SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.45 número2A sexualidade não é mais aquela. O que se faz com ela?Sonhos índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.45 no.2 São Paulo abr./jun. 2011

 

47º CONGRESSO DA IPA - MÉXICO PAINÉIS PRINCIPAIS

 

Sonhos

 

 

Elias Mallet da Rocha BarrosI; Tradução de Tania Mara Zalcberg

IAnalista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP

Correspondência

 

 

Qual a sua concepção sobre a função dos sonhos? Você distingue sonhos que resultam de traumas de outros tipos de sonhos?

Eu gostaria de explorar os sonhos como parte de uma das diversas funções que a mente é capaz de desempenhar enquanto a pessoa está adormecida e as defesas não estão em pleno funcionamento: ou seja, a maneira pela qual os sonhos funcionam como uma forma de pensamento inconsciente, um teatro privado em que o significado é gerado e transformado. Pode-se considerar que os sonhos de nossos pacientes desempenham o papel do dramaturgo que traz à luz o teatro privado da realidade psíquica do paciente e mostra como essa realidade psíquica veio a ter existência e tem sido transformada desde a mais tenra infância. Por isso, argumento que a função de trabalho mental desempenhada pelos sonhos é uma forma de pensamento inconsciente que transforma afetos em memórias e em estruturas mentais. Compreende também um processo por meio do qual se apreende, constrói e transforma o significado em nível expressivo, não discursivo, baseado na representação por meio de imagens pictóricas. Nesse processo criam-se novos símbolos que ampliam a capacidade de a pessoa pensar a respeito dos significados de suas experiências emocionais.

A noção de trabalho psíquico compreende o conceito de elaboração como um tipo especial de trabalho mental resultante das interpretações do analista ou de experiências de vida que podem ser seguidas de perto ao se examinar os sonhos de nossos pacientes. Ao discutir este tema estou implicitamente tentando esclarecer a forma pela qual o significado é construído e transformado na vida mental.

As emoções não são só indicativas de estados mentais. Acima de tudo, elas representam núcleos de significado. Esses núcleos são constituídos de objetos internos que, como estruturas do ego, funcionam como complexos polos magnéticos, que organizam as experiências emocionais. A atração nesses núcleos é exercida pela similaridade de significados e de função emocional. Essas estruturas operam como matrizes ou modelos que atribuem significado a outras experiências afetivas. Para poderem se tornar pensáveis e comunicáveis, as emoções precisam passar por um trabalho de transformação e assim adquirir forma simbólica adequada. Desse modo as experiências emocionais também são transformadas, assim como na nova forma simbólica presente nos sonhos são evocadas experiências diferentes e novas conexões.

Portanto, focalizo o que acontece aos sentimentos nos sonhos em conexão aos seus significados como consequência e expressão de diversos estágios do processo de elaboração. Em relação ao estado de vigília, o estado de sonho é mais propício para o processo de elaboração, pois a mente continua a funcionar no sonhar sem ficar absorta nem influenciada pela estimulação externa.

O Mundo do Sonho é o cenário próprio em que a mente se engaja na tentativa inicial de lidar com conflitos dando representação expressiva pictórica às emoções envolvidas em um conflito: primeiro passo para a pensabilidade. J. Lear escreve: "As imagens concretas do processo primário podem ser pré-conceituais, mas são também proto-conceituais. A partir delas é que surgem os conceitos" (Lear, 1998; p. 85). E a partir dessa perspectiva, os sonhos desempenham papel central no processo de elaboração das experiências emocionais. Quando o trabalho onírico falha no desempenho dessa função, a capacidade de formar símbolos é afetada.

