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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.46 no.2 São Paulo abr./jun. 2012

 

INTERFACE

 

Apontamentos para uma reflexão sobre a relação entre vanguarda e arte do inconsciente

 

Notes for a reflection on the relationship between Avant-Garde and art of the unconscious

 

Apuntes para una reflexión sobre la relación entre vanguardia y arte del inconsciente

 

 

Ana Gonçalves Magalhães

Professora doutora, Divisão de Pesquisa em Arte, Teoria e Crítica, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP)

Correspondência

 

 


RESUMO

A partir de alguns exemplos pontuais, este artigo procura dar um panorama das relações entre arte moderna e psicanálise, comparando a situação europeia dos anos vanguardistas com o momento de instauração do debate sobre a arte moderna no Brasil - com a exposição de Anita Malfatti, em 1917, que arregimentou os críticos do modernismo e levou à realização da Semana de Arte Moderna, em 1922. No caso Anita/Monteiro Lobato, em que Monteiro Lobato ataca a exposição de Malfatti, pontuou-se o uso de termos da psicanálise em voga na crítica de arte internacional. Finalmente, apontamos para o fato de que a linguagem plástica vanguardista esteve, desde seus primórdios, associada à arte do chamado inconsciente, o que significou seu aspecto revolucionário no início, sua condenação pelos regimes totalitários da Europa do entreguerras e sua redenção após a Segunda Guerra Mundial.

Palavras-chave: arte moderna, vanguarda, arte do inconsciente, modernismo brasileiro.


ABSTRACT

This article aims at offering a panorama of the relationship between modern art and psychoanalysis from some precise examples, comparing the situation in Europe during the Avant-Garde period with the beginning of the debate on modern art in Brazil - with Anita Malfatti's exhibition in 1917, which united the critics of Modernism and led to the organization of the Modern Art Week, in 1922. In the Anita/Monteiro Lobato episode, psychoanalytical terms in vogue by international art critique, which were adopted by Monteiro Lobato in his aggressive review of Malfatti's exhibition, are pointed out. Finally, we have outlined the fact that Avant-Garde artistic language has been, since its very beginning, associated to the art of the unconscious, which accounts for its initial revolutionary traits, its condemnation by totalitarian regimes in interwar Europe, and its redemption after World War II.

Keywords: modern art, avant-garde, art of the unconscious, brazilian modernism.


RESUMEN

A partir de algunos ejemplos específicos, este artículo pretende dar una visión general de las relaciones entre el arte moderno y el psicoanálisis, comparando la situación europea de los años vanguardistas con el momento de instauración del debate sobre el arte moderno en Brasil - con la exposición de Anita Malfatti en 1917, que unió a los críticos del Modernismo y condujo a la realización de la Semana de Arte Moderno, en 1922. En el caso Anita/Monteiro Lobato, señalamos el uso de los términos del psicoanálisis en boga en la crítica de arte internacional adoptados por Monteiro Lobato en la reseña de ataque a la exposición Malfatti. Por último, hemos señalado el hecho de que el lenguaje plástico vanguardista, desde sus inicios, estuvo asociado con el arte del llamado inconsciente, lo que significó su aspecto revolucionario en el comienzo, su condena por los regímenes totalitarios de entreguerras en Europa, y su redención en la pós-II Guerra Mundial.

Palabras-clave: arte moderno, vanguardia, arte del inconsciente, modernismo brasileño.


 

 

A passagem do século XIX para o século XX assistiu a uma revolução sem precedentes no campo das ciências e das manifestações culturais. Resultado do enorme avanço tecnológico e do pleno desenvolvimento experimental das ciências naturais e humanas ao longo do século XIX, várias são as novas disciplinas com métodos investigativos próprios que viriam a propor uma nova representação ou interpretação do mundo nas duas primeiras décadas do século XX. Artistas atuantes a partir da segunda metade do século XIX mostraram-se muito engajados nessas novas descobertas e procuraram renovar seus procedimentos artísticos, dialogando com as novas metodologias científicas.1

Entretanto, o grande século da crença na plena evolução das sociedades graças às suas conquistas tecnológicas e científicas termina com muitas incertezas e vê algumas delas voltarem-se contra o progresso da humanidade, com o advento da Primeira Guerra Mundial (Hobsbawm, 1994).2 Essa crise vivida pelas sociedades ocidentais também é resultado de uma renovada atividade de conquistas e processos de colonização de novos territórios pelas nações europeias dominantes (França, Inglaterra, Alemanha, Itália e Bélgica, sobretudo), para fomentar o sistema capitalista em fase de industrialização acelerada. O chamado neocolonialismo é marcado, no campo das artes visuais, por fenômenos de apropriação e significativo interesse dos artistas por elementos e objetos de culturas entendidas, naquele momento, como primitivas. Podemos dizer que eles se inauguram com a colonização dos territórios da África islâmica pelos franceses, a partir da década de 1840 - dando origem ao orientalismo (Said, 1978). Nas duas primeiras décadas do século XX evoluem para a descoberta da África negra, que alimentou as tendências do chamado primitivismo ou Art Nègre (termo corrente no vocabulário crítico francês de então) em arte moderna (Guillaume & Munro, 1929).3

