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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.45 no.2 São Paulo abr./jun. 2011

 

ARTIGOS

 

A aurora da simbolização: contribuições iniciais de Bion a uma teoria da observação e do pensamento primitivo1

 

The dawn of symbolization: Bion's early contributions to a theory of observation and of primitive thought

 

El alba de la simbolización: contribuciones iniciales de Bion a una teoría de la observación y del pensamiento primitivo

 

 

Adriana Salvitti

Psicóloga, mestre e doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo USP

Correspondência

 

 


RESUMO

Na década de 1950 Bion publicou artigos dedicados à clínica da psicose que são conhecidos por mostrarem a pertinência, o alcance e os desdobramentos possíveis dos conceitos de Melanie Klein. Embora a ênfase esteja colocada nos processos patológicos da posição esquizoparanoide, Bion também nota a existência de processos que participam dos primórdios da simbolização nessa mesma posição. Descreve as tentativas da personalidade psicótica de restaurar o ego danificado, bem como o uso comunicativo da identificação projetiva. Essa contribuição teórica é acompanhada de uma abordagem clínica que compõe um esboço das discussões do autor sobre o método psicanalítico nas décadas seguintes, em especial, sobre a importância de o analista observar qual a natureza dos fenômenos e pensar sobre o seu significado enquanto eles ocorrem.

Palavras-chave: personalidade psicótica; identificação projetiva; ideograma; pensamento pré-verbal; observação psicanalítica.


ABSTRACT

In the 1950s, Bion published articles, dedicated to the clinical aspects of psychosis, that are known for showing the pertinence, grasp and possible developments of Melanie Klein's concepts. Although Bion placed his emphasis on the pathological processes of the paranoid-schizoid position, he also noted the existence of processes participating in the beginnings of symbolization in this position. He described the psychotic personality's attempts to restore the damaged ego, along with the communicative use of the projective identification. This theoretical contribution was accompanied by a clinical approach that formed an outline of the author's discussions in regards to the psychoanalytical method over subsequent decades, especially regarding the importance of observations on behalf of the analyst about the nature of the phenomena and of the analyst's thinking about their significance as they occur.

Keywords: psychotic personality; projective identification; ideogram; pre-verbal thought; psychoanalytic observation.


RESUMEN

En la década de 1950, Bion publicó artículos dedicados a la clínica de la psicosis que son conocidos por mostrar la pertinencia, el alcance y los desdoblamientos posibles de los conceptos de Melanie Klein. Aunque el énfasis sea puesto en los procesos patológicos de la posición esquizoparanoide, Bion también advierte la existencia de procesos que participan del inicio de la simbolización en esa misma posición. Describe los intentos de la personalidad psicótica en restaurar el ego dañado, bien como el uso comunicativo de la identificación proyectiva. Esta contribución teórica va acompañada de un abordaje clínico que forma parte de un bosquejo de las discusiones del autor sobre el método psicoanalítico en las décadas siguientes, en especial, acerca de la importancia del analista en observar cual es la naturaleza de los fenómenos y pensar en su significado mientras ocurren.

Palabras clave: personalidad psicótica; identificación proyectiva; ideograma; pensamiento pre-verbal; observación psicoanalítica.


 

 

Introdução

Começaremos este texto fazendo um percurso de trás para frente no que diz respeito à obra de Bion. De uma digressão sobre os seus últimos livros, passaremos por discussões presentes em seus trabalhos da década de 1960 sem, no entanto, aprofundá-las. A intenção é centralizarmos a nossa questão em torno de artigos escritos pelo autor na década de 1950 pela temática do simbolismo rudimentar, segundo as exigências de sua clínica da psicose. Pretendemos, com isso, dar uma ideia acerca do olhar lançado por Bion em relação à natureza dos fenômenos na sessão e mostrar aspectos de sua importância para o processo psicanalítico, uma vez que essa problemática será amplamente discutida em seus trabalhos nas décadas seguintes.2

O título do texto "A aurora da simbolização." certamente lembrará o leitor familiarizado com os trabalhos de Bion do título de seu livro A aurora do esquecimento publicado no mesmo ano da morte do autor, em 1979, aos 82 anos de idade. Ao escrever seus três últimos livros - a trilogia Uma memória do futuro, Bion recorreu à ficção literária e à invenção de personagens bastante inusitados, como dinossauros, somitos e até a ele mesmo na pele de "Bion", "myself" e "PA" (psicanalista). Representava dessa forma uma espécie de polifonia entre os mais variados estados do corpo e da alma: dos primitivos aos sofisticados; dos concretos aos abstratos. Sua intenção era abandonar uma linguagem mais propícia à comunicação científica em favor de uma linguagem mais poética, fora dos padrões com os quais a teoria psicanalítica configura a vida mental. Não se tornando explicativo ou meramente descritivo, poderia dar alguma figurabilidade a sensações, a fenômenos pouco nítidos ou articulados, como ruídos na comunicação e eventos que se dão fora do campo da linguagem verbal, e conferir expressão literária a variados estados da mente e usos do pensamento.

