SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.45 número1Constituição da vida psíquicaLançamentos índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.45 no.1 São Paulo jan./mar. 2011

 

RESENHAS

 

Imagens oníricas e formas poéticas: um estudo sobre a criatividade

 

 

Marisa Pelella Mélega

Correspondência

 

 

Editora: Edição do autor, 195p
Resenha: Cintia Buschinelli1

Não há um único tempo:
Há muitas esteiras
deslizando paralelas quase sempre em sentido contrário e raramente
se intersectam. É quando se revela a única verdade que,
descoberta é logo suprimida por quem controla a maquinaria e os desvios.
Recai-se então no único tempo. Mas, naquele instante
só os poucos viventes se reconheceram
para dizer adeus, não até mais.

A poesia que acabam de ler, cujo título é Tempo, surgiu pela mão de Eugenio Montale (1896-1981) poeta italiano, Nobel de literatura de 1975, pouco conhecido entre nós.

Um poema, ao receber uma primeira leitura, atravessa como uma flecha toda e qualquer ponderação racional do leitor produzindo inevitavelmente uma resposta emocional.

Marisa Melega, psicanalista de larga experiência clínica leu a poesia de Montale e sua leitura foi para muito além da experiência estético-afetiva produzida por esse feitio de escrita. As palavras desse grande escritor despertaram-na para uma parceria extensa e profunda com sua obra poética que resultou em uma tese de doutorado que encontramos condensada no livro: Imagens oníricas e formas poéticas: um estudo sobre a criatividade.

Ao desenvolver seu trabalho e consequentemente para deleite do leitor de seu livro, a quem é dada a oportunidade de observar com lente de aumento a poesia de Montale, Marisa traduziu sessenta e sete poesias, que receberam uma análise fina e criativa. Sobre a tradução ela nos diz que procurou "manter exatamente o conteúdo de cada poema para não desvirtuar o meu objetivo final: mostrar a criação do verso do poeta".2

Para cumprir esse objetivo, "mostrar a criação do verso do poeta", o ponto de partida foi uma experiência espontânea que desabrochou entre a autora e os poemas. Foram as impressões visuais produzidas por Montale que tocaram diretamente o acervo psicanalítico da autora e produziram inúmeras interrogações sobre a natureza do processo criativo na construção de poesias. Por que algumas pessoas são capazes de reunir determinadas palavras de um modo tão particular cujo conteúdo desperta estados emocionais inusitados? De onde vem um poema? Quais seriam seus caminhos de criação?

Poderiam não ter sido exatamente essas as perguntas que Marisa se fez a partir da obra de Montale, mas a leitura de seu livro nos leva em direção a respostas a essas interrogações.

Vejam só o que ela nos diz nas primeiras páginas de seu livro:

Uma primeira leitura de seus poemas nos impressionou por ter despertado imagens visuais com uma vivacidade cinematográfica. (p. 13)

E continua mais adiante:

Imagens visuais e auditivas, como já dissemos, são precursores simbólicos de experiências emocionais, e seriam pistas da germinação e do nascimento dos estados de mente que o poeta viria a transformar em formas poéticas, e que nos poemas de Montale encontramos em abundância. (p. 14)

E assim, partindo da experiência sensorial desencadeada na leitora Marisa, a psicanalista tomou lugar e foi em busca das hipóteses psíquicas para a produção dos poemas resultando em um estudo sobre a criatividade. Os modelos de mente construídos por Bion e Meltzer foram, entre outros, os fios condutores para o pensamento da autora que a levaram a construir seu próprio pensamento a respeito do processo criativo. Vejamos:

Para a vertente da psicanálise atual que serve de referência para nosso estudo, toda a função criadora considerada artística ou científica depende da criatividade dos objetos do mundo interno do indivíduo e das relações entre o self e seus objetos internos (ou divindades). A mente é entendida como espaços nos quais as experiências emocionais ocorrem continuamente e necessitam do reconhecimento em nível simbólico para que possam ser pensadas. Nessa perspectiva, a poesia surge de uma simbolização nesses espaços e o poeta pode estar avançando na descoberta da própria mente a cada criação poética. (p. 12)

Marisa considera que imagens visuais e auditivas são precursores simbólicos que necessitam representação para serem comunicadas. O processo onírico, usina incansável que não reconhece dia e noite, oferece a matéria-prima imagética para a produção poética.

Poderíamos pensar que surgiu desse mesmo reduto, do inefável mundo onírico, a criatividade da autora na elaboração de seu livro. Nele, leitores com os mais diversos interesses encontrarão uma cristalina fonte psicanalítica para desenvolver seu conhecimento. Estarão à disposição, entre tantos conteúdos, um estudo minucioso sobre os modelos psicanalíticos propostos por Klein, Bion e Meltzer, um mergulho sobre as origens literárias do modelo psicanalítico de mente, a criatividade bem como a critica literária observados do ponto de vista psicanalítico e um estudo sobre a origem do impulso criador em Eugenio Montale.

Não satisfeita com todo esse arsenal de informações preciosas a autora oferece um excelente glossário dos termos psicanalíticos utilizados no decorrer de seu texto. Chama a atenção esse cuidado com o leitor ao qual é oferecida não apenas uma lista de conceitos úteis para compreender o texto, mas, sim, um produto de uma psicanálise viva, de palavras-chave metabolizadas pela experiência da própria autora.

Não fosse por todos os motivos já citados acima que recomendam, sem sombra de dúvida, a leitura desse livro há mais uma razão que o coloca na lista dos imprescindíveis: ele é um exemplo do uso da capacidade criativa em psicanálise.

Imagens oníricas e formas poéticas: um estudo sobre a criatividade não se encontra disponível em livrarias. Ele pode ser adquirido por encomenda pelo telefone 11 5092-3883 ou e-mail: pmelega@uol.com.br.

 

 

Correspondência:
Cintia Buschinelli
[Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP]
Rua Alcides Pertiga, 82 – Jardim América
05413-100 São Paulo, SP
Tels: 11 3064-4545

 

 

1 Psicanalista, membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP.
2 Citação da apresentação do livro, sem número de página.

Creative Commons License