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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.45 no.2 São Paulo abr./jun. 2011

 

ARTIGOS

 

Ferenczi, o "analista introjetivo"1

 

Ferenczi, the "introjective analyst"

 

Ferenczi, el "analista introyectivo"

 

 

Franco BorgognoI; Tradução de Antonio Fournier

IMembro ordinário con funções de training e supervisão da Società Psicoanalitica Italiana; diretor da Scuola di Specializzazione in Psicologia Clinica da Universidade de Turim; coordenator da seção Psicologia Clinica e delle Relazioni Interpersonali da Scuola di Dottorato in Scienze Umane da mesma universidade

Correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é evidenciar os motivos pelos quais, no âmbito de nossa história, Ferenczi representa o protótipo do analista introjetivo por excelência. Para isso, adotarei o tipo de leitura dos textos clássicos da psicanálise que propus em Psicanálise como percurso (1999), explorarei e discutirei algumas das razões teóricas e clínicas que, ao longo de todo seu "percurso de vida e obras", transformaram-no num analista introjetivo. É justamente essa sua característica específica a torná-lo, ainda hoje, para muitos de nós, uma inspiração e um mestre de um modo contemporâneo. Concentrarei minha reflexão, em particular, sobre seus primeiros escritos e sobre os últimos, para demonstrar o progressivo desenvolvimento dessa importante diretriz de sua concepção psicanalítica e de seu estilo.

Palavras-chave: Sándor Ferenczi; introjeção; projeção; inversão dos papéis; continência; transformação.


ABSTRACT

The aim of this study is to explicit the reasons why, in our history, Ferenczi represents the prototype of the definition of an introjective analyst. As such, following the reading of classic psychoanalysis texts which I proposed in Psicanálise come percurso (1999), I will explore and discuss some of the reasons, both theoretical and clinical, which, during his "course of life and works" transformed him into such – an introjective analyst, stressing that it is exactly this specific characteristic which makes him, to this day, to many of us, an inspiration and a master of some contemporaneity. I will concentrate my reflection particularly on his first and last writings, so as to show the progressive development of this important guideline of his psychoanalytic conception and style.

Keywords: Sándor Ferenczi; introjection; projection; role inversion; continence; transformation.


RESUMEN

El objetivo de este estudio es evidenciar las razones por las cuales en el ámbito de nuestra historia Ferenczi representa el prototipo de lo que es un analista introyectivo. Con este fin, siguiendo el tipo de lectura de textos clásicos del psicoanálisis que se propone en Psicanálise come percurso (1999), exploraré y discutiré algunas de las razones teóricas y clínicas de todo su "percurso y obras" lo transformaran en esto, es decir, un analista introyectivo, observando como justamente esta característica particular lo torna hoy, para muchos de nosotros, un inspirador y maestro de algún modo contemporáneo. Voy a centrar mi reflexión, en particular, acerca de sus primeros escritos y sobre los últimos para demostrar el desarrollo progresivo de esta directriz importante de su concepción del psicoanálisis y de su estilo.

Palabras clave: Sándor Ferenczi; introyección; proyección; inversión de los papeles; continencia; transformación.


 

 

Objetivos do trabalho

O objetivo deste trabalho é evidenciar os motivos pelos quais, no âmbito de nossa história, Ferenczi representa o protótipo do analista introjetivo por excelência. Para isso, adotarei o tipo de leitura dos textos clássicos da psicanálise que propus em Psicanálise como percurso (1999), explorarei e discutirei algumas das razões teóricas e clínicas que, ao longo de todo seu "percurso de vida e obras", o transformaram num analista introjetivo. É, justamente, essa sua característica específica que o torna, ainda hoje, para muitos de nós, uma inspiração e um mestre de um modo quase contemporâneo. Concentrarei minha reflexão, em particular, sobre seus primeiros escritos e sobre os últimos, para demonstrar o progressivo desenvolvimento dessa importante diretriz de sua concepção psicanalítica e de seu estilo. Deixo, para um trabalho futuro, a articulação, igualmente interessante, de suas ideias sobre os fenômenos de imitação, incorporação e identificação que decorrem do processo de introjeção.

 

Ouverture: um "cartão de visita"

Começo imediatamente pelos seus primórdios, particularmente, pelo seu primeiro escrito de 1908 intitulado Do alcance da ejaculação precoce (Ferenczi, 1908a) que, a bem ver, é apenas o "cartão de visita" por meio do qual Ferenczi, sem saber, anuncia a direção eletivamente introjetiva que sua futura pesquisa assumiria. Tal pesquisa, desde seus primeiros passos no âmbito da psicanálise (e no momento exato em que esta era fundada), visava a estigmatizar aqueles que, em sua opinião, eram os "pecados dos psicanalistas" (1932b) e, obviamente, os seus, como analista novato. Um dos pecados consistia, antes de tudo, no fato de que o analista tem pouco contato com as necessidades afetivas dos pacientes e, portanto, falta-lhe introjeção e compartilhamento em relação ao que o paciente comunica. E, note-se, é exatamente disso que o analista quer cuidar.2

Se adotarmos "a perspectiva de observar toda a sua obra" (é assim que costumo abordar os escritos de um autor), veremos que, já em suas reflexões iniciais, o ejaculador precoce é qualquer analista. Para quem conhece a história pessoal de Ferenczi, é provavelmente, ele mesmo, segundo as considerações (nesse sentido, autoanalíticas) que faz nas páginas às quais nos referimos. Tal analista é aquele que, dentro da conexão entre mentes - que é condição sine qua non do encontro analítico - acaba, de alguma maneira, apesar de seu empenho intencional em relação ao paciente, por não cumprir seu dever em relação ao outro com o qual se relaciona, não acolhendo, nem valorizando, sua singularidade e sua necessidade psíquica de relação e satisfação.