Considerando suas preocupações estilísticas como também clínicas com o emprego da linguagem, relacionadas tanto à transmissão do saber psicanalítico quanto à aproximação em direção à realidade psíquica ou ao afastamento da mesma, podemos levantar algumas questões acerca do título de seu último livro A aurora do esquecimento (1979/1996). Sabe-se que por meio da ficção Bion expôs fatos de sua história de vida e o significado de certas experiências, sem recorrer diretamente a dados biográficos. Seria o esquecimento uma referência ao abandono desses fatos concretos e singulares em favor da vida interior e de fatos existenciais, portanto universais, registrados no livro? Ou ainda, levando-se em conta a ironia característica do autor, estaria ele se referindo ao esquecimento de sua própria obra, que feneceria junto com o seu criador? Tomando por base suas conhecidas recomendações a uma atitude do analista que estivesse livre de memória, de desejo e da urgência de compreender, seria o esquecimento uma referência ao abandono das teorizações em favor de formas expressivas que estariam mais próximas da vida subjetiva e da experiência da interioridade? Teria ele a esperança de que o leitor especializado em psicanálise e em sua própria obra esquecesse seus conceitos a fim de dar lugar ao impacto dos fenômenos? O que significa essa forma de esquecimento para o psicanalista, bem como a emergência de um estado de mente sem memória e desejo?

Se na produção de seus últimos livros Bion recorre ao modelo "estético-artístico", nos trabalhos inicias predomina o modelo "científico-filosófico", conforme os termos de Rezende (1993). Estes foram criados para identificar as formas de Bion configurar o objeto de investigação da psicanálise. Porém, também nos servem para identificar seus diferentes estilos literários. Ao longo de seus trabalhos, Bion vai abandonando o modelo "científico-filosófico", mas não em favor da superioridade de outros modelos; seu pensamento não caminha em direção a algo melhor. O que vai ficando cada vez mais premente e dramático em seus escritos são as limitações da linguagem verbal para a formulação e a transmissão de fatos não materiais, não perceptíveis pelos sentidos.

Ainda que se possa pensar que entre as suas abordagens epistemológicas exista uma relação de complementação, oposição ou mesmo evolução, entendemos que a relação é mais bem descrita pela ideia de suplementariedade. Do contrário, pareceria que Bion se torna anticientífico e propõe o abandono das teorias e de um pensamento mais sistematizado. Se esse abandono realmente ocorre é preciso questionar o seu significado, o lugar e a maneira como é empregado. Desse modo, podemos evitar algumas confusões: a indiscriminação entre a dimensão teórica (em que conceitos são expostos e organizados em uma linguagem científica) e a dimensão da prática clínica; entre a lógica que rege a combinação de conceitos e a lógica do aparelho psíquico; entre o teórico da psicanálise e o analista praticante.3

Em diferentes oportunidades Bion discute a especificidade da dimensão teórica e prática da psicanálise, ainda que elas nem sempre sejam apresentadas de modo separado em sua obra. Se considerarmos o campo da experiência e a subjetividade do psicanalista, essas dimensões de fato não operam isoladamente. As observações do analista estão sempre informadas de hipóteses e concepções que, em sua gênese, derivam de uma experiência emocional impregnada de sensações, pensamentos oníricos, mitos pessoais e coletivos, e da imaginação especulativa. A passagem da comunicação privada, feita no indivíduo, à comunicação pública, associada a diferentes estados e empregos do pensamento, foi sistematizada no livro Elementos da psicanálise (1963/1989a) e exposta na forma de uma Grade. Em parte, esta última pode ser vista como um desdobramento das ideias seminais de Susan Isaacs (1952/1982) sobre a existência de uma continuidade genética entre os pensamentos arcaicos de fantasia e pensamentos mais abstratos.

