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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.46 no.3 São Paulo July/Sept. 2012

 

ARTIGOS TEMÁTICOS: PASSAGENS II - ENTRE O MODERNO E O CONTEMPORÂNEO

 

O pensamento clínico contemporâneo: uma visão histórica das mudanças no trabalho do analista

 

Contemporary clinical thinking: a historical vision of the changes in the analyst's work

 

El pensamiento clinico contemporáneo: una visión histórica de los cambios en el trabajo del analista

 

 

Fernando UrribarriI; Traduzido por Sonia Scala Padalino

IPsicanalista (Asociación Psicoanalítica Argentina APA), coordenador do seminário de investigação "Espacio André Green", na APA, e do "Grupo de estudio de la obra de André Green", na Asociación Psicoanalítica de Chile, professor de pós-graduação na Universidad de Buenos Aires e "Maitre de conference asociée" na Universidade de Paris X (França), dirige a coleção "Pensamiento contemporáneo" na EUdeBA (Editorial Universitaria de Buenos Aires) e a publicação, em Les Editions d'Itaque (França), dos livros de André Green

Correspondência

 

 


RESUMO

O principal objetivo deste trabalho é contribuir para a compreensão das mudanças ocorridas na clínica psicanalítica contemporânea, a partir do ponto de vista histórico e conceitual. O artigo aborda as três etapas históricas sucessivas da atividade do analista (seguindo o fio condutor da teorização e da contratransferência): freudiana, pós-freudiana e contemporânea. Concentra-se, em particular, nas mudanças introduzidas na passagem do segundo para o terceiro modelo: de um "conceito totalizante" da contratransferência - que inclui a totalidade do funcionamento mental do analista e que é o núcleo do modelo clínico pós-freudiano - até a "concepção enquadrada" da contratransferência dentro de uma mais ampla e complexa visão contemporânea do trabalho psíquico do analista (na qual as noções de enquadre e de "enquadre interno" são centrais, e na qual a contratransferência enquadra-se e está subordinada ao pensamento clínico do analista).

Palavras-chave: Psicanálise contemporânea; modelo freudiano; modelo pós-freudiano; modelo contemporâneo; pensamento clínico; contratransferência; trabalho psíquico do analista; enquadre; enquadre interno; processos terciários.


ABSTRACT

The main objective of this work is to contribute to the understanding of the changes occurred in contemporary psychoanalytic practice, from a historical and conceptual point of view. The article approaches the three successive historical phases of the activity of the analyst (following the thread of theorization and countertransference): Freudian, post-Freudian and contemporary. It focuses particularly on the changes introduced during the passage from the second to the third model: from a "totalizing concept" of countertransference - which includes the totality of the mental functioning of the analyst and the nucleus of the post-Freudian clinical model - to the "framed conception" of countertransference in a more broad and complex contemporary vision of the analyst's psychic work (in which the notions of framing and of "internal framing" are central, and in which countertransference is framed and is subordinate to the analyst's clinical thinking).

Keywords: Contemporary psychoanalysis; Freudian model; post-Freudian model; contemporary model; clinical thinking; countertransference; psychic work of the analyst; framing; internal framing; tertiary processes.


RESUMEN

Aportar a la comprensión, desde un punto de vista histórico y conceptual, del cambio en la clínica psicoanalítica contemporánea es el principal objetivo de este artículo. Este se ocupa de la sucesión de tres etapas históricas en la evolución de la actividad del analista (siguiendo el hilo de la teorización de la contra-transferencia): freudiana, post-freudiana y contemporánea. En particular se centra en los cambios introducidos en el pasaje del segundo al tercer modelo: desde un "concepto totalizante" de la contra-transferencia, que incluye la totalidad del funcionamiento mental del analista, y que es el núcleo del modelo clínico post-freudiano; hacia una "concepción encuadrada" de la contra-transferencia dentro de una más amplia y compleja visión contemporánea del trabajo psíquico del analista (en la que las nociones de encuadre y de "encuadre interno" son centrales; y en la que la contra-transferencia se encuadra y subordina al pensamiento clínico del analista).

Palabras clave: Psicoanálisis contemporáneo; modelo freudiano; modelo post-freudiano; modelo contemporáneo; pensamiento clínico; contra-transferencia; trabajo psiquico del analista; encuadre; encuadre interno; procesos terciarios.


 

 

De que falamos quando falamos de contemporaneidade?

Contribuir para a compreensão das mudanças na clínica psicanalítica contemporânea, a partir de um ponto de vista histórico e conceitual, é o principal objetivo deste artigo. Antes de passar às apaixonantes questões teórico-práticas que motivam nossa escrita, gostaria de dizer algumas palavras sobre algumas das ideias que definem nossa perspectiva. Exponho-as de modo breve e, segundo a clássica recomendação, do geral para o particular.

A primeira ideia é a de que a compreensão dos principais conceitos psicanalíticos, teóricos e práticos, não pode ser alcançada sem uma perspectiva histórica adequada ou, como a define Jean Laplanche, uma leitura "histórica, crítica e problemática". Trata-se de ser freudiano não só para analisar os pacientes, mas também para pensar os problemas de nossa própria disciplina. Isso implica reconhecer sua dimensão (sua codeterminação) histórica, segundo a dupla dimensão complementar, que postula a historiografia das ciências, das ideias e das artes: a "história interna" (dos conflitos internos, e ao mesmo tempo, intelectuais e institucionais do campo analítico) e a "história externa" (ou seja, a relação conflituosa com outros campos disciplinares, com a cultura e com a sociedade de cada época específica).

A segunda ideia refere-se à fecundidade da noção de "psicanálise contemporânea", de sua elaboração conceitual, (distinguindo-a da doxa atual, da simples expressão coloquial que equivale à "psicanálise de hoje"). Sem nos determos na genealogia do termo "contemporâneo", podemos indicar dois sentidos (e usos) que nos parecem produtivos. O primeiro é aquele que promove a possibilidade de uma periodização histórica: por exemplo, segundo a sequência "clássico / moderno / contemporâneo", em geral usada nas histórias da filosofia, da arte e das ciências. O segundo aspecto é que a noção de contemporâneo favorece o diálogo com os principais estudos histórico-sociais do período atual, que segundo abordagens geralmente transdisciplinares, combinam o sociológico, o econômico, o cultural, o estético e o psicológico. Não é irrelevante que os principais pensadores contemporâneos, como F. Jameson, C. Castoriadis, A. Giddens, Z. Bauman, R. Sennet, N. García Canclini, T. Negri, para citar apenas alguns, proponham uma correlação significativa entre o "mal-estar cultural atual" (definido como contemporâneo ou pós-moderno) e certos quadros "não-neuróticos" predominantes (funcionamentos limítrofes, narcisistas, aditivos, psicossomáticos etc). Todos esses autores assinalam criticamente a aceleração, o imediatismo e o predomínio do espacial sobre o temporal na (vídeo) cultura contemporânea. É o que os apologistas desta cultura chamaram de "o fim da história", e o que o historiador F. Hartog chamou de "presentismo" do imaginário (e ideologia) contemporâneo. O contemporâneo, como história, é um território de conflitos, instabilidades e crises, aberto à criação e à destruição. Isso nos adverte em relação a um risco: o de falar de contemporaneidade de um modo que possa repetir sintomaticamente a não-historicidade e o "presentismo" do imaginário (e ideologia) pós-modernos. É isso que pode ocorrer, às vezes, quando se fala de psicanálise atual ou "contemporânea", sem reconhecer nem problematizar a crise da psicanálise. Nossa visão da psicanálise contemporânea, ao contrário, é a de um projeto que visa a historicizar não apenas o passado como também o presente, como estratégia fundamental para imaginar e construir seu futuro.

