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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.46 no.2 São Paulo abr./jun. 2012

 

RESENHAS

 

Landscapes of the dark

 

 

Altamirando Matos de Andrade Júnior

Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro SBPRJ

Correspondência

 

 

Autor: Jonathan Sklar
Editora: Karnac, London, 2011, 184p.
Resenhado por: Altamirando Matos de Andrade Júnior

Landscapes of the dark é um livro bem escrito e, para apresentar o pensamento de Jonathan Sklar, é ricamente ilustrado com material clínico. É atual porque discute temas que desafiam o trabalho efetuado diariamente nos consultórios psicanalíticos

Apesar de posicionar-se como um analista influenciado por Freud, Ferenczi e seus seguidores, Winnicott, Michael e Enid Balint, Sklar não se limita a eles. Pelo contrário, demonstra um vasto conhecimento sobre os principais autores da psicanálise, o que se evidencia pelo embasamento teórico que o auxilia na elaboração de seus conceitos. Esse pensamento crítico não evita e o conduz ao discurso comum de que a minha escola é mais rica e embasada clínica e teoricamente do que a sua. Discussão, contudo, que não empobrece seu trabalho, uma vez que os argumentos são bem fundamentados e exemplificados com vasto material clínico.

No entanto, ao fazer considerações sobre autores com os quais discorda, traz um viés teórico que se particulariza. Tanto na introdução do livro como no prefácio, escrito por Bollas, nota-se uma preocupação em afirmar a identidade do Grupo Independente da Sociedade Britânica. De fato, é muito comum entre os colegas da Britânica um posicionamento teórico relativo às diferenças entre os três grupos que a compõem. Historicamente, não é um fator a ser desconsiderado, mas, ao discutir teoria e/ou clínica e técnica, noto que a tendência é entrar na argumentação de que minha teoria é melhor do que a sua.

O valor do livro está nos casos clínicos que apresenta, na maneira com que articula teoria e clínica e nos aspectos técnicos considerados. Sklar é bastante atento à interação “transferencial-contratransferencial” e às acuidades de comunicação entre analista e paciente.

O terceiro capítulo é dedicado ao modo como se deve interpretar, nos diferentes contextos clínicos explorados pelo autor, a comunicação do paciente e a do analista. Ligado de certa forma à tradição psicanalítica iniciada por Ferenczi, Sklar sugere em seu trabalho clínico e em suas considerações teóricas, um equilíbrio entre trauma e fantasia.

Nesse capítulo, observa-se a riqueza de detalhes no relato do caso de um paciente em estado melancólico grave, com sintomas histéricos e tiques provocados pelo luto não elaborado da morte por enforcamento da mãe quando o paciente tinha quatro anos de idade. O autor trabalha os aspectos traumáticos e as fantasias concernentes ao funcionamento mental do paciente. Suas considerações clínicas e técnicas seguem, com similaridade, o conceito de séries complementares descrito por Freud.

De maneira sutil, Sklar compreende os movimentos do corpo ou tiques como uma alucinação sobre o suicídio da mãe incorporada ao paciente; uma forma de enactment corporal dos sentimentos em relação a tal acontecimento. Essa sensibilidade clínica encontra-se presente em todos os capítulos, exemplificando o seu trabalho psicanalítico.

Teoricamente, embora Sklar posicione-se como seguidor de Freud, ele se aproxima mais das ideias de Ferenczi - autores que pela sua proximidade seja, por momentos, difícil discriminar -, em relação ao papel do trauma na etiologia dos problemas mentais. É nessa tradição que se desenvolve o trabalho do autor, razão pela qual defende que o trabalho de regressão com certos pacientes graves é inevitável, senão recomendado.