Entre 1890 e 1918, terminava o século da crença na razão clarividente, abrindo espaço para que emergisse um interesse por tudo o que fugisse à normalidade, a padrões de comportamento aceitos socialmente, e por uma preocupação com ações e atividades humanas que poderiam exercer influência decisiva nas transformações sociais, sobre as quais nada (ou quase nada) se sabia. A inteligência daquele momento dava-se conta de que havia um universo de criação, atividade e produção intelectual humanas que escapava a qualquer noção de racionalidade. Além disso, os processos revolucionários vividos por alguns países (dos quais a França talvez seja exemplar) trouxeram a presença das massas incontroláveis (que os franceses chamam la foule, e os ingleses, the mob), capazes de virar uma sociedade de cabeça para baixo da noite para o dia. Num primeiro momento, isso levaria, no campo das ciências naturais e da medicina, à inauguração e à renovação de linhas de pesquisa em torno da loucura e de sua natureza, bem como do estudo de comportamentos entendidos como degenerados, marginais e considerados desvios de um padrão de normalidade.

Colocava-se, portanto, em questão a objetividade e a comprovação científica mediante métodos experimentais, e surgia um interesse pela subjetividade: a mente humana passa assim a ser “partida” em duas, uma consciente, racional, e outra inconsciente, irracional e nem sempre previsível ou reconhecível. Nesse ambiente, assistimos ao desenvolvimento da psicanálise freudiana e sua afirmação como campo legítimo de conhecimento sobre a mente humana, bem como a consolidação da noção de inconsciente como forma de manifestação das fantasias, desejos e memória subjacente do ser humano. Essas novas teorias viriam a ter grande impacto na história da arte moderna. A partir da última década do século XIX artistas, historiadores, teóricos e críticos de arte em vários países da Europa, nos Estados Unidos e no Brasil (dentre outros países latino-americanos) aproximaram-se das teses psicanalíticas e passaram a adotar termos próprios da disciplina para refletir, sobretudo no processo de criação artística, suas origens e suas formas de manifestação.

Não se trata apenas de coincidência que os grandes movimentos de ruptura com a convenção acadêmica nas artes visuais, sobretudo na Alemanha e na Áustria, nascessem concomitantemente à disseminação da psicanálise e ao interesse clínico pela produção de pacientes mentais. Podemos nos deter aqui em dois casos exemplares.

No caso da Áustria, parece sintomático que, ao receber a encomenda para pintar as alegorias da medicina, da filosofia e da jurisprudência4 para a sala de aula magna da Universidade de Viena, Gustav Klimt (1862-1918) tenha se negado a trabalhar com o tema da vitória da luz sobre as trevas, contestando a celebração da racionalidade científica, e tenha se dedicado a elaborar três representações, em que a figura feminina emergia como uma espécie de esfinge e guardiã de uma sabedoria mais vinculada à noção de inconsciente, e de um mundo de desejos e vontades. A deusa Higeia que ele elaborou para a alegoria da medicina aparece como uma figura ameaçadora, quase uma feiticeira, à frente de uma torrente de corpos danados. Atrás dela, do lado direito da composição, há uma figura feminina de perfil, grávida, e um rosto feminino (quase uma aparição) por trás de seu ombro direito. Além de elementos que a fazem se assemelhar a uma curandeira envolvida em místicos procedimentos, ela parece se mostrar em duas faces: a que nos encara, legitimada pelos atributos da cura e da saúde, e a que se esconde, mas ao mesmo tempo revela os mistérios da vida.

Elaborada entre 1900 e 1907, a Medicina, de Gustav Klimt, marca o início de sua ruptura com a arte acadêmica, preparando-o para liderar a chamada Secessão Vienense. Nesse mesmo período, a Faculdade de Medicina da Universidade de Viena incorporaria Sigmund Freud (1856-1939) ao seu corpo docente, depois da publicação de A interpretação dos sonhos, em 1899 - seu mais célebre e influente estudo sobre o sonho para a compreensão do inconsciente, em sentido contrário, portanto, à corrente do pensamento científico de seu tempo, para o qual essa dimensão não era passível de interpretação, tampouco de elaboração de pensamento. Foi nessa universidade que Freud consolidou sua carreira como psicanalista e criou a Associação de Psicanálise de Viena, em 1908. Klimt e a Secessão Vienense e Freud e a psicanálise são frutos do mesmo horizonte intelectual, que leva à concepção de um novo homem (Schorske, 1988). De algum modo, a Medicina de Klimt evoca o inconsciente, tal como sugerido por Freud, uma vez que a Higeia aqui representada parece falar dessas duas dimensões da existência humana: o corpo e a mente.5

