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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.46 no.2 São Paulo abr./jun. 2012

 

ARTIGOS TEMÁTICOS: PASSAGENS I - ENTRE O MODERNO E O CONTEMPORÂNEO

 

Notas para a história da psicanálise em São Paulo1

 

Notes on the history of psychoanalysis in São Paulo

 

Notas para la historia del psicoanálisis en São Paulo

 

 

Luiz de Almeida Prado Galvão

Psicanalista, médico psiquiatra (1928-1991), Membro efetivo e Analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP, Diretor do Instituto (1975-1976) e um dos fundadores da Revista Brasileira de Psicanálise

 

 


RESUMO

O presente trabalho refere-se à introdução da Psicanálise em São Paulo, a primeira cidade sul-americana a recebê-la. Neste esboço que tracei em grandes linhas, coloquei em primeiro plano as figuras dos pioneiros da Psicanálise no Brasil: Durval Marcondes e Adelheid Koch. Ambos terão seus nomes indelevelmente gravados na história da Psicanálise brasileira, o primeiro como pioneiro no movimento psicanalítico do país, a segunda como pioneira do ensino da Psicanálise entre nós e na América Latina.

Palavras-chave: história da psicanálise, pioneiros, Adelheid Koch, Franco da Rocha, Durval Marcondes.


ABSTRACT

The present paper describes the arrival of Psychoanalysis in São Paulo, the first South American city where it was introduced. In this article, in broad lines, I initially present the pioneers of Psychoanalysis en Brazil: Durval Marcondes and Adelheid Koch. Both of them will have their names permanently engraved in the history of Brazilian Psychoanalysis, the first one as the pioneer of psychoanalytic movement in the country and the latter as pioneer in psychoanalytic training amongst us and in Latin America as a whole.

Keywords: history of psychoanalysis, pioneers, Adelheid Koch, Franco da Rocha, Durval Marcondes.


RESUMEN

El presente trabajo se refiere a la introducción del Psicoanálisis en São Paulo, la primera ciudad suramericana en recibirlo. Este bosquejo trazado en grandes líneas coloca en primer plano las figuras de Durval Marcondes y Adelaide Koch. Ambos tendrán sus nombres indeleblemente grabados en la historia del psicoanálisis brasileño, el primero como pionero del movimiento psicoanalítico en el país, la segunda como pionera de la enseñanza del psicoanálisis entre nosotros y en Latinoamérica.

Palabras-clave: historia del psicoanálisis, pioneros, Adelheid Koch, Franco da Rocha, Durval Marcondes.


 

 

Quando alguém se põe a meditar sobre as conquistas do espírito humano dentro de qualquer terreno, surpreende-se ao verificar que tais conquistas, que permaneceram como marcos, na trajetória já longa do homem sobre a Terra, impuseram-se muitas vezes ao preço de ferro, de fogo e até de morte imposta a seus autores. Nomes que hoje são reverenciados como benfeitores da humanidade, foram um dia vilipendiados, enlameados e proscritos.

Assim o entendeu um desses conquistadores, Freud (Freud, S., 1948), ao comparar o recebimento da ciência que descobriu para a humanidade - a psicanálise - com outros ramos de ciências incompreendidas e rejeitadas como a psicanálise, quando pela primeira vez foram apresentadas no decurso da história humana (Freud,1948).

Quem quer que tenha lido Vida e obra de Sigmund Freud (Jones, E.,1960), escrito por Jones, compreendeu, lance por lance, o quanto foi espinhosa e árdua a tarefa para a conquista de pessoas que dessem crédito às surpreendentes revelações que o genial pesquisador trazia a propósito da natureza psíquica do ser humano.

Creio que na história do movimento psicanalítico de cada país repetiu-se para seus pioneiros a mesma estrada áspera que Freud teve de palmilhar. Sofreram, os pioneiros, a mesma hostilidade e incompreensão que o próprio Freud teve que viver em Viena, quando, impelido pelo seu espírito inteligente e científico, manteve-se na linha de suas investigações, lançando os alicerces do novo mundo que desvendava para a humanidade e, o mais trágico e doloroso, para seu próprio bem. Repudiado, caluniado, injuriado, Freud, qual um gigante, a tudo suportou e foi levando avante suas pesquisas, sistematizando-as, estabelecendo princípios, leis gerais a respeito da vida mental; com espírito aberto, sem dogmatismos, corrigia-se, reformulava, redefinia, tendo a constante preocupação de investigar para esclarecer, investigar para modificar, investigar para construir. E como alguém que toma as peças de um quebra-cabeça, foi, sem desfalecimentos, armando o seu quebra-cabeça, a sua doutrina científica de estudo do homem, a sua psicanálise.

Freud colocou nas mãos do indivíduo a possibilidade de lutar contra seu maior inimigo e a estarrecedora revelação foi que o pior inimigo do homem encontrava abrigo dentro do próprio homem. Como machucou, como doeu, como abalou o homem o conhecimento deste inimigo terrível e incontrolável; como foi desnorteante saber que o “demônio” estava abrigado dentro de nós mesmos, controlando os nossos passos, os nossos sentimentos e agindo de forma invisível. Mas não se limitou Freud a apontar o demônio; apontou também o caminho para exorcizá-lo, estabelecendo assim os primeiros princípios da terapêutica psicanalítica.