A esse propósito, se nos afastarmos da concretude fatual do sintoma que Ferenczi explora de modo original nesse escrito - indagando suas consequências sobre o parceiro submetido ao sintoma - e passarmos a um nível metafórico de leitura, ele nos fornece, imediatamente, uma luminosa indicação. Tal indicação é até, decididamente, inusitada para aquela época. A "angústia", a "depressão", o "desassossego" e, até mesmo, a completa ou parcial "anestesia" e "irritação libidinal" que a mulher experimenta perante o parceiro que ejacula precocemente não poderiam ser entendidos também como o efeito que a pressa relacional e interpretativa do psicanalista tem sobre o paciente? (Ferenczi, 1908a, pp. 1-3.) O psicanalista - sublinho - seria aquele que não acolhe, suficientemente, as necessidades e pedidos do paciente, pois não se identifica com a condição de desvantagem que caracteriza o paciente (desvantagem em relação ao psicanalista) e não respeita, suficientemente, os tempos e a sincronia que são indispensáveis para alcançar aquele "ato penetrativo-interpretativo" ("projetivo" segundo Paula Heimann, 1949, Roger Money-Kyrle, 1956 e Irma Brenman Pick, 1985) que se demonstra realmente eficaz e feliz para ambos os membros do par analítico, e não apenas para um deles (sobre a questão do "projetivo" voltarei, brevemente, ao final do texto3).

Muito mais à frente, em sua obra, ficará mais do que evidente que o ejaculador precoce é, sem sombra de dúvida, o analista. E perceberemos isso sem que seja necessário recorrer à interpretação metafórica, aparentemente arriscada, que apresentei aqui ("aparentemente", porque o próprio Ferenczi nos autoriza a dar esse salto do corpo para a mente equiparando, em Thalassa de 1924, o "coito sexual" e o "coito mental"). O ejaculador precoce é aquele analista que, em síntese, não entra genuinamente em contato com o outro, por diferentes motivos: porque se aborrece com o tempo necessário para entrar em contato com o outro; porque sofre de "fanatismo interpretativo"4; porque apresenta "escrúpulos exagerados"; ou, ainda, porque "abstém-se de modo esquizoide" de participar e de sintonizar-se, ao responder às mensagens do paciente (ele denunciará essa última postura ampla e impiedosamente no Diário clínico, pp. 97-99, ao falar, expressamente, da existência de uma recusa de natureza masculina - encontrada em homens e mulheres - de dar espaço e de conter, dentro de si, uma experiência que impõe tensões e sensações desconhecidas e imprevistas. Assim, recusa essa experiência, pois ela exigiria uma alteração pro tempore da própria estrutura mental e da própria identidade. Quanto ao eventual fanatismo interpretativo do analista, citado acima, Ferenczi o fará, em seguida, coincidir com um ato explícito, sádico e cruel, de domínio narcísico, permeado por uma postura "cerebral e masturbatória" que não consente um efetivo reconhecimento do parceiro e de sua específica alteridade: um "masturbar-se na vagina", como definiu já nesses primeiros anos de seu percurso, 1912b, p. 230.

 

Interlúdio caprichoso: instruções para uso do método psicanalítico

Antes, porém, de considerar a introdução do conceito de introjeção na psicanálise, feita por Ferenczi, vejamos o que podemos chamar de "instruções de uso" do método psicanalítico que, como ele muito bem observava no início de seu percurso, implica sempre uma forma de educação do paciente ao método: uma forma de educação para que a conexão seja bem-sucedida e para obter, concretamente, a "colaboração" autêntica dos pacientes (Ferenczi, 1909a, p. 74). Essa educação deveria proceder com base em um "grande intuito psicológico e muito tato" (Ferenczi, 1908b, p. 11), mas, infelizmente, não é raro que resulte em certo excesso pulsional por parte do analista, ou seja, o analista põe em campo muito ou muito pouco em nível das pulsões.

Os exemplos desse "muito" ou "muito pouco" que surgem prontamente em Ferenczi, assim que ele se embrenha na psicanálise (já imerso totalmente nela), são - segundo meu raciocínio - por si só, muito significativos em relação à futura visão psicanalítica que ele desenvolveria. Dirigindo a atenção aos pais, ele menciona tanto a mãe, que não consegue suportar a maturação do filho e seus passos de independência mental e existencial, quanto o pai que - também, ele, genitor incestuoso como a mãe anterior - abraçando a filha, "introduz a língua entre os lábios da menina" (Ferenczi, 1908b, p. 14) e, ainda, de modo geral, todos aqueles cuidadores que, por "prolongada negligência" (Ferenczi, 1908c, p. 39), deixam as crianças sós nos "momentos de crise", ou, então, são exageradamente ansiosos e/ ou mentem e são hipócritas para com elas, quer subestimando a inteligência e a capacidade de observação das crianças (Ferenczi, 1909a, p. 70), quer demonstrando-se particularmente severos perante sua fome de verdade e de ajuda em relação ao desenvolvimento sexual. Essas condutas e posturas - nota Ferenczi - excitam ou inibem o crescimento das crianças, empurrando-as, na prática, por meio de uma espécie de "sugestão pós-hipnótica de alucinação negativa" (Ferenczi, 1908c, p. 41) para uma "obediência cega", um "respeito imotivado" e uma "cegueira interior", causadores não só de "recalcamentos inúteis" (Ferenczi, 1908c, p. 35), mas de "dissociação" - e de "extração", para usar o meu léxico (Borgogno, 1999) - de áreas da vida e de recursos do próprio self.