Há ainda um tema caro a Klimt, que o fez célebre em todo o mundo e toca a questão do desejo psicanalítico. Na obra O beijo (1907-1908, óleo e folha de ouro e prata sobre tela. Schloss und Museum Belvedere, Viena), o casal é envolto por um grande manto decorado dourado, no qual subsiste uma tensão entre o real e o onírico. Essa tensão nasce da materialidade mesma do quadro. A cor dourada é das folhas de ouro e prata aplicadas sobre a superfície da tela, ao mesmo tempo em que as duas figuras são representadas com certo grau de realismo, na feitura de suas fisionomias e na expressividade das mãos que se tocam mutuamente. Na tradição da pintura ocidental, o ouro havia sido usado, sobretudo, no estilo gótico internacional, associado à iconografia da Virgem e das vidas dos santos. A composição em um painel em estilo gótico representando a Virgem com o Menino Jesus, por exemplo, faz uso do ouro para aludir a um espaço celestial e a uma dimensão atemporal/divina. Klimt parece reformular essa noção utilizando-se dos mesmos recursos, que desta vez envolvem figuras concretas, reais, de um homem e de uma mulher. Seus corpos dissolvem-se sob o manto dourado. Maior do que eles, esse manto é como o desejo inconsciente que os toma no ato de consumação de seu encontro amoroso.

O mesmo motivo, presente em outras versões elaboradas por Klimt no mesmo período, também emerge na obra de outros artistas, em Auguste Rodin (1840-1917), talvez um precursor, em Edvard Munch (1863-1944) e em Constatin Brancusi (1876-1957). O motivo, de fato, parece tematizar uma questão importante para a arte moderna, cuja influência se estende para além do território europeu. É o caso da composição de mesmo título de Emiliano di Cavalcanti (1897-1967), do acervo do MAC USP. Em seu Beijo, de 1923, Di Cavalcanti também elabora duas figuras cujos corpos parecem fundir-se com o plano de fundo da tela, concebido a partir de várias superfícies coloridas sinuosas, evocando uma experimentação do artista com as experiências parisienses pós-cubistas do orfismo.6 De algum modo, tal solução plástica de Di poderia ter vínculos com o modo através do qual as vanguardas artísticas, naquele momento, viam e assimilavam as novas descobertas da psicanálise. Desde princípios da década de 1910, havia algumas teorias sobre a cor e sua expressão das experiências sensíveis e subjetivas do mundo, em escritos de Wassily Kandinsky (1866-1944) e Paul Klee (1879-1940), para citar os mais importantes, e que certamente vão na mesma direção das pesquisas do grupo de orfistas parisienses em torno de Robert Delaunay (1885-1941). O quadro de Di Cavalcanti, portanto, parece sintetizar essa investigação dos artistas vanguardistas sobre as cores e as formas como manifestação da dimensão subjetiva do homem e de sua experiência sensível.

No caso da Alemanha, tomemos a formação da coleção do psiquiatra e historiador da arte Hans Prinzhorn (1886-1933), significativamente influenciado pela psicanálise freudiana. Em 1919, através de sua vinculação à Clínica de Psiquiatria da Universidade de Heidelberg, Prinzhorn depositou uma série de aproximadamente 6000 trabalhos, entre desenhos, pinturas e esculturas produzidos por pacientes mentais datados de 1890 a1920, de instituições mentais da Alemanha, da Áustria e da Suíça. A partir de então, temos notícias de artigos e escritos seus buscando analisar as imagens produzidas por pacientes mentais, seu uso na possibilidade de interpretação da condição mental deles e como tratamento, mas, sobretudo, analisar em que medida tais imagens poderiam contribuir para a compreensão das formas de expressão humana e do processo de criação. Antes de mais nada, elas pareciam colocar em xeque a noção de que a criação era obra única e exclusivamente do que se entendia por racionalidade, ou que esta última era necessariamente um dado da condição de normalidade - em outras palavras, que a loucura ou a doença mental era desprovida de pensamento, raciocínio e capacidade intelectual. Seu mais influente escrito desse período é Bildnerei der Geisteskranken [A produção de imagens de doentes mentais] (1922).7 O livro de Prinzhorn chega a Paris e ao conhecimento de André Breton (1896-1966) e do grupo de surrealistas, por intermédio de Max Ernst (1891-1976), em 1919.

A partir de 1924, André Breton, Paul Éluard (1895-1952) e Max Morise (1900-1973) publicam uma série de artigos em que procuram analisar a arte produzida por pacientes mentais, culminando com uma carta aberta de Breton aos médicos dirigentes de clínicas de internação, em que ele demanda a libertação de pacientes mentais de instituições psiquiátricas (Roske e Beyme, 2009). Em 1929, foi exposta na galeria Max Bine, em Paris, uma seleção de 36 obras da coleção de Prinzhorn ao lado de obras de coleções de dois psiquiatras franceses, também já conhecidos do círculo surrealista: Auguste Armand Marie (1865-1934) e Jean Vinchon (1884-1964) (Beyme, 2009, p.154-169).