Mas o Freud crucificado, que pagou o tributo por ter dado este passo decisivo, teve a felicidade de viver o suficiente para ver um regimento de homens, que captaram sua mensagem, tomar sua bandeira e levar a seus países, em seus próprios idiomas, aquilo que o mestre imortal começava a explicar à humanidade.

Pouco a pouco foi se formando este batalhão internacional, este batalhão de pioneiros que tomaram a si próprios a tarefa de difundir a nova ciência que foi gerada no espírito fecundo de seu criador. E este batalhão de pioneiros assumiu resolutamente o compromisso de lutar pelas novas ideias, revivendo quiçá o mesmo calvário que Freud palmilhou; tinham estes pioneiros o mesmo compromisso com a verdade e as qualidades pessoais daqueles que podem sintonizar-se rapidamente e, antes do que todos, com o que se constitui numa inovação, cujas dimensões e alcance puderam detectar com prioridade. Foram homens de características especiais, certamente: inteligência aberta às novas conquistas, espírito progressista e inconformismo diante dos dogmas, segurança suficiente para admitir suas próprias insuficiências inerentes à condição humana e determinação de ajudar o homem no seu sofrimento e dor. Além destas características, enumeradas ao correr da pena, lembraria outra, muito importante: não transacionaram com o sucesso fácil, não se traíram, não se venderam. Tiveram por si mesmos o mais profundo respeito. Renunciaram conscientemente às glórias efêmeras e desta forma conquistaram o lugar de honra que lhes cabe por direito: de se perpetuarem na História.

Considerando o início do movimento psicanalítico entre nós, dois nomes são imediatamente evocados, com papéis bem definidos: o primeiro deles representa o precursor, que, tomando contato com uma investigação científica nova, teve a sensibilidade especial de captar toda a sua força, o terreno fértil a ser explorado devidamente; o segundo deles é o realizador, aquele que tomou para si a tarefa pioneira de implantar a nova ciência em seu país. Ambos foram admiráveis: o velho professor, de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de São Paulo, Franco da Rocha e o então jovem estudante Durval Marcondes. Com efeito, em 1919, o professor Franco da Rocha, na cátedra de Clínica Psiquiátrica ensinada no 6o ano da Faculdade de Medicina, fez uma preleção intitulada “Do delírio em geral”, em que ressaltava a importância das ideias de Freud para a compreensão dos delírios, dos sonhos e da criação literária; a exposição feita nesta aula foi publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em 20 de março de 1919, e desta maneira chegou ao conhecimento de Durval Marcondes, que por esta época estava no inicio de seu curso médico; o jovem estudante percebeu que uma compreensão revolucionária estava contida nas investigações freudianas; a corda de sua curiosidade científica aliada ao seu entusiasmo juvenil foi vibrada; e assim de imediato tornou-se assinante do International Journal of Psychoanalysis.

Do professor Franco da Rocha disse Virgínia Bicudo: “O que houve de notável em Franco da Rocha foi seu espírito aberto à teoria em um período no qual era tão apoucada, entre nós, a literatura sobre o assunto. Franco da Rocha destacou-se por sua inteligência liberta em alto grau dos entraves das inibições emocionais que, frequentemente, se expressam na mentalidade refratária ao que é novo.” (Bicudo, V. L., 1948)2. O destino marcou encontro entre duas personalidades notáveis, o já maduro professor Franco da Rocha e o estudante Durval Marcondes. Ao primeiro, reservou a tarefa de chamar a atenção de seus estudantes para a obra revolucionária que Freud vinha realizando; e ao segundo, reservou o mérito de lutar heroicamente para que germinasse o movimento psicanalítico em nossas fronteiras.

Nessa luta Durval Marcondes usou o vigor de sua juventude, sua inteligência e sensibilidade, negando-se ao conforto de uma vida fácil, oriunda das acomodações sedutoras, porque, com sua envergadura de cientista e pesquisador, só tinha um compromisso: com a verdade científica.

De seu velho professor Franco da Rocha, Durval Marcondes recebeu as seguintes palavras proféticas, quando a ciência oficial se opunha ao desenvolvimento de suas primeiras atividades, na divulgação e tentativas de implantação do primeiro núcleo psicanalítico entre nós: “há de chegar um dia em que a psicanálise será coisa assentada e sabida, aceita por todo mundo. Os próprios detratores dirão: não fui nunca contrário a ela; sempre a aceitei: era lá um ou outro tópico que provocava dúvida, mas sempre admirei Freud e sua doutrina, etc. etc.”3

Acompanhando os primeiros passos de Durval Marcondes, passos de um autêntico bandeirante, ao ampliar as fronteiras do conhecimento científico em nosso meio, verifica-se que formado em 1924, na Faculdade de Medicina de São Paulo, iniciou sua atividade clínica em 1925, aplicando a técnica psicanalítica em sua atividade profissional, guiado por sua intuição e sensibilidade pessoais; os primeiros frutos de seu trabalho clínico o entusiasmaram, pois via confirmados, na prática, os achados da psicanálise de então.