A partir dos anos de 1960, Bion procura mostrar como a própria construção de teorias em psicanálise é parte de um processo de sofisticação crescente do pensamento, ligado de modo íntimo à experiência emocional, e que deve servir novamente à prática. Rezende chamou-o de "processo global de simbolização" (Rezende & Gerber, 2001). Nele há uma implicação ética que caracteriza a peculiaridade da psicanálise em relação às demais ciências. Estas últimas, ao contrário da primeira, diz Sandler "não vivem os fatos sobre os quais falam ou tentam estudar" (1988, p. 11). Isto é, pensar o fenômeno enquanto ele ocorre, e pensar sobre ele depois de ocorrido não significa apenas uma diferença de abordagem. Na prática clínica, o que está em jogo é a capacidade de simbolização, e sua implicação para o tratamento. Somado a isso, temos que a construção de conhecimento na psicanálise se dá a partir da dimensão estrangeira e opaca do inconsciente. Uma vez que o analista deve ser receptivo ao desconhecido, às incertezas e ao ainda não pensado da experiência presente, os modelos explanatório-científicos são de fato inadequados enquanto ferramentas de investigação psicanalítica.

Ainda que existam diferentes estilos e modelos de pensamento em Bion, consideramos que há questões comuns que atravessam a sua obra, quais sejam: um interesse pela descrição de fenômenos bastante primitivos, não abarcáveis pela linguagem verbal, bem como um interesse pela discriminação da natureza do objeto psicanalítico e por suas condições de apreensão (ou então, de observação - como diz Bion - ainda que esse objeto não seja sensível aos olhos).

Ao colocarmos o foco de nosso estudo em artigos escritos pelo autor nos anos 50, pretendemos realçar as tentativas de Bion pensar sobre o significado e a natureza dos fenômenos observados no atendimento de pacientes psicóticos, e dar uma ideia inicial sobre as suas implicações para o tratamento.

A noção de equação simbólica - descrita por Melanie Klein e ampliada por Hanna Segal a partir do conceito de identificação projetiva e de posição esquizoparanoide - está na base das concepções de Bion da época. Além dos aspectos patológicos típicos dessa posição, os fenômenos observados também foram descritos pelo autor como consistindo de processos formadores do psiquismo. É a especificidade desse olhar clínico que nos interessa destacar. Antes, porém, retomaremos as ideias das autoras a fim de tornar mais claro os desdobramentos promovidos por Bion.

 

Breve apanhado sobre a simbolização em Melanie Klein e Hanna Segal

Lançando mão do conceito de identificação de Ferenczi, Klein (1930/1996) acredita que desde o começo da vida a criança estabelece uma igualdade entre o seu próprio corpo e os objetos, reencontrando neles os seus órgãos e o seu funcionamento. A identificação entre o ego e o objeto foi nomeada por Melanie Klein de "equação simbólica", significando tanto a equivalência entre os mesmos quanto o modo pelo qual essa equivalência é estabelecida.4 Por meio dela, a criança poderia direcionar a outros objetos o amor, o ódio, o sadismo, a ansiedade e a mágoa sentida em relação ao objeto primordial. Se o afastamento não estiver marcado por um grande ressentimento e uma ansiedade muito intensa, há uma proliferação no uso de símbolos e uma crescente relação com a realidade. Quando a ansiedade é intolerável, há inibição e empobrecimento generalizado da vida mental.

A análise de pacientes que não podiam dar figuração aos seus problemas através do brincar, do falar, do pensar e do sonhar levantava questões sobre as características das fantasias inconscientes e sobre o processo de simbolização. Segundo Klein, não seria possível atribuir aos comportamentos desses pacientes qualquer caráter simbólico. Uma vez que Dick, um pacientezinho psicótico seu, não se relacionava de maneira explicitamente afetiva com os objetos, "suas ações fortuitas diante deles não eram tingidas pela fantasia e, por isso, não era possível atribuir-lhes o caráter de representações simbólicas." (Klein, 1930/1996, p. 257).

Tolerar e lidar com a ansiedade são considerados pela autora como capacidades ou incapacidades do ego, ainda que ela faça alguma menção ao papel do objeto. Chamando a atenção para a importância desse último nos cuidados com a criança, mas deixando de lado a exploração de seu papel em favor de descrições intrapsíquicas, Klein aventa a possibilidade de Dick ter sido prejudicado em seu desenvolvimento pelo fato de "nunca ter recebido amor verdadeiro", e por ter tido uma mãe cuja atitude "era de extrema ansiedade", ainda que tivesse recebido "todo tipo de atenção" (Klein, 1930/1996, p. 254).