A exposição daria início a uma série organizada pelo grupo de Breton, ao longo dos anos 1930, de exposições em galerias de arte de obras produzidas por pacientes mentais. Da exposição de 1929, Breton adquire dois objetos produzidos por um paciente da clínica de Heidelberg (objets d'aliénés), que levariam os surrealistas a teorizarem sobre os chamados objets naturels ou objets trouvés: produção de objetos compostos de uma associação livre, por assim dizer, de objetos encontrados cotidianamente. Tais teorias inauguram uma discussão muito importante sobre a escultura na arte moderna, correspondente de certo modo ao debate em torno da colagem como procedimento artístico. Aliás, poder-se-iam comparar alguns processos de criação artística utilizados pelos surrealistas como originários de procedimentos realizados por pacientes mentais. O mais conhecido deles, elaborado primeiro para a criação literária, é o da escrita automática. No caso da pintura e do desenho, é do contato de um artista como André Masson (1896-1987) com a produção de pacientes mentais e com os escritos de Prinzhorn que nasce o procedimento do desenho automático. Somem-se a ele a ideia da livre associação tão prezada pelos surrealistas e o método paranoico-crítico de Salvador Dalí, cuja origem está no diálogo com a produção de pacientes mentais.

Certamente, Prinzhorn não foi o primeiro psiquiatra de seu tempo a se interessar pela produção de imagens de pacientes mentais. Desde a década de 1870 havia um interesse da psiquiatria por imagens dessa natureza, das quais há muito haviam se formado coleções, como foi o caso do asilo de Bethlem, em Londres.

Em artigo publicado por ocasião de uma exposição itinerante da coleção Prinzhorn nos Estados Unidos, em 1986,8 Rudolf Arnheim sugere que o interesse dos artistas, e dos surrealistas em particular, por Prinzhorn e sua coleção deve-se talvez ao fato de que, como historiador da arte (além de psiquiatra), ele parece ter aberto a possibilidade a uma nova interpretação dessas obras. Se até então elas eram vistas como manifestação de sintomas de degeneração e desvio do padrão de normalidade, com Prinzhorn elas passam a ser consideradas como base de reflexão sobre a questão dos mecanismos das formas de criação humana e como sintoma do mundo dilacerado em que a modernidade havia se formado. Elas saíam, assim, de sua condição de comprovação do diagnóstico da doença mental e se tornavam objeto de análise mais profunda sobre a condição humana em plena normalidade e da vida social, abaladas pela Grande Guerra de 1914 a 1918. Arnheim também assinala o fato de, como historiador da arte, Prinzhorn escolher muito cuidadosamente para sua coleção: as obras de pacientes mentais reunidas por ele não cobrem todas as psicopatologias, mas são em sua maioria produzidas por pacientes com esquizofrenia. Além disso, ele se detinha sobre obras cuja elaboração formal era mais complexa, sugerindo que o próprio Prinzhorn teria formado sua coleção com um olhar informado pela experiência das vanguardas do início do século XX, sobretudo as vertentes expressionistas.

Um dos aspectos mais interessantes dos escritos de Prinzhorn é ele ter aberto a possibilidade de comparar a produção de pacientes mentais com as obras dos artistas modernistas e analisá-las como manifestação de uma sociedade em fragmentos. Ao discorrer sobre o movimento surrealista, Peter Bürger (2009) toma-o como fruto do ambiente do fim da Primeira Guerra Mundial, do esfacelamento da crença no progresso tecnológico e científico e como fundamental para a tomada de consciência da fragilidade da condição humana e de seus parâmetros de normalidade. Em última instância, de certa forma ele retoma a ideia de uma arte moderna como sintoma de seu próprio tempo, que por isso exprime suas contradições.

Sob essa perspectiva, a reflexão de Prinzhorn teve papel importante na legitimação da arte das vanguardas, sobretudo em um ambiente em que havia o uso disseminado do termo “degeneração” ou “degenerado”, no vocabulário da crítica de arte, ao falar sobre a produção artística vanguardista, bem como, antes disso, sobre as experiências impressionistas e pós-impressionistas, tomando-as fora do padrão de normalidade - porque não obedientes às regras acadêmicas da arte, e “primitivas”.9

Contudo, na interpretação das novas formas artísticas como sintoma de um tempo em descompasso e fragmentário, essas reflexões também abriram espaço para que, na década de 1930 e, sobretudo, no contexto da ascensão do nazismo na Alemanha, elas fossem mais uma vez reafirmadas como degeneradas.

A Exposição de Arte Degenerada, ocorrida em Munique em 1937, é fruto do momento mais negro de condenação das vanguardas e das experiências plásticas mais radicais do início do século XX. A mostra de arte mais importante de propaganda do regime nazista alemão construía seu argumento justamente a partir da comparação de obras de arte moderna com obras produzidas por pacientes mentais, afirmando a necessidade do resgate de princípios de harmonia, beleza e equilíbrio - atribuídos à arte clássica, que lhes faltava -, para a constituição de uma sociedade sã, pura. Obras da coleção Prinzhorn foram apresentadas na Exposição de Arte Degenerada com tal finalidade, o que pôs por terra toda a relação tecida entre Prinzhorn e os surrealistas, na década anterior.

