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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.46 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2012

 

RESENHAS

 

Distúrbios alimentares: uma contribuição da psicanálise

 

 

Anette Blaya Luz

Membro efetivo e didata da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre SPPA

 

 

Organizado por: Cassia Aparecida Barreto Bruno
Editora: Imago, 2011, 372 pp.
Resenhado por: Anette Blaya Luz

O livro Distúrbios alimentares - uma contribuição da psicanálise, organizado com primor por nossa colega Cássia Aparecida Barreto Bruno, é uma importante contribuição da psicanálise brasileira ao estudo dessas inquietantes patologias alimentares tão frequentemente encontradas nos nossos consultórios atualmente.

Sentindo a necessidade de uma dedicação maior às patologias da compulsão, por imposição da clínica atual em que esses casos são cada vez mais frequentes, colegas da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo decidiram formar um grupo de estudos para que pudessem se aprofundar na compreensão da teoria e no manejo da clínica dessas situações tão angustiantes para o paciente, sua família e para os analistas. O livro nasceu desses encontros. É uma compilação muito bem organizada por Cassia Bruno, onde os colegas do grupo de estudos supracitado mais alguns outros convidados trouxeram suas contribuições. Conforme Antonio Sapienza, este livro se "Constitui num depoimento vivo do Grupo de Estudos sobre compulsões Alimentares da SBPSP, ativo há uma década" (p. 11).

A obra é um conjunto de 26 trabalhos escritos por membros da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo ou que lá fizeram suas formações psicanalíticas. Está organizado em seis partes: I. Contexto teórico-metodológico; II. Pesquisa psicanalítica; III. Contexto teórico-clínico; IV. Psicodinâmica das relações; V. Questões técnicas; VI. Considerações finais.

"Contexto teórico-metodológico", "apesar dos pesares", é o texto de abertura do livro. Escrito pelo querido e saudoso Fábio Herrmann, o texto enfoca a obesidade, propondo que, antes de ser enfatizado qualquer um dos constituintes tradicionais da psicopatologia - constituição, cultura e relação infantil -, é importante "levar a sério as relações dialéticas que vinculam seus termos" (p. 22).

O seguinte artigo é escrito por Milton Della Nina e traz uma consistente revisão bibliográfica sobre anorexia nervosa, que contempla não só a literatura internacional, mas também a nacional.

Cassia Bruno é a autora do próximo capítulo - "Anorexia: um ponto de vista freudiano. Conflito ou guerra". Partindo de Freud, a autora enfatiza a contribuição da psicanálise como instrumento capaz de criar um espaço interior onde a simbolização e o pensamento possam florescer na mente do paciente. Isto possibilita que a pessoa seja e viva plenamente suas dores, aflições, amores, fantasias e pensamentos. Ao poder pensar, o sujeito não precisa mais usar o corpo como se fosse sua forma de "pensar".

José Américo Junqueira de Mattos é o autor seguinte. Ele nos brinda com o texto "Anorexia nervosa e função alfa: um novo paradigma para as perversões?". Inicia sua contribuição usando a teoria do pensar de Bion, salientando que, para este, as perversões se situam no âmbito dos distúrbios do pensamento. Enfatiza o quão sutil é o limite entre o funcionamento psicótico e não-psicótico particularmente nas condições perversas, porque o atuar mentalmente sobre os outros através da identificação tem papel relevante.

"Desastre na gênese do pensamento em distúrbios alimentares", também de autoria de Cassia Bruno, explora com um rico material clínico (inclusive com paciente homem bulímico) a questão da psicose e dos vínculos -K, -H, -L nos quadros de distúrbios alimentares. O capítulo é ilustrado com três descrições clínicas muito bem apresentadas e que exemplificam de maneira muito clara a forma de compreender e trabalhar da autora frente a esses pacientes tão graves.

Antonio Sapienza traz uma importante contribuição sobre como desenvolver e preservar a capacidade intuitiva e a função rêverie do analista. Partindo da obra de Bion, descreve as duas cenas da "Cova da morte do cemitério real de Ur". A exemplo de outros mitos, essa descrição também serve pictoricamente à construção de pensamentos-sonhos e, ainda, serve de analogia às qualidades estratificadas das catástrofes que subjazem ao sofrimento psicótico. Nesse inquietante capítulo, Sapienza levanta questões fundamentais a respeito do futuro de nossa ciência. Questiona-se, por exemplo, que chance temos nós, psicanalistas, de nos tornarmos "descendentes espirituais da religião dos sarcedotes de Ur" (p. 107).