A análise das ansiedades subjacentes seria o fator decisivo no restabelecimento das condições para o fantasiar, uma vez que acarretaria o abrandamento das mesmas e a sua possibilidade de manifestação. Entretanto, não coube a Klein examinar as características da personalidade do analista que contribuiriam para a elaboração das fantasias e a retomada da relação simbólica com o mundo. Isto é, o que mais poderia ser dito sobre o papel da interpretação, para além do conteúdo verbal em si? O que mais a analista faz em relação a Dick quando ativa sua ansiedade e a coloca em descoberto por meio das palavras, tornando possível uma reorganização dinâmica e econômica do psiquismo?

Na tradição de pensamento kleiniano, a colocação dessas questões dependeu em parte da ampliação do conceito de identificação projetiva de Klein (1946/1991b) por seus seguidores, principalmente pela constatação de seu caráter comunicativo. A observação de Bion dos efeitos da fantasia onipotente sobre a linguagem e sobre o ambiente por meio de ações concretas, aliada ao reconhecimento da força disruptiva das ansiedades quando associadas a um objeto pouco ou nada receptivo às mesmas, deram uma série de subsídios para se aprofundar colocações como a de Klein, acerca do amor da mãe e dos efeitos de sua falta para a criança. Ainda que as implicações para a técnica sejam desenvolvidas por Bion em O aprender da experiência (1962/1989b), encontramos no artigo "Sobre arrogância", de 1957, um questionamento sobre o papel do objeto e sobre os motivos pelos quais a ansiedade do mesmo acaba sendo um obstáculo ao desenvolvimento psíquico do paciente, para além de seus aspectos constitucionais.

Também em 1957, Hanna Segal publicava o hoje clássico "Notas sobre a formação de símbolos". Retomou as ideias apresentadas por Klein em 1930, acrescidas dos desenvolvimentos teóricos feitos pela autora a partir de então, e propôs uma nova abordagem à equação simbólica. O conceito de identificação projetiva e a discriminação das relações entre o ego, o objeto e a vida de fantasia nas posições esquizoparanoide e depressiva permitiram a ampliação na compreensão sobre a atividade simbólica nos diferentes estados mentais. Para Segal, a equivalência maciça entre o ego e o objeto não provocaria propriamente uma inibição no uso de símbolos e sim a formação de um simbolismo rudimentar e concreto, de caráter patológico, que deveria ser distinguido dos demais. A eles, reservou o termo "equação simbólica". Por terem uma natureza concreta e expressarem a indiferenciação entre o ego e o objeto na posição esquizoparanoide, os primeiros símbolos seriam também a base do pensamento esquizofrênico.

Pensar sobre a natureza do símbolo era uma contribuição teórica necessária, mesmo porque se entendia que a simbolização acompanha as primeiras relações objetais, promovendo o enriquecimento da vida de fantasia até a formação das sublimações. A continuidade genética existente nas fantasias, tal como apontava Isaacs (1952/1982), suporia uma continuidade também no simbolismo, indo desde o mais primitivo e concreto ao mais elaborado e abstrato. Levando-se em conta as diferentes formas de conhecer a si mesmo e o mundo de acordo com as posições esquizoparanoide e depressiva, a natureza do símbolo e o uso do mesmo certamente mudariam conforme o estado do ego e do psiquismo como um todo.

Enquanto o artigo de Segal colocava a ênfase nos processos patológicos da posição esquizoparanoide e em suas consequências desastrosas para a simbolização na posição depressiva, Bion notou que a equivalência entre os fragmentos projetados do ego e os objetos é usada, mesmo na psicose, como uma tentativa do paciente pensar sobre a realidade. Surpreendentemente, haveria na posição esquizoparanoide algum simbolismo rudimentar vinculado a uma conscientização da realidade psíquica e a uma comunicação de caráter pré-verbal. Essa ideia aprofundou a constatação de Klein (1948/1991c) de que há integração transitória colorida por culpa depressiva nos estágios mais arcaicos do desenvolvimento; porém, esse aprofundamento não se prestou somente a expandir as teorias psicopatológicas e psicogênicas. Ao discriminar a natureza desses fenômenos, Bion também ofereceu indícios sobre o significado de se alcançar essa discriminação durante os atendimentos e sua implicação para o processo analítico.

 

Concepções de Bion sobre a psicose na década de 50

Ao publicar seus trabalhos sobre a clínica da psicose, Bion está munido de uma análise pessoal com Melanie Klein, encerrada em 1953 após oito anos, bem como das inúmeras compreensões da autora sobre os primórdios da vida psíquica e de seus núcleos psicóticos. Também são recorrentes as menções de Bion às teorias de Freud sobre a psicose e sobre a formação do aparelho psíquico em geral.