Pesquisas recentes revelam que essa certamente foi a exposição de arte moderna mais visitada do século XX (Altschuler, 2008, p. 255-278). Portanto, a exposição nazista revela outra faceta fundamental desse debate que, inicialmente, parecia ser um problema circunscrito ao campo da arte e à compreensão da criação artística: ele tem uma dimensão político-ideológica fundamental. Em primeiro lugar, porque, com a condenação das vanguardas promovida pelos nazistas, vem a condenação do comunismo e a perseguição à comunidade judaica na Europa -degenerados eram os doentes mentais, os judeus e os comunistas. Esses grupos, de fato, vinham sendo marginalizados das sociedades ocidentais e eram vistos como grandes ameaças desde o final do século XIX.10 Mais precisamente na década de 1930, quando se firmaram as três autocracias mais devastadoras da história recente (o fascismo italiano, o nazismo alemão e o stalinismo soviético), os surrealistas, sediados em Paris e já envolvidos com ações de resgate de artistas e intelectuais perseguidos em toda Europa e filiados ao Partido Comunista francês, parecem ter constituído efetivamente um grupo de resistência política importante. A eles, além de se associar a “degeneração”, condenava-se o caráter internacional, em um momento em que os regimes de exceção queriam afirmar suas identidades nacionais “puras”.

Por isso, o discurso sobre a arte produzida por pacientes mentais construído naquelas duas décadas teve desdobramentos fundamentais para nossas concepções de arte, de criação artística, bem como de homem e de sociedade. É mediante ele que se amplia o campo da arte que passa a se relacionar diretamente com vida, que os artistas lançam proposições utópicas de transformação social e podem questionar as formas científicas racionalizadas de representação do mundo, ao mesmo tempo em que afirmam a arte como um modo legítimo de produção de conhecimento. Dessa experiência do entreguerras, assistiríamos, na década de 1950, à institucionalização da chamada “arte do inconsciente”, “arte primitiva”, ou art brut - nome dado a essa produção pelo artista francês Jean Dubuffet (1901-1985), que constituiu, a partir de 1945, seu museu de arte produzido por obras de pacientes mentais. A formação dessas coleções em museus dedicados à arte do inconsciente amplia-se ainda para um debate em torno da produção de artistas autodidatas e da interpretação de imagens produzidas por crianças, para as primeiras tentativas de formulação de teorias sobre a criação humana em vários campos do conhecimento.

O debate em torno da arte moderna no Brasil nasceu no clima que tomava conta da Europa ao final da Primeira Guerra Mundial. A Exposição de Pintura Moderna, organizada por Anita Malfatti (1889-1964), em São Paulo, em dezembro de 1917, foi sempre considerada o fator de engajamento e reunião dos críticos Oswald de Andrade (1890-1954), Menotti del Picchia (1892-1988) e Mário de Andrade (1893-1945) em defesa da arte moderna (na figura da pintora paulista), que levaria à Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922.

A crítica que o escritor Monteiro Lobato (1882-1948) fez à exposição de Anita e às suas obras teria sido o que desencadeou os acontecimentos que culminaram na Semana de 22. O texto de Monteiro Lobato intitulava-se: “A propósito da exposição Malfatti” (Lobato, 1917).11 Muito já se falou sobre a noção de arte moderna (pejorativa) que está por trás da crítica de Monteiro Lobato. Entretanto, esquecemo-nos de considerar que ele também parecia informado pelo debate europeu do período acerca da arte dos alienados, uma vez que abre seu texto mencionando “duas espécies de artistas”: uma que vê “as coisas” e que respeita o processo criativo dos grandes mestres do passado, e outra que:

é formada dos que vêem anormalmente a natureza e a interpretam à luz das teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fim deestação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento (Lobato, 1917).

O autor continua caracterizando essas “escolas rebeldes” como arte anormal, que “nasceu como a paranoia e a mistificação”12, para em seguida introduzir o interesse dos psiquiatras pelos desenhos produzidos por pacientes mentais, sugerindo a comparação entre arte moderna e arte alienada. O argumento de Lobato é, portanto, muito semelhante ao dos detratores das vanguardas na Europa de então, ao mesmo tempo apontando-a como um fenômeno da decadência social. Isso fez com que Monteiro Lobato fosse declarado inimigo público da arte moderna. Por outro lado, o escritor - mais conhecido hoje, aliás, graças aos modernistas de primeira hora, por seus livros infantis - era, na década de 1910, figura-chave de um projeto nacional de cultura e crítica de arte. Idealizador da Revista do Brasil, entre 1916 e 1919, a produção crítica de Monteiro Lobato foi enorme, o que fez com que, ao mesmo tempo, ele fosse necessário aos “rebeldes” Oswald, Mário e Menotti, que tentaram trazê-lo para o lado da causa modernista (Chiarelli, 1995)13. É dele que teria nascido o argumento de que Anita abandonou a linguagem plástica vanguardista para se voltar a uma pintura mais realista: teria sido, afinal, Monteiro Lobato, ao atacá-la, a desestimulá-la a trilhar no caminho da arte moderna. Até recentemente, essa noção perseguiu a historiografia da arte no Brasil, que passou a ser desconstruída com a pesquisa, na década de 1990, na qual se reconhece o papel fundamental do ambiente do chamado “retorno à ordem” na formação de nosso primeiro modernismo - do qual Anita também passa a partilhar já a partir de 1918 (Chiarelli, 2003; Magalhães, 2011)14.

