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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.45 no.3 São Paulo July/Sept. 2011

 

INTERCÂMBIO

 

A intersubjetitivade e a função mensageira da pulsão

 

Intersubjectivity and the messenger function of the drive

 

La intersubjetividad y la función mensajera del impulso

 

 

René RoussillonI; Tradução Claudia Meireles Reis

IAnalista didata da Sociedade Psicanalítica de Paris SPP, presidente do Grupo de Analistas de Lyon, docente da Universidade de Lyon 2

Correspondência

 

 


RESUMO

De maneira a apoiar a importância da dimensão intersubjetiva da vida psíquica - referente a uma concepção que integra existência de uma dimensão inconsciente da subjetividade e atravessa a questão da pulsão e do sexual - o autor propõe uma reflexão sobre a dimensão necessariamente mensageira da pulsão e de suas formas de representação. As consequências concretas de tal concepção, assim como a consideração da transferência para o trabalho analítico são aqui exemplificadas por dois casos clínicos.

Palavras-chave: pulsão; pulsão mensageira; intersubjetividade; representação; transferência.


ABSTRACT

In order to support the importance of the intersubjective dimension of psychic life - an idea which integrates the existence of an unconscious dimension of subjectivity and permeates the problem of drive and of sexuality - the authorproposes a reflection upon the unquestionable messenger dimension of the drive and of its forms of representation. The concrete consequences of such a conception, as well as the pondering of transference for analytic work, are exemplified through two clinical cases.

Keywords: drive; messenger drive; intersubjectivity; representation; transference.


RESUMEN

A fin de apoyar la importancia de la dimensión intersubjetiva de la vida psíquica - referente a una concepción que integra la existencia de una dimensión inconsciente de la subjetividad y atraviesa la cuestión del impulso y de lo sexual - el autor propone una reflexión sobre la dimensión necesariamente mensajera del impulso y de sus formas de presentación. Las consecuencias concretas de tal concepción, así como la consideración de la transferencia para el trabajo analítico son ejemplificadas aquí mediante dos casos clínicos.

Palabras claves: impulso; impulso mensajero; intersubjetividad; representación; transferencia.


 

 

Atualmente ninguém contestará que o sujeito humano somente pode se construir por meio da mediação de um outro, para ser mais preciso de um outro-sujeito. O conjunto das pesquisas atuais sobre os primeiros tempos da vida psíquica dá pleno valor à hipótese, de Winnicott, de que uma mãe funciona como "espelho" primário dos estados internos do bebê. Essas pesquisas mostram, ainda, que essa função "espelho" é necessária para que o bebê possa entrar em contato com seu próprio mundo afetivo, ou seja, seu próprio mundo representativo. O caminho de si para si mesmo não é imediato, antes de qualquer coisa, ele passa pelo outro e pelo reflexo de si no outro de quem ele depende intimamente para se constituir, o narcisismo primário não pode mais ser pensado sem o objeto.

Portanto, ninguém contestará, sem dúvida, a importância do "fato" intersubjetivo. As discussões começam quando se trata de "nomear" essa realidade e inscrevê-la num campo conceitual, ou seja, quando se trata da proposição de um modelo.