Em 1926, evidenciando o polimorfismo de sua personalidade rica e sensível, que fez dele um cultor de obras literárias, pintura e música, apresentou como tese de concurso para a cátedra de Literatura no Ginásio do Estado, uma monografia que se intitulava “O simbolismo estético na literatura; ensaio de uma orientação para a crítica literária baseada nos conhecimentos fornecidos pela psicanálise”. Prefaciada por Franco da Rocha, ela foi o marco inicial da aplicação da psicanálise aos estudos literários no Brasil e mereceu de Freud palavras de estímulo em carta que lhe enviou em 18 de novembro de 1926. Freud dizia que graças a seus conhecimentos do espanhol pôde entender o seu trabalho e lhe assegurava um sucesso compensador na sua dedicação ao assunto.4

Em fins de 1927, por iniciativa de Durval Marcondes, foi organizado o primeiro grupo de pessoas interessadas em debater e difundir os ensinamentos da psicanálise. Em 24 de outubro desse mesmo ano, realizou-se, convocada por seu idealizador, a sessão de fundação da primeira Sociedade Brasileira de Psicanálise, sessão essa presidida por Franco da Rocha. Procedeu-se à eleição de sua diretoria, que teve como presidente Franco da Rocha e como secretário Durval Marcondes.

Dos membros desta primeira Sociedade Brasileira de Psicanálise, que aglutinou um pequeno número de intelectuais médicos ou não, somente Durval Marcondes prosseguiu nos estudos, transformando o que fora mera curiosidade intelectual, como era em relação aos demais, no objetivo principal de sua vida. A formação da Sociedade foi muito apreciada por Freud, que sobre ela fez uma referência especial em carta que enviou a Ferenczi, em 4 de janeiro de 1928. (Jones, E., 1960a).

Esse primeiro grupo atuou na realização de sessões científicas, onde foram lidos e discutidos trabalhos de Franco da Rocha, Durval Marcondes e outros autores, bem como promovidos cursos e conferências de divulgação da psicanálise.

Por decisão tomada em sessão a 9 de março de 1928, Durval Marcondes foi incumbido de ir ao Rio de Janeiro, para fundar núcleo semelhante, na então capital da República, a fim de construir uma agremiação que abrangesse todo o país.

Em reunião que teve lugar a 17 de junho de 1928 no Hospital Nacional de Psicopatas, sob a presidência de Juliano Moreira e com a presença de Durval Marcondes, organizou-se a seção do Rio de Janeiro da Sociedade Brasileira de Psicanálise. Juliano Moreira foi aclamado seu presidente; Porto Carrero5 ficou sendo o secretário-geral da entidade nacional (Grinberg, 1961).

Essa primeira Sociedade Brasileira de Psicanálise foi reconhecida pela Comissão Executiva Central da Associação Psicanalítica Internacional, conforme comunicação no II Congresso Internacional de Oxford, na sessão de 30 de julho de 1929.6

Um relatório das atividades da Sociedade, como entidade filiada, consta do Boletim da Associação Internacional.7

Um marco de grande importância histórica das atividades científicas deste primeiro grupo psicanalítico foi a publicação da Revista Brasileira de Psicanálise, da qual foi editado apenas um número, em junho de 1928. A importância desse veículo de expressão científica foi apreendida por Durval Marcondes, seu principal inspirador, porém, cisrcunstâncias alheias à sua vontade impediram que a revista continuasse a ser publicada, de acordo com os planos estabelecidos previamente para a sua existência. A publicação dessa revista trouxe muita satisfação a Freud, segundo carta que dirigiu a Durval Marcondes,8 datada de 27 de junho de 1928, na qual dizia que a revista o motivara a se iniciar no estudo da língua portuguesa.9 Ainda a respeito desta Sociedade Brasileira de Psicanálise, que durou alguns anos e veio a se extinguir, pode-se dizer que ela nasceu com uma missão na fase inicial do movimento psicanalítico brasileiro, que era a de chamar a atenção para a psicanálise em nosso meio, estimular seu estudo e tomar contato com o ambiente psicanalítico mundial.

Digno de registro histórico foi o curso de conferências sobre psicanálise, desenvolvido por Durval Marcondes, no primeiro trimestre de 1930, sob os auspícios da Sociedade de Educação, na época sob a presidência de Raul Briquet, e que atraiu centenas de pessoas. Por sua grande repercussão, foi de imenso alcance na divulgação das ideias de Freud em São Paulo. Este curso mereceu uma referência de Franco da Rocha, em artigo no jornal O Estado de São Paulo de 27 de fevereiro de 1930, dizendo: “quem pôde acompanhar e compreender as conferências do doutor Durval Marcondes sobre este assunto, deve ter visto que há na doutrina de Freud concepções de incomparável beleza”.

Como um dos marcos deste período da história da psicanálise em São Paulo, deve-se considerar ainda a publicação primeira de um trabalho de Freud em português - Cinco lições de psicanálise -, traduzido com a colaboração de Durval Marcondes e J. Barbosa Correia, lançado nas livrarias em 1931.

Ainda na década de vinte, na Segunda Enfermaria de Homens na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, teve lugar o primeiro curso sobre psicanálise para médicos. Ministrou-o Durval Marcondes, a pedido de Álvaro Lemos Torres. Constou de uma exposição da teoria, ilustrada com a casuística da então incipiente atividade clínica do expositor.