A exposição organizada por Anita, em 1917, contou com obras significativas do período em que viveu nos Estados Unidos, entre 1915 e 1916, onde teve o pintor Homer Boss como professor e trabalhou junto ao grupo da Ashcan School, em Nova York. A mostra contou também com a participação de obras de seus colegas norte-americanos, dos quais hoje pouco sabemos, uma vez que o ambiente nacionalista da crítica brasileira praticamente nada comentou sobre eles.15 Embora Monteiro Lobato não analise especificamente nenhuma obra de Anita, a estrela da exposição - pode-se dizer - foi O homem amarelo (1915-16, óleo/tela, IEB USP), adquirido depois por Mário de Andrade. À luz dessa obra, até hoje analisam-se os influxos cubistas, expressionistas e futuristas na obra da artista, marcando-o como fundamental no desenvolvimento de sua plástica modernista por excelência. Menciona-se ainda A mulher de cabelos verdes (1915-16, óleo/tela, coleção particular) como uma das “telas que mais chocou o meio paulistano” naquele momento (Batista, 2006, p.30).

No acervo do MAC USP, conservamos daquele mesmo período A boba (1915-16, óleo sobre tela), que não foi exposta na mostra de 1917, porém parece guardar alguns aspectos fundamentais do contexto no qual foi realizada, particularmente em relação ao debate em torno da comparação das vanguardas com a arte dos alienados. Nada sabemos sobre o interesse ou qualquer relação que Anita possa ter tido com esse debate no ambiente alemão, principalmente, no momento de seu convívio com os expressionistas, antes de sua estadia norte-americana. Por outro lado, a questão das coleções angariadas de arte do inconsciente e de sua relação com a linguagem plástica modernista era já um dado amplamente disseminado pela crítica de arte do período, na Alemanha, na França, na Itália, na Inglaterra, nos Estados Unidos e, como nos sugere o texto de Monteiro Lobato, no Brasil. Portanto, não parece incongruente pensar nessa composição de Anita Malfatti a partir desse debate.

Em A Boba, Anita concebe uma figura feminina sentada em uma cadeira (da qual só vemos o espaldar), que parece nos observar com um olhar perdido em seu próprio subconsciente. Ela é sobreposta a um fundo de superfícies largas de vermelho, azul e verde - o que nos permite falar em sobreposição é o modo de construção da figura bastante diferente do fundo. Há determinados traços negros que definem elementos angulosos no rosto e na blusa da figura, que sugerem uma aproximação à pintura cubista (Fabris, 1988, p.219). O fundo, por sua vez, é constituído de grandes manchas de cor, de pinceladas largas que fazem pensar na experiência expressionista da artista. A figura parece vir de uma experiência psíquica alienante (como sugerido pelo título da obra e por seu olhar), concebida a partir de formas plásticas que remetem à experiência das vanguardas. Difícil não pensar que ela não seja expressão de seu próprio tempo e nos fale do debate em voga de associação das linguagens plásticas modernistas mais radicais com as imagens produzidas por pacientes mentais.

Segundo Marta Rossetti Batista (2006, p. 30), Anita não “se atreveu” a expô-la na mostra de 1917 nem na Semana de Arte Moderna de 22, talvez por entender que o público paulista não estivesse “preparado” para recebê-la. O quadro permaneceu com a artista até a década de 1950 e só teria sido exposto em 1945, em uma mostra individual da artista organizada pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, IAB, de São Paulo. Em 1951, figurou em uma exposição de acervo do antigo Museu de Arte Moderna de São Paulo, e na I Bienal de São Paulo, apareceu ao lado de A mulher de cabelos verdes.

A história de sua exposição parece, mais uma vez, nos revelar em que medida essa pintura vinculava-se a um discurso sobre a arte dos alienados. Os anos 1950 no Brasil são marcados pelo interesse da crítica modernista pela produção do inconsciente, como atesta a longa relação da psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999) com o ambiente artístico modernista, sobretudo com a figura do crítico Mário Pedrosa (1900-1981).

Em 1946, Nise constituiu um ateliê de pintura no setor de terapêutica ocupacional do Centro Psiquiátrico Nacional, em Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, depois de ter frequentado o Instituto Carl Gustav Jung, de Zurique, onde se aprofundou no conhecimento da psicologia de Jung (Frayze-Pereira, 2003). Em 1947, Mário Pedrosa proferiu uma conferência no encerramento da primeira exposição de pintura organizada pelo Centro Psiquiátrico Nacional, com o apoio da Associação de Artistas Brasileiros, cujo argumento fundamental foi o processo de criação humana e o papel que as imagens produzidas por pacientes mentais cumprem no entendimento deles, bem como sua enorme contribuição para a arte moderna (Pedrosa, 1995, p.41-67). Ao longo do texto, Pedrosa contrapõe uma visão realista da arte a uma visão vanguardista, como se, de fato, opusesse a experiência das vanguardas históricas do início do século XX ao momento, que a partir do final da Segunda Guerra Mundial, é visto como um momento de retrocesso, do ambiente de “retorno à ordem”. Cria-se assim uma noção de arte moderna em oposição a um ostracismo, que mais tarde os historiadores da arte chamariam, por vezes, de um “modernismo conservador”, que tinha sido o ambiente do entreguerras.