O último capítulo da parte I do livro resenhando - "Peculiaridades do processo de simbolização" - é escrito por Isaias Melsohn. Transitando por um bom número de filósofos como Kant, Cassirer, Merleau-Ponty, Sartre e psicólogos pensadores como Koffka, Koehler, Willian James e Lange e ainda psicanalistas como Melanie Klein e Hanna Segal, Melsohn traça uma linha de ideias em que fica evidente a importância do símbolo e do pensar dentro de sua compreensão e prática psicanalíticas.

A segunda parte deste livro, que enfoca a pesquisa psicanalítica, é inaugurada por um belíssimo texto escrito por Marina Ramalho Miranda. Muito rico em descrições clínicas detalhadas, transmite com clareza o impacto que sofre o analista que se dispõe a atender essas jovens pacientes tão gravemente comprometidas em seu desenvolvimento psico-sexual-emocional. Ela apresenta com nitidez as definições de anorexia e bulimia e as perturbações na identidade dessas meninas-moças. A autora ainda ressalta a fusão e comfusão que impera na relação das pacientes com suas mães. Isso termina por trazer outras confusões, e a mente se desloca para o corpo, quando as sensações ocupam o lugar das emoções.

Valeria de A.Gimenes Loureiro nos brinda com o artigo "O que o psicanalista apreende da clínica precoce dos distúrbios alimentares". Partindo de uma boa revisão da literatura, a autora apresenta dois casos clínicos. O primeiro é um caso de atendimento de uma díade mãe-bebê, em que fica evidente a relação que existe entre a depressão materna e a retração repleta de sintomas gástricos de seu bebê. Onde não há disponibilidade emocional por parte da mãe, a criança reage retraindo-se dessa relação e de seus cuidados. Fica falho o investimento narcísico que a criança precisa para ter um desenvolvimento saudável. O segundo caso é de um senhor com uma sintomatologia importante, em que se pode evidenciar, muito anos mais tarde, a falha inicial e precoce que a autora apresenta no primeiro material clínico. As duas descrições clínicas permitem que se reconheça a ressonância "das patologias dos períodos precoces de vida com as enfrentadas por indivíduos adultos" (p. 167).

O capítulo seguinte é escrito por Mariângela Mendes de Almeida. A autora parte de um trabalho anterior, sua dissertação de mestrado, onde estudou a relação entre os modos de continência psíquica presentes na relação pai-bebê e problemas iniciais de alimentação. Neste capítulo a autora busca investigar e identificar as qualidades das projeções parentais e sua implicação na sintomatologia apresentada pelos bebês com dificuldades alimentares. Usando o material clínico de dois bebês e suas famílias, foi possível identificar e descrever a importância do impacto das projeções maciças de Lena sobre sua filha, Marian, e do estado depressivo de Kalina sobre seu filho Abdul. Com Marian e Lena a projeção maciça de aspectos hostis impedia que a mãe pudesse se relacionar com a criança real que a filha era. Mas não só a intensidade das projeções; também a qualidade e o conteúdo das projeções impactavam a relação dos pais com o bebê real. Isso tudo influindo na organização da personalidade da criança.

Myrna Favilli, Bernardo Tanis e Maria Cecília Anhaia Mello são os autores deste que é o primeiro capítulo da parte III do nosso livro: O contexto teórico-clínico. "A infância roubada" é uma reflexão sobre a clínica contemporânea que se propõe a uma discussão sobre as "perdas" da infância contemporânea quando contrastada com a infância de um passado recente, provavelmente do passado dos próprios autores, assim como da minha infância. Uma ideia que os autores examinam diz respeito à urgência de satisfação narcísica tão característica da cultura atual e como isto tem implicações na subjetivação do indíviduo. A criança de hoje, assim como seus pais, mergulhada na cultura da rapidez, da transitoriedade, tem uma perda significativa de tempo lúdico, de tempo mágico. Isto tem um custo para o adulto que um dia esta criança será.