O problema começa com a nomeação. Se na França J. Lacan foi, sem dúvida, o primeiro autor de referência a utilizar o termo intersubjetividade, Lagache (1961), que o utilizava também, propunha em contrapartida uma versão mais "personalista" e evocava uma "interpersonologia", na linha de uma "two-body" psicologia. Porém, não podemos dizer que ele propunha uma verdadeira teoria intersubjetiva no sentido como a entendem os autores atuais, e nem que sua abordagem se limite somente à linguagem verbal. Renik e os teóricos da intersubjetividade da costa leste dos usa, que fizeram desse conceito seu brasão emblemático, desenvolveram uma concepção interpessoal da intersubjetividade bem diferente daquela de D. Stern (1985),1 um dos porta vozes atuais tido como referência sobre a intersubjetividade, mas para quem a referência ao inconsciente freudiano fica excluída. Mesmo se pontos de encontro são imagináveis, suas respectivas concepções são também bem distantes daquelas de C. Trevarthen na Inglaterra, por exemplo, de quem alguns textos acabaram de ser publicados na Revista Devenir (2003, n. 4), este apesar de não ser psicanalista, mantém a referência à existência de uma vida pulsional. Green (2002), que é, sem dúvida, um dos psicanalistas de referência que atribui maior importância ao "fato" inter-subjetivo, prefere contornar o termo de intersubjetividade e propor a metapsicologia do que ele chama de "o sistema pulsão-objeto". Outros autores, que pensam que a questão do "sujeito" não é psicanalítica, se atêm principalmente à ideia de "psiquismo" e propuseram o termo interpsíquico em dialética com o termo intrapsíquico.

Pressente-se que a questão é "sensível" e que ela possui uma implicação além das palavras, dos problemas de concepção e mesmo de questões de "fidelidade", por exemplo, em relação ao pensamento de Freud. Ela é sensível, pois atravessa a questão do narcisismo e de sua construção, aportes de importância para a clínica e para a vida, mas é sensível também porque ela engloba a questão de uma inflexão paradigmática.

No que me concerne, parece-me que o conceito de sujeito, tomado em particular no sentido do processo de subjetivação, isto é, do processo que propus chamar de apropriação subjetiva (esboçado a partir da célebre fórmula de Freud de 1932 Wo es war soll ich verden), ganhou seu lugar na terminologia psicanalítica e pode ser utilizado sem correr o risco de ficar preso na metafísica. O conceito de intersubjetividade parece-me, portanto, que pode ser utilizado desde que se refira a uma concepção "psicanalítica" do sujeito, isto é, uma concepção que integre a existência de uma dimensão inconsciente da subjetividade que atravesse a questão da pulsão e do sexual. É, com efeito, aí onde as concepções correntes de intersubjetividade me parecem em dificuldade, porque elas tendem a fazer desaparecer, ou não sabem como situar os processos inconscientes (e não somente "não-consciente") e a dimensão "sexual" que os habita, o conceito de pulsão fica ameaçado de ser abandonado e com ele toda a questão do sexual.

Inversamente, a tomada de consciência da dimensão intersubjetiva da psique conduz a uma reavaliação e até a uma inflexão de um certo número de conceitos da psicanálise freudiana e em particular sobre a questão de um valor "mensageiro" da pulsão, o que me proponho a esclarecer nesta curta apresentação.

Freud nos anos 1895-1896 começa a debruçar-se sobre o traumatismo e suas formas, ele diferencia dois tipos de conjunturas traumáticas. A primeira, a mais classicamente utilizada, evocada principalmente em relação à histeria, é aquela de um trauma por excesso de excitação "não descarregada", é a teoria do "afeto reprimido" que demanda sua brusca liberação emocional, sua descarga. Mas ele descreve paralelamente, uma segunda conjuntura traumática que atraiu menos a atenção à medida que ela somente manteve sua plena pertinência quando interpretada metaforicamente. Nos casos que Freud chamava na época de "neuroses atuais" a conjuntura traumática deve ser pesquisada, afirma ele, a partir de formas de descargas pulsionais inadequadas; Freud evoca o onanismo, o coito interrompido e o coito reservado. A descarga então, essencialmente entendida como sexual, não tem lugar ou tem lugar "fora do objeto", sem objeto. Freud parece assim pressentir muito bem, na época, que a descarga não é o único "objetivo" da pulsão, mas que ela apresenta também uma dimensão menos "narcísica", uma dimensão que inclui a questão das condições do encontro com o objeto.