É no resgate dessa experiência vanguardista que surge um ambiente favorável à criação do Museu das Imagens do Inconsciente, em 1952, quando críticos e artistas brasileiros passam a se interessar pela produção de pacientes mentais, cujo desdobramento vai alcançar os desenhos infantis - objeto de pelo menos duas exposições no antigo Museu de Arte Moderna de São Paulo, na década de 1950. O Brasil estava mais uma vez em diálogo com as tendências internacionais, uma vez que o contexto pós-guerra mundial, em países como a Itália e a Alemanha, também estava marcado por um resgate das vanguardas do início do século XX. Na Itália, a retomada da Bienal de Veneza - até hoje uma das mais importantes mostras de arte do mundo - tinha como programa de salas especiais, a partir de 1948, a apresentação de exposições monográficas sobre as correntes artísticas vanguardistas, tais como o impressionismo, o pós-impressionismo, o expressionismo, o futurismo etc. O conceito fundamental da Documenta de Kassel, cidade símbolo da SS nazista, em 1955, organizada pelo artista e professor Arnold Bode (1900-1977), foi a retomada das vanguardas artísticas. Graças ao impacto que provocou no ambiente internacional, acabou por se tornar uma mostra sazonal.16 Nessa mesma esteira, as edições da Bienal de São Paulo, nos anos 1950, são também pautadas por solicitações da diretoria artística do evento brasileiro, para que os pavilhões dos diferentes países (as chamadas representações nacionais) trouxessem mostras retrospectivas das vanguardas artísticas locais do início do século XX.17

Foi no momento mesmo de debate sobre o resgate dessas tendências mais radicais da linguagem plástica modernista e da institucionalização da arte do inconsciente em museus especializados que explodiram as teorias sobre a criação artística e suas relações com processos inconscientes. No caso brasileiro, a coleção do psicanalista grego, radicado em São Paulo a partir de 1950, Theon Spanudis (1915-1986) parece ser exemplar (Ribeiro, 2002).

Apontamos aqui alguns episódios de interação entre arte e psicanálise e arte e psicologia no período modernista. Para uma análise mais aprofundada dessas relações, seria preciso atentar para dois aspectos importantes. Em primeiro lugar, e principalmente no caso brasileiro, ainda está por ser feito um levantamento dos termos emprestados do campo da psicologia e da psicanálise utilizados no vocabulário da crítica de arte, bem como das expressões que se criam para definir, no campo da arte, a produção artística oriunda do ambiente das instituições psiquiátricas. Naquele momento, os críticos de arte e artistas tenderam a fazer uso de termos da disciplina e de dar-lhes outra dimensão. Podemos dizer que a demonstração mais clara disso é o intercâmbio de termos como “arte primitiva”, “arte do insconsciente” e “arte alienada”. Outro dado importante é a mescla de interesses, no meio artístico, que dissolvem as diferenças entre as perspectivas freudianas da psicanálise e as teorias junguianas (mais tardias). Ambas têm significativa influência no meio artístico, cuja infiltração se percebe de imediato no debate sobre a arte, se bem, por vezes, artistas e críticos tratem-nas indistintamente.

Finalmente, o fascínio que as teorias freudianas e junguianas exercem sobre artistas e críticos modernistas talvez advenha do fato de elas nascerem da prática da descrição e da análise da imagem para estabelecer os parâmetros de uma nova disciplina científica. Na cultura ocidental, na qual as ciências tinham se fundamentado, sobretudo na análise discursiva do texto, o reconhecimento da imagem como ferramenta discursiva parece, de fato, ser uma novidade (Didi-Huberman, 1993).

É certo que a interação arte e psicologia na era modernista contribuiu decisivamente com pelo menos três frentes: ampliação significativa do que até então era considerado arte; entendimento do processo de criação em uma dimensão também mais ampliada, em que o processo cognitivo não se reduz apenas ao domínio do discurso, mas também da imagem; essas descobertas levam necessariamente a outra concepção da condição humana.

 

Referências

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Correspondência:
Ana Gonçalves Magalhães
Rua Praça do Relógio, 160 Cidade Universitária
05580 055 São Paulo, Butantã, SP
Tel: 11 3091 3392
amagalhaes@usp.br

Recebido em 16.5.2012
Aceito em 5.6.2012

 