Ainda sobre a criança de hoje, versa o capítulo seguinte, escrito por Célia Fix Korbivcher, "A mente primordial e a psicanálise de crianças hoje", que ilustra, através de dois fragmentos clínicos, a diferença de comunicação que se dá entre paciente e analista quando existe um aparelho para pensar pensamentos e uma capacidade simbólica e quando essas características da mente ainda são muito rudimentares ou inexistentes. A autora se questiona sobre formas de fazer contato emocional quando o paciente funciona num nível primitivo, de concretude sem capacidade simbólica. Conclui defendendo a ideia de que não devemos lançar mão de estratégias outras ou abordagens enganosas que possam nos conduzir a situações que não evoluem. Propõe que aprimorar nossos instrumentos de observação talvez possa nos ajudar a compreender esses fenômenos e que este é o grande desafio da psicanálise hoje.

"Adolescente e bulimia: Escravo bem temperado" é o título do capítulo seguinte, que foi escrito pela colega Maria Stela de Godoy Moreira. Nesse texto a autora salienta através do próprio título o caráter repetitivo da sintomatologia bulímica. Fazendo um jogo de palavras com a obra de teclado de Bach - Cravo bem temperado - enfatiza a qualidade heroica, triunfante e de uma compulsão repetitiva muito nítida nos quadros bulímicos durante os ataques de voracidade. A autora ainda relaciona as dificuldades da relação precoce do bebê com seus pais ao desenvolvimento de sintomas bulímicos, mas deixa claro que não se pode determinar que essas dificuldades sejam a causa do quadro clínico.

Lia Raquel Colussi Cypel é nossa próxima autora, com o texto "O pensamento perverso: Reflexões clínicas e técnicas, um caso de bulimia". O artigo traz uma proposta original. Baseada nos conceitos de parte psicótica e parte neurótica da personalidade de Bion, Cypel propõe a existência de uma terceira porção, a parte perversa da personalidade, "que teria como mecanismos definitórios a predominância da desmentida e da cisão do Ego como organizadores básicos da realidade psíquica" (p. 225). Cypel descreve que já na raiz do funcionamento mental podemos identificar a perversão, quando o ato vem no lugar da elaboração psíquica. Sendo assim, fica muito difícil para o sujeito aprender com a experiência, pois na proposta perversa a onipotência e a onisciência ocupam o lugar que seria o do pensar. A autora mescla suas reflexões teóricas com um caso clínico, o que facilita muito ao leitor compreender suas ideias. Ela salienta a importância de sabermos discriminar quando as repetições são de caráter tanático daquelas manifestações que representam a luta por uma busca de transformação e significados oníricos. A postura flexível, mas firme do analista nesses momentos é fundamental.

"Sintomas do corpo erótico cultural: Adições e distúrbios alimentares emocionais", escrito por Maria Olympia A. F França, é o título do último capítulo da parte III do livro. Usando os conceitos de Bion, ela descreve como no grupo de pacientes com transtornos alimentares nós podemos encontrar um "aparelho digestivo camuflado em aparelho de pensar e ocupando-lhe o lugar na função metabólica dos estímulos concretos (...) impedindo de torná-los psíquicos" (p. 237). Ainda baseando-se em Bion, a autora lança mão do conceito de splitting forçado para compreender como esses indivíduos confundem a necessidade de afetos com a necessidade de acumulação de coisas. A confusão perverte a humanidade do indivíduo, e a autora ainda traz importantes reflexões sobre o impacto disto no sujeito e na cultura. Numa cultura contaminada pela indiferença afetiva, França se indaga se as pacientes com distúrbios alimentares poderiam ser encaradas como as histéricas do tempo de Freud, já que a origem dos transtornos poderia ser identificada como a mesma, isto é, falta de integração corpo-alma, quem sabe secundária à indiferença afetiva no início da vida?

Psicodinâmica das relações é o tema da parte IV deste livro. Neyla Regina A. F. França faz a abertura dessa porção do livro com o artigo "Transtornos alimentares: Uma visão psicanalítica". A autora apresenta uma abordagem ampla dos distúrbios alimentares trazendo uma boa revisão bibliográfica sobre o tema. Detendo-se mais especificamente na obesidade mórbida, mas também na anorexia e bulimia, destaca a importância das relações primitivas em todos os quadros clínicos. É salientada também nesse artigo a dificuldade de abordagem psicoterapêutica e psicanalítica que os pacientes representam. França destaca a importância de trazermos a família para o tratamento.