O homo psychoanalyticus - afirmaria ele, em 1908 (Ferenczi, 1908c, p. 42) - deveria, por esses motivos, ser, antes de tudo, sóbrio e não dogmático. Deveria, em outras palavras, em primeiro lugar, analisar constantemente as características de seus próprios afetos, impedindo que degenerem-se em paixões e que provoquem "dor adicional" (Ferenczi, 1908c, p. 43; Ferenczi, 1911b, p. 149); deveria, portanto, "dosar" "os próprios estímulos" ao transmitir as próprias impressões (Ferenczi, 1908c, p. 38), dotando-se de "bom humor e caridade" (Ferenczi, 1911a, p. 126) (e, porque não, - aconselha - de "uma pitada de ironia"), ao "ponderar" as ações e as declarações dos outros; e, por fim, não deveria esquecer a própria infância e adolescência ao aproximar-se de seus pacientes, tomando cuidado especial para respeitar, a esse propósito, o princípio de equidade distributiva de direitos e deveres entre homem e mulher, genitor e filho, analista e paciente5.

Ele invoca, assim, desde o início, um conjunto de preceitos ideais, que não podem, de modo algum, em sua opinião, ser considerados garantidos, já de saída, na realização efetiva de uma análise, nem ser considerados fáceis de perseguir e de alcançar. Mais tarde, em 1919, no ensaio A técnica psicanalítica (Ferenczi, 1919a), ele considerou que tais preceitos são seriamente dificultados pelos componentes narcísicos da contratransferência do analista e pelas suas próprias resistências ao trabalho autoanalítico e de elaboração que a análise exige. Esses componentes produziriam, não poucas vezes, as mesmas resistências e reações terapêuticas negativas encontradas nos pacientes, tornando-se, até mesmo, - em certos casos - um autêntico "entrave" e "impedimento" à formação da transferência (Ferenczi, 1919a, p. 315)6,7. O narcisismo do analista e sua resistência à tarefa analítica geram, eles mesmos, quase sempre, em sua opinião, as resistências e as reações terapêuticas negativas do paciente.

 

Allegro ma non troppo: contato, contágio psíquico, transferência e introjeção

Ferenczi chega ao conceito de "introjeção" por meio de pequenas e progressivas notas, que se concentram no que é o contato psíquico e em como ele pode se adulterar e, facilmente, transformar-se em formas de contágio psíquico, se o contato não for conduzido e modulado com cuidado. Aos poucos, ele atribui um peso cada vez maior a esse conceito no interior de sua obra, chegando a considerá-lo um processo psíquico tão importante quanto a projeção, se não mais (a projeção era o processo sobre o qual Freud e os primeiros psicanalistas costumavam concentrar-se, naqueles anos, colocando-o como primum movens da vida psíquica). Quando Ferenczi introduz o conceito de introjeção, em 1909 (Ferenczi, 1909b), ele não tinha ainda, na verdade, uma ideia clara a respeito dela, exceto por acreditar estar relacionada - como corretamente especificam Laplanche e Pontalis em seu "vocabulário" (Laplanche, Pontalis, 1967) - com a "paixão pela transferência" do sujeito neurótico. É bom ressaltar que essa "paixão pela transferência" caracteriza, segundo Ferenczi, a alma infantil que está na base da neurose e o próprio Ferenczi como "psicanalista freudiano em embrião".

É exatamente nesse contexto ideativo caracterizado pela "paixão infantil pela transferência" que Ferenczi - recorrendo à "avidez" que as crianças exprimem por afetos e objetos e à concomitante "vulnerabilidade" e "permeabilidade" delas em relação aos afetos e aos objetos que, intensamente, procuram e aos quais se ligam (a libido é, para ele, desde esse momento, uma "busca de objetos", mais do que uma "busca de gratificações pulsionais") - começa a deixar transparecer, em suas constatações, que a introjeção é fundamental como processo psíquico fundador. E mais: a introjeção não é fonte exclusivamente de vida, mas é, também, fonte de morte (a prova disso é a vicissitude que ele ilustra de Pedro, o Grande e seu filho Alexei, citada por Merežkovskij; Ferenczi, 1909b, p. 100). Para dizer de forma mais crua, ele sugeriu, sucintamente, nas entrelinhas de Transferência e introjeção, o fato de que se pode "comer merda" desde os primeiros dias da existência e ser, em consequência, envenenado e não nutrido pelos genitores, os quais não são, de maneira nenhuma, sempre "bons por definição", como postulava a teoria clássica de sua época. A criança muito pequena - frisa ele no mesmo texto - "tem, sim, fome de objetos e afetos", irrenunciáveis para seu desenvolvimento, mas, por ser muito pequena e inerme, pode apenas colocar tudo dentro de si, sem ser realmente capaz de selecionar e de se defender em relação ao que põe dentro.

