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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.45 no.2 São Paulo abr./jun. 2011

 

47º CONGRESSO DA IPA - MÉXICO PAINÉIS PRINCIPAIS

 

Inconsciente

 

 

Jorge Luis MaldonadoI; Tradução de Claudia Berliner

IAnalista didata da Associação Psicanalítica de Buenos Aires APdeBA

Correspondência

 

 

Qual é a sua teoria a respeito dos processos inconscientes? Com que outras teorias você compararia sua conceituação?

 

O contexto de reconhecimento de processos inconscientes

As primeiras pesquisas sobre o inconsciente centravam-se em considerações sobre a memória e suas vicissitudes. Em seguida, o interesse se estendeu para as transformações das fantasias (phantasies) inconscientes que ocorrem na relação analisando-analista e se manifestam no processo analítico. Este consiste em ciclos de mudanças dinâmicas, econômicas e estruturais que acontecem no analisando e adquirem sentido na relação transferencial. Nesta oportunidade, farei referência apenas a processos inconscientes observáveis na relação analítica.

Manifestações isoladas do inconsciente podem ser observadas na patologia da vida cotidiana e eventualmente consideradas por outras disciplinas. No entanto, o que é próprio da psicanálise é o estudo e conclusões sobre as fantasias inconscientes e sobre a distorção que o sujeito faz de suas experiências infantis, que são avaliadas na relação de um sujeito com seu objeto na situação analítica. O objetivo da situação analítica é estabelecer, tanto para o analisando quanto para o analista, um contexto de contenção e um contexto de sentido que permitam construir hipóteses sobre os fenômenos inconscientes. A regra de abstinência e o estabelecimento do enquadre tendem a limitar a arbitrariedade do analista e constituem o contexto de contenção.

 

Mudanças, transformações, elaboração

A introdução da noção de "elaboração" (Freud, 1914) significou um marco crucial no reconhecimento da análise como sucessão de transformações. A concepção dinâmica alude, pois, à oposição de forças, mas também às transformações das fantasias inconscientes que surgem na relação de um sujeito com um objeto e dos símbolos com que elas se constroem. A noção de "elaboração" evidenciou que cada interpretação adequada gera uma sequência de mudanças em processos inconscientes e instaura uma dialética entre o analista e o inconsciente do analisando. Não basta pensar que, por efeito da interpretação das resistências, o eu se abre num ato singular para dar lugar a derivados do inconsciente e logo restabelece seu fechamento. A partir da noção de elaboração, a análise começa a ser pensada como sequência de transformações da fantasia inconsciente. Estas acontecem quando, por efeito da interpretação, as equações simbólicas alteram sua equivalência simbólica com a "coisa" e adquirem as propriedades do símbolo diferenciado da "coisa". Essas modificações na estrutura do símbolo são paradigmáticas do acontecer inconsciente em sentido dinâmico. Também o são os diferentes processos de identificação e as correspondentes desidentificações.

A descoberta da reação terapêutica negativa (Freud, 1923) foi o segundo marco crucial no estudo do processo, à medida que possibilitou que este fosse avaliado no nível de seus fracassos. Foram em seguida consideradas outras variedades de interferências na elaboração inconsciente, que dependem da inadequação da interpretação e, essencialmente, de fatores pessoais do analista.

 

A interpretação

No meu entender, a interpretação é o fator de mudança estrutural no plano do inconsciente. Exerce seu efeito no contexto de uma relação de assimetria entre analista e analisando destinada exclusivamente a resolver os conflitos do analisando excluindo mutualidades de qualquer índole.

Existem fatores inerentes à emocionalidade, e características pessoais positivas do analista que, no meu entender, não exercem uma influência direta nas modificações do inconsciente. Em oposição a essa concepção, outras teorias outorgam valor de mudança a esses fatores pessoais do analista. Considero que os fatores pessoais intervêm como "condição necessária" (Etchegoyen, 2010) para o desenvolvimento de um processo, mas não chegam a ser "condição suficiente" para produzir uma evolução. Essa "condição suficiente" se obtém a partir de interpretações adequadas que levam o analisando a uma renúncia: renúncia à posse dos objetos endogâmicos, a modalidades infantis possessivas de relação de objeto e à onipotência narcisista. É possível que as interpretações que produzem insight e obtêm modificações no inconsciente do analisando ajam mediante uma ressignificação (Nachträglichkeit) das fantasias infantis que produziram distorções dos acontecimentos históricos.

Por outro lado, quando os fatores pessoais negativos do analista constituem contrarresistências, podem efetivamente constituir "condição suficiente" para interferir no desenvolvimento do processo. Existem estudos sobre desvios de tratamentos nos quais o analista está pessoalmente envolvido com seus conflitos (Maldonado, 1984, 2008), (Gabbard, 2003), e sobre o dano que isso pode causar a seus pacientes (Hernández de Tubert, 2004).