Gostaria de conjecturar também que a função de elaboração dos sonhos é desempenhada por um processo de progressão das qualidades formais (Meltzer, 1978; p. 73) das representações disponibilizadas pelo sonhar sob a forma que denominei pictogramas afetivos principalmente em resposta a interpretações. Por isso as imagens visuais usadas no trabalho onírico "crescem em complexidade, sofisticação e nível de abstração". Esse crescimento "aumenta a generalidade da formulação mental e, consequentemente aumenta a especificidade dos usos aos quais ele pode ser colocado." (Meltzer, 1978; p. 73).

É por esse meio (progressão das qualidades formais da representação) que as capacidades de pensar da vida afetiva se desenvolvem e se tornam parte do processo do que poderia ser metaforicamente chamado de metabolização da vida emocional. Essa metabolização ocorre por meio da migração do significado por vários níveis de processo mental. A interpretação do analista busca encontrar a lei que estrutura o padrão com todas as suas tensões dialéticas e contradições.

Sugiro que a ação de um sonho se organiza primeiro com base nas experiências afetivas que mobilizam fantasias inconscientes construídas ao redor de um ou mais núcleos de significação. Devido a essas estruturas básicas, os seres humanos não organizam suas experiências emocionais ao acaso, mas em conformidade inconsciente com certos padrões estruturantes parcialmente inatos e principalmente moldados pela experiência.

Como o inconsciente opera por meio de imagens, necessitamos seguir o processo de elaboração prestando atenção às mudanças na representação pictórica.

Uso o conceito de pictograma (Barros, 2000), especificamente, para me referir a uma forma muito inicial de representação das experiências emocionais, fruto da função alfa (Bion, 1962) que cria símbolos por meio de figurações para o pensamento onírico, como alicerce e primeiro passo em direção aos processos de pensamento. Falando estritamente, porém, os pictogramas ainda não são processos de pensamento, já que são expressos em imagens e não em discurso verbal e contêm elementos evocativos e expressivos poderosos. O pictograma não é escolha nem criação livre, mas consequência das leis que governam a atividade de representação. Por meio da representação pictórica os sonhos não nomeiam, mas exemplificam tipos de experiências que mostram como a experiência subjetiva de um sentimento pode ser objetivamente expressa. Acreditamos que ao examinar as mudanças ou expansões nos significados dos símbolos presentes em sonhos podemos entender melhor como as transformações semióticas (Solomonsson, 2007) operam no ego. Esses processos podem ser mais bem observados quando ocorrem em sonhos, pois estes são o domínio privilegiado da representação visual ou figurabilidade (simbolismo apresentativo) em sua forma pura. Sugiro também que os significados se ampliam à medida que se relacionam com outras partes do self devido à ruptura das barreiras que impedem o contato com outras experiências emocionais.

Do meu ponto de vista, o analista ao interpretar o sonho promove o que os linguistas chamam de transmutação de base simbólica, um processo necessário para ajudar a mente a aprimorar sua capacidade de pensar.

Na situação analítica os sonhos podem mudar; podem ser comunicações para o analista, performances para o analista, presentes, atos de cortesia para o analista e expressões do processo de elaboração em resposta às interpretações do analista. Nesse sentido, os sonhos também refletem o que está acontecendo na relação paciente-analista em termos de transferência.

 

Referências

Barros, E.M.R. (2000). Affect and pictographic image: The constitution of meaning in mental life. Int. J. of Psychoanal., 81,1087-1099.         [ Links ]

Bion, W. (1962). Learning from Experience. London: William Heineman Medical Books.         [ Links ]

Lear, J. (1998). Love and Its Place in Nature. New Haven and London: Yale University Press.         [ Links ]

Meltzer, D. (1978). The Kleinian Experience. Bion (Vol. 3). Perthshire: Clunie Press.         [ Links ]

Salomonsson, B. (2007). Semiotic transformations in psychoanalysis with infant and adults. Int. J. of Psychoanal., 88,1201-1221.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Elias Mallet da Rocha Barros
[Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP]
Rua Dr. Homem de Mello, 644/42 – Perdizes
05007-001 São Paulo, SP
Tel: 11 3865-8675
erbarro@terra.com.br