Mas "o que é que a criança coloca dentro de si?", parece perguntar-se enquanto pensa no importante papel da introjeção. Não só as coisas materiais, mas, também, a maneira como estas coisas - comida, atenções, afetos e palavras - lhe são dadas; e seria exatamente a partir das diferentes qualidades da resposta do outro que se originariam, em sua opinião, as sucessivas identificações do indivíduo e até a própria visão de si e do mundo que caracteriza cada um de nós, incluindo as formas tendenciosamente patogênicas que essas visões podem assumir. E, para fornecer alguns exemplos destas últimas, é indispensável citar pelo menos duas das mencionadas por Ferenczi: uma delas é aquela forma de identificação -"identificação com o agressor" - que, alguns anos mais tarde, em 1913, ele já caracterizou e descreveu, em Um pequeno homem-galo (Ferenczi, 1913c), como central na constituição da personalidade8. A outra é a disposição das crianças, segundo ele, fisiológica, para assumir, em seu caráter, os traços distintivos dos genitores e, em particular, a reação (às vezes, profundamente inconsciente) destes últimos à sua chegada ao mundo e à vida. Ele esboçará essa disposição de forma admirável em A criança mal acolhida e sua pulsão de morte de 1929, mostrando como o ódio e a impaciência da mãe (e o fato de o filho não ser, em consequência, "desejado e bem acolhido") levem a experimentar a existência como "indigna de ser vivida" (Ferenczi, 1929, p. 46) e a uma profunda "apatia" perante a vida (Ferenczi, 1929, p. 48).

Ferenczi está, em suma, atento à transmissão interpsíquica e fala de introjeção. É assim que ele assinala, imediatamente, aos seus colegas que existe uma pragmática da comunicação humana que é preciso levar em consideração a todo custo. Esta, que é sempre relevante na transmissão psíquica, mas é, ainda, mais relevante quando estão em jogo mentes em formação. Nesse caso, é ainda mais relevante, pois as mentes em formação são, de maneira absoluta, muito mais suscetíveis do que as adultas de serem plasmadas pelas "ordens hipnóticas" dos cuidadores: pelas ordens hipnóticas "maternas", quando se baseiam no fascínio, na insinuação e na sedução; pelas ordens hipnóticas "paternas" quando, ao contrário, baseiam-se na intimidação e na intimação (Ferenczi, 1912a, p. 185; 1913a, p. 13). Ambos os tipos de ordens - observava - seriam, de fato, inevitavelmente recebidos e assimilados pelos "recém-nascidos", tornando-se operativos em seu estar no mundo, sem que as crianças tenham a mínima consciência de abrigá-los no íntimo do seu self, até encontrarem alguém que os visualiza e lhes dá a palavra capaz de liberá-las (Ferenczi, 1932a, p. 418, p. 426)9.

O problema em relação às ordens hipnóticas inconscientes é, entretanto, - explicita Ferenczi no final do texto - que, quase sempre, nem mesmo quem as emitiu é consciente de tê-las emitido e do que emitiu, dado que também essa pessoa, por sua vez, as introjetou de quem cuidava dela, identificando-se com elas e com quem as transmitiu de forma inconsciente. Essa contingência evidencia que a transferência - contrariamente ao ponto do qual Ferenczi partira ao refletir sobre a introjeção - não é, unicamente, uma projeção ditada pela fantasia inconsciente, mas é promovida também (infelizmente, também, de forma inconsciente) pelo próprio analista que, por causa disso, não pode mais, absolutamente, prefigurar-se como um mero "catalizador" dos impulsos afetivos dos outros e que se limitaria a atrair sobre sua própria pessoa os impulsos emotivos peculiares do paciente ou das personagens pertencentes a sua história, sem induzir, no outro, nada de seu (Ferenczi, 1909b, p. 80)10.

Esta convicção é extraordinária para aquela época, e levou Ferenczi, poucos anos depois, a afirmar que "os sintomas transitórios que ocorrem ao longo de uma psicanálise" devem ser compreendidos, durante a sessão, a partir do que o analista disse e fez - ou não disse e não fez - antes que se manifestassem. Ou seja, é preciso investigar o contexto analista-paciente em que os sintomas emergem, já que é a avaliação do contexto próximo e atual que nos permite conhecer "em miniatura" (Ferenczi, 1912a, p. 189) o modo em que surgiu, no passado, o sofrimento do paciente. Assim, dedicar essa atenção específica ao contexto atual ilumina o ambiente interpsíquico em que o paciente cresceu, as sensações de prazer e desprazer que, outrora, foram desencadeadas, as defesas reativas e os conflitos intrapsíquicos que, daí, derivaram11.

Rondò final: trauma, jogo identificatório e inversão dos papéis

Antes de me encaminhar para o final, mostrando a que levam as brilhantes intuições do "jovem" Ferenczi, não posso deixar de declarar, como preâmbulo às minhas conclusões sobre este "analista introjetivo por eleição", que a última parte de sua exploração e de sua avaliação da teoria e da prática psicanalítica é a retomada exata dos temas que ele identificara desde seus primeiros passos como psicanalista. Nesta parte final estão, porém, organizadas e estruturadas sob o amparo de uma nova visão do trauma e da correspondente nova técnica terapêutica para despertá-lo e o transformá-lo. Trata-se de uma nova visão do trauma e de uma nova técnica terapêutica correspondente para despertá-lo e transformá-lo, que Fereczi elaborou pouco antes de sua prematura morte em 1933. Além de terem aberto as portas da psicanálise moderna, essa visão e essa técnica continuam a nos estimular e a nos interrogar, pois colocam questões ainda atuais.