P. Denis (1992) destacou um "formante" pulsional de dominação que é exercido ao lado do imperativo de satisfação. Parece-me que é preciso continuar a examinar os diferentes componentes da pulsão e diferenciar também uma função "mensageira" da pulsão. Além do comportamento propriamente sexual que Freud destaca em seus trabalhos do fim do século XIX, parece-me que toda vida pulsional, consciente e inconsciente, não pode ser completamente inteligível se não se aceita o reconhecimento do lugar da pulsão no conjunto da comunicação humana e de trocas intersubjetivas que ela implica; sejam elas conscientes ou inconscientes, simplesmente reprimidas ou que abriguem formas de nega-tividade mais radicais como a clivagem, a negação ou a forclusão.

Os relatos clínicos de Freud convidam-nos, por outro lado, a diferenciar prazer e satisfação. Pode-se ter prazer sem satisfação quando ele ocorre fora do objeto, fora do encontro com o outro-sujeito, quando o prazer não encontra o outro-sujeito, o prazer do outro-sujeito.

Além dessas primeiras observações, e na direção que elas indicam, ocorre que deve considerar-se, sem dúvida, o objeto e sua "resposta" na composição da pulsão.

Quando Freud define a pulsão como uma composição em quatro termos - a fonte, o objeto, a força (a carga energética) e o alvo - ele inclui o objeto na sua formação, ele indica assim que a pulsão se organiza também em função do objeto. Claro que fica subentendido que "o objeto" aqui designado é a representação do objeto, a representação interna, aquela que é visada pelo circuito alucinatório. Mas, sem dúvida, ater-se a essa simplicidade do problema não significa esquecer que o pensamento de Freud oscila entre uma definição "interna" do objeto e uma definição externa. No encontro intersubjetivo a representação do objeto interno se transfere para o objeto externo, sobre o outro, ela se funde e se amalgama à sua percepção (Freud é muito claro sobre esses pontos nos seus textos dos anos 19151920, e em particular em sua análise sobre os fenômenos de massa). Para Freud o objeto é tanto o objeto interiorizado, simples representação do objeto, como o objeto externalizado, outro-sujeito. A pulsão, dirá ele em 1920, divide-se em seu percurso; uma parte continua seu caminho - em direção ao objeto externo, o outro-sujeito - uma parte faz um retorno no meio do caminho, concentrando-se sobre as representações do objeto. Sendo assim, como poderíamos continuar a pensar a pulsão sem incluir a questão da resposta do objeto aos élans pulsionais do sujeito, como poderíamos continuar a pensar a "composição" ou a formação da pulsão sem pensar em sua dimensão intersubjetiva?

 

Uma rápida vinheta clínica nos permitirá observar melhor a importância do objeto na composição pulsional

Echo2 é uma mulher cuja anorexia alimentar clínica está em vias de desaparecimento no curso de sua análise, por outro lado sua vida social é ainda extremamente restrita, ela "se economiza", persuadida de que pode, dessa maneira, desacelerar o tempo, fazê-lo parar. Ela reduz o conjunto de suas trocas sociais ao mais estritamente necessário, ela própria inviabiliza seus tímidos élans pulsionais, reprime seus afetos. Durante as sessões, permanece frequentemente imóvel, silenciosa, somente evoca com muita parcimônia qualquer aspecto de sua vida interior. Penso que ela "anorexiza" o trabalho analítico, mas essa constatação é de pouca utilidade. Me faz viver essa ideia e me comunica dessa maneira o que ela própria viveu, e isso tudo somente me ajuda a aceitar, por minha vez, as particularidades da transferência, sem muita represália. É em outro lugar, em uma outra face da transferência que será preciso encontrar as condições de um relance dos processos pulsionais.

A seqüência do trabalho psicanalítico conduz, com efeito, pouco a pouco, a um desdobrar na transferência da seguinte conjuntura intersubjetiva. Echo pode progressivamente formular o que se passa nela quando ela vem para as sessões.

Chega com um certo prazer, tem muitas coisas a dizer, tem vontade de me explicar tal e tal coisa que ela pode se dizer e compreender entre as sessões.