A próxima autora, também uma colega da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo é Maria Cristina P. D. Pinto. Ela Examina a anorexia através da "Complexa relação mãe-filha-alimento e a questão do gozo na anorexia" (p. 255). Esclarece no texto que gozo está sendo usado no sentido psicanalítico; não como sinônimo de prazer, como é o uso comum da palavra, mas como algo em excesso que vai mais além do prazer. Algo que indo além do prazer se aproxima da dor e do sofrimento. Relaciona esses excessos às primitivas relações objetais e seus desencontros e desencantos.

"Diálogos im(pertinentes) do corpo; a enunciação do psíquico", de Rosemary F. Bulgarão, descreve, através de três casos clínicos, algumas características que a autora julga serem comuns aos pacientes com patologias relacionadas à perturbação alimentar. São as seguintes as características mencionadas: 1. relação arcaica com o corpo; 2. defesas baseadas em ossos, gordura e vômitos; 3. a forma tênue e incipiente com que se apresenta o psíquico; e 4. a utilização do alimento como objeto narcísico de relação. A autora salienta, ainda, a possibilidade de o sintoma alimentar vir a fazer parte da estrutura de personalidade da paciente, o que explicaria, pelo menos em parte, as dificuldades de manejo que esses casos representam para os analistas dentro do setting. E enfatiza também a importância das relações objetais primitivas nos desenvolvimentos dos quadros.

Regina B. Colucci, com o artigo "Organizações psicopatológicas nos distúrbios da inapetência", traz sua contribuição ao tema privilegiando uma vertente: a da "relação intensa e conflitante entre mãe-filha, que dificulta a individuação entre elas" (p. 275). Através de exemplos clínicos que inclui desenhos feitos por pacientes, Colucci enfatiza o quão despreparadas estão essas meninas para enfrentar a vida "separadas"de suas mães. A separação e individuação não se processaram na época normal, adequada e comum à maioria das outras crianças, e estas meninas, quando precisam se diferenciar, em geral na puberdade, vivem a separação de forma catastrófica e recuam para dentro de uma estrutura que já se mostrou precária. São meninas que sempre se esconderam na fusão com suas mães, sem desenvolverem uma simbolização própria, conforme descreve Colucci.

Josette Czerny é a autora que encerra essa parte do livro com o texto "A imagem inconsciente do corpo e anorexia". Com um referencial teórico diferente dos demais textos apresentados até aqui, ressalta as pesquisas levadas a cabo pelos franceses P. Marty, M. Fain e M. M'Uzan, enfatizando as características e a importância da energia fundamental. É essa energia, sem qualidade, que vai qualificar-se como energia libidinal. A investidura libidinal (da mãe sobre o bebê) faz brotar as zonas erógenas. Quando estas impuserem um trabalho ao psíquico, teremos a invenção da pulsão. "A energia pulsional, agora qualificada no seu desejo e na busca de objeto, passa a ganhar terreno sobre a energia sem qualidade, de descarga." (p. 289). Descreve ainda a autora a elaboração da imagem corporal inconsciente que se dá ao longo dos primeiros anos de vida. Esse desenvolvimento acontece através da passagem pelas diferentes fases, que, baseada em Dolto, ela conclui que são as fases placentária, oral, anal e genital. Entende Czerny que a anorexia é uma desordem da economia libidinal. Devido a um investimento libidinal pobre tanto em nível de zonas erógenas quanto no narcisismo primário, o self se desenvolve muito fragilmente, de maneira que qualquer exigência maior sobre este causa sua desvitalização e desumanização.

Chegamos agora na parte V do livro, que trata dos aspectos técnicos no atendimento de pacientes com distúrbio alimentar.

"Método e técnica psicanalítica em caso de anorexia masculina" é o texto da organizadora deste livro, Cassia Bruno. O artigo versa especificamente sobre a problemática da técnica, já que esses pacientes são muito difíceis de abordar, tendo sido inclusive considerados não analisáveis no passado, conforme ressalta Bruno. Ela utiliza Francis Tustin para entender os pacientes anoréticos e bulímicos como sendo portadores de núcleos autistas que ainda não puderam ter seus conteúdos simbolizados. Além de Tustin, apoia-se bastante em André Green para a compreensão e tratamento desses casos-limites. Através de um caso clínico, a autora ilustra claramente sua forma de trabalhar com esses pacientes para que a capacidade simbólica possa florescer.