Bion e Melanie Klein, especialmente nos trabalhos iniciais da autora, tinham em comum um grande interesse pelas inibições por vezes radicais da curiosidade, do intelecto e da capacidade de simbolização. Se, grosso modo, podemos dizer que o eixo central da teoria de Klein sobre a psicose gira em torno da relação destrutiva com o seio, Bion faz um detalhamento sobre a catástrofe psicológica decorrente dos ataques sádicos e mortíferos ao ego. Interessa a Bion mostrar, sobretudo, qual é o destino do aparelho psíquico quando os processos de pensamento, a linguagem, a percepção, a memória, a capacidade de julgar, a atenção, bem como a vida de sonho são alvos de intenso ódio. Contribuía, assim, para o entendimento da precariedade da comunicação do psicótico consigo mesmo e com o analista, e suas inúmeras dificuldades em constituir uma vida subjetiva que mantivesse com a realidade uma relação menos atuada.

Os relatos de Bion apresentam, também, as maneiras com que esses pacientes severamente perturbados tentarão reconstituir o aparelho psíquico e tomar contato com a realidade odiada. Seus artigos contribuem para a ampliação na compreensão dos mecanismos psicóticos ao mostrarem diferentes qualidades e usos que eles poderiam assumir, para além dos aspectos patológicos.

Uma noção que se tornou bastante conhecida e que é comumente associada ao autor, embora fizesse igualmente parte das investigações de seus colegas, diz respeito à natureza comunicativa da identificação projetiva. Bion nota que além dela ser uma fantasia por meio da qual os aspectos indesejados são despejados no mundo, mantidos à distância e sob controle, é também a via pela qual esses aspectos são trazidos de volta à personalidade. Usada de maneira invertida, a identificação projetiva teria como propósito a restauração do ego pela recuperação dos aspectos excindidos. Em sua forma não patológica, a relação indiferenciada, embora negada, com os objetos animados e inanimados serviria de base para a formação do pensamento primitivo e forneceria a matéria com que as palavras são formadas. Mas antes disso ser possível, as ideias são sentidas como coisas concretas que vem à mente de maneira invasiva com o propósito de enlouquecer, ou como a explicação que elimina magicamente o sofrimento.

Bion apresenta uma fenomenologia bastante inusitada, diga-se de passagem, acerca das cisões no ego e das características que os fragmentos da personalidade assumem para o psicótico através da identificação projetiva. Os relatos do autor não poderiam ser mais precisos ao descreverem a radicalidade da fragmentação e o significado de se ter uma mente aniquilada: ou o mundo interno deixa de existir ou nunca chegou a existir para dar conta de certas experiências. É no mundo externo e nos objetos animados e inanimados que se encontram os pedaços rejeitados da personalidade, formando os assim chamados "objetos bizarros". Os fragmentos podem estar em um barulho qualquer, surgir no padrão de uma cortina, permanecer invisíveis no canto da sala de análise, expressar-se por meio de um aparelho eletrônico, assim como, em fantasia, habitar porções da personalidade de uma pessoa. Os objetos que estão impregnados pela projeção voltam-se contra os aspectos projetados, e dão origem tanto a um objeto como a uma relação bizarra.

Junto com as tendências mais doentias, expressas por meio da cisão e da evacuação alucinatória, Bion identificava no psicótico uma tentativa de contato com a realidade. Este contato, ao contrário de significar uma simples percepção de estímulos e emoções, teria como base a ação de processos constitutivos do psiquismo e de ações mais benignas em relação à vida subjetiva. A condição assinalada por Freud em seus últimos textos (1940/1964a e 1940/1964b) sobre a presença simultânea na pessoa entre uma parte psicótica e outra não-psicótica indicava que algum trabalho analítico com esses pacientes seria possível; de igual modo, oferecia ao analista uma maior possibilidade de discriminar a natureza dos eventos em questão. Essa simultaneidade foi descrita por Bion (1957/1993c) pela ideia de justaposição na personalidade entre uma parte psicótica e outra não-psicótica ou neurótica. No psicótico, a última estaria encoberta pela primeira e daria ao observador a impressão de que não existiria.