Nos últimos textos, Ferenczi se liberta de sua "maciça" sujeição em relação a Freud e, como clínico, chega a "ser finalmente ele mesmo". Nesses textos, ele chega, plenamente, ao que chama de "análises infantis com adultos" (Ferenczi, 1931). Tais análises visam ultrapassar a vasta gama de posturas inadequadas praticadas pelos próprios analistas, ao longo do tratamento dos pacientes. Mas, para passar de seus primeiros textos aos últimos, é obrigatório, para efeito de meu raciocínio, lembrar aqui, ainda que por alto, as áreas sobre as quais Ferenczi se concentrou nos anos intermediários. Em poucas palavras, nesse meio tempo, ele, de um lado, aprofundou-se na "identificação primária como fase preliminar da relação objetal" (Ferenczi, 1932b, p. 235) associada, obviamente, às numerosas estratégias arcaicas e autoplásticas de sobrevivência que surgem em concomitância com uma dor extrema, insuportável e irrepresentável12. De outro lado, fez repetidamente apelo à exigência de pôr em prática, no trabalho de análise, uma maior "mobilidade libidinal" e uma mais generosa plasticidade de "identificação imaginativa" (Ferenczi, 1933, p. 440), com a finalidade de reativar os "pontos mortos" (Ferenczi, 1919b, p. 6)13 do tratamento. Para isso, os psicanalistas deveriam ser os primeiros a estar dispostos a exercer, momentaneamente - em função do que é preciso e segundo as circunstâncias - aqueles papéis que o inconsciente dos pacientes exige que personifiquem, com o objetivo de chegar a conhecer pelo lado de dentro, e não só intelectualmente, as vicissitudes que produziram seu sofrimento patogênico e seu "mal estar" psíquico (Ferenczi, 1924a, pp. 212-213).

De fato, se examinarmos a pesquisa que Ferenczi conduziu entre 1927 e 1932, a partir desse duplo ponto de vista (ou seja, a identificação primária associada às estratégias arcaicas de defesa e a exigência de uma identificação imaginativa mais consistente com o paciente), torna-se totalmente evidente que ela se articula, prioritariamente, em torno de uma pergunta: será que realmente os psicanalistas (antes de tudo, ele mesmo!), durante o encontro analítico, são assim tão acessíveis e abertos, a ponto de, pelos menos temporariamente, virem a ser o próprio paciente e tomarem para si, também temporariamente, sua doença e seu sofrimento?14. Sem hesitar, ele responde negativamente a essa pergunta e elabora uma lista dos diversos tipos de recusa, de preguiça e de no-entry que podem surgir, em todos nós, quando se trata de acolher as "imagos parentais" do mundo interior evocadas projetivamente. Isso ocorre, sobretudo - e esse é o elemento mais precioso de seu percurso -, quando se trata de abrigar em nosso corpo e em nossa mente "a criança dissociada e fragmentada" que perdeu completamente a voz na personalidade do sujeito traumatizado, em razão do trauma e da consequente identificação inconsciente precoce e inevitável com o adulto não cumpridor e não confiável.

Apesar disso, essa criança dissociada e fragmentada permanece, segundo Ferenczi, sempre à espera de voltar a ser chamada à existência, graças àquele salvador que saberá, lentamente, trazê-la de volta à vida, mostrando-se capaz de reconhecer e de restituir a palavra à língua infantil exilada em condições de "dor grande demais" (Ferenczi, 1932b, pp. 82-83). Tal reconhecimento e renascimento só poderão ocorrer se o analista tiver sido capaz, em precedência, de abrigar, "humildemente", em seu espaço psíquico - e "encarnar", no lugar do paciente - tanto os sentimentos que este último não pôde viver no passado, como as potencialidades naturais que ele nunca conheceu, nem exprimiu, mas que poderia ter abrigado e "encarnado" ele mesmo, enquanto criança e enquanto adolescente, caso se houvesse embrenhado em outro destino de vida15.

É claro que, a esse ponto do percurso, Ferenczi tem em mente não mais os pacientes edípicos a que se referia Freud, mas os pacientes que entram, hoje, com mais frequência, em nossos consultórios (pacientes borderline, pacientes-limite, pacientes esquizoides etc.), nos quais o funcionamento do Id e do processo de simbolização são, essencialmente, deficientes. É exatamente em relação a estes pacientes que o longo tratamento analítico da paciente R.N. (na verdade, Elizabeth Severn) é precursor e paradigmático. No Diário clínico, Ferenczi se detém, detalhadamente, em cada etapa do tratamento, percorrendo-as uma a uma. À medida que reflete sobre elas, sondando impiedosamente a transferência e a contratransferência, denunciará totalmente as consideráveis reservas e dificuldades que o analista tem em tolerar as transferências do paciente e os papéis que este pretende que ele assuma, principalmente quando, na cena analítica, intervém a transferência não-verbal e cabe, então, ao analista personificar, no lugar do paciente, ("interpretar", como escrevi recentemente com Vigna-Taglianti, 2008) a criança "que se perdeu" e que, em muitas circunstâncias, "saiu fora de si". Tais dificuldades e reservas já estão presentes, segundo ele, na transferência positiva16 e, em maior grau, é claro, na transferência negativa comum, permeada por consistentes sentimentos de raiva e de ódio. Mas estas dificuldades e reservas se tornam ainda mais imponentes e irredutíveis quando cabe ao analista - insisto nisso - ter de se deixar transformar, na onda longa da análise, e por meio de uma inversão dos papéis, na criança a quem o paciente teve que renunciar, em parte, no passado, e antes de chegar a este ponto, no "objeto mau" que determinou aquela específica reviravolta transferencial. Essas dificuldades redobradas não se devem aos sentimentos negativos primários do paciente, mas, sim, a possíveis déficits e falhas idiossincráticas do analista, que acabam por reconduzir o paciente à cena, já que ele, analista, não conseguiu se identificar com o sofrimento infantil.