 

De que falamos quando falamos do "pensamento clínico contemporâneo"?

Quando penso o contemporâneo, meu ponto de vista deve muito à obra de André Green e à experiência que tive com ele. Ao final de seu artigo "Que tipo de investigação para a psicanálise?", lemos:

Depois de muito refletir sobre a presente crise da psicanálise, tal como se manifesta nos congressos da IPA, cheguei à conclusão de que o maior risco para o futuro da psicanálise é o declínio e a possível derrota do pensamento psicanalítico, do espírito da psicanálise, do estado mental específico que reside no analista enquanto trabalha e pensa. Nossa missão é manter vivo esse espírito (Green, 1996, p.10-14).

No segundo semestre de 2001, ao refletir sobre o conjunto de artigos seus que eu havia reunido para um novo livro, o autor elaborou o conceito de pensamento clínico. Deu esse nome O pensamento clínico (2002) ao próprio livro, e o abriu com um texto que redigiu especialmente para introduzir e fundamentar essa noção. "O pensamento clínico define-se como o modo original e específico de racionalidade que surge a partir da experiência prática. Corresponde ao trabalho de pensamento que entra em ação na relação do encontro psicanalítico" (2002).

Tive, nessa época, a sorte de compartilhar dois projetos extraordinários com André Green. Um deles foi, a partir de janeiro de 2000, fazer parte de um grupo internacional de investigação da IPA, sobre "a contratransferência do analista com estruturas não-neuróticas", dirigido por ele e formado por colegas de Nova York (O. Kernberg, W. Grossman), Londres (E. Bott-Spilliuz, G. Kohn), Paris (A. Green, J.C. Rolland) e Buenos Aires (J. Lutenberg, e eu). O outro foi colaborar com André Green na preparação de seu livro Orientações para uma psicanálise contemporânea (2002/2008), para a qual realizamos uma série de conversas sobre sua obra, por diversas horas por dia, ao longo de uma semana, em setembro de 2001. Naturalmente, naquelas entrevistas sobre a psicanálise contemporânea, o tema do pensamento analítico esteve muito presente. Ficou evidente que se tratava de uma noção a partir da qual se configurava uma nova perspectiva, ao mesmo tempo histórica e conceitual, especificamente contemporânea, para a técnica e a teoria da clínica psicanalítica. Este conjunto de experiências fizeram com que me interrogasse sobre a história do pensamento clínico, de sua relação com os modelos clínicos anteriores e com a construção de um novo modelo contemporâneo. O grupo de investigação1 proporcionou-me uma ocasião fantástica para aprofundar essa questão.

 

"Como funciona a mente do psicanalista contemporâneo?"

Acredito tenha sido essa a pergunta-chave que definiu nossa investigação. Como consequência, uma das características mais originais e interessantes da investigação foi a exploração do pensamento psicanalítico em dois níveis, heterogêneos mas complementares. Em um dos níveis, a investigação explorou o modo de pensar, ao mesmo tempo pessoal e relativamente representativo, de psicanalistas pertencentes a diferentes correntes e culturas psicanalíticas. Em um segundo nível, a escolha do tema da "contratransferência (com pacientes limítrofes)" concentrou-se na especificidade do trabalho analítico do lado de cá do divã, na mente do analista (especialmente com pacientes graves, que levam os recursos analíticos até o limite). Na intersecção dos dois níveis encontra-se o objetivo - explicitado no título e nas finalidades do projeto de investigação - de estabelecer os consensos e dissensos sobre o tema mencionado, conforme as diferentes perspectivas teóricas e culturais.

Uma de minhas principais conclusões no âmbito da investigação é que, apesar das grandes diferenças, todos os colegas do grupo refletem uma preocupação histórica comum: a necessidade de superar os impasses (teóricos e clínicos) ligados à crise dos modelos pós-freudianos. Este importante consenso "negativo" está acompanhado por certa convergência "positiva" na busca da compreensão e de respostas criativas a estes problemas: especialmente por meio da complexização da visão do trabalho psíquico do analista.

Creio que a experiência desta crise, produzida pelo reducionismo dos modelos pós-freudianos, é um dos eixos que definem a situação do psicanalista contemporâneo no horizonte histórico. E acredito que o reconhecimento e elaboração desta crise, dos desafios e possibilidades que implica, define a identidade de um psicanalista como contemporâneo. Diria, então, que nosso grupo foi profundamente contemporâneo, e que nossa investigação explorou alguns temas-problemas comuns e as diferentes respostas propostas por cada um de nós. Tais propostas, por sua vez, permitem vislumbrar o mapa da psicanálise contemporânea, suas duas tendências principais: uma que tenta atualizar e renovar os modelos pós-freudianos, e outra que constrói um novo modelo especificamente contemporâneo.

Neste sentido, os resultados da investigação requerem uma perspectiva histórica e conceitual para serem verdadeiramente apreciados. Proponho-me, neste texto, a esboçar tal perspectiva, para nela contextualizar as contribuições do grupo a uma concepção contemporânea da escuta analítica e da contratransferência. Vou, por conseguinte, concentrar-me na questão do trabalho psicanalítico, no funcionamento mental do psicanalista durante a sessão, e nas modificações decisivas que sofreu nos últimos trinta anos (cujos resultados começamos, agora, a perceber com mais clareza). Gostaria de dar conta dessa transformação histórica, destacando o fio condutor das modificações substanciais ocorridas na compreensão teórica e no papel técnico da contratransferência.

Esquematicamente, abordarei as três etapas históricas sucessivas da evolução da atividade do analista (seguindo o fio da teorização da contratransferência): freudiana, pós-freudiana e contemporânea. Concentrar-me-ei, em especial, nas modificações introduzidas na passagem do segundo para o terceiro modelo: a partir do "conceito totalizante" da contra-transferência - que inclui a totalidade do funcionamento mental do analista e que é o núcleo do modelo clínico pós-freudiano - até a "concepção enquadrada" da contratransferência, dentro da visão contemporânea mais ampla e complexa do trabalho psíquico do analista (na qual as noções de enquadre e de "enquadre interno" são centrais, e na qual a contratransfe-rência está enquadrada e subordinada ao trabalho de representação do analista).