Um dos muitos esforços de Durval Marcondes foi difundir, no sentido da sua utilização geral, o alcance da psicanálise no meio médico. Numa antecipação àquilo que hoje se denomina medicina psicossomática, já se pronunciava em entrevista concedida em 19 de agosto de 1929 à Folha da Noite, nos seguintes termos:

Não é só para especialistas em moléstias nervosas que os conhecimentos psicanalíticos têm valor, sendo de grande utilidade mesmo para a clínica geral, onde a terapêutica está intimamente relacionada com a situação afetiva do doente. A influência pessoal do médico, tão decisiva em certos casos, apoia-se em disposições afetivas do paciente, que o clínico consciencioso não pode desconhecer. Por outro lado, é preciso considerar que os sintomas corporais são, muitas vezes, determinados ou pelo menos agravados por fatores de ordem psíquica, inacessíveis ao tratamento medicamentoso e que os meios psicoterápicos vulgares nem sempre podem combater (Folha da Noite, 19.8.1929).

Em 1934, a convite de seu diretor, o professor Geraldo de Paula Souza, desenvolveu algumas aulas sobre Higiene Mental no curso de Educadores Sanitários, no Instituto de Higiene, hoje Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo. A orientação do curso, que Durval Marcondes regeu até 1947, foi eminentemente psicanalítica e isto explica, até certo ponto, o volume da participação de profissionais não médicos no movimento psicanalítico de São Paulo.

É, entretanto, a preocupação com o ensino de psicanálise, nos moldes preconizados pela Associação Psicanalítica Internacional, que vai marcar de vez a obra pioneira de Durval Marcondes, na implantação da psicanálise entre nós. Convencido, desde o início de sua atividade na clínica psicanalítica, da importância da análise pessoal do futuro terapeuta, Durval Marcondes passou a concentrar toda a sua preocupação na vinda de analistas didatas para São Paulo, que se incumbissem da formação de psicanalistas, segundo as exigências que se consolidavam na Associação Psicanalítica Internacional. O próprio Durval Marcondes aguardava a chegada de um analista que preenchesse essas condições para colocar-se na posição de aluno: prova eloquente de sua atitude científica e de seu espírito universitário.

O objetivo fundamental de Durval Marcondes passou a ser a constituição de uma nova Sociedade de Psicanálise que congregasse elementos que desejassem submeter-se à preparação adequada para se tornarem psicanalistas, o que deve ser visto como demonstração inequívoca de seu zelo e respeito pela atividade científica especializada e sua visão da necessidade de haver um núcleo de estudos que se convertesse numa verdadeira escola em nosso meio. Já podia prever os perigos de deixar o exercício da profissão nas mãos dos improvisadores, que de boa ou má fé surgiram, intitulando-se falsamente psicanalistas, aproveitando-se da brecha que a falta de legislação oficial oferecia. A constituição da nova Sociedade de Psicanálise seria a implantação de um reduto de formação de profissionais para a prática e investigação no campo da psicanálise, até o dia em que o problema viesse a ser convenientemente abordado pelas autoridades responsáveis do país, isto é, até o dia em que fosse compreendida a questão de que apenas o curso médico ou qualquer outro curso universitário não era suficiente para o exercício da terapia psicanalítica. Convicto de que a formação de psicanalistas exigia uma preparação especial, onde a análise terapêutica do aspirante às funções de psicanalista, chamada correntemente de análise didática, é de vital importância, não poupou esforços para ver concretizada esta aspiração que naquele momento histórico encontrava nele o único porta-voz.

Nessa altura, Durval Marcondes compreendia que um instituto de ensino de psicanálise deveria ter suas portas abertas, não só aos interessados que procedessem das faculdades de Medicina, mas igualmente àqueles outros que, com grau de ensino superior, fizessem o treinamento especializado; estava plenamente consciente de que não haveria de forma alguma tentativa de pretender-se retirar das mãos dos médicos o exercício de uma atividade terapêutica para a qual, na verdade, não estavam preparados antes de se submeterem ao preparo básico a ser realizado numa instituição de ensino de psicanálise, estruturado segundo as condições regulamentadas pela Associação Internacional, que estabelece as normas de funcionamento dos institutos a ela filiados. Além do mais, o psicanalista não médico limitar-se-ia, segundo essas normas, tão somente à prática da psicoterapia psicanalítica previamente indicada pelo médico, para quem está tacitamente reconhecido o direito de estabelecer o diagnóstico e indicar a terapêutica eficaz. Por outro lado, o tratamento psicanalítico limitando-se estritamente às fronteiras do psicológico (mesmo para o psicanalista médico), fato do qual o paciente é informado adredemente, pode ser manejado pelo terapeuta não médico com toda segurança, pois tratamentos para acudir a intercorrências que surjam do decorrer da análise, são atendidos por médicos (estes se encontram, na realidade, à retaguarda de todo e qualquer tratamento psicanalítico, no desempenho das funções para as quais estão aptos).

Eram essas, em linhas gerais, as explicações que Durval Marcondes oferecia, através de conferências, artigos para a imprensa, cursos etc., no afã de chamar a atenção para a importância de se ter uma instituição para ensino de psicanálise, em nosso meio.

Pode-se avaliar suas dificuldades nesta época, pois estava a clamar pela necessidade de um centro de ensino de uma ciência recebida com muitas suspeitas e resistências pelo ambiente científico em geral. Para muitos, a psicanálise ressumava charlatanismo e Durval Marcondes, de cuja conduta moralmente íntegra não se podia duvidar, recebia nas críticas o adjetivo frequente de excêntrico, um esquisito...