Mas assim que fica frente a mim, a fonte e o desejo se calam imediatamente, ela fica seca, sem élan, o que ela tinha a dizer lhe parece de repente insípido, sem interesse e isso tudo acontece antes mesmo que tenha podido começar a falar. Essa transformação acontece no momento em que vou buscá-la na sala de espera, desde que eu abro a porta da sala de espera, no momento exato em que me faço presente.

Pouco a pouco o pensamento incidente que toma conta dela, sub-repticiamente nestes momentos, começa a poder ser formulado. Ela pensa que eu sou um homem muito ocupado, bem pouco disponível, sem dúvida, e que ela não passa de uma pequena coisa bem pouco importante para mim. Progressivamente, esses elementos transferenciais vão podendo ser religados a certas particularidades do comportamento de sua mãe e da história de sua relação com ela. No momento do nascimento de sua irmã, Echo sentiu-se brutalmente desinvestida, sua mãe dirigindo toda sua atenção ao bebê, o espírito em outro lugar, incapaz de pensar em duas crianças ao mesmo tempo. Um certo aquecimento pulsional se produziu na sequência da perlaboração desse momento de sua história. Mas o fundo de sua relação com o mundo permaneceu globalmente imutável.

Além do acontecimento particular do nascimento de sua irmã é preciso perlaborar, da mesma maneira as condições do cotidiano de sua vida infantil. No dia a dia do cotidiano da vida familiar, a mãe se revelou progressivamente como uma mulher hiperativa, sempre em movimento, jamais no lugar, jamais atingível, acessível. À mesa, por exemplo, a mãe se agita, ela serve um, outro, come em pé, sobre um canto da mesa, sem sentar-se, sem parar, ela serve o outro, começa a tirar a mesa, antes mesmo que a refeição esteja terminada, uma espécie de "tornado branco" doméstico. Quando Echo tenta algum movimento em direção a esta mãe - uma aproximação, quando ela tem um élan, este parece ser em vão, a mãe já está em outro lugar, ela se virou, ocupada com alguma outra coisa, Echo escorrega sobre um objeto liso - inatingível. O élan pulsional então se quebra, cai, a pulsão se decompõe, se redobra sobre si mesma, se retrai, a vida se restringe no mesmo movimento, o objeto não é "utilizável", a pulsão não pode mais desenvolver seu movimento. Echo precisará de numerosas repetições dessa sequência durante as sessões, muitas interpretações repetidas na transferência sobre o efeito "desruptivo" das "respostas" maternas sobre os élans pulsio-nais e afetivos, para que mudanças significativas de seu modo de relacionar-se com a vida pulsional e afetiva possam ser integradas.

Uma tal conjuntura clínica não é inteligível por meio de um pensamento solipsista, ela implica em uma concepção intersubjetiva da vida pulsional, uma concepção intersub-jetiva da organização da pulsão.

A noção de uma pulsão "mensageira", isto é, endereçada a um outro-sujeito e dependente para seu desenvolvimento da "resposta" do outro-sujeito, que nós acabamos de esboçar, abre para uma ampliação da competência da escuta psicanalítica e do pensamento clínico psicanalítico. No exemplo de Echo, fui primeiro confrontado com um comportamento. Este tem um valor "auto", ele ocupa um lugar na economia narcísica do sujeito, não me parece ser especialmente endereçado à alguém em particular, quando ela não está em sessão "comporta-se" da mesma maneira. Mas à medida que esse comportamento é introduzido na sessão ele começa a adquirir um valor interativo, ou seja, no espaço analítico ele me afeta e aprisiona, pouco a pouco, tem um valor de "mensagem agida" para mim. Eu acabo por lhe atribuir um valor de uma forma particular de transferência, de "agiren" de transferência, para lhe conferir ou lhe reconhecer. Mas já que esse comportamento me afeta, onde um outro-sujeito sente-se tocado e pode refletir o comportamento como uma mensagem agida e endereçada, abre-se a questão de uma dimensão intersubjetiva do comportamento e de sua ação sobre o outro.