Em resumo, na opinião de Ferenczi, os analistas não querem nem ouvir falar sobre essa eventualidade peculiar. Entretanto, essa eventualidade - de tornar-se o "objeto mau" devido aos próprios déficits e faltas pessoais, e a inversão dos papéis que deriva muitas vezes disso (Borgogno, 2007b)17 -, na opinião de Ferenczi, não pode ser por nenhum motivo descartada e rejeitada, pois, perante o trauma e suas consequências, só é possível recuperar os pedaços de experiência não simbolizados e não representados "por meio da passagem - ostensiva - de seu acontecer a outra pessoa" (Ferenczi, 1932b, p. 279). Essa outra pessoa, "em contraste"18, contrariamente ao que o paciente experimentou no passado, é capaz de arcar com o ônus de se tornar o "assassino do paciente" (Ferenczi, 1932b, p. 112)19 e, apesar disso, de preparar para ele, dentro e fora de si, um ambiente psicológico diferente, capaz de convidar a infância ferida, seduzida, incompreendida e enganada a repetir-se e a voltar à vida para poder ser completada, reconstruída, recordada e, por fim, integrada.

 

Conclusões

Para encerrar, o que gostaria ainda de dizer? Em primeiro lugar, explicitar que essas minhas considerações apresentaram o percurso global de Ferenczi em nível ideal, pois ele, longe de tê-lo completamente realizado e teorizado, na verdade, só o vislumbrou e dele se aproximou, confiando a todos nós seu corajoso esforço de melhorar e potencializar a intervenção analítica, sobretudo, aquela que se realiza na presença de grande dor psíquica e do relativo ódio que a acompanha. Esta seria exatamente a conjuntura em que o medo dos sentimentos e o medo de sofrer do analista se fazem sentir de modo mais forte e na qual ele recorre, defensivamente, a autênticas formas de "terrorismo do sofrimento" (Ferenczi, 1932ab). Parece que foi exatamente em torno do ser odiado, do odiar e da paralela empatia sem distinção com o sofrimento dos outros, que Ferenczi encontrou seu próprio limite, pois envolvia-se, frequentemente, na relação com seus pacientes. Apesar disso, ele nos deixou, no Diário clínico, uma descrição incomparável e honesta de como o intrapsíquico, gerado, por sua vez, pelo extrapsíquico, deve "voltar a tornar-se interpsíquico na atualidade da relação analítica" para criar uma compreensão elaborada e uma recíproca transformação. O Diário mostra, também, que é necessário, por essa razão, que o analista permaneça durante muito tempo nessa complexa dinâmica para se desvencilhar e se libertar dos objetos e dos vários aspectos do self de seu paciente. Este último é, sem dúvida, mais um legado incontestável que Ferenczi nos confiou. Conseguimos começar a apreciar esse legado aos poucos, redescobrindo em nossas análises que é inevitável que haja uma parte de "ação interpessoal"; ela é, às vezes, necessária para conseguir detectar e imaginar as vicissitudes do mundo interior que o processo analítico faz emergir. Compreendemos, assim, porque é, muitas vezes, impossível ter acesso, em pouco tempo, a uma interpretação que prescinda completamente de um intenso envolvimento inconsciente de nossa parte20.

Em segundo lugar, gostaria de retomar por um instante o aspecto que deixei suspenso na abertura quando, citando Paula Heimann, Roger Money-Kyrle e Irma Brenman Pick, aludi à questão de que qualquer que seja o "ato interpretativo", ele não deixa de ser um ato projetivo posterior a uma introjeção das projeções do paciente. Este ato projetivo - como é o ato interpretativo do analista - deverá, é claro, compreender não só a recepção passiva dos aspectos comunicados projetivamente pelo paciente, mas, assim que os conseguir conter, deverá, também, estar pronto para transformá-los. Tal transformação deve, antes de tudo, atenuar as graves ansiedades "catastróficas" que os permeiam. Nem sempre o analista é capaz de fazer essa obra de saneamento em um lapso de tempo adequado, seja porque não consegue apreender completamente os vários aspectos implicados nas comunicações do paciente, seja porque, ao apreendê-los, não é imediatamente capaz de discernir entre sua reação pessoal a eles e aquilo que pertence às projeções que introjetou do paciente. Essa eventualidade não pode deixar de ser, em alguma medida, vivida também pelo analista, particularmente, quando o paciente, situando-se em uma posição mental anterior à individuação e à subjetivação, precisa que o analista aceite permanecer no caos, seja sentindo-se inexistente para o paciente - como se sentiu o paciente em sua infância - seja mais simplesmente (mas não menos dolorosamente), sentindo-se não ainda existente como objeto exterior para o paciente. Quando este estado mental se apresenta, nunca se pode "bionianamente" evitá-lo, se quiser, realmente, "sonhar" os "acontecimentos em jogo" durante a sessão, conseguindo, com isso, uma rêverie autêntica.21

 

Referências

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Correspondência:
Franco Borgogno
[Società Psicoanalitica Italiana SPI]
Via Cavour, 46
10123 – Torino, Italia
borgogno@psych.unito.it

Recebido em 18/2/2011
Aceito 13/4/2011

 