Mesmo combatido, algo marginalizado em sua luta, Durval Marcondes preservou seu intuito. Uma primeira oportunidade perdida, neste sentido, foi a vinda de René Spitz, que se dispunha a se transferir para o Brasil. Todavia a revolução paulista de 1932, que isolou São Paulo do resto do mundo por meses, levou-o a mudar-se para os Estados Unidos.

Entretanto, o grande ensejo de introduzir a formação de psicanalistas em um instituto de ensino pertencente à Universidade, o que daria a São Paulo e ao nosso país a prioridade de realizar esta nova formação profissional de grau superior em uma organização universitária, meta que a meu ver representa a tendência natural do ensino da Psicanálise (Galvão, 1966a), foi desperdiçado em 1934. Com efeito, com data de 10 de julho daquele mesmo ano, Durval Marcondes recebeu de A. A. Brill, então presidente da Sociedade Psicanalítica de Nova York, uma carta na qual eram solicitadas providências para que houvesse condições de trabalho para psicanalistas eminentes, emigrados da Europa em consequência do nazismo e que desejavam transferir-se para a América do Sul. A primeira ideia que ocorreu a Durval Marcondes foi de colocá-los na Universidade de São Paulo, então em período de organização. Sua tentativa para tal não chegou a ser compreendida e deste modo perdeu-se a oportunidade de se criar na própria Universidade o núcleo central de nosso Instituto de Psicanálise, que veio a nascer mais tarde no consultório particular de Durval Marcondes.

Não esmorecendo em seu desejo de instalar um instituto de psicanálise entre nós, a única via para o desenvolvimento sistemático na formação de psicanalistas feita em nível de seriedade e objetividade científica, e avaliando devidamente a responsabilidade do exercício desta nova profissão para com a sociedade, Durval Marcondes concedeu entrevistas à imprensa na esperança de se fazer entendido e sensibilizar as autoridades do nosso estado e nosso país; assim, por exemplo, no jornal A Gazeta, de 5 de fevereiro de 1935, foi publicada uma destas suas entrevistas, com o sugestivo e ao mesmo tempo veemente título: “São Paulo precisa ter um Instituto de Psicanálise”. Paralelamente mantinha correspondência com destacados psicanalistas responsáveis pelo movimento psicanalítico internacional, com o intuito de trazer para o Brasil, e no caso, para São Paulo, pelo menos um psicanalista que estivesse em condições de corresponder às exigências de ensino que já se constituíam em norma obrigatória nos centros psicanalíticos europeus. Seus esforços não foram em vão: a doutora Adelheid Koch, que se dispôs a emigrar para o Brasil em fins de 1936, foi informada por Ernest Jones do interesse que, em São Paulo, Durval Marcondes nutria pela vinda de um analista professor. Dessa forma, em julho de 1937 inaugurou, em São Paulo, o primeiro centro de formação de psicanalistas. Por consequência, e com dados pesquisados, pode-se dizer que, historicamente, foi São Paulo que introduziu o ensino sistemático para a formação de analistas na América Latina (Grinberg, 1961).

Este embrionário centro de formação de psicanalistas teve sua sede inicial de trabalho no consultório privado de Durval Marcondes e seus primeiros alunos foram, além de Durval Marcondes, Virgínia Bicudo, Flávio Dias e Darcy Uchôa; logo depois integraram-se no grupo, como candidatos, Frank Philips,10 Lígia Amaral, Henrique Mendes e outros.

Nos primeiros anos da década de 30 uma grande sombra formou-se sob os céus da Alemanha. Tão grande ela era que os toldou completamente e, baixando dos ares, desceu à terra, assumindo a forma de uma suástica gigantesca. Espraiou-se esta sombra por outros ares e outras terras, convulsionando o mundo, submergindo-o nos mares da guerra, fome e morte, até que de outros céus sopraram ventos benéficos que a dissolveram e relegaram sua existência a uma trágica lembrança.

Não nos cabe aqui discutir a instalação do nazismo no poder e nem as razões de sua acolhida entusiástica pelo povo germânico. Isto já foi feito por mim algures (Galvão,1966b). Direi apenas que um dos mitos do nazismo era o da superioridade da raça ariana sobre as demais. Enlouquecido por este mito, perseguiu e aniquilou povos de outras raças que tiveram a desgraça de cair sob seu tacão. Encarniçou-se contra os judeus. E muitos deles foram varridos da face da Terra. Não puderam, talvez, escapar à loucura que se apoderara de todo um povo, ou quem sabe não acreditaram que aquela loucura fosse real.

Outros, porém, houve que tiveram a ventura de escapar ao orco nazista e puderam, voltando as costas ao solo em que haviam nascido, encontrar abrigo em novos solos que os acolhessem ou deles necessitassem.

Foi o que sucedeu em relação a Adelheid Lucy Koch, ou simplesmente, a doutora Koch, como é chamada comumente pelos psicanalistas do nosso meio, formou-se em Medicina na Universidade de Berlim, em 1924. Ingressou como candidata do Instituto da Sociedade Psicanalítica de Berlim em 1929, fazendo sua análise didática com o dr. Otto Fenichel, nome de projeção no cenário psicanalítico internacional, pela maciça e erudita obra que compôs, apesar de ter falecido prematuramente com 49 anos de idade. Durante quatro anos e meio, submeteu-se à análise didática, a doutora Koch. Em seu preparo fez o curso teórico desenvolvido no Instituto de Berlin e na parte prática fez análises sob a supervisão das doutoras Salomé Kempner e Tereza Benedek nomes de destaque no panorama psicanalítico.

