vivo.

Em uma nota de "O ego e o id" (1923) à qual consagrei um longo desdobramento porque fiz dela o ponto de partida de minha teorização sobre a sublimação, Freud observa que é possível considerar que toda sublimação se faz "por intermédio do ego". Minha hipótese consiste em considerar que assim o trabalho de sublimação possa conduzir à reconstrução de ego dentro do ego. Esta fórmula é o mais próximo daquela do trabalho do luto (Aufrichtung des Objekts im Ich), "a construção do objeto no ego". A construção, recuperação ou reintegração do objeto no ego, repete outra mais antiga e o objeto é de fato re-erigido (vieder aufgercht), o que se entende se consideramos que é a partir dos investimentos narcísicos primitivos que uma parte da libido foi emprestada ao objeto para construí-lo uma primeira vez.

 

O exemplo do humor

Ele é próximo ao trabalho do luto, mas conduz a reconstruir não o objeto no ego, e sim, o ego dentro do ego, o que nos leva a uma aproximação da noção do processo sublimatório. Se no processo de luto a construção do objeto no ego permite ao sujeito se liberar da obrigação de conservar seus investimentos bloqueados e lhe abre assim a possibilidade de partir à procura de novos objetos, o humor transporta esse mesmo processo ao interior do ego, pois é ele que se encontra então ameaçado. Mas como se pode chegar a tornar humorístico para si mesmo e para o outro o próprio sofrimento?

O humor se produz em detrimento dos afetos negativos, indignação, raiva e mesmo angústia de sua própria morte, e lhe empresta sua energia e a converte num afeto oposto, fonte de prazer graças a um desenvolvimento que inibe a evolução da dor e põe o investimento sobre outro ponto. O processo que descreve parece muito mais com uma sublimação do que com recalcamento: o humor triunfa frente ao automatismo de defesa mantendo presente na consciência a representação dolorosa, super-investindo a mesma, o que o aproxima do trabalho de luto. Ele não se contenta em inibir o desenvolvimento do desprazer, mas opera uma verdadeira transformação de energia ligada ao afeto penoso, oferecendo-lhe uma via de descarga.

Como na sublimação, a derivação assegura aqui a continuidade do processo dinâmico e evita um bloqueio, é em torno da produção de um prazer que tudo se faz. Porque o humor é produtor de prazer e testemunha, portanto, da possibilidade de deslocamento de um objetivo sem a perda de intensidade pulsional; ele se distingue radicalmente de uma defesa e se aproxima de fato de um mecanismo sublimatório. Ele se apresenta como protetor e consolador e o humorista ri desses afetos penosos de agora como um adulto poderia fazer ao lembrar-se de suas tristezas da infância.

Essa atitude que não tem nada de evidente supõe uma elevação do ego fundada na superioridade ou na sabedoria que pensa ter adquirido envelhecendo. O ego pode na verdade desprezar o que lhe acontece projetando-se num tempo futuro onde todos seus sofrimentos atuais não terão mais sentido para ele, como não tem atualmente os pequenos ou grandes sofrimentos de sua infância. O humorista está instalado numa identificação parental (paternal segundo Freud) que lhe permite tratar aos outros e, sobretudo a si mesmo, como se se tratasse de uma criança. O autor do humor é finalmente o superego porque o humor consiste em retirar a ênfase psíquica do ego e deslocá-la para o superego.

Essa ligação entre o humor e o superego relança uma questão que Freud já havia colocado em 1905: por que o triunfo sobre o sofrimento, próprio do humor, tem um efeito cômico em vez de se contentar em impor o respeito como uma marca de grandeza de alma ou filosófica? É o modo do superinvestimento do superego que está em questão. Trata-se na verdade de superinvesti-lo "bruscamente". Por essa referência à ausência de duração e, portanto, de elaboração, Freud situa o humor ao lado do triunfo do princípio do prazer e da ação de Tanatos.

No que ele se assemelha à sublimação?

O trabalho sublimatório, por meio dos mesmos mecanismos, consegue de fato não só se inscrever num período, mas também produzir um objeto que o sujeito pode oferecer como o representante de si mesmo e para o qual ele mantém uma relação privilegiada, todas suas outras relações, caso elas se apresentem, devem passar pela mediação de uma divisão com este objeto.