Entretanto, Bion notou que mesmo a personalidade psicótica poderia fazer uso das impressões sensíveis e das funções do ego para lidar com os aspectos dolorosos que foram rejeitados. Entendia, assim, que essa parte da personalidade agiria com base no princípio de realidade e não apenas sob o princípio de prazer. Em "Sobre alucinação" (1958/1993d), o autor reconhece no delírio e na alucinação a relação do paciente com objetos totais e, consequentemente, a existência de uma capacidade rudimentar para se alcançar estados depressivos. Esses processos estariam, portanto, a serviço de algum contato com a realidade e levantariam um questionamento acerca da concepção de Freud (1924/1975) sobre o delírio e o fato deste recobrir tal qual um remendo a fenda existente entre o ego e o mundo externo. Isto é, podemos extrair das observações de Bion a importância de se questionar na prática clínica qual o significado do contato do paciente com a realidade. Qual é a sua natureza? Qual é a sua qualidade? Qual a sua função?

Ainda em "Sobre alucinação" (1958/1993d), Bion mostra como as funções cindidas do ego são usadas para se tecer avaliações sobre a realidade. O paciente se queixa de não conseguir dizer se está diante de fenômenos reais ou alucinados, indicando que sua capacidade de julgar havia sido expelida. No entanto, esta podia ser reconhecida em alguns aspectos do delírio e da alucinação por meio de uma "tentativa [do paciente] de empregar objetos bizarros a serviço da intuição terapêutica" (p. 82). Certas funções do ego estariam mescladas ao objeto, no caso, em partes da personalidade do analista, formando com este uma aliança inusitada. O paciente parecia se perguntar se ele estaria na presença de um objeto hostil que distorce o sentido da realidade, ou na presença de um objeto que lhe proporciona uma avaliação correta da mesma.

Essa questão não estava colocada apenas ao paciente, revelando sua tentativa de examinar a realidade. Caberia também ao analista discriminar a natureza dos fenômenos com os quais se depara na psicose, bem como notar essa mesclagem bizarra feita pelo paciente entre porções da personalidade de ambos. A maior ou menor capacidade do paciente de tolerar depressão, associada à qualidade da cisão e do conteúdo total ou parcial dos objetos alucinados, levaram Bion a diferenciar entre uma alucinação histérica e uma alucinação psicótica na psicose. Ainda que o seu enfoque aprofundasse a compreensão sobre esses fenômenos, isso significava mais do que propor terminologias para fenômenos benignos ou patológicos.

Ao descrever as diferentes qualidades dos fenômenos psicóticos, Bion também mostra como conseguiu perceber certas tentativas do paciente de conhecer a sua realidade psíquica. O artigo "Sobre arrogância" (1957/1993b) expõe essa tomada de consciência por parte do analista de modo bastante claro, talvez porque Bion pretendesse mostrar a implicação direta sobre o paciente e o processo analítico do alcance dessa compreensão. A partir de uma situação caótica e frustrante, em que as interpretações deixaram de fazer qualquer sentido, Bion notou que havia uma comunicação sendo feita por meio da identificação projetiva. A tentativa do analista de empregar a linguagem verbal dava a entender que pretendia se livrar do caos não-simbólico, o que reforçava no paciente o seu sentimento de desesperança. À medida que o analista pôde suportar essa situação, notou que havia uma comunicação de caráter não verbal em andamento, por meio da qual o paciente tentava fazer-se compreender.

Os desdobramentos teóricos e técnicos que decorreram de situações como essas dependeram, em grande parte, da percepção acerca da importância do pensamento primitivo e de seus destinos. Na segunda metade da década de 1950, Bion deixou de enfatizar as diferentes qualidades que a linguagem verbal adquire na posição depressiva, notando no pensamento pré-verbal a ocasião para o nascimento da linguagem e do pensamento verbal na posição esquizoparanoide. No entanto, a ampliação no entendimento dos processos que levam à conscientização da realidade e que favorecem a tolerância da mesma nas origens da vida psíquica pedia, também, uma maior atenção ao papel do objeto externo.

Em textos publicados postumamente no livro Cogitações (2000), vemos que no final dos anos de 1950 Bion formulava a noção de uma atividade de sonho que ocorre na sessão enquanto uma primeira forma de elaboração de estados emocionais disruptivos e aterrorizantes. É com o analista que o paciente fará essa tentativa.5

Em sua forma benigna (isto é, realista ou normal, conforme os termos de Bion) a identificação projetiva seria a oportunidade de o paciente cindir porções de seu psiquismo e colocá-las dentro de um objeto capaz de compreendê-las. Junto à projeção de um objeto frágil e expulsivo com o qual o paciente estaria identificado, haveria também a expectativa de que essas projeções pudessem habitar a mente do analista. Diante de um objeto que é capaz de acompanhar as nuances desse mecanismo, mas que também pode conter e experimentar ansiedades disruptivas, o paciente tem a chance de conhecer as suas emoções e forjar para si uma vida subjetiva até então renegada. Ao mesmo tempo, tentará fazer valer seus impulsos destrutivos por meio do ódio a tudo aquilo que promove ligação e consciência da realidade.