 

1 Invited Opening Lecture apresentada em 21 de Outubro de 2009 na International Conference Sándor Ferenczi de Buenos Aires (21-24 de Outubro) sobre Introjection, transference, and the analyst in the contemporary world, este trabalho foi publicado na Rivista di Psicoanalisi, 56,(3),561-576, 2010. Agradecemos à Rivista di Psicoanalisi por ter autorizado a publicação neste número da Revista Brasileira de Psicanalise.
2 A lista desses pecados - que constitui, por um lado, o assunto de uma carta aberta endereçada a Freud sobre as imperfeições da análise efetuada com ele, por outro, é também o resultado de uma impiedosa revisão do próprio Ferenczi de suas posturas analíticas anteriores que deixavam muito a desejar - encontra-se, seja no começo do Diário clínico (1932b, pp. 47-50), seja nas últimas páginas (pp. 302-305).
3 O jogo da projeção e da introjeção na dinâmica transferência / contratransferência foi, igualmente, bem descrito por Racker entre 1949 e 1958 (Racker, 1949-1958), e sucessivamente retomado e repensado por Etchegoyen (1991), em seu manual de técnica psicanalítica.
4 Veja-se a propósito de "fanatismo interpretativo": Ferenczi, 1924a; 1928.
5 Este último leitmotiv será recorrente em todos os escritos da última parte de sua vida, em particular, em A adaptação da família à criança de 1927 (Ferenczi, 1927), no qual Ferenczi declarou que, para compreender os níveis primitivos e não verbais do paciente, é necessário que os analistas ultrapassem seu próprio "esquecimento da infância" e que sejam eles os primeiros a dar os passos de adaptação em direção a ele e sua idiossincrática mentalidade.
6 Nesse mesmo ano de 1919, também Abraham aborda o problema dos pacientes que recusam e dificultam o método psicanalítico, mas a conclusão a que chega a esse respeito é diametralmente oposta à de Ferenczi (Abraham, 1919). Enquanto que, para Ferenczi, trata-se de um déficit de escuta e de resposta de tipo narcísico por parte do analista, Abraham considera, ao contrário, que, nesses casos, está em jogo o narcisismo florido do paciente que, por inveja e particular avidez, não consegue aceitar que o analista tenha "algo de bom" para lhe dar. Essa contraposição de pontos de vista refere-se, também, ao problema da introjeção: para Ferenczi (veja-se Thalassa, 1924b e o Diário clínico, 1932b) a introjeção da criança é nos primórdios, como para Winnicott, impiedosa, mas voltada para a vida (a criança come, literalmente, com prazer e a mãe, por sua vez, com prazer, deixa de comer). Para Abraham, ao contrário, a introjeção é sempre, como para Klein, em parte, destrutiva, e essa destrutividade, se não for atenuada e elaborada, marcará, segundo o parecer deles, o destino de uma pessoa.
7 O tema do narcisismo do analista volta a aparecer tal e qual nos capítulos escritos por Ferenczi em "Perspectivas de desenvolvimento da psicanálise" (1924a, pp. 213-214), em "Análises de crianças com adultos" (Ferenczi, 1931) e, naturalmente, em "Notas e fragmentos" (1920-32) e no Diário clínico (1932b).
8 O estudo de Ferenczi da "identificação com o agressor" e de sua fenomenologia, seja no âmbito do processo de crescimento, seja no âmbito do processo analítico, encontra-se nos seguintes textos: Ferenczi, 1929, 1931, 1932ab, 1920-32.
9 Em relação às "ordens hipnóticas inconscientes" e à sua influência sobre os indivíduos, veja-se, também: "Adestramento de um cavalo selvagem" e "Fé, incredulidade e convicção sob o ângulo da psicologia médica" de 1913 (Ferenczi, 1913ab), e "Anomalias psicogênicas do timbre de voz" e "Análise das comparações" de 1915 (Ferenczi, 1915ab).
10 No Diário clínico Ferenczi, chega a afirmar que, inicialmente, o analista induz a transferência e depois nega que o tenha feito, do mesmo modo em que, muitas vezes, é ele mesmo quem provoca o trauma ou sua repetição, mas não quer, depois, reconhecer que foi ele a provocá-lo.
11 Um estilo de trabalho, este, que Ferenczi aplica igualmente à análise das comparações do paciente, de seus próprios sonhos e, até mesmo, através de Pfister, de seus próprios rabiscos (veja-se "Análise das comparações" 1915b e "Sonhos de 'profanos'", 1917.
12 A propósito de estratégias arcaicas de sobrevivência (lembro, aqui, algumas: "fingir-se de morto" e outras formas de "mimetismo animal", "agarramento extremo", "fenômenos de materialização histérica", "autotomia", "catatonia e catalepsia", "negativismo", "petrificação", "glaciação", "suicídio psíquico"...) veja-se: Ferenczi, 1919cd, 1921ab, 1924b e, em seguida, 1932b, 1920-32. No que diz respeito à identificação primária, numerosas referências podem ser encontradas no Diário clínico.
13 "Reativar os pontos mortos" se tornará, nessa última parte de sua obra, "reanimar" as partes mortas e agônicas dos pacientes e de si mesmo.