 

Três movimentos, três modelos

Para compreender as transformações ocorridas na concepção do trabalho psíquico do analista e da contratransferência, é necessário dispor de uma perspectiva histórica. Para esboçá-la, proponho-me a retomar e desenvolver a indicação de André Green (1975), segundo a qual é possível distinguir três movimentos históricos sucessivos na evolução paralela da teoria e da clínica psicanalítica: freudiano, pós-freudiano e contemporâneo, a cada um dos quais corresponde um modelo teórico-clínico específico.

Esses modelos específicos não devem ser confundidos com as teorias nem com as grandes obras (e grandes autores) em que legitimamente se baseiam e se inspiram. Do mesmo modo que os paradigmas científicos descritos por Kuhn, os modelos de que falamos combinam as duas dimensões que o termo paradigma condensa: a institucional, do discurso e a visão compartilhada por uma comunidade científica; e a técnica, do "caso ou exemplo paradigmático" que ilustra e comprova o discurso instituído. Para nós, psicanalistas, é fácil entender que sua função é tanto epistemológica quanto identificadora. Os modelos - como os paradigmas - também são um produto misto que combina a teoria com os ideais e a ideologia institucional. Por isso, um de seus aspectos fundamentais é postular uma imagem e um ideal de analista. Nesse sentido, por exemplo, as três contratransferências de que falaremos não se reduzem a três definições conceituais distintas, mas encarnam e expressam também três visões (três ideais e três modelos) diferentes do trabalho do analista.

Por último, para examinar a dimensão "paradigmática" das modificações, as diferenças estruturais entre os diferentes modelos, parece-me útil recordar (por seu valor heurístico, orientador, e não para aplicação linear) os parâmetros propostos por Kuhn: um novo paradigma modifica a significação dos conceitos estabelecidos; desloca os problemas oferecidos à investigação; dá indicações para decidir a respeito dos problemas pertinentes e soluções legítimas; modifica a própria imaginação científica; introduz novas formas de prática e modifica a experiência. Deste modo, o leitor poderá tê-los em mente e pôr à prova nossa proposta.

 

O modelo freudiano: a atenção flutuante e a contratransferência-obstáculo

O primeiro movimento corresponde à etapa freudiana. Sua extensão pode ser estabelecida, convencionalmente, desde 1900 - data em que Freud publicou sua maior obra - até a segunda guerra mundial. A teoria, marcada pela descoberta do inconsciente, está concentrada no conflito intrapsíquico entre o desejo sexual e a defesa. A prática é direcionada pela análise da transferência e resistências, em função da aplicação das regras do método psicanalítico estabelecido empiricamente por Freud. As psiconeuroses de transferência constituem o quadro clínico de referência, o exemplo paradigmático (Kuhn, 1962) que ilustra e confirma o modelo.

No território clínico que se limita às neuroses de transferência, o processo analítico se funda na articulação lógica do tripé: neurose infantil - psiconeurose de transferência -neurose de transferência. Com base nesse ponto de vista metapsicológico, a transferência é um processo intrapsíquico determinado por mecanismos inconscientes: é um "falso enlace" entre uma representação inconsciente incestuosa e a figura do analista. O complexo de Édipo é considerado o complexo central das neuroses, definidas como o "negativo da perversão". Freud afirma, em seus escritos e em sua prática, que a posição do analista, na transferência, é sempre, e em última análise, predominantemente paterna.

A modelo científico positivista) é a que explica o fato de que Freud prioriza o papel da pulsão e não aprofunda teoricamente o papel do objeto, nem mesmo, consequentemente, elabora metapsicologicamente o funcionamento psíquico do analista, o qual deve apenas aplicar as regras de sua arte interpretativa "inadequada" do analista à transferência, resíduo neurótico que ele deverá resolver mediante a reanálise (Freud, 1912/1996).

Essa posição não deixa de ser coerente, do ponto de vista epistemológico, já que o modelo freudiano é um modelo individual, centrado no aparelho psíquico individual, que define a causalidade por meio do intrapsíquico: assim, se a contratransferência é uma vivência (um "sintoma") do analista, é lógico atribuir sua causa psíquica ao próprio analista. Essa mesma lógica (beneficiada pelo modelo científico positivista) é a que explica o fato de que Freud prioriza o papel da pulsão e não aprofunda teoricamente o papel do objeto, nem mesmo, consequentemente, elabora metapsicologicamente o funcionamento psíquico do analista, o qual deve apenas aplicar as regras de sua arte interpretativa.

O funcionamento do analista é imaginado segundo as metáforas do espelho e do cirurgião: ele comunica sem que sua personalidade transpareça, interpreta com fria e calculada precisão técnica. Como Édipo diante da esfinge de Tebas, o psicanalista é um decifrador de enigmas. É o intérprete da transferência (o tradutor dos hieróglifos do desejo inconsciente), muito mais que objeto desta. Sua posição paterna na interpretação e na gestão da transferência reforça essa posição. Posição de autoridade que se manifesta nas metáforas militares (batalha contra a resistência, "em efígie") e na referência ao xadrez. Filho de seu tempo, o analista freudiano identifica-se (como seu contemporâneo Sherlock Holmes) com o ideal racionalista da objetividade científica: a subjetividade do investigador está excluída, por definição, do processo de investigação.

Sabe-se que com a institucionalização e a difusão do mito oficial da "análise clássica" (atribuído retrospectivamente a um Freud imaginário) e com a promoção de um analista "ortodoxo", o modelo freudiano chegou a assumir formas estereotipadas, até mesmo caricaturais. A mais divulgada (e criticada) foi a do "analista-espelho", analista frio e distante, mais anônimo do que neutro, um tanto autoritário, que cultiva um silêncio artificial e uma interpretação oracular. Institui-se até mesmo uma "regra do silêncio" do analista (que em lugares como França - onde tanto Natch quanto Lacan a promoveram - continuam relativamente em vigor). Além disso, no teórico, foi acertadamente criticado certo reducionismo solipsista.

 

O movimento pós-freudiano: a contratransferência totalizante

No segundo movimento, o pós-freudiano, o interesse desloca-se, na teoria, para as relações de (ou com o) objeto, estabelecendo uma perspectiva predominantemente intersubjetiva. Correlativamente, um novo conceito de contratransferência (ou de desejo do analista) constitui o núcleo de um novo modelo técnico, redefinindo a imagem e o modo de proceder do analista. Este novo modelo assume a prática com crianças e com pacientes psicóticos como nova referência central, como exemplo paradigmático.