Em novembro de 1935 apresentou um trabalho na Sociedade alemã com o título de “Análise de resistência numa neurose narcísica” e foi eleita membro da Sociedade Psicana-lítica de Berlin.

A pressão nazista sobre os judeus fazia-se cada vez mais intensa. Particularmente sobre a psicanálise abateu-se a sanha nazista, pois todo regime totalitário percebe intuitivamente que não se deve favorecer a preservação e o amadurecimento das faculdades críticas e criadoras do ser humano. Como expressou Jones: “O primeiro fato sintomático foi a queima em público, em Berlim, das obras psicanalíticas de Freud e de outros autores, em fins de maio de 1933, pouco depois da subida de Hitler ao poder” (Jones,1960b).

Nesta atmosfera, e antes que houvesse praticamente a liquidação total da psicanálise na Alemanha, como veio a ocorrer pouco depois, os analistas judeus da Sociedade Psicanalítica de Berlim renunciaram a seus títulos de membros para não porem em perigo os cristãos, eis que as autoridades do regime nazista não toleravam o contacto de cristãos com judeus; a aproximação de um cristão e um judeu gerava desconfianças e aquele poderia cair em desgraça também.

Restava aos analistas judeus, de cujo grupo constava a doutora Koch e que prosseguiam em suas atividades científico-profissionais, reunirem-se segregados e em clandestinidade, uma vez por semana; nestas reuniões semanais tinham a oportunidade de discutirem problemas técnicos e teóricos, e de colocarem-se a par da literatura analítica moderna. Tal clima de perseguição e terror foi forçando a emigração, pouco a pouco, de analistas judeus da Alemanha.

No Congresso Psicanalítico Internacional de Marienbad, em 1936, Ernest Jones, que era então o presidente da Associação Psicanalítica Internacional, sabendo que a doutora Koch estava pretendendo emigrar para o Brasil, lembrou-se imediatamente que Durval Marcondes, em São Paulo, vinha demonstrando, há já alguns anos, intenso interesse pela vinda de um analista suficientemente treinado para atender às necessidades de implantação do ensino de psicanálise em nossa pátria. Assim sendo, entre outras indicações que fez à doutora Koch, Jones mencionou-lhe o nome de Durval Marcondes e seu interesse pelo desenvolvimento de um centro de ensino de psicanálise em São Paulo. Neste Congresso, Jones e Fenichel conferiram à doutora Koch o direito de trabalhar como analista didata no Brasil.

Em outubro de 1936, acompanhada por seu marido e suas duas filhas, a doutora Koch emigrou para o Brasil, chegando em São Paulo em novembro.

Em julho de 1937 deu-se o encontro da doutora Koch com Durval Marcondes, no consultório desse último; essa data marca, conforme foi assinalado, o início do primeiro centro de formação de analistas da América Latina. Recebendo todo o apoio de Durval Marcondes, a doutora Koch instalou-se no consultório particular dele, que se transformou assim na sede primeira do Instituto de Psicanálise de São Paulo. Já em outubro desse mesmo ano, a doutora Koch começou a análise didática de seus primeiros candidatos alunos.

Sobre Adelheid Koch recaiu durante vários anos a pesada tarefa de seu pioneirismo no ensino de psicanálise. Foram certamente para ela anos e anos de trabalho estafante, no qual mobilizou todas as suas forças e atenção. A jovem médica psicanalista que fora forçada a sair de seu país, onde desfrutava de uma vida bem estabelecida e organizada, tendo à sua volta parentes, amigos e colegas de profissão, tinha que se haver com o problema da adaptação ao nosso meio. Mitigou-lhe as agruras, o apoio que Durval Marcondes lhe deu para a sua integração no Brasil e a segurança de encontrar-se num país onde existia um povo de índole acolhedora, hospitaleira e amante da liberdade: certamente estas foram compensações para quem fora obrigada a abandonar uma nação embriagada por doentio nacionalismo e ódio racial.

Durante anos foi a única analista professora, desenvolvendo análises didáticas, o ensino teórico e técnico, e as supervisões. Tal situação absorvia praticamente todas as suas atividades. O exercício das funções do ensino constituía-se no traço mais significativo de sua obra entre nós. Encontra-se ela nessa atividade fundamental até hoje. Estudiosa, com profundo senso de responsabilidade pelo seu mister, manteve-se sempre atualizada com os progressos da teoria e da técnica psicanalíticas.

Paralelamente, ao lado de suas atividades didáticas dos primeiros anos, Adelheid Koch uniu-se a Durval Marcondes no trabalho de divulgação da psicanálise, através de artigos, palestras, conferências e entrevistas para a imprensa.

Da aliança com Durval Marcondes germinou o núcleo do desenvolvimento da formação de psicanalistas e, como decorrência natural, a organização da nova Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. A probidade e a seriedade no trato desta nova atividade científica, expressão de dois caracteres bem formados, constituíam-se nos alicerces da instituição científica que se concretizava entre nós.