14 Veja-se a esse respeito o interessante caso da paciente epilética, de língua inglesa, que pede a Ferenczi para ser Júlio César, pedido que - dado que "César" em inglês soa como seize her, ou seja, "toma-a para ti" - Ferenczi entende, no curso do tratamento, que é a expressão da necessidade, por parte da paciente, que o analista se torne, também ele, epilético, para que perceba o que ela está sentindo em sua condição de invalidez (1932b, p. 136). Isso é fruto, em Ferenczi, de rêverie e transformação, semelhante ao que Bion descreve no famoso exemplo do ice cream / I scream" (Bion, 1970, pp. 22-24)? Talvez seja isso, mas, seguramente, Ferenczi, nesse caso, - como sucessivamente fará Bion em Cogitations (1991, p. 286) - pensa: já que o paciente não quer do analista uma simples interpretação, mas, sim, saber se o analista está realmente disposto a conhecer a situação em que ele se encontra e ver, em consequência, como ele lida com ela e de quais acordos e antídotos lança mão para enfrentá-la.
15 Este modo de pensar de Ferenczi é surpreendentemente semelhante ao que escreverá Winnicott em Fear of breakdown (1963) e representa, em minha opinião, o profundo significado do conceito ferencziano de "new beginning" formulado a nível teórico por Michael Balint (1952): veja-se, a este respeito, Borgogno, 2007a.
16 No caso da transferência positiva, essas dificuldades, do ponto de vista de Ferenczi, apresentam-se, seja quando ela é intensa demais e marcada pela dependência originada nos primeiros períodos de vida, seja quando o analista a mistifica, ocultando do paciente, e de si mesmo (à medida que deposita nela - wishful thinkingl - plena confiança), que a percepção que este último tem do analista está esplendidamente enfeitada pela idealização, já que está imerso em uma condição de inexorável regressão devida à análise.
17 Não estou naturalmente me referindo aqui àquela "inversão dos papéis" bastante comum, típica das brincadeiras das crianças, e que corresponde substancialmente a uma dinâmica de inversão da posição passiva em uma ativa: dinâmica que se mostra com toda a evidência na análise infantil, mas que também está presente em maneira mais encoberta na análise dos adultos, quando estes - crianças e adultos - fazem experimentar ao outro que está com eles o que sentem ou sentiram nas situações mais ou menos dolorosas que experimentaram. Vivos exemplos desse tipo de inversão de papel são os dois pacientes descritos por Ferenczi em Sintomas transitórios no decorrer de uma psicanálise que, sentindo-se tratados por ele como estúpidos, se tornam realmente idiotas durante a sessão, fazendo com que ele se sinta, por sua vez, estúpido e idiota. Ferenczi vê essa eventualidade, de forma penetrante, como uma modalidade comunicativa posta expressamente em ação com o fim de "pôr em caricatura" aquilo que eu chamei de "tique interpretativo" do analista (Borgogno, 2005). Ferenczi, aliás, lembra em rodapé, ao expor estes exemplos, uma troca de palavras ocorrida entre uma criança e ele, pondo em evidência que as crianças têm o hábito de "fazer troça" dos adultos, quando estes últimos lhes dizem "absurdos" (Ferenczi, 1912a, pp. 184-185).
18 O conceito de "contraste" é descrito por Ferenczi principalmente em Princípio de relaxamento e neocatarse (1930) e em Confusão de línguas entre os adultos e a criança (1932a).
19 Veja-se, a este respeito, o cap. 7 de Reading Psychoanalysis. Freud, Rank, Ferenczi, Groddeck de Rudnytsky (2002), Soul Murder. The Effect of Childhood Abuse and Deprivation de Shengold (1989), mas, também, Soul Murder: Persecution in the Family (1973) de M. Schatzman, livro muito famoso nos anos setenta.
20 Este é o campo dos fenômenos clínicos que alguns autores americanos têm proficuamente investigado - distinguindo-os claramente dos "atuados sem pensamento" - nos termos de enactment ou de interpretive action (Jacobs, 1991, e Ogden, 1994, por exemplo), ao passo que os autores franceses - um exemplo é o livro dos Botella (2001) - têm explorado esses fenômenos recorrendo ao conceito de "trabalho de figurabilidade por parte do analista" que relacionam corretamente com a necessidade do analista, nestes casos, permitir-se fazer uma regressão formal de seu pensamento durante a sessão para alcançar um paciente, ele mesmo, profundamente regredido.
21 Não posso tratar aqui mais profundamente o que Ferenczi soube, realmente, fazer nessa direção e o que, ao contrário, escapou ao seu controle, incorrendo naqueles que, hoje, chamaríamos "erros grosseiros" e "autênticos actings". Além do fato de recorrer a seus pacientes para ultrapassar suas dificuldades consigo mesmo e com eles, em razão da ausência, na comunidade, de colegas de seu tempo e da ausência da ajuda e do confronto de que necessitava (falo da "análise recíproca"), como demonstra o tratamento de Elizabeth Severn, Ferenczi foi capaz, apesar de suas óbvias carências, de esboçar - por meio do working through de suas transferências e de sua resposta emocional às identificações projetivas dessa paciente - de esboçar uma explicação intrapsíquica do mundo interior que a caracterizava, ligando-o à "onda longa" da relação analítica com ela e às suas recíprocas histórias passadas, dando-nos, assim, o primeiro exemplo de um trabalho - que está longe de ser grosseiro e superficial - sobre o que devemos fazer para nos desvencilhar, quando somos confrontados com semelhantes situações. Para uma análise mais profunda a esse respeito, remeto o leitor ao último capítulo de Psicanálise como percurso (1999) intitulado "A respeito do Diário clínico: medo de sofrer e terrorismo de sofrimento".