A psicanálise pós-freudiana, ligada a uma valiosa ampliação do campo clínico, reconhece e teoriza, em suas distintas vertentes, a importância do objeto e do outro, que Freud havia negligenciado (Klein, 1923, 1932; Balint, 1937/1965; Fairbain, 1952; Lacan, 1967; Bowlby,1969; Bion, 1959/1967; Bouvet, 1956/1967; Winnicott, 1971). Desenvolve-se na IPA uma perspectiva "genética" ou "evolutiva", que estuda (e prioriza) o papel do objeto primário na constituição e funcionamento do psiquismo precoce. Introduz um tipo de "terceira tópica" baseada na relação entre o self e o objeto. Neste contexto, revaloriza o papel do objeto na clínica, modificando, portanto, a técnica e explorando a dimensão materna da transferência (e contratransferência). Um novo esquema, com dupla referência à relação precoce, diádica, mãe-bebê, marcará a teoria e a clínica.

Seguindo uma dialética semelhante à da descoberta e teorização da transferência por Freud, a contratransferência deixa de ser vista como mero obstáculo e passa a ser redefinida positivamente como ferramenta fundamental do trabalho analítico (Heinmann, 1950; Racker, 1949/1968)2. Considera-se que seja uma resposta emocional do analista criada pela transferência do paciente (e não pela neurose ou pontos cegos do analista). Isto transforma a contratransferência, para o analista, em um meio afetivo de conhecer inconscientemente o inconsciente do paciente. Redefinida dessa maneira, a contratransferência passará a abranger a totalidade do funcionamento mental do analista, dando lugar a uma concepção "totalizante" (Kernberg, 1975; Urtubey, 1994).

A transferência passa a ser compreendida como repetição de uma relação de objeto do passado, com base em um eixo predominante intersubjetivo (mais do que intrapsíquico). Fala-se de uma "two bodies psychology" A transferência é considerada como processo essencialmente projetivo (segundo o eixo self-objeto), no qual o mecanismo de identificação projetiva se destaca. Descoberta por M. Klein, a identificação projetiva é o primeiro mecanismo de defesa de tipo intersubjetivo postulado na psicanálise. Bion, em seguida, amplia sua definição, considerando-a também como um meio de comunicação primitivo (intrusivo), pré-verbal, de impulsos e afetos não simbolizados. Esta ampliação terá enormes consequências técnicas.

Uma contribuição teórico-clínica maior é a incorporação da análise do continente psíquico, ao lado da análise do conteúdo (manifesto-latente). Postula-se que a identificação projetiva é percebida pelo analista por meio de afetos contratransferenciais; ele se encarrega de contê-los e dar-lhes significado, do mesmo modo que a mãe o faz com os impulsos e com a comunicação pré-verbal do bebê ("rêverie materna"). A identificação projetiva (equiparada à transferência) e a contratransferência constituem um eixo primordial do modelo pós-freudiano. Com base nesse eixo, o processo analítico será considerado um ciclo alternante de projeções e introjeções, orientado segundo um movimento de "crescimento" (ou maturação) psicológico. A substituição do eixo intrapsíquico pelo intersubjetivo é acompanhada pela consagração da noção de insight: a tomada de consciência torna-se uma visão do (e até o) interior (do que deixa de ser transferido-projetado no objeto para ser introjetado-interiorizado no Self).

No processo analítico privilegia-se a dimensão arcaica da relação de objeto transferencial e a comunicação primitiva em nível infraverbal. Destacam-se, do ponto de vista etiológico, os traumas precoces, que colocam em jogo principalmente os impulsos destrutivos (e/ou de "apego primário"), as ansiedades precoces (de separação, abandono, fragmentação etc) e os mecanismos de defesa primitivos. A análise tenta resolver as fixações pré-genitais, e até mesmo a base ou núcleo psicótico que se postula como subjacente, nos diferentes quadros clínicos, incluindo os neuróticos.

Ampliando a análise, em geral, às modificações técnicas surgidas no tratamento com crianças e pacientes psicóticos, a interpretação torna-se interpretação da transferência no "aqui-agora-comigo". A concepção totalizante da contratransferência radicaliza a ideia da comunicação de inconsciente para inconsciente: a contratransferência "guia" a compreensão do analista e é utilizada (mais ou menos explicitamente) na interpretação. O funcionamento do analista tende a identificar-se com a função materna (segundo o esquema dual mãe-bebê). Ao eixo da identificação projetiva-contratransferência corresponde um ideal técnico de analista "continente".

 

Comentários: da expansão ao reducionismo

O movimento pós-freudiano realizou um processo de grande desenvolvimento científico e de expansão institucional internacional. A teoria das relações de objeto e a noção de contratransferência tornaram-se conceitos-chave que redefinirão a visão e a linguagem da psicanálise na IPA. Lamentavelmente, a expansão e a institucionalização do movimento pós-freudiano foram acompanhadas por um processo de burocratização institucional, sectarismo e dogmatismo. Estes deram lugar ao estabelecimento de um esquema reducionista, à simplificação e codificação da teoria e à aplicação mecânica da técnica.

Ao constituir-se como dogma, o modelo pós-freudiano, ao invés de dialogar ou articular-se com o modelo freudiano, tende a excluí-lo e a substituí-lo. Assim, o objeto substitui a pulsão como polo de referência conceitual. O self substitui o Ego. A destrutividade predomina sobre o sexual. As ansiedades prevalecem sobre o desejo. As angústias precoces sobre a angústia de castração. O afetivo sobre o representativo. O pré-verbal sobre a linguagem. O diádico sobre o triangular. O arcaico sobre o edípico. A neurose fica esmaecida após a referência à psicose. A figura da mãe obscurece a importância (estrutural) do pai. Uma perspectiva genética e evolutiva ignora o estrutural, cancelando a dialética entre sincronia e diacronia.

A descoberta da função de ferramenta da contratransferência conduz à ocultação de sua dimensão de interferência e de obstáculo na escuta analítica. A radicalização da ideia da comunicação de inconsciente para inconsciente faz com que a contratransferência torne-se um guia imediato para compreender (e interpretar) o discurso do paciente: a contratransferência totalizante chega a substituir a atenção flutuante (Bollas, 2002). Nas formas mais mecânicas e extremas, o analista deixa de parecer um decifrador e passa a parecer um médium, que tem acesso ao "além da palavra". O afeto contratransferencial, considerado como informação de uma comunicação direta de inconsciente para inconsciente, estabelece um critério de imediatez3, que condensa em um único momento recepção, elaboração e utilização de tal "informação". A imediatez da contratransferência obscurece a articulação escuta/memória inconsciente do analista/nacfiiraglzcfi[ressignificação]-interpretação. A interpretação sistemática da transferência (no aqui e agora) faz a mesma coisa com a construção (da verdade histórica), e também com a interpretação do "lá-em outro momento-com outro". O papel da linguagem (e a especificidade do diálogo analítico) empobrece-se em razão da "interpretação militante" tipo tradução simultânea (Bollas, 2002) ou em razão da desconfiança na interpretação4.