Em "Diferenciação entre a personalidade psicótica e a personalidade não-psicótica", Bion (1957/1993c) cita o caso de um paciente que faz menção aos seus óculos escuros que, certa vez, Bion, e não o paciente, usara na sessão. Diferentemente de ser uma lembrança, os óculos são um exemplo de aglomeração de objeto bizarro em forma de imagem. Tentando mais uma vez discriminar a natureza do material que o paciente usará para pensar, Bion nomeia de ideograma uma forma inicial de armazenamento de ideias primitivas, compostas de impressões sensíveis e emoções.

No relato de Bion, o ideograma é trazido à tona pelo paciente como parte de um evento concreto (e não enquanto uma lembrança), expresso por meio de uma forte dor de cabeça. O paciente diz: "Minha cabeça está explodindo; talvez [sejam] meus óculos escuros"6 (1957/1993c, p. 56). A hipótese de Bion é que os óculos, usados pelo analista em outra ocasião, permitiram ao paciente reunir uma série de fantasias e experiências arcaicas vividas com o objeto primordial, e que até então nunca puderam ser problematizadas e conhecidas. A partir do "impulso [do paciente] para comunicar" (1957/1993c, p. 61), a imagem pôde ser evocada e transmitir um significado desconhecido por ambos, paciente e analista.

Da mesma forma que Melanie Klein cria um sentido fantasiado para os poucos interesses e ações de Dick no consultório, Bion transporta ao campo da fantasia a dor que é sentida pelo paciente de modo concreto.

Disse-lhe que sua visão, seus óculos escuros, eram sentidos como uma consciência que o punia, em parte por ter se livrado dos mesmos a fim de evitar dor e, em parte, por tê-los usado para espionar a mim e aos seus pais. (Bion, 1957/1993c, p. 58)

O ideograma "óculos escuros" condensa a um só tempo tanto a escuridão na qual o paciente se encontra, resultante do ataque ao órgão de percepção, quanto o esconderijo de onde ele poderia espionar a cena primária e formular questões edipianas. O sentido atribuído à imagem revela a presença simultânea de significados formados na personalidade psicótica e na personalidade não-psicótica, respectivamente.

Constatações como essas colocavam em xeque uma separação mais estanque entre loucura e princípio do prazer de um lado, e entre a normalidade e o princípio de realidade, de outro. Bion mostra que este último não só opera na psicose como é possível ao ego armazenar dados da realidade obtidos por meio de introjeções e projeções. O psicótico poderá usá-los para comunicar seu estado mental, testar a realidade e ousar pensar acerca dos problemas surgidos na posição esquizoparanoide.

Ficam, assim, borrados os limites conceituais entre as ações destrutivas e constitutivas do psiquismo presentes nas posições esquizoparanoide e depressiva, bem como a passagem supostamente linear da primeira à última. Os casos narrados por Bion revelam um interjogo permanente entre as posições - noção esta que será formalizada em Elementos da psicanálise (1963/1989a) pelo símbolo EP↔D. Mesmo a natureza das posições será mais bem descrita também nesse livro pela ideia de que, na posição esquizoparanoide, o paciente está perseguido pela depressão e, na posição depressiva, deprimido pela perseguição.7 Essa formulação torna menos enigmática a relação que Bion tentava estabelecer entre constituição do psiquismo, posição esquizoparanoide e a reunião, ainda que intolerável, entre objetos, impressões da realidade e emoções. Parecia haver uma diferença de qualidade entre a união bizarra, cruel e intolerável, típica do objeto combinado e do superego arcaico, e uma união, também cruel, mas que se direciona em busca de compreensão.8

Notar a coexistência de diferentes tendências na personalidade exige do analista uma abertura para a observação de fenômenos que não se reduzem a definições psicopatológicas estanques. Para tanto, o enfoque deve ser colocado na observação da natureza dos eventos, e não na nosografia psicopatológica do paciente. A alucinação e mesmo o pensamento não estão necessariamente sujeitos aos destinos e à qualidade que, respectivamente, costumamos associar aos processos primários e secundários. Essas constatações pediam ainda uma discussão sobre as condições emocionais que favorecem e impedem a observação.