No cenário internacional, a reputação de que gozava a doutora Koch veio a permitir o reconhecimento por parte da Associação Psicanalítica Internacional do pequeno grupo inicial, de sete membros ao todo, que haviam terminado seu treinamento. Em 1944 a doutora Koch indagou a Jones se haveria possibilidade de a IPA reconhecer aquele reduzido grupo de seus ex-alunos como Sociedade filiada; Jones respondeu-lhe: “We know enough of you to grant a provisional recognition”. A nova entidade psicanalítica, desta forma filiada ao organismo internacional, teve em Durval Marcondes o seu primeiro presidente. Em 1946 foi publicado no The International Journal of Psychoanalysis (1946, vol.XXVII) um relatório sobre as atividades desenvolvidas pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, até aquele momento.

Um fato que não se pode deixar de assinalar é que as reuniões do novo grupo psicanalítico de São Paulo realizaram-se, por muitos anos, na própria casa de Durval Marcondes, em torno da mesa de sua sala de jantar. Seria grave lacuna, nestas notas, não se mencionar a senhora Durval Marcondes: dona Herminda Marcondes, a dedicada companheira que esteve junto de seu marido em todos os momentos de sua dinâmica e atribulada vida, para a concretização do movimento psicanalítico entre nós. Pessoa de extrema sensibilidade e fidalguia, soube receber como ninguém aqueles que para sua casa se dirigiam, a fim de terem um local para as discussões científicas. Até hoje, quando sua casa deixou de ser a sede da Sociedade, para lá convergem os jovens analistas de São Paulo, que encontram o sorriso acolhedor de dona Herminda e naquela mesma sala cujos móveis, ornamentos e ambiente conservam a graça e a espiritualidade que um dia os alunos ingleses encontraram em casa de Mr. Chipps.

O reconhecimento definitivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, com seu quadro social mais ampliado, veio no Congresso Psicanalítico Internacional de Amsterdã, em 1951.

No que tange ainda a esta questão do ensino da psicanálise, em São Paulo, diga-se que em 1950 dois analistas estrangeiros foram contratados pela Sociedade: os drs. Theon Spanudis, de Viena, e Nils Haak, de Estocolmo. O doutor Haak regressou à Suécia três meses depois, porque não podia adaptar-se ao clima brasileiro. O dr. Spanudis trabalhou como analista professor, trocando depois esta profissão pelas atividades de crítico de arte e passando a dedicar-se ao campo artístico de uma forma geral. Durante estes anos foram eleitos analistas professores a Professora Virgínia Bicudo, Sra. Lígia Amaral, professor Darcy Uchôa, Sra. Margaret Gill, professor Henrique Schlomann11 e doutor Isaias Mehlson.

Um momento histórico de decisiva importância no desenvolvimento do movimento psicanalítico paulista foi a fundação, em 1938, por Durval Marcondes, da Secção de Higiene Mental do Serviço de Saúde Escolar de São Paulo. Esse serviço foi organizado por seu fundador que se tornou o primeiro diretor. Em vista das diretrizes que lhe foram dadas, ele veio a ser uma extensão dos beneficios da psicanálise à comunidade em geral, pelo seu emprego dos conhecimentos psicanalíticos na solução de problemas psíquicos das crianças de nossas escolas públicas. A Higiene Mental Escolar constitui-se ainda num celeiro de vocações para a psicanálise. Ali se firmou a orientação científica de vários dos atuais membros da Sociedade Brasileira de Psicanálise, como os analistas professores Virginia Bicudo, Lígia Amaral e Henrique Mendes.12

Em 1940, na Escola de Sociologia e Política, instituição complementar da Universidade de São Paulo, foi criada a primeira cadeira de psicanálise em escola de nível universitário do país, cuja finalidade foi a de proporcionar conhecimentos psicanalíticos a seus estudantes; isto tendo-se em conta que a psicanálise trouxe novo ângulo para a discussão e compreensão dos aspectos sócio-culturais. Obviamente o alcance desse curso limitou-se unicamente a oferecer aos alunos tais conhecimentos, não se constituindo num curso de formação para se alcançar o grau de psicanalista. Durval Marcondes inaugurou essa cadeira, sendo seu professor até 1941; dessa data até a presente, o ensino de psicanálise nessa escola passou para as mãos da profª Virginia Bicudo.

Mais recentemente, a psicanálise veio a ter sua presença mais decisiva na Universidade ele São Paulo através do curso de Psicologia Clínica, iniciado por Durval Marcondes em 1954 e fundamentado nos princípios psicanalíticos. Esse curso mantém até hoje à sua frente seu primeiro professor e dele participam ou participaram, como assistentes de Durval Marcondes, vários membros da nossa Sociedade.

À guisa de finalização, quero acentuar que em meu trabalho me limitei a coligir notas sobre um tema que certamente será um dia lembrado por alguém, que, desenvolvendo-o, possa transformá-lo na história da psicanálise em São Paulo. De minha parte, não visei chegar a tanto, mas tão somente a divulgar dados e informações, que, de outra forma, lamentavelmente talvez caíssem no olvido ou na confusão.