Quanto à técnica, um certo deslizamento fenomenológico foi criticado (Urtubey, 1994), uma vez que o sentido manifesto do afeto experimentado pelo analista costuma ser interpretado literalmente, atribuindo-o ao paciente como impulso inconsciente (tem sido esse o uso difundido da ideia de contraidentificação projetiva de Grinberg). A aplicação de um código simbólico pré-estabelecido na interpretação levou a analista pós-kleiniana Liz Spillus a assinalar que "alguns discípulos (de Klein) fizeram - e talvez continuem a fazer - suas interpretações sobre o intercâmbio verbal e o comportamento de seus pacientes de maneira simbólica rígida" (Bott-Spillus, 2001). O enquadre também se enrijece em um braço-de-ferro imaginário contra o acting-out.

 

Aberturas antidogmáticas

Historicamente, diante do dogmatismo e do reducionismo do modelo pós-freudiano, destacam-se três movimentos antidogmáticos: na Inglaterra, encontramos o Middle Group, oposto à militância de annafreudianos e kleinianos. Seu papel histórico (para além de suas contribuições conceituais) parece ter sido o de instituir uma espécie de espaço intelectual transicional, que legitima uma nova liberdade de pensamento, criatividade e intercâmbio entre ideias diferentes. Nesse sentido histórico, Winnicott talvez possa ser visto como uma das figuras mais influentes (ou inspiradoras) da psicanálise contemporânea. Um processo singular (mas equivalente) ocorre na França, onde J. Lacan começa criticando o esquecimento da teoria de Freud, para em seguida reproduzir o típico movimento pós-freudiano: armar seu próprio modelo reducionista, convertê-lo em dogma, mecanizar uma técnica particular e arrogar-se líder carismático de uma corrente militante. Por essa razão, entre a metade e o final dos anos 60, os principais seguidores de Lacan (os mais proeminentes analistas da terceira geração francesa) rompem com ele. Trata-se de autores como J. Laplanche, J.-B. Pontalis, P. Aulagnier, D. Anzieu e A. Green, entre outros, que aprofundaram a renovação da leitura de Freud e abriram-se ao intercâmbio com outras correntes, tentando superar os impasses do reducionismo lacaniano e pós-freudiano em geral. Na Argentina encontramos um movimento freudiano pluralista que questiona, dentro e fora da Associação Psicanalítica Argentina, o reacionário dogmatismo kleiniano. Dentro da APA, o movimento é liderado por W. Baranger, M. Baranger e J. Mom (apoiados por figuras históricas como A. Garma) - em 1974, a APA concretiza uma reforma democrática (avançada na IPA) e institui um modelo freudiano pluralista: é, talvez, o primeiro instituto de psicanálise no qual se ensina um modelo pluralista (obras de A. Freud, M. Klein, Winnicott, Bion, Lacan, assim como de autores contemporâneos como O. Kernberg, A. Green, J. Laplanche etc). Estes três movimentos inauguram uma perspectiva contemporânea que hoje, trinta anos mais tarde, alcançou sua maturidade.

 

A psicanálise contemporânea: o pensamento clínico e o enquadre interno do analista

I- O terceiro movimento corresponde à psicanálise contemporânea. Seu emergir está ligado à tentativa de superar os impasses do modelo pós-freudiano e aquilo que se costuma chamar - de modo vago, mas expressivo - "crise da psicanálise". Surgem, do reconhecimento desta situação, duas correntes principais no panorama contemporâneo. Uma delas procura atualizar o modelo pós-freudiano (em algumas de suas variantes), e a outra tenta desenvolver um novo modelo. Quando falamos de "modelo contemporâneo" é a este último que nos referimos. Esquematicamente, pode-se dizer que em nosso grupo de investigação, a primeira corrente estava representada por E. Bott-Spillus, O. Kernberg, B. Grossman e J. Lutemberg; já a segunda, por A. Green, J.C. Rolland, G. Kohon, e eu.

Como primeira abordagem, pode-se dizer que o modelo contemporâneo baseia-se em três eixos: uma leitura renovada de Freud, que revaloriza a metapsicologia e o método freudianos como fundamento da psicanálise; uma apropriação crítica e criativa das principais contribuições pós-freudianas (juntamente com um diálogo com autores contemporâneos de diversas correntes); e uma ampliação da clínica aos desafios da prática relativa aos quadros predominantemente não-neuróticos. É importante notar que o vocabulário freudiano torna-se o idioma, a "língua franca", desse movimento instituidor e de sua nova matriz disciplina (Khun, 1962), pluralista, integradora, cosmopolita, complexa, de fronteira.

No modelo contemporâneo, a teoria concebe o funcionamento mental como processo heterogêneo de representação, que conecta e simboliza as relações entre o intrapsíquico (centrado na pulsão) e o intersubjetivo (centrado no objeto). A concepção freudiana da representação é ampliada e complexificada, abrangendo desde o corpo e o afeto até o pensamento. Inscrita na dinâmica terciária da estrutura edípica, propulsionada pelas pulsões eróticas e destrutivas, e codeterminada pelas relações com os objetos, a representação é definida como função básica do psiquismo. Forma psicanalítica do pensamento complexo (Morin, 1990), a perspectiva metapsicológica contemporânea enfatiza a heterogeneidade, a terceiridade, a processualidade e a poiesis ou criatividade.

Na clínica, as patologias fronteiriças constituem os novos quadros paradigmáticos. Isto promove a exploração das condições de possibilidade e os limites da analisabilidade. Introduz-se o conceito de enquadre, com a elucidação de seu fundamento metapsicológico, de sua função metodológica (e epistemológica) e suas possíveis variações técnicas. Como consequência, destaca-se a importância do enquadre interno do analista e a complexa pluralidade de seu funcionamento na sessão: o trabalho psíquico do analista torna-se um eixo conceitual que articula elementos, dimensões e operações diversas. Emerge a imagem do analista "poliglota" (capaz de escutar e de se comunicar em diversos registros: as "diferentes línguas" em que se exprime o inconsciente), "multicultural" (com identidade plural, aberta à alteridade radical tanto das demais "culturas" psicanalíticas quanto de universos simbólicos muito mais distantes do seu do que o das neuroses).

A noção de pensamento clínico participa da construção de um modelo que aspira a integrar as contribuições e superar as limitações dos modelos freudiano e pós-freudianos. Converge com as noções de matriz ativa (dialógica) do enquadre interno do analista no desenvolvimento de um "pensamento terciário" (Urribarri, 2002, 2010). Neste contexto, a contratransferência é redefinida: surge um conceito de contratransferência integrada ou enquadrada. A contratransferência deixa de ser o conceito-pilar do modelo técnico e passa a ser uma noção "enquadrada", integrada em uma nova configuração conceitual.