No espaço analítico, o comportamento descobre progressivamente seu valor na interação, e este adquire potencialmente um lugar na relação intersubjetiva, isso, à medida que as mensagens agidas poderão encontrar um material a ser pensado por um sujeito dirigindo-se a um outro sujeito. Claro, esses desdobramentos levam tempo, não acontecem sozinhos, não são dados imediatamente, eles são fruto do trabalho de subjetivação produzido pela análise. Mas eles tornam-se pensáveis sobre a base de reconhecimento de um valor mensageiro da pulsão, de um valor de endereçamento desta.

Quando tais movimentos pulsionais começam a se tornar inteligíveis e quando podem ser "refletidos" para o paciente, o trabalho mais "clássico" de retomada intersubjetiva de questões narcísicas que eles escondem torna-se, então, possível.

O sujeito pode começar a compreender como ele reprime seus movimentos pulsionais antecipando a eventual decepção de uma rejeição ou de uma indiferença do outro-sujeito em relação a si próprio. Como ele transforma uma potencialidade e uma relação desconhecida em uma atitude de fracasso a ser evitada a todo custo. A relação com a falta pode começar a tornar-se interpretável. Levar em conta o valor mensageiro e intersubjetivo da pulsão no trabalho psicanalítico abre um nível de inteligibilidade que não faz desaparecer dessa maneira a análise dos componentes mais especificamente narcísicos do funcionamento psíquico, ao contrário, ela abre a via para sua interpretação.

No trabalho psicanalítico face a face, essa dimensão intersubjetiva, e em particular os aspectos inconscientes dela, não podem ser evacuados sem prejuízo para a análise das condições do encontro clínico. Eis aqui uma outra rápida vinheta clínica para explicitar certos aspectos dela.

Recebo Chloé face a face. Ela apresenta numerosas dificuldades narcísicas que afetam sua vida amorosa, mas também sua vida social, ela sente-se "perseguida" em seu trabalho não só por seus "pares", mas também pelas situações hierarquizadas de seu serviço. Durante as sessões Chloé fala sem parar, sem me olhar verdadeiramente, mas me espiando regularmente pelo canto do olho, ela se afoga e me afoga nas anedotas de sua vida que ela conta e naquelas em que ela faz "falar", em estilo direto, os diferentes protagonistas das cenas que assim ela mostra e me faz escutar deslocada "para fora" dela, ela "se" fala e fala dela pela boca dos outros a quem ela "faz dizer", durante as sessões, tanto cumprimentos disfarçados em relação a si própria, (ou poderíamos dizer faz falar bem dela) ou ao inverso, falas que alimentam suas vivências persecutórias.

A referência aos processos relevantes de identificação projetiva parece aqui incon-tornável, os aspectos "evacuativos" da palavra e das associações que prevalecem nos levam diretamente a seus aspectos reflexivos. Chloé não fala para poder entender-se e refletir, sua urgência está em outro lugar, ela fala para tentar restaurar-se narcisicamente e para esquecer, para poder esquecer uma tristeza e uma dor que ela não pode aceitar sofrer, uma dor e uma ameaça de depressão que eu só posso supor estar no fundo de sua vida psíquica. Em uma tal conjuntura clínica, toda intervenção minha é potencialmente vivida como sendo uma ameaça de um retorno violento daquilo que foi evacuado na e pela palavra. É claro para mim que o trabalho interpretativo só deve avançar com prudência e ficar o mais próximo possível daquilo que o ego de Chloé puder reintegrar de seus próprios movimentos inconscientes. Chloé queixa-se bastante de não ter sido "apoiada" por sua mãe, e toda palavra de minha parte que tenha o risco de não ser "incondicionalmente continente" torna-se imediatamente ameaçadora. Eu tomo, portanto, muitas precauções com minhas intervenções. Quando acontece de eu tomar a palavra, Chloé coloca imediatamente e "inconscientemente" sua mão na frente da sua boca, palma voltada para mim, como uma forma de barreira. Se minhas construções de frases e meu tom são suficientemente ajustados às suas necessidades do momento, o que é preciso adivinhar, a mão então se abre e a boca se entreabre. Mas acontece, às vezes, de eu achar Chlóe irritante e que o meu tom de voz ou a estrutura de minhas frases não sejam suficientemente bem escolhidas para afastar a ameaça persecutória que suporte, a priori, minhas intervenções, nesse caso então a mão fica no lugar, se fecha mais forte contra a boca para que nada passe. É preciso que "isso não entre" e ela me comunica de uma maneira inconsciente para ela, mas que eu não posso deixar de reparar.

