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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.45 no.2 São Paulo Apr./June 2011

 

47º CONGRESSO DA IPA - MÉXICO PAINÉIS PRINCIPAIS

 

Sexualidade

 

 

Luis KancyperI; Tradução de Claudia Berliner

IAnalista didata. Membro da Associação Psicanalítica Argentina APA

Correspondência

 

 

Existem elementos (excluindo agressividade ou destrutividade) que sejam exclusivamente não sexuais ou a sexualidade é uma ideia unificadora em sua concepção de transferência? Em que medida você considera a transferência como sexual ou em que medida há fatores não sexuais (excluindo agressividade)? O desejo é um equivalente da sexualidade em suas conceituações clínicas?

Narcisismo, complexo de Édipo e complexo fraterno Uma revisão da teoria psicanalítica da sexualidade

O conceito de sexualidade representa um meridiano da teoria e da prática psicanalíticas. É um xibolete, conceito fundamental e fundador que distingue a psicanálise de outras disciplinas.

No começo do século XX, as concepções de Freud e sua definição revolucionária da sexualidade, irredutível a uma finalidade biológica ou a esquemas de conduta predeterminados e, em contrapartida, dependente da pregnância simbólica e da relação com o outro humano falante e desejante, inauguraram um debate ainda vivo nos dias atuais.

Com efeito, ao inscrever o sexual ali onde ele até então era impensável - na infância e no inconsciente -, Freud afirma a incidência determinante no ser humano de uma ordem libidinal inconsciente não só na instauração e no exercício da sexualidade no sentido corrente do termo, mas também numa definição mais ampla da sexualidade: nos diversos aspectos do que ele define como sexual, isto é, um conjunto de atividades, representações e sintomas.

Freud, ao sinalizar que a vida sexual faz parte de todos os aspectos da vida de um sujeito, leva até as últimas consequências a tese que sustenta a participação da vida libidinal em todos os processos de vida e de morte.

 

Narcisismo, complexo de Édipo e complexo fraterno

A sexualidade humana se constitui no interior de estruturas intersubjetivas imaginárias e simbólicas que preexistem à sua emergência no indivíduo. Regula-se pelo par de opostos prazer/desprazer e se manifesta por intermédio de múltiplas formas de desejo. Este se diferencia da necessidade e da demanda, porque faz a satisfação depender de condições fantasiadas que determinam estritamente a escolha do objeto e a ordenação da atividade.

Para Freud, a organização e a insistência do desejo inconsciente estão intimamente ligadas à "voz dos progenitores", às "exigências da civilização" e às leis simbólicas (proibição do incesto e do parricídio) que definem o campo específico do humano. Não só o despertar do sexual, mas também as modalidades de organização da vida libidinal e seu movimento se orientam e estruturam por meio desse dispositivo simbólico que Freud discerne ao problematizar a experiência do Édipo e da castração.

Embora o complexo de Édipo represente o complexo nuclear na teoria e na prática psicanalíticas, entendo que deva ser desassociado das dinâmicas narcisista e fraterna.

Considero que as fantasias inerentes ao complexo fraterno devem, por um lado, ser diferenciadas e separadas daquelas provenientes do complexo de Édipo e do narcisismo. Por outro lado, contudo, destaco a importância de também serem integradas para que, desse modo, o pensamento disjuntivo e reducionista seja substituído por um pensamento complexo no sentido original do termo "complexus": o que está cerradamente tecido.

A determinação da sexualidade está indissoluvelmente vinculada à complexidade das fantasias relacionadas a essas três estruturas, cujos efeitos convergem, na teorização freudiana, em seu conceito de complexo parental (Freud, 1919).

No interior desse conceito combinam-se em múltipla intersecção os influxos provenientes de Narciso, Édipo e de Caim e Abel. Entre eles urde-se uma trama particular e única que orienta e determina o desejo singular de cada sujeito.

Freud reconheceu a importância do complexo fraterno, mas não o estudou de modo sistemático como fez com o complexo de Édipo (Freud, 1916).

Cada sujeito apresenta, segundo a coexistência entre ambas as formas na relação dialética, um caso misto particular de um complexo de Édipo. As fantasias edípicas da proibição do incesto e do parricídio articulam-se simultaneamente com as fantasias de imortalidade, perfeição, bissexualidade e especularidade, inerentes à dinâmica da estrutura narcisista.

O complexo fraterno tem uma estrutura efetiva. Não se reduz a um mero deslocamento da estrutura edípica e se encena por intermédio de suas próprias fantasias: do gêmeo imaginário, do siamês imaginário, dos vasos comunicantes e, além disso, das fantasias fratricidas e furtivas, de complementaridade e confraternidade horizontais (Kancyper, 2004).

A inclusão dos psicodinamismos relativos aos irmãos na estruturação da vida psíquica não tenta encerrar nenhum dos temas concernentes à nodal importância de Narciso e de Édipo. Ao contrário, uma de suas finalidades centrais é, precisamente, suplementar e ampliar as fronteiras da compreensão de como a sexualidade se liga às três estruturas interagentes e se expressa no campo analítico.