II- Os pacientes limítrofes, como dissemos, desempenham um papel de referência clínica paradigmática. Isto parece estar ligado a uma mudança histórica que registra, na prática, o predomínio de quadros fronteiriços sobre as neuroses (chamadas agora, em geral, "clássicas"). Correlativamente, desenvolve-se o estudo da especificidade (e variedade) das estruturas limítrofes, situando-as em uma posição intermediária entre psicose e neurose (com as quais compartilham elementos, mas não se confundem com elas) (Kernberg, Searles, Bergeret, Green, Anzieu, McDougall, Paz).

Nos casos-limite, postula-se uma frente de conflitos dupla (simultâneos e cindidos): de um lado, um conflito pulsional entre o Ego e o Id; de outro, um conflito pulsional e identificatório entre o Ego e o(s) objeto(s). Nesta encruzilhada, o Ego encontra-se especialmente afetado em nível de sua estrutura narcísica e de sua capacidade de simbolização ("brancos" de pensamento e sentimentos de vazio são duas de suas expressões sintomáticas). Em uma trama triangular falida, o objeto incestuoso do desejo inconsciente, o objeto da identificação primária e o escoramento egoico não estão suficientemente diferenciados. De consequência, a angústia de castração é agravada por angústias de separação e intrusão, provocando um funcionamento paradoxal. As pulsões sexuais (com fixações pré-genitais e um funcionamento mais próximo ao Id do que o do Inconsciente) desempenham um papel fundamental, o que diferencia os casos borderline das psicoses (e o modelo contemporâneo do pós-freudiano). Mas, diferentemente do que ocorre nas neuroses, as pulsões destrutivas e os mecanismos de defesa primitivos (cisão, negação etc) têm mais peso. Isso significa que, ao contrário do predomínio que a relação de objeto e destrutividade tiveram no pós-freudiano, recupera-se e renova-se, no contemporâneo, a dimensão traumática da sexualidade5. O mesmo acontece com a consideração da potencialidade traumática do objeto - especialmente em relação ao narcisismo.

Quanto às estruturas não-neuróticas (embora com alcance mais amplo), uma das principais mudanças teóricas e clínicas surge da revisão crítica do esquema pós-freudiano dualista ou diádico.

A essa altura - escreve Kohon (2005) - quase todos já sabemos: se é certeza que não existe um bebê sem uma mãe, também é certeza que não existem um bebê e uma mãe sem um pai, imaginário ou real que seja. O encontro analítico não pode ser entendido em termos exclusivos de uma relação mãe-bebê. Mãe e bebê (assim como paciente e analista) só podem existir no contexto de um terceiro elemento, que não precisa estar fisicamente presente para ter lugar. O terceiro elemento de todas as análises, que regula a relação entre paciente e analista, está definido e realizado pelo enquadre analítico.

De modo semelhante, referindo-se específicamente à análise com pacientes não-neuróticos, Green escreve: "A questão não é a passagem de dois a três, da díade à tríade mas sim a transição a partir do estado de terceiridade potencial (já que o pai está presente só na mente da mãe), à terceiridade efetiva".

A prática, no território intermediário das estruturas não-neuróticas, permite a exploração dos limites da analisabilidade, promovendo uma dupla elucidação: de um lado, elucidando os fundamentos metapsicológicos do enquadre e o método freudiano; de outro, elucidando as possíveis variações para a análise de estruturas limítrofes. A revisão do método freudiano leva a psicanálise contemporânea (especialmente influenciada pela apropriação crítica e criativa da obra de Lacan) a conferir um lugar central à linguagem. O inconsciente não é composto nem estruturado do mesmo modo que a linguagem; mas a linguagem - como Freud sempre afirmou - torna-se, graças à associação livre, a "via régia" para se ter acesso ao inconsciente. Entre a representação inconsciente (representação de coisa e afeto inconscientes) e a representação de palavra existe uma heterogeneidade irredutível, mas também compatibilidade e uma possível articulação: essas relações conflituosas definem a parte essencial do trabalho psíquico. Na teoria da clínica, estabelece-se a especificidade do funcionamento da linguagem determinado pelo enquadre: a dupla prescrição de dizer tudo e não fazer nada provoca uma transferência sobre a palavra - e não só sobre o objeto. J.C. Rolland exprime essa visão contemporânea definindo a situação analítica como "situação interdiscursiva" (2001). Na técnica, restabelece-se o princípio da referência ao discurso do paciente como condição de possibilidade (embora não suficiente) da escuta, do diálogo e da interpretação psicanalítica6.

Uma importante inovação é a introdução e desenvolvimento do conceito de enquadre (Winnicott, Bleger, W. y M. Baranger, J.L. Donnet, J. Laplanche, A. Green, R. Rousillon). O enquadre é distinto da mera situação material e é concebido como uma função constituinte do encontro e do processo analítico (com o qual constitui um par dialético). De natureza transicional (entre a realidade social e a realidade psíquica), o enquadre é a instituição e a encenação do método analítico. Tem dimensão tríplice: uma dimensão material (frequência semanal, pagamento, disposição física) e uma simbólica (regra fundamental), cuja articulação cria e contém o espaço imaginário (do "como se") próprio da análise. O enquadre institui o espaço analítico (Winnicott, Viderman), que é um terceiro espaço que torna possível o encontro e a separação (a discriminação) entre o espaço psíquico do paciente e o do analista: evita a conivência, a fusão regressiva, a captura na miragem da dualidade. Contenção e distância, o enquadre delimita o espaço intermediário que torna possível a comunicação analítica. Seu estatuto é, ao mesmo tempo, clínico e epistemológico: o enquadre é condição da constituição do objeto analítico (Green), objeto terceiro, distinto do paciente e do analista, produzido pela comunicação de cada par analítico específico.

Green propõe distinguir, no enquadre, a fração variável da fração constante. A fração constante corresponde à "matriz ativa", de natureza dialógica, constituída pela associação livre do paciente acoplada à escuta flutuante e à neutralidade benévola do analista. É a matriz dialógica que forma o núcleo da ação analítica, cujo agente é o par analítico, relativamente independente das formas de trabalho. A fração variável constitui uma espécie de "estojo de proteção" da matriz ativa, e corresponde às disposições materiais secundárias, como a frequência, a posição do paciente e os diversos aspectos do contrato analítico.

A introdução do conceito de enquadre inaugura um esquema triádico (enquadre - transferência - contratransferência) da compreensão do processo analítico: se a transferência e a contratransferência são o motor, o enquadre constitui seu fundamento. O enquadre, em sua relação dialética com o processo, é "mudo", "invisível"; enquanto o processo flui normalmente. Torna-se "audível" (e até barulhento) quando ocorre um impasse no processo. No modelo contemporâneo, a escuta dos ruídos do enquadre não se reduz a um esquema pré-estabelecido (mãe-bebê, continente-conteúdo etc), do mesmo modo que sua interpretação não se reduz à ideia de "ataques ao enquadre" e "acting-out". Esta é apenas uma das possibilidades. Nesse novo esquema triádico, a significação do enquadre é polissêmica, incluindo diversas lógicas na escuta: da unidade (do narcisismo), do par (mãe-bebê), do intermediário (transicional), do triangular (da estrutura edípica), do transgeracional e do conjunto (grupalidade e socialidade).