A mensagem é clara, mesmo que ela seja inconsciente, ela comunica um modo de relação com o objeto onde as "coisas" entram pela boca ou são barradas já na entrada, ela comunica um estado de uma organização fantasmática primitiva, mesmo se esta não encontra expressão verbal direta. Um diálogo mimo-gesto-postural transmite um modo de relação subjetivo inconsciente e, sem dúvida, clivado, ele "dobra" a comunicação verbal e as formas do inconsciente respondendo aos modos de inconsciência do "reprimido". Uma parte do ego clivado de Chloé não é diretamente atingível, mas ele se manifesta por esse modo de comunicação mimo-postural, um certo nível de troca e de relação fica assim possível.

A esses dois modos de comunicação e de "mensagens" se junta a comunicação afetiva. Se Chlóe experimenta um "desconforto" ou uma dificuldade, muda de tom, fala alto, torna-se volúvel, dá um "riso-louco", verdadeira forma comportamental de uma negação maníaca, que no mínimo vem contrariar ou frear meus movimentos empáticos em relação a ela. O afeto também pode ser inconsciente, ele pode estar negado, reprimido, "decomposto" assim como nas somatoses, ele carrega uma forma de linguagem que vem se dialetizar com as duas modalidades que acabamos de evocar acima. O encontro clínico com Chloé estabelece-se, portanto, com a ajuda de três sistemas de comunicação que correspondem aos três modos de representação da pulsão, uma teoria psicanalítica de intersubjetividade deve poder levar em conta os três tipos de mensagens que se trocam e as relações que se estabelecem ou faltam se estabelecer entre essas três modalidades de representação pulsional.

Podemos verdadeiramente pensar as condições do encontro intersubjetivo sem dar lugar a esses diferentes modos de comunicação e de mensagens inconscientes, e podemos pensar esses modos de comunicação sem pensar os processos pulsionais que se exprimem assim, a fantasia corporal, a "postura" subjetiva que se atualiza no gestual e nas mímicas?

Se a abordagem intersubjetiva em psicanálise supõe uma concepção "mensageira" da pulsão ela supõe, também, que as três formas da "representação" pulsional concebidas por Freud - a representação-afeto a representação-palavra e a representação-coisa - sejam concebidas não somente em sua versão intrapsíquica, mas também em seu valor intersubjetivo.

Em seu processo de representação a pulsão vetoriza os movimentos em direção ao outro, ela leva e impulsiona os significantes que são tanto mensagens "para" o sujeito, que vão lhe permitir (se) sentir, (se) ver ou (se) escutar, quanto mensagens para o outro-sujeito, que comunicam-os diferentes níveis e formas de engajamento do sujeito na relação.

 

Referências

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Correspondência:
René Roussillon
[Sociedade Psicanalítica de Paris SPP]
12, quai de Lérbie
69006 Lyon, France
rroussillon7@gmail.com

[Recebido em 16.2.2011
Aceito em 3.8.2011]

 

 

Revisão de Patricia Bohrer Pereira Leite
1 Ainda assim, seu livro fundamental se intitula O mundo interpessoal do bebê.
2 Écho em lembrança da maneira como Narciso trata as investidas amorosas de Écho produzindo nela vergonha, anorexia e empobrecimento.

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