Marina M. Lisbona escreve a seguir seu artigo "Em busca do símbolo perdido: transferência e contratransferência em pacientes com distúrbios alimentares", em que faz uma boa revisão da bibliografia sobre o assunto. Enfoca os aspectos transferenciais e contratransferenciais da técnica com esses casos, particularmente a invasão que se processa na mente do analista por conta da intensa identificação projetiva que esses pacientes lançam mão.

Leda Herrmann e Luciana Saddi trazem um trabalho muito interessante e completo sobre "A clínica psicanalítica e os problemas alimentares: o ponto de vista da teoria dos campos". Partindo da teoria dos campos (Hermann, 1999) e da definição dos quadros sintomáticos referentes aos distúrbios alimentares e entendendo esses quadros clínicos como parte das novas patologias, utilizam-se de vários conceitos que o legado de Fábio Herrmann nos propõe. São conceitos que merecem ser lidos e estudados pelo leitor no corpo do artigo. Aqui, para fins desta resenha, vou citar alguns: Psique do real, regime do atentado, regime do ato puro e psicose de ação e mentalidade da dieta.

Os próximos dois capítulos, que são os últimos da parte V, são bastante originais e instigantes, a começar por seus títulos: "O rapto das metáforas", escrito por Plínio Montagna, e "A dieta das oxítonas", de Leopoldo Nosek. Ambos chegam a conclusões bastante correlatas e de alguma forma próximas: o importante é pensar, sonhar, liberar a metáfora.

Para Montagna, o que é mais valioso é conseguirmos emprestar aos nossos pacientes nossa capacidade de sonhar, para assim podermos liberar a metáfora. Explica que as somatizações podem ser entendidas como representações de metáforas que foram aprisionadas no nível do signo, e não do símbolo. Escreve Montagna de forma clara e poética: "A ampliação do nível somático, em vez da mentalização, demonstra a subtração da metáfora, o apagamento da representação, e a conseqüente instalação do corpo como biológico e de nenhum modo erógeno, de maneira que aqui a metáfora não mais se encontra. Foi tornada concreta, ou então subtraída, raptada" (p. 332).

Nosek nos traz um texto crítico e bem-humorado. Parte da ideia de que o ato de comer é o primeiro ato e o mais básico de todos os mamíferos, incluindo o ser humano. Nos problemas alimentares, é comum condenar as glândulas ou o tipo de alimento como o grande vilão.O autor relaciona todas as diferentes abordagens terapêuticas e todas as dietas concluindo que tudo, inclusive a psicanálise, fracassa no objetivo de tratar os obesos, por exemplo. Propõe uma dieta dos opostos, e tudo o que era permitido comer fica agora proibido. Recorre a Hume e a Wittgenstein, mas não se sente satisfeito. Formula, então, o pensamento de que o vilão calórico da obesidade é o alimento oxítona, os paroxítonas são neutros e os proparoxítonas são altamente aceitáveis! Mas, após transitar por inúmeros autores e hipóteses, ele retorna à psicanálise, concluindo que o que de fato funciona é a interposição do pensamento ao desejo. Assim podemos considerar os pensamentos como os talheres da cultura.

Cassia Bruno é quem escreve as considerações finais, fechando com chave de ouro este livro por ela mesma organizado. Seu texto "O sentimento de urge existir: Reflexão a partir de um caso de anorexia masculina" avança um pouco mais no relato do caso do senhor de 53 anos que ela atendeu. Fortemente alicerçado na obra de Bion, contribui de forma importante para que possamos compreender a força do existir e aprender a trabalhar a experiência emocional do presente, sabendo suportar o que não sabemos até que possa florescer um conhecimento construído a quatro mãos, as nossas mais as dos nossos pacientes. É nessa experiência estética da dupla analisando-analista que Bruno nos descreve que o humano dentro do paciente ganho vigor e vitalidade.

Espero que o leitor usufrua da leitura tanto quanto eu pude fazê-lo.

 

 

Correspondência:
Anette Blaya Luz
[Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre SPPA]
Rua Álvares Machado, 44/505
9063-010 Porto Alegre, RS
anettebl@terra.com.br

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