A possibilidade de fazer, graças a um remanejamento tópico de um traumatismo que poderia ser passivamente suportado, a oportunidade de obter prazer é o que define a essência do trabalho sublimatório. O prazer assim obtido não atinge nunca, como diz Freud, "a intensidade do prazer obtido com o cômico ou com jogos de palavras espirituosos e ele não propicia ataques de risos francos". Da mesma forma, as sublimações nunca oferecem, segundo Freud, as descargas de prazer sexual diretas. Dependem do mesmo mecanismo, a criação artística ou o trabalho do pensamento que utilizam igualmente as derrotas vividas no cotidiano para criar a oportunidade de uma obra ou de uma pesquisa em busca de uma explicação. Todavia se o luto, o humor e a sublimação podem pelas suas aproximações se esclarecerem mutuamente, é preciso não confundi-los.

Frente a angústia de morte que, assim como escreveu Freud, "se encena entre o ego e o superego" (1923), o humor e a sublimação oferecem suas respostas específicas. Pelo humor, o ego recusa-se a abandonar a si mesmo e se rebela contra o ideal de ego apoiando-se para isso sobre os aspectos positivos de seu superego. As formas de sublimação que levam à produção de uma obra (ou de maneira muito mais comum a um trabalho) situam a relação entre o ego e o superego de maneira diferente: o ego força o superego a amá-lo renunciando a forma criticada por esse último e construindo por seu trabalho sublimatório uma forma nova de ego sobre o modelo preconizado pelo ideal.

É nesse sentido que podemos compreender a sublimação como uma construção ou um restabelecimento do ego dentro do ego depois desse último ter sido ou ter corrido o risco de ser o objeto de uma perda.

 

Conclusão

Ao fim desse percurso que procurou mostrar o caráter insuficiente de uma definição de sublimação que se limitaria a uma desexualização do objetivo e a uma valorização social do objeto, o que se pode propor como aproximação do processo sublimatório?

O movimento de restabelecimento ou de reconstrução do ego dentro do ego constitui um modelo fecundo que dá conta tanto do luto necessário em relação ao ego ideal como do trabalho que se segue quando o ego pode se propor ao amor do superego lhe dizendo: "Veja, você pode me amar, me pareço de tal forma com a imagem ideal de ti mesmo que você perdeu.". Mas a diferença de formato vem do fato que não é ele, mas o que ele faz, ou melhor, dizendo o que ele busca nessa aliança, mas que ainda não é possuidor, que o ego propõe ao superego como objeto de substituição.

Teremos aqui também uma explicação do fato que a potencialidade de desvio sublimatório se produza de maneira precoce (Von anfang na), pois o ego escapa das redes do recalcamento deslizando entre as malhas e, neste caso, se adaptando em função do tempo. Ele afirma ao superego que o que ele não tem para agradá-lo, ele não tem ainda, mas que renunciando ao que pretende aqui de forma imediata e ilusória, ele saberá colocar em ação todo tipo de esforço e mesmo de renúncias para... não renunciar! A abstinência sexual, que não tem muita coisa a ver com a sublimação, nem mesmo com as condições que a favoreceriam, é em revanche uma "abstinência de alma" que sabe preferir a busca da verdade à verdade encontrada.

 

Referências3

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Mijjola-Mellor, S. (2011). La mort donée, Essai de psychanalyse sur la meurtre et la guerre. Paris: PUF. (no prelo)        [ Links ]

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Correspondência:
Sophie de Mijolla-Mellor
[Universidade Paris 7]
20 Rue du commandant René Mouchotte
75014 Paris, France
s.mijolla-mellor@wanadoo.fr

Recebido em 6/1/2011
Aceito em 4/2/2011

 

 

1 Artigo escrito especialmente para este número da Revista Brasileira de Psicanálise.
Esses dois temas são o centro de minha pesquisa: além de inúmeros artigos, meu primeiro livro, publicado pela PUF em 1992, intitula-se Le plaisir de pensée e publiquei em 2002 pelas edições Dunod Le besoin de savoir. Na sequência apareceu pela PUF na coleção Que sais-je? em 2005 uma obra sintética La sublimation, depois outra bem mais aprofundada, Le choix de la sublimation em 2009 pela PUF na coleção Le fil rouge. Atualmente está em preparação pela PUF (para ser lançado no final de 2011) uma obra coletiva sob minha direção, o Traité de la sublimation, que irá constituir uma aplicação prática da precedente e na qual participam muitos colegas brasileiros no quadro de nosso programa de pesquisa quadrienal sobre "Sublimation et processus culturels".
2 Citei e comentei os textos aos quais faço alusão aqui em Mijjola-Mellor (1992, pp. 127-193).
3 Excepcionalmente as referências bibliográficas seguem as normas do artigo original. (N.E.)

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