A regressão como recurso terapêutico divide os analistas. Há quem a defenda porque surge espontaneamente, como parte do processo. E há quem a advogue como terapêutica, que leva o paciente a experimentar um estado de dependência necessário para o desenvolvimento emocional. Seria uma forma de experiência emocional sem o uso de palavras; portanto, numa fase do desenvolvimento pré-verbal. O que descrevo diz respeito ao uso de interpretações e ao silêncio no tratamento psicanalítico. De acordo com a teoria abraçada por Sklar, muitas vezes é melhor acompanhar o paciente sem interpretar do que tornar consciente o inconsciente pela interpretação, com uma atitude mais próxima de holding que de interpretação. A tradição ferencziana se desdobrou em Balint, Winnicott, Stewart e Sklar, conforme fica evidente no livro.

Freud acreditava que a regressão exigia ser compreendida e interpretada, ao passo que Ferenczi tinha uma ênfase adicional no estar e sentir a experiência, isto é, na atitude do analista com a regressão do paciente. Eram, portanto, visões diferentes. Essa questão técnica requer, como nos mostra Sklar, um grande e importante trabalho contratransferencial.

O capítulo cinco trata das alterações no sonhar e no devanear causadas por traumas precoces. Na tese defendida pelo autor, certos pacientes deixados sozinhos por muito tempo, no período inicial de suas vidas, tendem a preencher o vazio que experimentam mediante uma intensa atividade de devaneios. Estes, se compreendidos, podem evoluir a uma possibilidade de sonhar. Os exemplos clínicos mais uma vez são ricos na exemplificação das ideias apresentadas.

Também é muito interessante, no capítulo seguinte, como Sklar aborda questões psicosso-máticas e técnicas. Nesse caso, ele busca compreender de que maneira a escuta psicanalítica pode ajudar pacientes que, muitas vezes, vivem pela primeira vez a experiência de serem ouvidos afetivamente. Esse movimento possibilita que o afeto mova-se do somático para o psíquico e dele para posterior elaboração. Aqui também é mediante exemplos clínicos que seus conceitos são esclarecidos.

A técnica ativa preconizada por Ferenczi é descrita no capítulo sete, pelo caso de uma paciente que, ao término da análise, apresenta resistências somáticas, como vômitos, e, em um átimo de desepero, grita sem parar. O analista, então, propõe a ela que continue gritando e utiliza esse contexto como uma forma de entrar ativamente em contato com o desespero dela, auxiliando-a na elaboração da necessidade de nascer fora do espaço analítico, em contato com a tristeza da separação, fortemente ligada à história precoce da paciente. São momentos ricamente ilustrados pelo material clínico, e Sklar nos oferece a oportunidade de pensar sobre o seu trabalho, com liberdade para concordar ou não com suas ideias.

O último capítulo versa sobre os seminários que o autor coordenou junto com Michael Parsons na Sociedade Britânica, cujo tema é: “The life cycle of the psychoanalyst: reflections on a seminar for newly qualified analysts”. É um capítulo muito interessante sobre as dúvidas e questões manifestadas pelos jovens analistas sobre suas práticas. A começar por como conseguir pacientes, como cobrar, como atendê-los psicanaliticamente, até estudar a evolução de um analista durante o próprio ciclo de vida profissional. Os autores descrevem o envelhecimento do analista e avaliam o momento em que ele deve, ou não, parar de trabalhar. Fazem um estudo do início à maturidade da experiência analítica. Apesar de serem questões trazidas por profissionais recém-qualificados, que já não contam mais com a proteção e suporte da instituição, vemos nos relatos algo comum aos analistas, quer sejam jovens ou não. Penso que a ideia do seminário seria de muita utilidade para os institutos de formação.

Em razão de todos os detalhes que levantei nessa resenha, penso que o livro de Jonathan Sklar deve ser lido e estudado pelos colegas, bem como ressalto que seria bastante proveitoso traduzi-lo para o nosso idioma.

 

 

Correspondência:
Altamirando Matos de Andrade júnior
Rua Jardim Botânico, 674, 617
22461-000 Jardim Botânico, Rio de Janeiro, RJ
altandr@msn.com

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