Nesse esboço que tracei em grandes linhas, coloquei em primeiro plano as figuras dos pioneiros da psicanálise no Brasil: Durval Marcondes e Adelheid Koch. Ambos terão seus nomes indelevelmente gravados na história da psicanálise brasileira, o primeiro como pioneiro no movimento psicanalítico do país, a segunda como pioneira do ensino da psicanálise entre nós e na América Latina. Suas vidas foram cheias de lutas, dissabores e frustrações mas, como nas histórias encantadas, tudo ficou bem, e se a psicanálise ainda tem muito a caminhar, pelo menos é reconhecida como ciência e cada vez mais respeitada como tal. Começou a interpelar-se com outras ciências, é ensinada ou mencionada em cátedras de nossas escolas superiores, é lida e apaixonadamente discutida. Aplicam-na junto às artes e seu campo de ação é cada vez mais vasto.

Durval Marcondes e Adelheid Koch deram-lhe o impulso inicial, para que chegasse a tanto. E verdadeiramente, a contemplação deste quadro seria a melhor recompensa que poderiam almejar.

Reconhecidos e respeitados como os pioneiros da Psicanálise no Brasil, foram ambos publicamente homenageados: Durval Marcondes em 1959, quando completou 60 anos de idade, e a doutora Koch, quando chegou aos 25 anos de atividade no ensino da psicanálise. Além disso, Durval Marcondes, em justíssima homenagem foi distinguido, também em 1959, com a condecoração da Ordem Nacional do Mérito Médico.

Por expressivo que seja o reconhecimento do que fizeram, esse só terá maior amplitude com o correr do tempo, quando a psicanálise for ensinada em um instituto universitário e quando, como tal, for reconhecida como guia e método de pesquisa para outras ciências. As figuras de Durval Marcondes e Adelheid Koch crescerão junto com a psicanálise.

Por ora podemos apenas, e o fazemos, tributar-lhes o nosso muito obrigado e desejar que prossigam ainda na obra fecunda que com tanto amor e em tão boa hora encetaram.

 

Referências

Bicudo, V. L. (1948). Contribuição para a história do desenvolvimento da psicanálise em São Paulo. (vol. I). São Paulo: Reimpre dos arq. de Neuropsiq.         [ Links ]

Freud, S. (1931). Cinco lições de psicanálise (D. Marcondes e J. Barbosa, Trad.). São Paulo: Companhia Editora Nacional.         [ Links ]

Freud, S. (1948). Una dificultad delpsicoanalisis. Vol.2: Obras completas. (L. L. Ballesteros y de Torres, Trad.). Madri: Bibliot. Nueva.         [ Links ]

Galvão, L. A. P. de (1966a). Sobre o exercício da psicanálise: uma nova profissão. Jornal de Psicanálise, no 2. 1966. São Paulo.         [ Links ]

Galvão, L. A. P. de (1966b). Contribuição ao estudo psicanalítico de ideologia: bases emocionais para a escolha do totalitarismo como ideal político. (Ensaio apresentado na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, São Paulo).         [ Links ]

Grinberg, L. (1961, 29 de junho). Reseña historica de la Associación Psicoanalítica Argentina. [Discurso]. Revista de Psicoanalisis, tomo XVIII, no 3.         [ Links ]

Jones, E. (1960a). Vida y obra de Sigmund Freud, (vol. II). (M. Carlisky, Trad.). Buenos Aires: Nova.         [ Links ]

Jones, E. (1960b). Vida y obra de Sigmund Freud, (vol. III). (M. Carlisky, Trad.). Buenos Aires: Nova.         [ Links ]

Rocha, F. da (1920). O pansexualismo na doutrina de Freud. São Paulo: Typografia Brasil de Rothschild & Cia.         [ Links ]

Rocha, F. da (1931). A doutrina de Freud: resumo geral indispensável para a compreensão da psicanálise. São Paulo: Companhia Editora Nacional.         [ Links ]

 

 

1 Este texto, originalmente publicado na RBP vol. 1 n.1, 1967 (pp 46-66), encontra-se sem alterações, exceto pelo resumo que foi editado.
2 Em 1920, o professor Franco da Rocha publicou um livro de divulgação, O pan-sexualismo na doutrina de Freud. Dez anos mais tarde, por insistência de Durval Marcondes, publicou uma segunda edição de seu livro com o título corrigido para A doutrina de Freud.
3 Carta: arquivo particular de Durval Marcondes.
4 Carta: arquivo particular de Durval Marcondes.
5 No Rio, na década de 20, Porto Carrero não só divulgava a psicanálise em aulas e conferências, como também procurava utilizá-la na clínica. Carneiro Airosa e Murilo de Campos instalaram um Gabinete de Psicanálise no Hospital Nacional de Psicopatas.
6 The International Journal of Psychoanalysis. 1929, vol. X, pt. 4.
7 Idem, 1931, vol. XII, pt. 4.
8 Durval Marcondes passou a manter correspondência com Freud desde 1926.
9 Carta: arquivo particular de Durval Marcondes.
10 Frank Philips exerce há muitos anos a atividade psicanalítica em Londres, tendo atualizado sua formação analítica com Melanie Klein.
11 Henrique Júlio Schlomann faleceu prematuramente a 9 de maio de 1965, no início de seu mandato na presidência da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, cargo que ocupava por reeleição.
12 Henrique Mendes encontra-se radicado no Rio de Janeiro há alguns anos.

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