O enquadre torna-se - afirmou Green em uma das reuniões - uma ferramenta de diagnóstico. A possibilidade de usar ou não o enquadre como espaço analítico potencial, no qual seguir a regra fundamental permite avaliar as possibilidades e dificuldades do funcionamento representativo. Assim, com pacientes não-neuróticos fundamentam-se as modificações do enquadre (menor frequência de sessões, posição cara a cara etc), de modo a estabelecer as melhores condições possíveis para o funcionamento representativo. Em contraste com a ideia de que as psicoterapias psicanalíticas são variantes mais simples e superficiais de trabalho analítico, reconhece-se a complexidade e a dificuldade delas. Do lado do analista, destaca-se a necessidade de um trabalho psíquico especial que torne representável, pensável e analisável o conflito psíquico situado nos limites da analisabilidade. Por exemplo: a escuta deve combinar a lógica dedutiva (do modelo freudiano) com a lógica indutiva. Na formulação da interpretação, explicita-se seu caráter conjetural, utilizando o modo condicional ou interrogativo, de modo a permitir que o paciente tenha uma "margem de jogo" (analítico) e possa assumi-la ou rejeitá-la. A noção de diálogo analítico tem importância conceitual geral, e não apenas descritiva.

Em ambos os casos - psicanálise ou psicoterapia - pode-se dizer que o objetivo é o mesmo: constituição de um enquadre interno (ou interiorização do enquadre), mediante o qual o núcleo dialógico (intersubjetivo) da análise torna-se matriz intrapsíquica reflexiva (Urribarri, 2005, p. 185).

Estes trabalhos promovem, de modo correlato, mudanças teóricas e técnicas importantes. A transferência é concebida como coproduto da situação analítica e deixa de ser vista como pura repetição do passado: nela há lugar também para o novo, para a criação e neogênese (Castoriadis, 1969; Viderman, 1970; Laplanche, 1987; Bleichmar, 1987). Desse modo, a interpretação não é apenas decifração, mas também poiesis, criação de sentido, edição do inédito.

Devemos notar que a psicanálise contemporânea não considera que o campo do analisável se organize segundo uma neurose de transferência (em parte pela limitação do termo neurose), mas prefere falar, por exemplo, de configurações transferenciais (Faimberg), para designar a complexidade das formações de que - agora sabemos - o próprio dispositivo analítico é um dos componentes (Roussillon, 2006, p. 103).

Tecnicamente, passa-se da (sistemática) interpretação da transferência à interpretação na transferência. A dimensão do "aqui-agora-comigo" passa a articular-se com o "lá-em outro momento-com outro". A nachtraglicheit freudiana (a ressignificação, o après-coup) que define a temporalidade específica da psicanálise recupera um papel central e é duplamente aprofundada: como dimensão essencial e inerente do processo de representação, e como chave do trabalho psicanalítico. A historicização passa a ser uma dimensão-chave do trabalho de análise (Aulagnier, 1984; Laplanche, 1979; Faimberg, 2005; Marucco, 1998).

Desenvolve-se, nesse contexto, um novo conceito de contratransferência integrada (ou enquadrada). De um lado, como fenômeno, encontra-se integrada no esquema triádico do processo analítico (enquadre-transferência-contratransferência). Não é mais definida como correlato simétrico da transferência do paciente, e sim como produto da situação analítica (Laplanche) em campo dinâmico (Baranger). Pode-se dizer que transferência e contratransferência são efeitos do enquadre, pois são causa conjunta da constituição e dinâmica do campo analítico. De outro lado, quanto à escuta analítica, a contratransferência está enquadrada em uma concepção renovada, mais ampla e completa, do trabalho psíquico do analista. Faz parte do enquadre interno do analista.

A maioria dos autores contemporâneos destacam três situações nas quais a contratransferência desempenha um papel primordial: na construção dos traumas pré-verbais; na representação do não-representado, dos conflitos nos limites da simbolização (em relação ao corpo, afetos etc); e na escuta (e tradução) das turbulências, impasses e rupturas do processo e enquadre. Do mesmo modo, tende-se a diferenciar com mais clareza os três momentos lógicos do "trabalho da contratransferência" (segundo a expressão de L. Urtubey): o de recepção (predominantemente inconsciente, incorporado na escuta analítica como "ressonância contratransferência", acompanhado por manifestações ego-distônicas); o da elaboração da contratransferência (predominantemente pré-consciente); e o da utilização da contratransferência: mediante sua tradução no "discurso interno do analista" (Rolland, 2001), orienta suas intervenções mas não é expressa diretamente, nem como confissão nem como "interpretação".

Isso significa que a contratransferência é independente do esquema pós-freudiano. Já não é vista como criação do paciente que o analista recebe passivamente, não é exclusiva nem primordialmente afetiva. Ao contrário, é uma produção do campo analítico que se pode manifestar de vários modos como afetos, sensações físicas, e também por meio de palavras, frases, figurações (geralmente visuais), fantasias diurnas, alucinações etc (Botella, 2001; Rolland, 2001). Não é vista nem mesmo como causada exclusivamente pela identificação projetiva, mediante uma intrusão que coloca o analista na posição de receptor passivo (diante de sua origem e conteúdo). O paciente influencia o analista por meio de seu discurso (carregado ao mesmo tempo de palavras e imagens, de representações de coisa, de movimentos pulsionais). A subjetividade do analista coloca-se em jogo, na contratransferência, como parte do diálogo analítico, e é co-constitutiva do "campo analítico intersubjetivo" (Baranger). Por último, não é mais entendida segundo o modelo dual da relação mãe-bebê, nem considerada uma comunicação direta entre inconscientes, que o psicanalista possa usar imediatamente na prática. A contratransferência é uma exigência de trabalho psíquico para o analista.

A psicanálise contemporânea desenvolve o trabalho psíquico do analista como um eixo conceitual terciário, que procura incluir a atenção flutuante e a contratransferência como dimensões parciais e complementares de um processo complexo. Além disso, destaca a importância da imaginação do analista (especialmente solicitada no trabalho realizado nos limites da analisabilidade). Redefinida deste modo, a escuta analítica é mais ampla do que contratransferência, e a atividade do analista vai mais além da elaboração e do uso desta. Nem todo movimento da mente do analista para além do processo secundário é contratransferencial: por exemplo, destaca-se o papel da regressão formal do pensamento do analista, como um modo de dar representabilidade ao não representado do paciente. Fala-se também de um "psiquismo para dois corpos" (J. McDougall); de "quimera", monstro de duas cabeças, que é uma metáfora do par analítico entrelaçado no conflituoso movimento psíquico da sessão (De M'Uzan).