1 Uma exposição em janeiro de 2011, no MUMOK (Museum Moderner Kunst - Stiftung Ludwig), em Viena, procurou estabelecer os diálogos possíveis entre as vertentes vanguardistas e as descobertas científicas das duas primeiras décadas do século XX. Veja-se “The Moderns: Revolutions in Art and Science 1890-1935”
2 Na historiografia que toma esse momento como objeto de estudo, a ideia de que a Primeira Guerra Mundial, em 1914, rompia com a perspectiva do progresso, em sentido positivo, das sociedades industrializadas ocidentais é elemento fundamental para a compreensão dos acontecimentos que envolveram os séculos XIX e XX. Ainda sobre o sentimento de abismo que ronda as duas primeiras décadas do século XX, Der Untergang des Abendlandes (O Declínio do Ocidente) Oswald Spengler (1918) tornou-se um clássico com uma das mais influentes teses sobre a evolução histórica das sociedades ocidentais do período.
3 Um dos primeiros estudos sobre arte africana, de autoria do colecionador e galerista Paul Guillaume e do estudioso de antropologia Munro.
4 Obras destruídas em incêndio no Palácio Immendorf, em 1945, no recuo das tropas nazistas da SS da Baixa Áustria.
5 Para outras relações entre a pintura de Klimt e as teorias freudianas, veja-se Pinheiro, 2008. A autora esboça uma comparação entre três obras de Klimt e alguns conceitos freudianos.
6 Nome dado pelo crítico do círculo dos cubistas parisienses, Guillaume Apollinaire, a um grupo de artistas saídos da experiência cubista, que, a partir de 1912, procuraram trabalhar com o lirismo através da cor e, segundo ele, tentaram dotar as formas austeras do cubismo de uma expressão mais subjetiva. O termo criado por Apollinaire para designar o grupo vem da mitologia grega, da figura do poeta cantor Orfeu.
7 Observe-se que, ainda em 1922, não se falava em arte (Kunst, em alemão) produzida por pacientes mentais, mas em algo como produção/elaboração de imagens (Bildnerei). A mesma ideia evoca a tradução para o inglês: Artistry of the Mentally Ill.
8 Cf. Arnheim, 1986. Arnheim é autor de um dos livros mais influentes de uma teoria sobre os processos de criação humana: publicado em 1954, seu Art and Visual Perception já foi traduzido em vários países e é até hoje referência bibliográfica fundamental para qualquer reflexão sobre arte e educação, por exemplo.
9 Por exemplo, há uma série de resenhas críticas de um certo Petronius Arbiter, no periódico inglês The Art World, publicadas ao longo da década de 1910, em que o autor opõe obras de arte “degeneradas” ao que ele chama de obras de arte “inteligentes”. As obras degeneradas são escolhidas sempre da produção vanguardista. Cf. Arbiter, 1917. Arbiter começa afirmando que a arte degenerada é necessariamente produto de uma sociedade degenerada, perdida na bebida, no jogo, nas drogas, na perversão sexual etc - para ele, caso da França do II Império (1851-1871).
10 A questão do antissemitismo na Áustria, na França e na Alemanha teve origem na década de 1870 do século XIX e seu ápice foi o Caso Dreyfus, na França, nos anos 1890. No mesmo período, a França, e sobretudo Paris, foi palco da instauração (ainda que por meses) de um regime comunista (a Comuna de Paris), que para o ambiente da virada do século viria a se concretizar com a Revolução de outubro de 1917, na Rússia. Esses eventos são concomitantes aos estudos levados a cabo pelo campo da medicina e pela psiquiatria da época sobre a fisionomia do criminoso e do marginal, que nos apontavam como capazes de abalar as estruturas de uma sociedade.
11 Republicado em Ideias de Jeca Tatu, 1919. Para uma análise mais crítica e aprofundada do impacto do texto de Lobato sobre a exposição de Anita Malfatti, cf. Chiarelli, 1995, p. 19-44.
12 O texto de Monteiro Lobato sobre a exposição de Anita, aliás, ficou conhecido por esse título: “Paranóia ou mistificação?”, que lhe foi atribuído, justamente pela comparação que ele estabelece entre as “escolas rebeldes” e a arte dos alienados.
13 Cf. Chiarelli, 1995, que propõe que o ataque a Monteiro Lobato, entre 1917-1918, muda de configuração já em 1920, por ocasião de texto publicado por Menotti del Picchia, e que o caso Lobato versus Anita tinha sido estrategicamente trabalhado pelos modernistas em prol da arte moderna.
14 O fenômeno do “retorno à ordem” é entendido como o de refreamento das pesquisas plásticas mais radicais representadas pelas vanguardas do início do século XX (Cubismo, Expressionismo, Futurismo, Construti-vismo), e da busca por uma linguagem capaz de exprimir temas ligados à noção de identidade nacional, que resgatou alguns valores clássicos da tradição da pintura (sobretudo a retomada do interesse pelo Renascimento Italiano, por exemplo), e que tomou conta dos centros artísticos da Europa no entreguerras. Para uma análise da influência desse ambiente sobre o modernismo brasileiro, cf. Chiarelli, 2003 e Magalhães, 2011.
15 Monteiro Lobato menciona brevemente a presença de um “cubista” A.S. Baylinson.
16 Kassel fora um dos centros de treinamento da SS nazista e foi praticamente posta abaixo pelos bombardeios aliados. No século XVIII, a cidade sediara a monarquia prussiana e construíra o Schloss Wilhelmshohe e o chamado palácio Fridericianum, sede da Documenta, cuja primeira edição ocorreu no edifício em ruínas.
17 Assinale-se o papel fundamental que o crítico Sérgio Milliet, como diretor artístico do antigo Museu de Arte Moderna de São Paulo e da Bienal de São Paulo, teve nas edições de 1953, 1955 e 1957, ao trabalhar didaticamente com essas representações nacionais, enfocando a formação de um público brasileiro para a arte moderna.

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