 

Mensagem do inconsciente

O desejo rejeitado pelas instâncias superiores (o desejo-sonho recalcado) revolve o mundo subterrâneo da mente (o inconsciente) a fim de ser escutado. (Freud, 1927. Tradução e parêntese do autor)1.

O desejo inconsciente se expressa enviando uma mensagem, procurando alguém que possa escutar para desentranhar seu significado. A citação: in order to get a hearing orienta nesse sentido. No entanto, assim como o sonho contém seu umbigo (navel) (Freud, 1900) que leva ao desconhecido, também é possível que algo da transmissão do inconsciente permaneça inacessível a toda possível compreensão.

A situação analítica destina-se a favorecer uma comunicação do inconsciente do analisando, regida pelos processos primários, dirigida a alguém que responde mediante o processo secundário. O analista, por sua potencial capacidade de compreender o sentido das formações inconscientes, transforma-se em destinatário de transferências que o constituem em "interlocutor privilegiado" do inconsciente. É devido à transferência que as formações sintomáticas e derivados do inconsciente adquirem o caráter de mensagens, cujo destino é serem decifradas pelo analista, retransmitidas mediante palavras e não atuadas por ele. Essa condição de "interlocutor privilegiado" outorgada ao analista determina que a transferência analítica seja distinta de toda outra transferência que o sujeito possa estabelecer com objetos libidinais, em outros contextos, nos quais a busca de sentido da mensagem inconsciente não é o objetivo da relação e, portanto, o destino da mensagem não é a interpretação.

 

Diferenças com outras teorias

O inconsciente dinâmico surge do conflito psíquico; é concebido como divisão primária, se constitui entre instâncias psíquicas e, na concepção freudiana, culmina mediante o recalque inerente ao final (dissolution) do complexo de Édipo. Caracteriza-se por uma divisão entre instâncias psíquicas que é de caráter radical. O conflito intrapsíquico adquire expressão na fantasia inconsciente que contém o desejo. Em certos momentos da relação analítica, a fantasia inconsciente é uma construção mútua entre analista e analisando (Baranger et al.,1983), que constitui uma interação própria do inconsciente dinâmico. O inconsciente que surge do conflito está ancorado na fantasia e no desejo, num contexto exclusivo determinado pela situação analítica em que os processos inconscientes se desenvolvem. Isso diferencia o inconsciente dinâmico estudado pela psicanálise do inconsciente descritivo, não dinâmico, considerado por outras disciplinas tais como as neurociências. As pesquisas efetuadas por outras disciplinas empregando outros procedimentos de investigação não são equiparáveis às obtidas mediante o estudo da fantasia inconsciente em transferência.

 

Referências

Baranger, M., Baranger, W. and Mom, J. (1983). Process and non-process in analytic work. International Journal of Psycho-Analysis, 64, 1-15.         [ Links ]

Etchegoyen, H. (2010). Comunicação pessoal.         [ Links ]

Freud, S. (1900). The Interpretation of Dreams. In S. Freud, The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. 4/5). London: Hogarth Press.         [ Links ]

Freud, S. (1914). Remembering, repeating and working-through (Further recommendations on the technique of psycho-Analysis II). In S. Freud, The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. 12). London: Hogarth Press.         [ Links ]

Freud, S. (1923). The ego and the id. In S. Freud, The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. 19). London: Hogarth Press.         [ Links ]

Freud, S. (1927). Letter from Sigmund Freud to Werner Achelis, 30/1/1927. In S. Freud, Letters of Sigmund Freud 1873-1939 (pp. 374-375). New York: Basic Books.

Gabbard, G. O. (2003). Miscarriages of psychoanalytic treatment with suicidal patients. Int. J. Psycho-Anal., 84,2,249-261.         [ Links ]

Hernández de Tubert, R. (2004). Cuando el analista maltrata al paciente. Una perspectiva ética y epistemológica. Revista Latinoamericana de Psicoanálisis, 6,59-74.         [ Links ]

Maldonado, J. L. (1984). Analyst involvement in the psychoanalytical impasse. Int. J. Psycho-Anal., 65, 263-271. Revista Argentina de Psicoanálisis. XL, 205-218.         [ Links ]

Maldonado, J. L. (2008). El narcisismo y el trabajo del analista. Paradojas, obstáculos y transformaciones. Buenos Aires: Lumen.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Jorge Luis Maldonado
[Associação Psicanalítica de Buenos Aires APdeBA]
Juez Estrada 2725
1425 Buenos Aires, Argentina
Tel: 54 11 4802-8517
jorgeluismaldonado@arnet.com.ar

 

 

1 "The wish rejected by the higher mental agencies (the repressed dream-wish) stirs up the mental underworld (the unconscious) in order to get a hearing." Freud (1927, p. 375, aspas minhas).