Para ilustrar a complexização do trabalho psíquico do analista (como eixo que articula uma série de operações complementares), vale a pena citar uma descrição precisa de André Green. Ao discutir o modelo pós-freudiano, em particular a noção bioniana de rêverie como modelo da contratransferência totalizante, ele afirma que a referência ao sonhar materno deve ser complementada pelo sonhar paterno e, assim, escreve:

No que consiste a escuta do analista? Em primeiro lugar, em compreender o sentido manifesto do que é dito, condição necessária para tudo o que se seguirá; em seguida - é a etapa fundamental - consiste em imaginarizar o discurso, ou seja, não apenas imaginá-lo mas incluir nele a dimensão imaginária, construindo de outro modo o implícito desse discurso na encenação da compreensão. A etapa seguinte irá (delirar ou) desconectar a sequência linear desta cadeia, evocará outros fragmentos de sessões: alguns recentes (talvez da última sessão), outros menos recentes (surgidos há alguns meses) e, enfim, outros ainda mais antigos (por exemplo, um sonho no começo da análise)... O analista tem a tarefa de ser o arquivista da história da análise e de pesquisar nos registros de sua memória pré-consciente, convocando para isso, a todo momento, suas associações. Eis aí o pano de fundo contra o qual se desenvolve a capacidade de sonhar do analista. Esta se corporifica na última etapa, a de reconexão, que será feita selecionando e recombinando os elementos assim escolhidos para trazer à luz a fantasia contratransferencial que vai ao encontro da fantasia transferencial do paciente (Green,1986, p. 169-170).

A teoria contemporânea postula um escoramento pré-consciente da atenção flutuante: metapsicologicamente, a "memória inconsciente" do analista, da qual fala Freud, é pré-consciente. Isto não significa que o papel do inconsciente do analista seja excluído, mas sim que é articulado e mediado pelo pré-consciente, permitindo sua simbolização e uso técnico. O papel do pré-consciente adquire importância renovada como espaço de mediação, intersecção e interação representativa: espaço transicional interno, pivô da associação livre do paciente (e da atenção flutuante do analista), lugar da pré-elaboração. Surge, neste contexto, a ideia do enquadre interno do analista como matriz representativa pré-consciente. Seu bom funcionamento é o dos processos terciários (Green): processos de conexão e desconexão, união e separação de elementos e processos heterogêneos (primário e secundário, mas também originário, arcaico, semióticos etc) nos quais se funda a compreensão e a criatividade do analista. Na pré-elaboração da contratransferência, os processos terciários do analista permitem que a ressonância inconsciente primária se conecte, adquirindo representabilidade, significado e podendo, assim, ser pensada por meio da linguagem, e finalmente apreendida na situação analítica.

Estes desenvolvimentos contemporâneos têm uma de suas formulações mais avançadas e interessantes na noção de "pensamento clínico" proposta por André Green. Em sintonia com a ideia da polissemia do enquadre e diversidade de lógicas em jogo, a posição do analista é múltipla e variável, não pode ser predeterminada nem fixa: nem como pai edípico, nem como mãe-continente: a performance do analista - em sentido teatral, musical e lúdico - deverá se basear nos roteiros revelados na singularidade polifónica do campo analítico. Reconhecer que o inconsciente exprime-se em muitos dialetos promove um ideal de analista "poliglota".

Para terminar, gostaria de dizer que o desejo que mobilizou a escrita deste trabalho corresponde ao projeto de reconhecer e problematizar a crise da psicanálise. Nossa maior aspiração foi contribuir para a reflexão coletiva, de modo a historicizar nossas ideias e práticas, valorizando o potencial transformador da psicanálise contemporânea.

 

Referências

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Correspondência:
Fernando Urribarri
Av. Callao 1960, 4º
1021-Recoleta Buenos Aires
zonaerogena@yahoo.com

Recebido em 18.7.2012
Aceito em 3.8.2012

 

 

1 O grupo funcionou de 2000 a 2004. Duas vezes por ano fazia-se uma reunião que se concentrava no material clínico apresentado por um colega, sempre diferente, o qual fazia circular previamente, por e-mail, um artigo teórico seu, de modo a tornar conhecido seu pensamento. Após cada uma das reuniões, cada membro enviava suas reflexões ao grupo. As conclusões foram publicadas no livro Resonance of suffering [Ressonância do sofrimento] (Green, 2007).
2 Em razão dos limites materiais e do tema deste trabalho, concentrado na contratransferência, deixamos de lado a análise específica de duas importantes correntes pós-freudianas que rejeitam - parcial ou totalmente - a noção de contratransferência: a psicologia do Ego (incluído o annafreudismo) e o lacanismo. Mencionamos brevemente que a psicologia do Ego norte-americana e o annafreudismo britânico rejeitaram a noção pós-freudiana de contratransferência. Nas últimas décadas, porém - graças em grande parte ao impulso, entre outros, de O. Kernberg, H. Searles, T. Ogden nos Estados Unidos, e de J. Sandler no Reino Unido -, aceita-se a validade do tema (especialmente em sua articulação com a identificação projetiva), e o termo será adotado no vocabulário teórico. Lacan, por sua vez, rejeita o problema e o termo, e opõe a eles o termo "desejo do analista".
3 Por exemplo, Money-Kyrle (1956) ao falar da contratransferência menciona três fatores e conclui: "Estes três fatores podem, certamente, ser esclarecidos em alguns segundos e, assim, a contratransferência está realmente funcionando como um delicado aparelho receptor".
4 Não obstante as óbvias diferenças em relação à linha Ferenczi-Balint-Winnicott, não deixa de ser um paradoxo o fato de que a prática lacaniana, ao passar a ênfase da linguagem (simbólico) para o ato (real), tenha conduzido a um tipo de técnica ativa na qual a interpretação é substituída pela divisão das sessões e pelo corte destas (G.Rosolato, 1999).
5 Jean Claude Rolland defendeu, em nosso grupo, o papel do "princípio do prazer como bússola da escuta analítica" - em uma perspectiva freudiana contemporânea muito francesa. Na mesma linha - exposta em seu material clínico -, postulou a necessidade de "encontrar a cena libidinal por trás do trauma".
6 Em sua apresentação, André Green apresentou uma revisão contemporânea da concepção de associação livre (e da atenção flutuante): definiu-a como processo arborescente de criação de sentido, que determina, na escuta, um movimento duplo de "retroactive reverberation and anticipatory implication (regarding what will follow)". Esta virtualidade polissêmica da comunicação analítica pode tornar-se potencialidade traumática nas estruturas não-neuróticas: a posição fóbica central (Green, 1992/2001) é um exemplo de defesa contra essa última possibilidade.

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