A teoria kleiniana trouxe uma série de contribuições à ideia de Ferenczi de que a criança reencontra no objeto seus próprios órgãos e funcionamento. Vemos que se trata de um reencontro ou mesmo de um primeiro encontro da criança com um mundo interno repleto de emoções e fantasias. No objeto, ela pode se deparar com o que mais ama e teme e, por conseguinte, investigar as intenções e o estado do mesmo. Bion (1959/1993a) faz um conhecido apontamento aos analistas, dizendo que apesar de o psicótico dar a impressão de estabelecer apenas relações mecânicas e empobrecidas, há que se reconhecer nele um interesse pela ligação emocional; em especial, por aquilo que o objeto é capaz de fazer como conter, alimentar, envenenar, odiar, morder. Nesse sentido, o interesse pelo órgão implica um interesse pela forma como o órgão funciona e para quê ele serve em termos emocionais. Seu funcionamento bem como a sua função importa à medida que proporciona prazer e alívio, dor, perseguição e conhecimento.

O aprofundamento nas concepções sobre a natureza do simbolismo e do pensamento, seus diferentes empregos, e sobre os processos envolvidos com a construção e com a destruição do psiquismo exigiu um olhar acerca do papel do analista e da apreensão do objeto psicanalítico. Não apenas os conceitos como também a forma de Bion chegar a certas compreensões torna-se parte fundante de suas teorizações. Por meio de uma abordagem epistemológica e ética singular, nos anos de 1960 Bion mergulhará na discussão dessas questões procurando deixar claro que elas só ganham sentido na psicanálise a partir da prática clínica e à medida que podem retornar a ela. Mas aqui começa uma nova década e um outro texto.

 

Referências

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Bion, W.R. (1989b). Learning from Experience. London: Karnac. (Trabalho original publicado em 1962)        [ Links ]

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Correspondência:
Adriana Salvitti
[Universidade de São Paulo USP]
Rua Pedro da Cunha, 65, cj. 52, Perdizes
05010-020 São Paulo, SP
Tel: 11 9874-2898
adrianasalvitti@gmail.com

Recebido em 14/10/2010
Aceito em 17/12/2010

 

 

1 Este trabalho dá continuidade a ideias apresentadas em minha tese de doutorado intitulada "Presenças de Freud na construção do pensamento de Bion na década de 50" (Salvitti, 2009). Agradeço a leitura de Uraci Simões Ramos, Orlando de Marco e Sandra Gonçalves.
2 Entende-se por natureza não a essência ou a verdade final de algo e sim uma qualidade percebida, entre outras. Não há em Bion uma pretensão à universalidade ou à totalidade do conhecimento. Essa questão é mais bem discutida em Transformações (Bion, 1965/1991).
3 Na abertura de Second Thoughts (1967/1993e), livro que reúne a maioria dos textos publicados por Bion na década de 1950, o autor procura chamar a atenção para a diferença que existe entre a narrativa de um fato clínico após a sessão e a apreensão do mesmo enquanto ele ocorre. Embora afirme que na época essa diferença não estivesse madura a ponto de levá-lo a discutir as suas implicações metodológicas, encontramos nesses artigos iniciais alguns elementos que contribuíram para o seu posicionamento teórico e técnico posterior.
4 Ao retomar suas principais ideias sobre simbolismo em um texto lido durante as Controvérsias em 1945, Klein afirma: "uma vez que, pela equação simbólica, várias atividades e interesses se tornam o tema das fantasias libidinais, eu considero a formação de símbolos... um dos métodos fundamentais pelo qual se alcança uma crescente relação com os objetos externos, e o fator de base para todas as sublimações." (Klein, 1945/1991a, p. 782).
5 A noção de Freud de atividade onírica foi uma primeira forma de Bion considerar a diferença que parecia existir para certos pacientes entre ter contato com a realidade e ter acesso psíquico aos resultados desse contato, seja para armazená-los ou evacuá-los.
6 My head is splitting maybe my dark glasses.
7 Nesse livro, Bion (1963/1989a) procura mostrar que essa ideia está a serviço da observação psicanalítica e não só de uma teoria psicopatológica ou psicogênica.
8 A posterior criação dos termos "elemento alfa" e "elemento beta" (Bion, 1962/1989b) surge dessa necessidade prática de discriminação da qualidade dos fenômenos, mas não se encerra nela. Mais do que uma nomeação, o que está em jogo aqui diz respeito ao insight no analista e à ética.