 

Sexualidade e pulsão de dominação no campo analítico: a amizade de transferência

É notável comprovar que na prática clínica dos últimos anos assiste-se à escassa presença da sexualidade nos materiais clínicos, que costuma ser substituída por uma mudança de paradigma: aquele que prefere tomar como referência a teoria das relações de objeto (Green, 1966), minimizando e até ignorando as manifestações da pulsão sexual e das relações de dominação que se expressam no campo analítico com crianças, adolescentes e adultos.

Cria-se, consequentemente, um baluarte "distraído" da sexualidade.

Este provém da colusão entre as resistências do analisante e as contrarresistências do analista, como se tivessem combinado não ver o que acontece com o caráter potencialmente traumático da sexualidade humana e da agressão na dinâmica transferencial-contratransferencial (Baranger, 1978).

As categorias que habitualmente usamos para diferenciar as formas de transferência na situação analítica - transferência positiva, transferência negativa e transferência erótica - são, na verdade, descritivas e baseiam-se nos matizes do amor e do ódio.

A categorização que proponho baseia-se nas estruturas envolvidas, distinguindo a transferência e a contratransferência narcisista da edípica, e esta da fraterna.

No interior desta última diferencio, ademais, a amizade de transferência-contra-transferência.

O tema da amizade foi escassamente aprofundado na teoria e clínica psicanalíticas (Kancyper, 2010).

Na amizade, a meta sexual é inibida e são desativadas, em grande medida, as relações de dominação que se ressignificam nos vínculos endogâmicos.

Freud destaca a contribuição da fonte sexual nos vínculos de ternura que se estabelecem "entre pais e filhos, [n]os sentimentos de amizade e [n]os laços afetivos no casamento." (Freud, 1922) e "Nos vínculos sociais normais entre os seres humanos, dificilmente se inferirá a verdadeira magnitude dessas contribuições de fonte erótica com inibição da meta sexual."(Freud, 1921).

A amizade de transferência, em contraposição ao amor de transferência, é uma transferência positiva sublimada que favorece a aliança terapêutica e promove, consequentemente, a instalação, desenvolvimento e evolução fecundas do processo.

Já o vínculo afetivo que comanda o amor de transferência tem a natureza de um enamoramento compulsivo, com aspectos plenamente sensuais e hostis inconciliáveis com a tarefa da análise, que não vacila em levá-la a um dilema sem saída.

A busca e a necessidade de um amigo no campo analítico se baseia no encontro e alojamento com um outro exogâmico, com um estrangeiro confiável, solidário e complementar; duplo maravilhoso não consanguíneo que opera em flagrante oposição à lógica trágica comandada por um duplo ominoso que subjaz na dinâmica da luta narcisista, na qual o outro é investido e identificado no lugar de um inimigo ou rival e gesta os reincidentes fratricídios, filicídios e parricídios ao longo da infausta história da humanidade.

Assim como o sonho é a via régia para o estudo do inconsciente, as flutuações das distintas transferências-contratransferências representam uma outra via para se obter um entendimento mais abrangente e ao mesmo tempo mais aguçado da sexualidade e da pul-são de dominação que costumam se entrelaçar na multifacetada situação analítica.

 

Referências

Baranger, M.; Baranger, W. & Mom, J. (1978). Patología de la transferencia y la contratransferencia en el psicoanálisis actual en el campo perverso. Rev. de Psicoanálisis, XXXV, 5.         [ Links ]

Freud S. (1916). Conferencia 21: Desarrollo libidinal y organizaciones sexuales. In S. Freud, Obras Completas (Vol. 16). Buenos Aires: Amorrortu.         [ Links ]

Freud S. (1919). Pegan a un nino. In S. Freud, Obras Completas (Vol. 17). Buenos Aires: Amorrortu.         [ Links ]

Freud S. (1921). Psicología de las masas y análisis del yo. In S. Freud, Obras Completas (Vol. 18). Buenos Aires: Amorrortu.         [ Links ]

Freud, S (1922). Observaciones sobre la teoría y la práctica de la interpretación de los suenos. In S. Freud, Obras Completas (Vol. 19). Buenos Aires: Amorrortu.         [ Links ]

Green A. (1996): Apertura para una discusión sobre la sexualidad en el psicoanálisis contemporáneo. Rev. de Psicoanálisis, LIII, 3.         [ Links ]

Kancyper L. (2004). El complejo fraterno. Buenos Aires: Lumen.         [ Links ]

Kancyper L (2010). Resentimiento terminable e interminable. Buenos Aires: Lumen.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Luis Kancyper
[Associação Psicanalítica Argentina APA]
Güemes 2963, 10º
1425 Buenos Aires, Argentina
Tel: 54 11 4825 8618
kancyper@uolsinectis.com.ar